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Brasil flagra mais de 1,6 mil escravizados em 2024, do Rock in Rio à BYD

Brasil flagra mais de 1,6 mil escravizados em 2024, do Rock in Rio à BYD

O BRASIL encontrou, pelo menos, 1.684 trabalhadores em condições análogas às de escravo em 2024. O número é menor que os 3.238 resgatados de 2023 e os 2.507 de 2022. Com eles, o país ultrapassou 65,2 mil trabalhadores flagrados desde a criação dos grupos especiais de fiscalização móvel, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego. Em maio deste ano, essa força-tarefa, base do sistema de combate à escravidão no país, completa 30 anos.

As operações são coordenadas pela Inspeção do Trabalho em parceria com o Ministério Público do Trabalho, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União, entre outras instituições. Ou por equipes ligadas às Superintendências Regionais do Trabalho nos estados, que também contam com o apoio das Polícias Civil, Militar e Ambiental.

A totalização está passando por revisão e pode oscilar para cima. O final do ano ficou marcado por três resgates que ganharam repercussão nacional.

O primeiro foi o de 163 chineses em condições análogas às de escravo trabalhando nas obras da fábrica de automóveis da BYD em Camaçari (BA). Tanto a Jinjiang, prestadora de serviços para a construção, como a empresa foram responsabilizadas pela situação pelos auditores fiscais do trabalho e notificadas pelo grupo móvel em 23 de dezembro.

Contratos analisados pela fiscalização previam jornada de dez horas por dia, seis dias por semana, com possibilidade de extensão, o que levava a uma jornada semanal de 60 a 70 horas — muito maior do que o limite legal no Brasil de 44 horas. A jornada exaustiva criava um ambiente propício a acidentes de trabalho – houve pelo menos quatro, inclusive com amputação de membros e perda de movimentos nos dedos.

Um dos alojamentos registrava 31 trabalhadores para um único vaso sanitário, levando os operários a terem que acordar às 4h para enfrentar uma fila e começar o dia. Muitos dormiam sem colchões, outros com produtos tão finos que era como se dormissem sem nada. As cozinhas estavam em condições precárias de higiene.

Além das condições degradantes, a fiscalização também configurou trabalho forçado, que ocorre quando são impostas condições que impedem que as vítimas se desvinculem de seus patrões e do serviço por medo de não receberem pelo tempo trabalhado e terem que arcar com os custos de retorno. “Eles não têm a liberdade de escolha finalizar o contrato de trabalho”, afirmou à coluna Liane Durão, auditora fiscal do trabalho que coordenou a operação. “Isso é um limitador da vontade do trabalhador de encerrar o seu contrato de trabalho, direito que é garantido por lei”, diz.

“A BYD Auto do Brasil reitera seu compromisso com o cumprimento integral da legislação brasileira, em especial no que se refere à proteção dos direitos dos trabalhadores. Por isso, está colaborando com os órgãos competentes desde o primeiro momento e decidiu romper o contrato com a construtora Jinjiang”, afirmou Alexandre Baldy, vice-presidente sênior da BYD Brasil, em nota à imprensa.

Vereadora manteve doméstica negra em escravidão por 28 anos

Em outra operação, conduzida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, em parceria com o Ministério Público do Trabalho e a Polícia Federal, uma trabalhadora doméstica, negra, de 61 anos, foi resgatada de uma situação análoga à escravidão da casa da vereadora Simone Rezende Rodrigues da Silva (União Brasil), conhecida como Simone Cabral, de Além Paraíba (MG). De acordo com a fiscalização, ela estava há 28 trabalhando para a família.

A vítima é uma mulher pobre, oriunda da zona rural de Leopoldina (MG). Sem acesso à educação formal, ela nunca aprendeu a ler ou a escrever. Durante a inspeção, realizada em dezembro, foi constatado que ela trabalhava sem descanso e não tinha direito a lazer ou vida social.

“As violações encontradas no presente caso vão além da simples negação de direitos à trabalhadora. Ao lado da ausência de condições justas, do não-pagamento de salários, da usurpação dos períodos de descanso e lazer, à trabalhadora foi negado o básico para a sua existência como pessoa”, afirma o relatório de fiscalização, coordenada pelo auditor fiscal Luciano Pereira de Rezende. A coluna tentou contato com a vereadora na época do resgate, mas não teve sucesso.

A trabalhadora relatou aos agentes públicos que nunca recebeu salário e que, quando precisava comprar algo, pedia à Simone. Segundo ela, a patroa teria dito que o dinheiro de sua remuneração estava guardado em um banco. A vereadora, que está em seu terceiro mandato, durante depoimento presente no relatório de fiscalização, negou a exploração e disse que a trabalhadora era uma “pessoa da família”. E contradizendo o que havia relatado a doméstica, afirmou que ela não tinha conta aberta em banco.

Força-tarefa resgata 14 da escravidão no Rock in Rio

Auditores fiscais do trabalho da Superintendência Regional do Trabalho no Rio de Janeiro e procuradores do Ministério Público do Trabalho da 1ª Região concluíram, também em dezembro, uma operação que resultou no resgate de 14 pessoas submetidas a condições de trabalho análogo ao de escravo na edição 2024 do Rock in Rio. A empresa organizadora foi diretamente responsabilizada, mas negou as acusações.

Parte dos trabalhadores eram levados a dobrar a jornada por dias seguidos na esperança de receber mais, chegando a trabalhar por 21 horas em um único turno e descansando por apenas três horas.

“Eles começavam a jornada às 8h e iriam até as 17h. Quando dava o horário, o supervisor perguntava: quem quer dobrar? E eles iam até as 5h da manhã. O problema é que já retornariam três horas depois. Então, em razão dessa oferta de pagamento maior, falavam sim. E onde é que dormiam? Lá, no chão, em cima de jornal, papelão, usando mochila de travesseiro, utilizando um banheiro improvisado, absolutamente um lixo”, afirmou à coluna o auditor fiscal do trabalho Alexandre Lyra, um dos coordenadores da operação.

Os fiscais do trabalho encontraram os 14 trabalhadores precariamente sobre papelões, sacos plásticos ou lonas, alguns com cobertores, demonstrando que havia um planejamento prévio para pernoitar no local. Parte das trabalhadoras resgatadas tomavam banho de canequinha no banheiro feminino pela falta de chuveiro. Para garantir que homens não entrassem no local durante seu banho, tinham que tirar a maçaneta da porta do sanitário.

As vítimas atuavam como carregadores de grades, equipamentos, bebidas e estruturas metálicas, na montagem do festival e na limpeza de alguns espaços. “Sabe aquela fotografia clássica do barraco de lona, das necessidades fisiológicas no mato, do consumo de água compartilhadas com os animais, do trabalho escravo rural? Por incrível que pareça, vimos mais ou menos essa fotografia no ambiente urbano do Rock in Rio. Os trabalhadores estavam largados”, explica Alexandre Lyra.

Em nota, a Rock World negou as acusações de trabalho escravo e disse que as autoridades “lançaram sérias acusações contra a Rock World, de maneira precipitada, desrespeitando o direito constitucional ao contraditório, ampla defesa e presunção de inocência, já que os fatos ainda estão sob o crivo de um processo administrativo recém iniciado”. A empresa ressaltou que nenhuma alegação foi comprovada até o momento.

A respeito da denúncia, a Rock World declarou que o episódio envolveu apenas trabalhadores de uma empresa terceirizada, a Força Bruta, e que “agiu prontamente” após tomar conhecimento dos fatos. A empresa diz ainda ter instruído as terceirizadas e fornecedoras a realizar contratações respeitando a legislação. A Força Bruta foi procurada, mas não retornou. O espaço segue aberto.

Resgates de trabalhadores no café em MG têm ataques e ameaças

O ano também foi de tensão para os servidores públicos que verificam denúncias re resgatam trabalhadores. Após 24 trabalhadores serem resgatados de condições análogas às de escravo em três fazendas de café em Nova Resende, Juruaia e Areado, no Sul de Minas Gerais em junho, o deputado federal Emidinho Madeira (PL-MG) foi à tribuna da Câmara pedir apoio do seu partido e da bancada ruralista para mudar a norma que orienta a fiscalização trabalhista no campo.

Em seu pronunciamento, acusou a fiscalização de causar pânico e criticou que os policiais e servidores públicos envolvidos no combate à escravidão portem armas pesadas e fiquem um longo período em cada propriedade. Produtores de café do Sul e Sudoeste de Minas são parte da base eleitoral do deputado, que é coordenador da Frente Parlamentar do Café.

“Senhores auditores, a tinta da caneta, essa multa, é muito pesada e tira muita gente da atividade. Onde vocês passaram nessa semana, a colheita desse ano e do ano que vem dos pequenos produtores já estão comprometidos com a justiça e o nome travado”, afirmou. Propôs que, ao invés das operações de resgate, houvesse “orientação” e “diálogo” com produtores.

A “dupla visita”, quando a fiscalização primeiro orienta e só em outro dia pune no caso de manutenção da irregularidade é antiga demanda de alguns setores econômicos. Ela já é prevista pela legislação em casos de infrações leves, mas segue barrada para o crime de escravidão e trabalho infantil.

Em 6 de junho, uma operação da Polícia Federal teve como alvo um homem que disparou áudios com ameaças contra a fiscalização do trabalho que atua na região cafeeira de Minas Gerais. Ele prestou depoimento e teve o celular apreendido. Os áudios chegaram aos servidores públicos durante fiscalização em lavouras na região do município de Muzambinho, em maio, e foram encaminhados à PF, que identificou o autor.

“Se juntar todo mundo, os trabalhadores, 30 pessoas pegando café, na hora em que a fiscalização chegar lá, quebra o carro deles, mete o pau neles e desce o cacete neles. Aí, vai parar com essa pouca vergonha aí”, diz um dos áudios.

Trabalho escravo contemporâneo

A Lei Áurea aboliu a escravidão formal em maio de 1888, o que significou que o Estado brasileiro não mais reconhece que alguém seja dono de outra pessoa. Persistiram, contudo, situações que transformam pessoas em instrumentos descartáveis de trabalho, negando a elas sua liberdade e dignidade.

Desde a década de 1940, a legislação brasileira prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).

Os mais de 65 mil trabalhadores resgatados estavam em fazendas de gado, soja, algodão, café, frutas, erva-mate, batatas, cebola, sisal, na derrubada de mata nativa, na produção de carvão para a siderurgia, na extração de caulim e de minérios, na construção civil, em oficinas de costura, em bordéis, entre outras atividades, como o trabalho doméstico.

No total, a pecuária bovina é a principal atividade econômica flagrada desde 1995. Números detalhados sobre as ações de combate ao trabalho escravo podem ser encontrados no Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil.

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Brasil flagra mais de 1,6 mil escravizados em 2024, do Rock in Rio à BYD

Mercado de trabalho bate recordes em 2024

O mercado de trabalho brasileiro bateu recordes positivos em 2024. A taxa de desemprego chegou a 6,1% no trimestre encerrado em novembro, a menor já registrada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já a proporção de pessoas com idade para trabalhar e efetivamente trabalhando chegou a 58,8% do total, superando assim os 58,5% alcançados em 2013, ainda antes da recessão e da pandemia.
No mesmo trimestre, o IBGE registrou o maior número de pessoas ocupadas da história do país: 103,9 milhões de trabalhadores. Desses, 39,1 milhões trabalhavam para empresas do setor privado com carteira assinada, outro recorde.
Gráfico do IBGE mostra a taxa de desemprego na mínima histórica do país. Fotografia: Reprodução/IBGE

Ainda no mesmo período, entretanto, a proporção de trabalhadores informais na população ocupada chegou a 38,7%. Até outubro, 40,3 milhões de trabalhadores do país não tinham direitos trabalhistas assegurados, o maior número da história, maior até do que a quantidade de trabalhadores com carteira.

Segundo o IBGE, o rendimento médio do trabalhador brasileiro melhorou e chegou a R$ 3.285. Ainda assim, o rendimento médio é menor do que o registrado em 2020: R$ 3.292.

Gráfico do IBGE mostra como o trabalhador brasileiro, em média, ganha menos do que em 2020. Fotografia: Reprodução/IBGE

“Houve uma recuperação de algo que havíamos perdido na pandemia, mas isso não veio acompanho de um povo saltitante de felicidade pelas ruas”, resumiu a economista e especialista em mercado de trabalho do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Lúcia Garcia. “É preciso moderação e criticismo. A verdade é que o trabalhador brasileiro ganha mal e trabalha em empregos precários.”

“O IBGE estima que há cerca de 66 milhões de pessoas em idade de trabalhar, mas fora da força de trabalho ativa. A força de trabalho subutilizada [que trabalha menos horas do que gostaria] é estimada em 18 milhões de pessoas”, acrescentou Clemente Ganz Lúcio, sociólogo e coordenador do Fórum das Centrais Sindicais. “O mercado de trabalho é heterogêneo, desigual, precário e vulnerável, e tem milhões de trabalhadores que desejam empregos e salários de qualidade.”

Bem-estar

Para Garcia, o bem-estar do trabalhador é a variável mais importante do mercado de trabalho. É, porém, a mais difícil de ser medida.

Segundo ela, apesar de o Brasil ter hoje mais pessoas empregadas, o trabalhador não está tão feliz quando estava há dez anos, por exemplo.

Hoje, descreveu Garcia, há mais trabalhadores dividindo-se entre dois empregos para conseguir se sustentar. Há mais gente trabalhando como prestador de serviço quando deveria ser empregado com carteira assinada. Há também mais trabalhadores dedicando horas do seu dia a aplicativos que não lhe garantem renda ou direitos básicos.

“É cada vez mais normal você entrar num carro de aplicativo e ser conduzido por um motorista que, na verdade, está fazendo um extra depois de deixar o emprego”, disse ela. “Esse trabalhador está empregado na estatística e com rendimento. Mas precisa trabalhar 12 horas por dia para se manter, às vezes sem direito a descanso.”

A falta de tempo de descanso, aliás, é o que tem impulsionado as discussões do fim da escala de trabalho 6×1 no país, lembrou Garcia.

Reforma trabalhista

Garcia lembrou também que a reforma trabalhista de 2017 abriu espaço para a precarização das relações de trabalho no país, prejudicando o bem-estar do trabalhador. A mudança das normas de trabalho criou, por exemplo, o contrato de trabalho intermitente, em que o empregado não tem uma jornada fixa e recebe um salário conforme a demanda do empresário.

Na estatística, o trabalhador intermitente aparece como empregado, com carteira assinada. De acordo com um levantamento do Dieese, porém, eles recebiam em média R$ 762 por mês em 2023, ou seja, 58% do valor do salário mínimo vigente na época, R$ 1.320. Entre mulheres e jovens, a remuneração mensal média foi ainda mais baixa, de R$ 661.

Ainda segundo o Dieese, apenas um quarto dos trabalhadores intermitentes ativos em dezembro de 2023 recebeu ao menos um salário mínimo. Somente 6% receberam, em média, dois salários mínimos ou mais.

Ações do governo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a prometer em sua campanha eleitoral que, durante seu novo governo, atuaria para regulamentar o trabalho por aplicativos e para revisar pontos da reforma trabalhista, sancionada por Michel Temer (MBD).

Dois anos depois, nada foi apresentado pelo governo acerca da reforma. Um projeto para regulamentar o trabalho de motoristas de automóveis de plataformas digitais foi apresentado, mas sequer foi votado.

“O ambiente no Congresso para tratar do mundo do trabalho é muito complicado”, ponderou Ganz Lúcio, do Fórum das Centrais. “O que tem predominado no próprio Congresso são agendas ainda mais retrógradas e mais conservadoras, que eliminam direitos e flexibilizam relações de trabalho, o que diminui a capacidade sindical de atuação.”

Garcia, do Dieese, confirma o cenário. Se preocupa, porém, com a falta de força política do governo para buscar soluções. “O governo consegue cuidar dos pobres com programas sociais, mas não consegue cuidar dos trabalhadores. Será que um dia todos vamos viver de Bolsa Família?”, criticou.

Jovens

Em 2023, segundo o IBGE, o percentual de pessoas com idade entre 15 e 29 anos trabalhando também atingiu um recorde: 43,2% estão ocupados e 12,6% estão ocupados e estudando.

O percentual de jovens que não trabalha nem estuda baixou ao menor nível já medido pelo IBGE: 21,2%. Já a proporção de jovens que só estuda reforçou uma tendência de queda recente: são 23% contra 26,6% em 2021.

“Parte dos jovens hoje precisa trabalhar. Outra parte está trabalhando e deixando o estudo em segundo plano porque não vê clareza de que isso faz sentido”, ponderou Garcia.

O sociólogo Thiago Torres, conhecido nas redes sociais como “Chavoso da USP”, ratificou tal cenário, principalmente entre os jovens da periferia. “Eu vejo que, atualmente, esses jovens não têm nenhuma perspectiva de futuro, mas muitas ilusões de futuro. Não têm ‘perspectivas de futuro’ no sentido de não conseguirem olhar para frente e traçar metas concretas, principalmente voltadas ao trabalho, ao estudo e à melhora de vida”, disse.

Ele ressaltou que, mesmo com a melhora recente, 10,3 milhões de pessoas de 15 a 29 anos não trabalham nem estudam no Brasil, o que “não é nada pequeno”. Apontou que a situação atinge principalmente os historicamente excluídos. “Dentro desses 10,3 milhões, 45,2% são mulheres pretas ou pardas e 23,4% são homens pretos ou pardos. Mulheres brancas são 18,9% e homens brancos, 11,3%.”

Usando esses dados, Torres confirmou que muitos que não estudam nem trabalham, na verdade, não tiveram oportunidade para isso. Parte deles, no entanto, afastou-se da escola e da universidade após um “desmonte” do ensino público.

“Houve um forte processo de desmonte da educação pública brasileira nos últimos anos, do ensino básico ao superior. O maior ataque ao ensino básico foi o ‘novo’ Ensino Médio, que tornou a universidade muito mais inacessível aos adolescentes e jovens pobres, periféricos e da escola pública”, afirmou.

Parte do afastamento dos jovens da educação está registrada em dados de inscrições no Enem. Em 2014, 8,7 milhões de estudantes se inscreveram na prova que dá acesso à universidade. Em 2024, foram 4,3 milhões – quase 50% menos.

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Brasil flagra mais de 1,6 mil escravizados em 2024, do Rock in Rio à BYD

Zaffari adota escala que, segundo seu próprio advogado, ‘é impossível’ sem desrespeitar o Descanso Semanal Remunerado

Diante da repercussão das denúncias trabalhistas contra a Companhia Zaffari, a Rádio Gaúcha realizou uma entrevista com o advogado Flávio Obino Filho, representante da empresa, a fim de “esclarecer” o funcionamento da escala de 10 dias consecutivos de trabalho para um de descanso. Durante a entrevista, o advogado justificou que há embasamento legal para esta escala, questionou o conceito de “semana de 7 dias” e disse que “não existe uma escala 10×1”. Porém, ao tentar explicar sua tese, Obino Filho assumiu que uma das escalas usadas pela empresa suprimiria o direito ao Descanso Semanal Remunerado (DSR).

Apesar de ter sido normatizada em Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) firmado entre o Sindicato dos Empregados do Comércio de Porto Alegre (Sindec-POA) e a Companhia Zaffari, a possibilidade de estender a jornada para além de 7 dias consecutivos de trabalho é considerada uma “violação do art. 7º, XV, da Constituição Federal” pelo Tribunal Superior do Trabalho, sendo o direito ao DSR indisponível para negociação em acordo. Em fevereiro de 2024, uma cláusula idêntica à que consta no ACT entre o Sindec-POA e a Companhia Zaffari foi considerada nula em um processo encabeçado pelo Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS).

Apesar desta decisão do órgão superior da Justiça do Trabalho, o entendimento do advogado do Zaffari é diferente. Para ele, “não existe uma ‘escala 10×1’, nem uma ‘escala 6×1’”, pois, a escala é móvel e os dias de descanso e trabalho podem ser distribuídos como melhor convir para o empregador, desde que respeite “algumas regras”, como o Descanso Semanal Remunerado. Para explicar como funciona o sistema da empresa, Obino define semana como “o que começa na segunda-feira e termina no domingo”, o que seria diferente do período de 7 dias:

“Garantindo uma folga na semana, eu posso ter dias trabalhados diferentes. Como a escala é móvel, eu posso trabalhar 10 dias corridos [até ter a folga], mas, seguido a isso, eu vou ter 3 dias trabalhados e vou ter um descanso. E nem por isso eu vou chamar esse sistema de 3×1, porque, 10×1 necessariamente tem o 3×1”.

Após dizer isso, o repórter Paulo Germano questiona a veracidade desta afirmação, ao que o advogado responde reafirmando que após 10 dias de trabalho consecutivos, depois da folga, “tem que ser 2 ou 3 dias, porque, para cumprir a regra legal e a regra dos acordos, matematicamente, é impossível que, depois de trabalhar 10 dias corridos, se trabalhe 6 dias corridos, porque eu vou extrapolar a semana. Nas escalas, é impossível que isso aconteça, desde que se respeite o Repouso Semanal Remunerado”.

Mariana Ceccon, outra repórter da Gaúcha, então, insiste no questionamento e apresenta um exemplo de escala que, seguindo a lógica do advogado, estaria em contradição com suas afirmações. “Se folgar na segunda (9/12), trabalhar 10 dias consecutivos (até dia 19/12) e folgar na sexta-feira (20/12), eu posso trabalhar mais 8 dias, e cabe dentro da mesma semana”. Então, o advogado assume que, neste caso, “tu vai pular o Repouso Semanal Remunerado”, ou seja, vai suprimir o direito ao descanso do trabalhador.

Ainda que o advogado Flávio Obino Filho tenha afirmado e reafirmado que “há um limite de 10 dias”, que é “matematicamente impossível” uma escala de 10 e 6 dias corridos sem “pular o Repouso Semanal Remunerado”, que “não existe escala 10×1, nem 6×1”, que as escalas “devem respeitar algumas regras” como o próprio direito ao repouso, mesmo assim, estas escalas são comuns aos funcionários da Companhia Zaffari. A empresa não só extrapola os dez dias (já considerados violações pelo TST), como também aplica escalas que, segundo o próprio Flávio Obino Filho, são impossíveis sem “pular o Repouso Semanal Remunerado”.

Ponto de um funcionário com apenas três repousos em um mês. Imagem: Jornal O Futuro

Neste registro acima do ponto de um funcionário, é possível ver que ele desfruta de apenas três dias de repouso em um mês. Sua “escala” segue a seguinte sequência: 10 trabalhados, uma folga, três trabalhados, uma folga, seis trabalhados, uma folga, mais oito trabalhados (que, na verdade, são nove, já que trabalhou mais um dia em sequência, ainda que já tenha virado o mês). Isto é, em 31 dias, o funcionário desfrutou de apenas três folgas, mesmo seguindo a primeira sequência de 10×1 e 3×1 defendida pelo advogado.

O mesmo funcionário também revelou ter trabalhado por 11 dias consecutivos, numa escala que, ao fim, configurou a sequência mensal 1-11-6-6-1. Noutro mês, trabalhou na escala 8-5-10-6. Ambas, de acordo com a tese do representante do Grupo Zaffari, podem ser consideradas violações do direito ao descanso semanal e das “regras que devem ser seguidas” para definir uma escala.

ontos de meses diferentes do funcionário. Fotografia: Jornal O Futuro

A situação de uma operadora de caixa demonstra uma violação ainda mais evidente do direito ao descanso. A jovem foi submetida a 15 dias consecutivos de trabalho, chegando a jornadas de 10 horas de trabalho.

Ponto da operadora com 15 dias de trabalho consecutivos. Fotografia: Jornal O Futuro

Para o advogado do Grupo Zaffari, o limite de 10 dias consecutivos de trabalho é uma “conquista do Sindicato dos Empregados do Comércio”. Segundo ele, o número de dias trabalhados sem folga poderia chegar a 13, pois há decisão judicial que sustenta esta possibilidade.

Em 2014, a Companhia Zaffari foi ré em um processo que denunciava, dentre outras coisas, as escalas de trabalho de 10 a 15 dias. Já neste processo, o MPT-RS, que promoveu a denúncia, embasou sua acusação na mesma decisão do TST que define como violação estas escalas, apontando que este regime de trabalho fere a saúde e a dignidade humana. Porém, ignorando e contrapondo a decisão de sua instância judiciária superior, a juíza do trabalho responsável pelo processo, Eny Ondina Costa da Silva, da 8ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, absorveu a tese defendida pela Companhia Zaffari no que se refere à indefinição do “conceito de semana” e proferiu a seguinte decisão:

“Os empregados devem usufruir um repouso dentro de cada semana, o que, devido à escala para preservar um descanso coincidente com o domingo, pode se dar até o 13º dia. Portanto, determino que a reclamada conceda aos seus empregados um dia de repouso remunerado a cada semana, de modo que os trabalhadores não prestem, entre o gozo de um repouso e o seguinte, mais do que doze (12) dias de trabalho consecutivos”.

Após esta decisão, a Companhia Zaffari e o Ministério Público do Trabalho realizaram uma reunião de conciliação. Desta reunião, resultou um acordo que, com a anuência do MPT-RS, permitiria estender a escala até 10 dias consecutivos de trabalho. Até hoje, a Companhia Zaffari parece se basear nesta decisão para manter seu regime de trabalho, a despeito do vigente entendimento do Tribunal Superior do Trabalho que o classifica como violação do direito ao repouso semanal. Este regime de trabalho, também, já foi considerado, em tese, como análogo à escravidão pela juíza e professora de Direito do Trabalho Valdete Souto Severo.

De todo modo, mesmo com este acordo que permite estender a jornada até dez dias, o não cumprimento desse limite implicaria no pagamento de multa pela Companhia Zaffari para cada funcionário que tiver seu direito violado. Na decisão da juíza, a multa seria de R$15 mil para cada funcionário que trabalhou mais de 12 dias consecutivos. Porém, no acordo firmado pelo MPT-RS com o Grupo Zaffari, o qual vale sobre a decisão da magistrada, a multa é de R$1 mil por cada descumprimento.

Para o MPT-RS, a concordância do procurador do trabalho Lourenço Agostini, que assinou o acordo com a Companhia Zaffari em 2015, se deve à “independência funcional”, que garante a cada procurador “autonomia para agir de acordo com seu entendimento do caso à luz da legislação”.

A Companhia Zaffari afirmou que “não irá se manifestar” sobre estas denúncias. A juíza Eny Ondina ainda não retornou a reportagem. Tão logo se manifeste, este texto será também atualizado.

Funcionários da Companhia Zaffari se organizam e publicam denúncias

Recentemente, foi lançada a União dos e das Trabalhadores do Zaffari, um coletivo composto por diversos funcionários da empresa, organizado a partir das recentes denúncias e manifestações. Em sua página no Instagram, o grupo publica denúncias que recebem de funcionários de diferentes lojas, bem como se prepara para lançar um programa de reivindicações para o novo acordo coletivo, que deve ser discutido entre o Sindec-Poa e a Companhia Zaffari.

DM TEM DEBATE
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Teto de juros do consignado de aposentados sobe para 1,80%

Aposentados e pensionistas da Previdência Social terão custo maior nas operações de crédito consignado após bancos suspenderem a contratação do serviço devido à falta de reajuste

Itaú Unibanco revisa cenários e prevê juros de 13% no fim de 2026 –

O Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) aumentou, em reunião extraordinária realizada ontem, o teto da taxa de juros no crédito consignado para beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Com isso, aposentados e pensionistas passarão a pagar mais nas futuras operações de crédito consignado, pois o limite passou de 1,66% ao mês para 1,80% ao mês, valor proposto pelo Ministério da Previdência Social.

O teto dos juros do empréstimo consignado do INSS — no qual a parcela é descontada diretamente do benefício — é definido pelo CNPS, que conta com 15 membros, sendo seis ligados à pasta da Previdência. Também compõem o Conselho representantes de aposentados e pensionistas, trabalhadores em atividade e empregadores.

A medida foi aprovada pelo placar de 13 votos a 1. O teto anterior, de 1,66% ao mês, vigorava desde abril. Já o limite dos juros do cartão de crédito consignado e do cartão de benefício, hoje em 2,46% ao mês, foi mantida e será discutida posteriormente.

As instituições financeiras pediam teto de 1,99% ao ano para permitir a retomada parcial das concessões, excluindo aposentados por invalidez com mais de 70 anos. Uma resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) de 2021 determina a viabilidade econômica da concessão de crédito consignado ao INSS.

Propostas pelo governo, as medidas entram em vigor cinco dias após a instrução normativa ser publicada no Diário Oficial da União (DOU), o que ocorrerá nos próximos dias. Com o novo teto, os bancos oficiais poderão voltar a emprestar pela modalidade. Esse aumento do custo dos empréstimos consignados do INSS é resultado dos recentes aumentos da taxa básica da economia (Selic), atualmente em 12,25% ao ano. (Com informações da Agência Brasil e da Agência Estado)

CORREIO BRAZILIENSE
https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2025/01/7031121-teto-de-juros-do-consignado-de-aposentados-sobe-para-180.html

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Falsa promessa de carreira no futebol deve ser julgada pela Justiça do Trabalho

SONHO DESTRUÍDO

A 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiu que a Justiça do Trabalho tem competência para julgar uma ação que envolve crianças e adolescentes que, cooptados com promessa de carreira no futebol, eram submetidos a condições degradantes e exploração sexual. Segundo o colegiado, a proteção aos direitos desse grupo e a eliminação da exploração do trabalho infantil tornam a intervenção da Justiça do Trabalho indispensável.

O caso teve início com uma denúncia recebida pelo Ministério Público do Trabalho de que um homem aliciava adolescentes de vários estados para Aracaju, prometendo que se tornariam jogadores profissionais de um clube de futebol local. Enquanto aguardavam a inserção profissional, eles ficavam no apartamento desse homem e sofriam abusos sexuais, inclusive com uso de substâncias entorpecentes.

No curso da investigação, o MPT foi informado de que o homem havia sido condenado criminalmente por exploração sexual, tráfico interno de pessoas para fins de exploração sexual e estelionato. No processo criminal, as testemunhas (que também eram vítimas) relataram que o apartamento era pequeno, “sujo, cheio de baratas e lixo”, que a alimentação era precária e que o lugar chegou a hospedar 15 jovens.

Ao pedir a condenação do homem também na esfera trabalhista, o MPT sustentou que a exploração sexual comercial de criança e adolescente é uma relação de trabalho ilícita e degradante, que ofende não apenas os direitos individuais dos envolvidos, mas os interesses de toda a sociedade.

Entendimento diferente

O juízo de primeiro grau condenou o homem ao pagamento de indenização por dano moral coletivo de R$ 50 mil, a ser revertida ao Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente. Contudo, o Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região (SE) reformou a sentença.

Segundo o TRT-20, o caso não tratava de relação de trabalho, porque os meninos eram levados para Aracaju com o consentimento dos pais, que custeavam as despesas. Por isso, concluiu que a competência para julgá-lo era da Justiça comum e extinguiu o processo.

Expectativa de carreira

Para a relatora, ministra Liana Chaib, a simples promessa de uma carreira profissional, escamoteada para a suposta prática de diversas ilegalidades, transfere o julgamento para a Justiça do Trabalho. O fato de ainda não haver um vínculo formal de trabalho não afasta essa conclusão, porque o pretexto do cooptação foi a expectativa de uma carreira profissional de futebol.

Liana Chaib lembrou que a competência trabalhista também se estende a situações em que o jogador de futebol ainda não tenha assinado contrato formal, mas já esteja em fase de testes ou treinamentos, uma vez que a relação de trabalho, nesses casos, é potencial. “Mesmo que o vínculo não tenha sido formalizado, a Justiça do Trabalho poderá analisar questões relativas a salários, condições de trabalho e direitos trabalhistas”, observou.

A decisão foi unânime, e o processo agora retornará ao TRT-20 para que prossiga o julgamento. Com informações da assessoria de comunicação do TST.

CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-jan-07/falsa-promessa-de-carreira-no-futebol-deve-ser-julgada-pela-justica-do-trabalho/

Brasil flagra mais de 1,6 mil escravizados em 2024, do Rock in Rio à BYD

Precatórios e sociedades de economia mista: uma perspectiva interdisciplinar no Direito e Economia

Opinião

Em decisão recente [1], o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, por meio de sua 7ª Turma, negou provimento ao agravo de petição interposto pela Companhia de Engenharia de Tráfego do Rio de Janeiro (CET-Rio), que buscava enquadrar o pagamento da execução no regime de precatórios. Fundamentada no Tema 253 do Supremo Tribunal Federal [2], a relatora, desembargadora Raquel de Oliveira Maciel, destacou que a reclamada, como sociedade de economia mista, não atende integralmente os critérios para equiparação à Fazenda Pública. Entre os fatores analisados, apontou-se que a CET-Rio, embora vinculada ao município e prestadora de serviços públicos essenciais, em seu estatuto permite a exploração de atividades de natureza concorrencial, além de prever a obtenção de lucro e distribuição de dividendos em seu estatuto social. Tais características afastam a possibilidade de aplicação do regime de precatórios. Essa decisão representa uma mudança de paradigma na jurisprudência da primeira instância do TRT-1 para casos envolvendo sociedades de economia mista [3].

A decisão reafirmou que o pagamento deverá ocorrer pelo rito padrão da execução trabalhista, permitindo a ativação de sistemas como o Sisbajud para garantir o cumprimento da obrigação. A relatora ressaltou que, embora o STF tenha estabelecido parâmetros para a aplicação do regime de precatórios a sociedades de economia mista, a realidade estatutária da CET-Rio não se alinha às condições exigidas, como atuação exclusiva em regime não concorrencial e sem fins lucrativos. Assim, o Tribunal manteve a decisão de primeira instância, reforçando o compromisso com a celeridade na satisfação do crédito trabalhista e o objetivo social da Justiça do Trabalho.

Desenvolvendo o caso acima, ele se torna exemplo emblemático de como a natureza híbrida das sociedades de economia mista desafia as fronteiras do Direito Administrativo, Societário e Trabalhista, fazendo com que uma abordagem fundamentada na Análise Econômica do Direito possa ser a solução.

O debate sobre o regime de precatórios aplicado à CET-Rio destaca a dualidade das empresas de economia mista, que, embora sigam princípios administrativos voltados ao interesse público, também precisam cumprir normas societárias que regulam sua estrutura interna, suas relações trabalhistas e sua atuação no mercado.

Enquanto o Direito Administrativo busca garantir que as empresas de economia mista atendam à sua função pública, o Direito Societário evidencia que, ao prever distribuição de lucros e permitir a participação de acionistas privados, elas são empresas privadas em sua essência. Essa dualidade cria tensões que impactam várias áreas da Regulação, uma delas é o próprio Direito Trabalhista, pois o regime de execução de dívidas trabalhistas deve considerar se a empresa é verdadeiramente uma extensão da Fazenda Pública ou uma entidade que opera em condições de mercado.

Embora as empresas de economia mista integrem a administração pública indireta e desempenhem funções de interesse público, sua natureza jurídica híbrida as aproxima do setor privado em diversos aspectos. Essa dualidade reflete-se nas relações trabalhistas, em que os empregados, apesar de serem admitidos por concurso público, não possuem o status de servidores públicos e, portanto, não têm direito à estabilidade prevista no artigo 41 da Constituição [4]. Assim, os vínculos laborais desses trabalhadores são regidos exclusivamente pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o que reforça sua condição de empregados comuns, sujeitos às normas e aos regimes aplicáveis ao setor privado [5]. A intersecção entre os ramos do Direito Administrativo, Societário e Trabalhista desafia a aplicação de conceitos rígidos e exige uma interpretação contextual que contemple as implicações econômicas e sociais das decisões judiciais.

Critérios para a aplicação do regime de precatórios

A aplicação do regime de precatórios, previsto no artigo 100 da Constituição Federal, foi concebida para proteger o equilíbrio fiscal das Fazendas Públicas, garantindo a solvência do Estado e priorizando dívidas de natureza alimentícia. Contudo, a extensão desse regime a sociedades de economia mista que competem no mercado cria sérios riscos de distorções econômicas, externalidades negativas [6] e favorecimentos indevidos.

Permitir que empresas de economia mista utilizem prerrogativas próprias do regime de precatórios, quando parcialmente financiadas por acionistas privados e operando em regime concorrencial, compromete o princípio da igualdade no mercado. Ao tratar uma entidade que desempenha atividades econômicas sob as mesmas condições de empresas privadas como parte da administração pública, cria-se um ambiente propício ao favorecimento e à ineficiência. Além disso, a interferência estatal direta na economia, ao privilegiar essas empresas com benefícios reservados às Fazendas Públicas, gera externalidades negativas, prejudicando a concorrência leal e desincentivando a eficiência do setor privado. O mercado deve prevalecer diante de empresas de economia mista, pois elas são regidas como entidades privadas para evitar distorções que comprometem a confiança pública, a segurança jurídica e a integridade econômica.

Por isso, a aplicação do regime de precatórios a sociedades de economia mista, conforme o STF, requer que essas entidades atendam cumulativamente a critérios de exclusividade, não concorrência, ausência de finalidade lucrativa e controle estatal [7]. Quando tais características são observadas cumulativamente, essas empresas deixam de ser, de acordo com o STF, efetivamente parte do mercado privado e passam a se assemelhar a órgãos da administração indireta, comprometendo, portanto, sua finalidade empresarial. Essa transição da esfera privada para a pública desvia a natureza jurídica das sociedades de economia mista, enquadrando-as às prerrogativas da Fazenda Pública.

Proteção dos direitos dos trabalhadores

No caso em análise, a CET-Rio alegou que era entidade prestadora de serviço público essencial e não concorrencial, sem distribuição de lucro e dependente economicamente do Município do Rio de Janeiro, conforme as exigências do STF para enquadramento no regime precatório. Contudo, conforme a decisão da 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região afirmou: o estatuto social da CET-Rio demonstrou que sua atuação vai além da prestação de serviços públicos essenciais, não sendo limitada a um regime de exclusividade e que os artigos 49 e 50 do estatuto estabelecem a possibilidade de obtenção de lucro e distribuição de dividendos. Logo, o que foi decidido é que ainda que a empresa de economia mista não lucre (por sua pura ineficiência), não tenha concorrência (pois o município unicamente só a contrata para tal serviço) e ainda está sob a égide do controle organizacional do município (por não ter outro cliente e ele ser o sócio majoritário), todas estas características são mutáveis de acordo com o seu próprio desempenho e regras estatutárias como qualquer empresa privada.

Essa análise também evidencia um olhar crítico sobre como os direitos trabalhistas são protegidos no contexto das sociedades de economia mista. A CLT prioriza a celeridade e a efetividade na execução de créditos trabalhistas, reconhecendo o caráter alimentar dessas verbas. Ao afastar a aplicação do regime de precatórios, o TRT-1 reafirma a importância de proteger os direitos dos trabalhadores sem permitir que prerrogativas de natureza pública sejam utilizadas para atrasar pagamentos ou enfraquecer a proteção social. Essa decisão reflete um equilíbrio necessário entre a tutela dos direitos individuais e a observância das normas constitucionais que regulam a atuação das empresas públicas e de economia mista.

Em conclusão, limitar a análise de decisões envolvendo sociedades de economia mista à perspectiva jurídica é um equívoco, especialmente diante de questões que expõem a delicada e impactante intervenção estatal na economia. Empresas como a CET-Rio, ao transitar entre o público e o privado, criam um terreno fértil para distorções como favorecimentos e ineficiência, afetando negativamente a concorrência e o equilíbrio econômico. A Análise Econômica do Direito demonstra que a prevalência de princípios de mercado é essencial para evitar essas externalidades negativas e garantir que tais entidades atuem sob as mesmas regras das empresas privadas, promovendo eficiência e Justiça. Ao afastar o regime de precatórios para as empresas de economia mista que não se enquadram no determinado pelo STF, a decisão judicial não apenas protegeu os trabalhadores, mas também reafirmou a necessidade de que o mercado seja o principal regulador das atividades econômicas, assegurando que a interferência do Estado não comprometa a integridade e a funcionalidade da economia.


[1] RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMADO. PROGRESSÃO POR ANTIGUIDADE. CET RIO. Este Egrégio Tribunal já firmou entendimento consubstanciado na Súmula Regional nº 6 no sentido de que a falta de disponibilidade financeira de sociedade de economia mista não é fundamento válido para a violação de norma coletiva ou interna que estabeleçam progressões por antiguidade. Recurso ordinário da ré conhecido e negado provimento. RECURSO DO RECLAMANTE. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA. LEI 13.467/17. Mesmo na vigência da Lei nº 13.467/17, a declaração de hipossuficiência, assinada de próprio punho ou emitida por advogado com poderes específicos, estabelece presunção relativa em favor do requerente pessoa natural (entendimento das regras dos artigos 790, § 4º, da CLT, e 99, § 3º, do CPC). Não desconstituída por prova robusta em contrário, impõe-se o deferimento do benefício da gratuidade de justiça. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. AÇÃO POSTERIOR À LEI 13.467/17. PARÂMETROS. Ajuizada a ação na vigência da Lei 13.467/17, deve incidir o artigo 791-A da CLT, sendo devidos ao advogado honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5 e o máximo de 15% sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou sobre o valor atualizado da causa, observando-se o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado e o tempo exigido. Artigo 791-A, § 2º, I a IV, da CLT. Recurso ordinário do autor conhecido e provido. (TRT-1 – Recurso Ordinário – Rito Sumaríssimo: 0100042-59.2020.5.01.0016, Relator: RAQUEL DE OLIVEIRA MACIEL, Data de Julgamento: 17/08/2022, Sétima Turma, Data de Publicação: DEJT 2022-08-23).

[2] TEMA 253 STF – Aplicabilidade do regime de precatórios às entidades da administração indireta prestadoras de serviços públicos essenciais. Descrição: Recurso Extraordinário em que se discute, à luz do Art. 100 da Constituição Federal, e do princípio da continuidade dos serviços públicos, a aplicabilidade, ou não, do regime de precatórios às entidades da administração indireta que prestam exclusivamente serviços públicos essenciais. Tese: sociedades de economia mista que desenvolvem atividade econômica em regime concorrencial não se beneficiam do regime de precatórios, previsto no art. 100 da constituição da república.

FINANCEIRO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PAGAMENTO DE VALORES POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. INAPLICABILIDADE DO REGIME DE PRECATÓRIO. ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA CONSTITUCIONAL CUJA REPERCUSSÃO GERAL FOI RECONHECIDA. Os privilégios da Fazenda Pública são inextensíveis às sociedades de economia mista que executam atividades em regime de concorrência ou que tenham como objetivo distribuir lucros aos seus acionistas. Portanto, a empresa Centrais Elétricas do Norte do Brasil S .A. – Eletronorte não pode se beneficiar do sistema de pagamento por precatório de dívidas decorrentes de decisões judiciais (art. 100 da Constituição). Recurso extraordinário ao qual se nega provimento. (STF – RE: 599628 DF, Relator: AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 25/05/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 17/10/2011)

[3] Lista recente dos processos em que a CETRIO é executada, perante às Varas do TRT-01, em decisões que foram deferidos os prosseguimentos das execuções pelo sistema de pagamento por precatório/RPV: Processo nº 0101206-75.2019.5.01.0022, da 22ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro/RJ, em 03/12/2023; Processo nº 0001263-31.2011.5.01.0066, da 66ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, em 06/12/2023; Processo nº 0102044-06.2017.5.01.0081, da 81ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, em 11/12/2023; Processo nº 0101116-04.2019.5.01.0043, da 43ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, em 13/12/2023; Processo nº 0100093-31.2020.5.01.0029, da 29ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, em 22/01/2024; Processo nº 0100747-89.2023.5.01.0036, da 36ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro em 06/02/2024; Processo nº 0101344-61.2019.5.01.0048, da 48ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro em 09/02/2024;

Processo nº 0100613-43.2019.5.01.0023 da 23ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro em 16/02/2024.

Processo nº 0101074-76.2018.5.01.0014 da 14ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro em 23/02/2024.

Processo nº 0101276-87.2019.5.01.0056, da 56ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro em 28/02/2024;

Processo nº 0100446-98.2020.5.01.0020, da 20ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro em 12/03/2024;

Processo nº 0101035-87.2018.5.01.0076, da 76ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro em 13/03/2024;

Processo nº 0100497-98.2021.5.01.0077, da 77ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro em 13/03/2024;

Processo nº 0100453-05.2022.5.01.0058, da 58ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro em 19/03/2024.

Processo nº 0100385-90.2018.5.01.0027, da 27ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro em 19/03/2024;

Processo nº 0100073-40.2021.5.01.0050, da 50ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro em 21/03/2024;

Processo nº 0100469-88.2023.5.01.0036, da 70ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro em 21/03/2024.

Processo nº 0101248-81.2019.5.01.0004, da 4ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro em 23/3/24;

Processo nº 0100537-76.2019.5.01.0004 da 4ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro em 4/4/24.

[4] Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.

§1º O servidor público estável só perderá o cargo:

I – em virtude de sentença judicial transitada em julgado;

II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

III – mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.

§2º Invalidada por sentença judicial a demissão do servidor estável, será ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se estável, reconduzido ao cargo de origem, sem direito a indenização, aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de serviço.

§3º Extinto o cargo ou declarada a sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo.

§4º Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade.

[5] PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. CONTRATAÇÃO PELO REGIME CELETISTA. PEDIDO DE CARÁTER TRABALHISTA. PRECEDENTES DO STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO.

(Conflito de Competência nº 111.430/RJ (2010/0064360-2), pelo Ministro Mauro Campbell Marques, declarando competente o Juízo da 6ª Vara do Trabalho de Nova Iguaçu/RJ para julgar a ação de Ilza Maria Silva da Rosa contra a Companhia de Desenvolvimento de Nova Iguaçu)

[6] Externalidades Negativas são custos sociais ou ambientais gerados por uma atividade econômica que não são pagos diretamente por quem os causa, mas são suportados pela sociedade como um todo. Exemplos incluem poluição, desmatamento, ou congestionamento urbano. Essas externalidades resultam em ineficiências no mercado, pois quem gera o impacto negativo não internaliza os custos totais de sua atividade. Assim, a sociedade acaba subsidiando os danos, enquanto o causador continua lucrando.

[7] A Corte Suprema restou consolidado o entendimento de que as sociedades de economia mista estariam sujeitas ao regime de precatórios quando (i) atuantes em serviço público essencial; (ii) em regime não concorrencial; (iii) sem vistas a obtenção de lucro; e (iv) sob controle do estado. Cito julgado recente:

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. CAUTELAR DEFERIDA. CONVERSÃO DO REFERENDO EM JULGAMENTO FINAL DE MÉRITO. COMPANHIA DE SANEAMENTO DO ESTADO DO PARÁ (COSANPA). BLOQUEIO, PENHORA, SEQUESTRO E ARRESTO DE BENS E VALORES. EMPRESA ESTATAL PRESTADORA DE SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS. ATIVIDADE REALIZADA EM REGIME DE EXCLUSIVIDADE, SEM FINALIDADE LUCRATIVA. VIOLAÇÃO AO REGIME DOS PRECATÓRIOS (CF, ART. 100), AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES (CF, ART. 2º) E À SEGURANÇA ORÇAMENTÁRIA (CF, ART. 167). 1. Arguição ajuizada para questionar a validade das medidas judiciais de constrição patrimonial (bloqueio, penhora, sequestro e arresto de bens e valores) determinadas contra a Companhia de Saneamento do Estado do Pará (COSANPA). 2. Consiste a COSANPA em empresa estatal (sociedade de economia mista) prestadora de serviços públicos essenciais (saneamento básico e abastecimento hídrico), controlada pelo Estado do Pará (controle acionário), cuja atividade é exercida em ambiente não concorrencial (única prestadora no território em que atua) e sem finalidade lucrativa (não distribui lucros entre sócios; todo capital é investido no aprimoramento dos serviços). 3. Aplica-se o regime constitucional dos precatórios (CF, art. 100 e ss) às empresas públicas e às sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos, sempre que exercerem suas atividades em regime não concorrencial e sem fins lucrativos. Precedentes. 4. Conversão do referendo da medida liminar em julgamento final de mérito. Precedentes. 5. Arguição de descumprimento conhecida e julgada procedente. (ADPF 1086/PA. Ministro Relator FLÁVIO DINO. Julgamento em 18/03/2024)