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JUSTIÇA SOCIAL

A chantagem do financismo

A chantagem do financismo

Este é um ditado espanhol que exprime bastante bem a situação vivida atualmente pelo governo Lula 3.0, em sua relação com os representantes do financismo em nosso País. Como já amplamente discutido em artigos anteriores, as dificuldades todas começaram ainda antes da posse em 1º de janeiro do ano passado. Os representantes do sistema financeiro não haviam conseguido emplacar nenhum candidato ao Planalto com densidade eleitoral pelo campo da então chamada “terceira via” no pleito de outubro de 2022.

“Cría cuervos y te sacarón los ojos”

Paulo Kliass*

A polarização que se instaurou para o segundo turno fez com que o desgaste experimentado pelo quadriênio que se encerrava com Bolsonaro fosse objeto de muitas críticas, mesmo aquelas vindas de parte de setores que haviam apoiado sua candidatura em 2018. Apesar da simpatia e da concordância com as políticas levadas a cabo pelo super-ministro da Economia, Paulo Guedes, o povo da finança desta vez preferiu mudar de campo e terminou por favorecer a vitória de Lula.

A estratégia era claramente a de emplacar ministro da Fazenda que fosse da confiança da turma da Faria Lima. Quando o presidente eleito optou por Fernando Haddad para o posto, o financismo percebeu a oportunidade de sequestrar o restante da política econômica para seus próprios interesses. Isso porque a política monetária já estava garantida com diretoria do BC (Banco Central) toda ela indicada pelo governo anterior.

A partir daquele instante, Haddad ganha protagonismo e recebe carta branca de Lula para negociar a transição entre governos e preparar as linhas mestras daquilo que viria ser a política econômica para o período 2023/26. Assim, o ex-professor da Faculdade de Filosofia da USP se transfigura cada vez mais no atual professor do Insper, uma das mecas do financismo no ensino superior brasileiro. Ele prepara a PEC da Transição com o objetivo declarado de assegurar recursos orçamentários para o primeiro ano do terceiro mandato, mas introduz o primeiro contrabando no programa que havia sido escolhido pela população.

Ao invés de simplesmente revogar a Emenda Constitucional 95, do teto de gastos, que havia sido introduzida por Temer/Meirelles em 2016, Haddad sugere que a mesma só deixaria de ter validade no momento em que o Congresso Nacional aprovasse o “Novo Arcabouço Fiscal”.

Cortes, cortes e mais cortes nas despesas sociais
Assim, após negociar apenas com o presidente do BC, o bolsonarista Roberto Campos Neto, e com meia dúzia de presidentes de bancos privados, o ministro da Fazenda encaminha a Lula projeto que se transformaria na atual Lei Complementar 200.

Apesar de ter revogado os dispositivos draconianos do teto de Temer, as novas regras mantêm o espírito do austericídio e impedem a recuperação das despesas públicas e dos investimentos governamentais, itens absolutamente fundamentais para que Lula consiga cumprir com suas promessas de campanha e atenda às necessidades da grande maioria da população.

O namoro de Haddad com a nata do financismo prossegue e em diversas oportunidades ele se manifesta a favor do interesse dos banqueiros. Assim foi quando tentou impedir que a valorização real do salário mínimo fosse efetivada no primeiro semestre de 2023 — neste caso Lula entrou na disputa e assegurou que o valor fosse reajustado para R$ 1.520, ao invés de apenas R$ 1.502, como queria o ministro.

Além disso, a verdadeira obsessão com a austeridade fiscal que parece ter tomado conta do corpo e do espírito de Haddad fez com que o mesmo se recusasse a flexibilizar as metas de inflação para permitir redução da taxa oficial de juros. E também levou o governo a se comprometer com meta, tão equivocada quanto irrealista, de zerar o superavit primário para 2024.

Ora, segundo o roteiro estabelecido pelo ministro da Fazenda, o rigor do austericídio só seria necessário para as despesas ditas “primárias”. Dessa forma, o Brasil continuou ocupando os primeiros lugares no campeonato mundial de taxa real de juros e batendo recorde atrás de recorde no volume de despesas financeiras. De acordo com o próprio BC, ao longo dos últimos 12 meses foram transferidos R$ 748 bilhões dos cofres do Tesouro a esse título. Mas a principal preocupação da Fazenda continua sendo a de promover cortes, cortes e mais cortes em despesas como Assistência Social, Saúde, Educação, Previdência Social, Segurança Pública, salários de servidores, saneamento e outras.

Haddad concedeu tudo e o financismo exige mais
Essa sucessão de concessões do governo aos interesses do financismo não atende a nenhum propósito de governo que se pretenda progressista e desenvolvimentista. Aliás, muito pelo contrário. Com o sequestro da totalidade das facetas da política econômica, os próprios meios de comunicação passam a exercer controle diário a respeito do cumprimento das metas fiscais inexequíveis que o próprio Haddad sugeriu a Lula.

Estava mais do que evidente que o esforço para sair de déficit primário de quase R$ 300 bi em 2023 para “zero” no presente ano seria loucura. Trata-se de verdadeiro cavalo de pau na economia, acentuado pelo fato de estarmos em ano eleitoral, com aumento das demandas por gastos públicos de toda a ordem. Enfim, o ministro da Fazenda propôs ao seu chefe verdadeira aventura irresponsável, cuja única explicação plausível é tentar se cacifar como bom pupilo para às elites conservadoras.

Parcela das classes dominantes e da grande imprensa já parece ter percebido a oportunidade de desgastar ainda mais o governo e preparar outra vez o sonho da terceira via em 2026. Cada vez mais são percebidas ações de artilharia pesada contra Lula, ao mesmo tempo em que buscam a preservação da figura de Haddad — o bom mocinho e figura “responsável” na condução da política fiscal.

Alguns episódios mais recentes, no entanto, parecem demonstrar que quanto mais espaço é oferecido para agradar à agenda do sistema financeiro no interior do governo, mais eles avançam com a voracidade crescente. Secretários dos ministérios da Fazenda e do Planejamento já assumem publicamente que a intenção do governo seria mesmo a revogação dos pisos mínimos constitucionais para a Saúde e a Educação. Ou seja, estaríamos próximos a vergonhoso escândalo, em que 1 governo do PT poderia vir a assumir pauta que nem mesmo os governos da direita, como Temer e Bolsonaro, tiveram a ousadia e a coragem política para levar em frente.

Mas a gulodice do financismo parece não ter mesmo limites. Além de bater diariamente no governo por este não conseguir cumprir as metas fiscais para este ano, os grandes meios de comunicação já estendem as críticas para o próximo exercício.

Fortalecidos pelo espaço oferecido por Haddad na questão do compromisso com a responsabilidade fiscal a qualquer custo, os escribas a soldo da finança já martelam a mudança de meta fiscal para 2025. No processo de elaboração do PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) para o ano que vem, Haddad reconheceu a impossibilidade que havia sido a intenção de gerar superávit primário já no ano que vem.

Com isso, alterou a meta de +0,5% do PIB para zero novamente. E está sendo impiedosamente metralhado por tal gesto de “populismo e irresponsabilidade”, no dizer dos especialistas de sempre chamados à opinar a respeito da matéria.

Lula já deve ter se dado conta de que as sucessivas e crescentes concessões oferecidas por Haddad ao financismo só está criando problemas para seu governo. Essa péssima estratégia de conviver amigavelmente com os donos do capital sem ousar qualquer aposta no campo democrático e popular está começando a apresentar a fatura política. De tanto oferecer alpiste aos corvos, eles gostaram e vão continuar avançando até chegar aos olhos.

(*) Doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal. Publicado originalmente no portal Outras Palavras

DIAP

https://diap.org.br/index.php/noticias/artigos/91801-a-chantagem-do-financismo

A chantagem do financismo

Superintendente que ganhou menos do que homens por 40 anos receberá diferenças

Equidade de gênero

Diferenças eram, no mínimo, 50% superiores ao salário, chegando ao patamar de 100% na comparação com um deles.

Da Redação

Uma superintendente comercial que por mais de 40 anos recebeu salário menor que os colegas homens deve receber diferenças por isonomia salarial. O pagamento, no entanto, compreende apenas o período não prescrito, que são os cinco anteriores ao ajuizamento da ação. A decisão foi da 3ª turma do TRT da 4ª região, após avaliar a existência de provas suficientes de que havia diferença salarial pela discriminação de gênero.

Conforme o processo, a autora trabalhou em uma companhia seguradora desde a década de 70. Posteriormente, a empresa foi comprada por um banco que também atua na área de seguros. Ela trabalhou para o banco até 2017, quando saiu depois de aderir a um plano de demissão voluntária.

Após passar por cargos de escriturária e gerente nas duas empresas, ela comprovou que atuou como superintendente comercial durante todo o período não prescrito, com salários inferiores aos de, pelo menos, três colegas da mesma função.

As diferenças eram, no mínimo, 50% superiores ao salário, chegando ao patamar de 100% na comparação com um deles. Com a condenação, além das diferenças salariais, o banco deve pagar os reflexos em férias com um terço, décimo terceiro salários, horas extras, participação nos lucros e resultados e FGTS com multa de 40%.

Participante do julgamento na 5ª turma, o desembargador Marcos Fagundes Salomão ressaltou a existência de provas suficientes de que havia diferença salarial pela discriminação de gênero.

“Não há dúvida de que a reclamante era a superintendente com menor salário no cargo dentre todos os empregados na função e que era a única mulher, inexistindo qualquer justificativa plausível para o descompasso salarial comprovado nos autos.”

A resolução 492/23 do CNJ estabeleceu o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero. A abordagem já havia sido prevista na recomendação 128/22, também do CNJ.

O relator do acórdão, desembargador Clóvis Fernando Schuch Santos, destacou os fundamentos do voto do desembargador Salomão, que considera a questão mais ampla que a análise da isonomia ou equiparação salarial. Para Salomão, não se justifica que a empregada mulher, ocupando o mesmo cargo que empregados homens, perceba salário inferior aos colegas.

“É imprescindível a adoção dos julgamentos pela perspectiva de gênero para corrigir as desigualdades vivenciadas pelas mulheres em diversos níveis e nichos da sociedade e do trabalho.”

 A turma chamou a atenção para o fato de que a desigualdade salarial existente entre homens e mulheres é comprovada por meio de diversos estudos e pesquisas, evidenciando-se as desigualdades sociais e econômicas, decorrentes da discriminação histórica contra as mulheres ainda nos tempos atuais.

“No julgamento pela perspectiva de gênero, busca-se alcançar resultados judiciais que, efetivamente, contemplem a igualdade prevista na Constituição Federal e nos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, relativamente aos Direitos Humanos”, afirmou o relator.

Processo: 1024400-89.2022.8.26.0196

Informações: TRT da 4ª região.

Migalhas: https://www.migalhas.com.br/quentes/406045/mulher-que-ganhou-menos-do-que-homens-por-40-anos-recebera-diferencas

A chantagem do financismo

STF: Moraes não vê indícios de pedido de asilo de Bolsonaro à Hungria

Estada na embaixada

Em fevereiro, ex-presidente passou dois dias na embaixada, em Brasília.

Da Redação

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, concluiu que não há provas de que o ex-presidente Jair Bolsonaro pediria asilo ao permanecer por dois dias na embaixada da Hungria, em Brasília, em fevereiro deste ano. A estada de Bolsonaro na embaixada foi divulgada pelo jornal The New York Times.
Ao avaliar o caso, Moraes ressaltou que o ex-presidente não violou a medida cautelar que o proíbe de se ausentar do país.

“Não há elementos concretos que indiquem efetivamente que o investigado pretendia a obtenção de asilo diplomático para evadir-se do país e, consequentemente, prejudicar a investigação criminal em andamento”, afirmou o ministro.

Moraes, no entanto, manteve a apreensão do passaporte do ex-presidente. A retenção do documento e a proibição de sair do país foram determinadas pelo ministro após Bolsonaro ser alvo de uma busca e apreensão durante a Operação Tempus Veritatis, que investiga a tentativa de golpe de Estado no país após o resultado das eleições de 2022.

“A situação fática permanece inalterada, não havendo necessidade de alteração nas medidas cautelares já determinadas”, escreveu Moraes.

Hospedagem

A estada de Bolsonaro na embaixada foi divulgada pelo jornal The New York Times. O jornal analisou as imagens das câmeras de segurança do local e imagens de satélite, que mostram que ele chegou no dia 12 de fevereiro à tarde e saiu na tarde do dia 14 de fevereiro.

As imagens mostram que a embaixada estava praticamente vazia, exceto por alguns diplomatas húngaros que moram no local. Segundo o jornal, os funcionários estavam de férias e a estada de Bolsonaro ocorreu durante o feriado de carnaval.

Segundo a reportagem, no dia 14 de fevereiro os diplomatas húngaros contataram os funcionários brasileiros, que deveriam retornar ao trabalho no dia seguinte, dando a orientação para que ficassem em casa pelo resto da semana.

Bolsonaro é aliado do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, que esteve na posse do ex-presidente em 2018. Em 2022, Bolsonaro visitou Budapeste, capital húngara, e foi recebido por Orbán. Ambos trocam constantes elogios públicos.

Informações: Agência Brasil.

Migalhas: https://www.migalhas.com.br/quentes/406113/stf-moraes-nao-ve-indicios-de-pedido-de-asilo-de-bolsonaro-a-hungria

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Haddad entrega no Congresso regulamentação da reforma tributária

Regulamentação

Foi entregue projeto que institui a Lei Geral do IBS, da CBS e do Imposto Seletivo.

Da Redação

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entregou nesta quarta-feira, 24, aos presidentes da Câmara e do Senado um projeto de regulamentação da reforma tributária. EC 132/23, que instituiu a reforma tributária, foi promulgada pelo Congresso em dezembro do ano passado.

Quatro meses após a promulgação da reforma tributária, o governo enviou o primeiro projeto de lei complementar com a regulamentação dos tributos sobre o consumo.

A proposta prevê alíquota média do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) de 26,5%, podendo variar entre 25,7% e 27,3%, informou o secretário extraordinário da reforma tributária, Bernard Appy. Atualmente, os bens e os serviços brasileiros pagam, em média, 34% de tributos federais, estaduais e municipais.

Com 306 páginas e cerca de 500 artigos, o projeto de lei complementar precisa de maioria absoluta, 257 votos, para ser aprovado. Em pronunciamento no Salão Verde da Câmara dos Deputados, Haddad disse ter recebido o compromisso de Lira de votar a proposta no plenário da Casa até o recesso legislativo do meio do ano, previsto para a metade de julho.

“As pessoas podem se assustar um pouco. São cerca de 300 páginas e 500 artigos, mas isso substitui uma infinidade de leis que estão sendo revogadas e substituídas por um dos sistemas tributários que será um dos mais modernos do mundo”, declarou o ministro.

Segundo Haddad, a alíquota média pode ficar menor que os 26,5% estimados porque o sistema tributário brasileiro será completamente digitalizado, o que coíbe fraudes e aumenta a base de arrecadação.

“Haverá a combinação virtuosa entre dois elementos dessa reforma. O primeiro é a adoção de um imposto de valor agregado, que substitui vários impostos. O segundo elemento é que teremos um sistema tributário totalmente digital. Com a ampliação da base de contribuintes, poderemos ter uma alíquota mais razoável”, comentou o ministro.

Outros benefícios apontados por Haddad são o fim da cumulatividade (cobrança em cascata) dos tributos e a não exportação de impostos.

“Mesmo com as exceções que a emenda constitucional trouxe, a alíquota pode ser reduzida [em relação a hoje]. Os investimentos no Brasil serão desonerados, as exportações serão desoneradas, os produtos mais populares, sejam alimentos, sejam produtos industrializados consumidos pelos mais pobres, terão um preço melhor”, completou Haddad.

Migalhas: https://www.migalhas.com.br/quentes/406114/haddad-entrega-no-congresso-regulamentacao-da-reforma-tributaria

A chantagem do financismo

Justiça gratuita e o porquê da sua não concessão no processo do trabalho

PRÁTICA TRABALHISTA

 

Desde o advento da Lei nº 13.467/2017, conhecida como Lei da Reforma Trabalhista, muitas foram as discussões travadas em torno de pleitos para a concessão dos benefícios da gratuidade judiciária. Atualmente, mesmo após seis anos de vigência da norma em epígrafe, a temática continua rendendo calorosos debates junto ao Poder Judiciário, não sendo raros os casos em que há o indeferimento desses pedidos, sobretudo no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) de todo o país.

Spacca

 

Aliás, inobstante a concessão da justiça gratuita não isente a parte da responsabilidade pelo pagamento dos honorários sucumbenciais — afinal, à luz da decisão vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.766, criou-se no processo judicial apenas a condição suspensiva da exigibilidade do seu pagamento —, de acordo com o ranking de assuntos mais recorrentes da Justiça do Trabalho, até dezembro de 2023 a matéria “honorários na justiça do trabalho” apareceu no 12º lugar, enquanto o tema “honorários advocatícios” ocupou o 19º lugar [1].

Por certo, considerando a polêmica sobre o assunto que ainda persiste nos dias de hoje, a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na Coluna Prática Trabalhista, da revista Consultor Jurídico (ConJur) [2], razão pela qual agradecemos o contato.

Assistência judiciária x gratuidade da justiça

De início, é importante dizer que existe diferença entre assistência judiciária e gratuidade da justiça, sendo oportunos os ensinamentos de Anita Duarte de Andrade, Ricardo Calcini e Wiviane Maria Oliveira de Souza [3]:

“É devia ao empregado que esteja assistido pelo sindicato, mesmo que não filiado ao sindicato (liberdade sindical), e receba salário inferior a dois salários-mínimos. Ainda que o empregado receba salário superior a dois salários-mínimos, este não será excluído da prestação da assistência judiciária, se por meio de declaração atestar a miserabilidade (presunção relativa).

A assistência judiciária não se confunde com o benefício da justiça gratuita, a segunda visa isentar o pagamento de custas (despesas processuais) quando a parte perceber salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (INSS), ou percebendo quantia superior, afirmarem não ter condições de pagar. E não deve pagar depósito recursal. (…). Ademais, a concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes da sucumbência e ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas.”

Legislação reformista

Do ponto de vista normativo, o §3º do artigo 790 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), alterado pela Lei 13.467/2017, preceitua que “é facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social”. (g.n.)

Spacca

A mudança em comparação à redação legislativa anterior da Lei nº 10.537/2022, se refere à parte final do dispositivo legal que, até então, afirmava que o benefício da justiça gratuita era concedido às partes litigantes que recebiam salário igual ou inferior “ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas no processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família”.

Lado outro, o novo § 4º do referido dispositivo legal preceitua que “O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo”, de sorte que, aparentemente, a declaração de hipossuficiência externa esta realidade.

Entendimentos locais dos TRTs

Decerto, existem Tribunais Regionais do Trabalho que possuem entendimentos internos já sedimentados acerca da temática, e que estão consubstanciados em súmulas regionais ou teses prevalecentes.

Este é o caso, por exemplo, do TRT-SP da 2ª Região que, por meio da Súmula Regional nº 5, assim dispõe:

5 – Justiça gratuita – Isenção de despesas processuais. (DJE 03/07/2006)

CLT, arts. 790, 790-A e 790-B. Declaração de insuficiência econômica firmada pelo interessado ou pelo procurador – Direito legal do trabalhador, independentemente de estar assistido pelo sindicato.

Aliás, segundo o próprio dever legislativo de os Tribunais uniformizarem a jurisprudência, para mantê-la íntegra, estável e coerente, tais enunciados representativos de sumulas regionais e teses prevalecentes se mantiveram inclusive vinculantes no âmbito dos TRTs locais, tal como dispõem arts. 926, §§ 1º e 2º [4], e 927, III e V, do CPC [5].

Tal conclusão, a propósito, se extrai expressamente do §3º do artigo 18 da Instrução Normativa nº 41/2018 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que, na época, foi editada para dispor, ainda que de forma não exaustiva, sobre a aplicação das normas processuais contidas na legislação celetária alteradas ou acrescentadas pela Lei nº 13.467/2017, com o intuito justamente de dar aos jurisdicionados a segurança jurídica indispensável a possibilitar estabilidade das relações processuais, a saber:

Art. 18. O dever de os Tribunais Regionais do Trabalho uniformizarem a sua jurisprudência faz incidir, subsidiariamente ao processo do trabalho, o art. 926 do CPC, por meio do qual os Tribunais deverão manter sua jurisprudência íntegra, estável e coerente.
[…]

  • 3º As teses jurídicas prevalecentes e os enunciados de Súmulas decorrentes do julgamento dos incidentes de uniformização de jurisprudência suscitados ou iniciados anteriormente à edição da Lei nº 13.467/2017, no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho, conservam sua natureza vinculante à luz dos arts. 926, §§ 1º e 2º, e 927, III e V, do CPC.

Neste contexto, parece ser claro que a justiça gratuita é um direito legal de todo e qualquer trabalhador que litiga no Poder Judiciário Trabalhista, ao menos no âmbito de jurisdição do TRT-SP da 2ª Região, desde que a parte firme declaração de insuficiência econômica, ou que o faça o seu procurador com poderes específicos no instrumento de mandato (CPC, artigo 105) [6]. Aliás, o respectivo tribunal possui inúmeros precedentes nesse mesmo sentido [7].

Jurisprudência do TST

A Corte Superior Trabalhista, por meio da Súmula nº 463 [8], antes mesmo da lei reformista, tinha firmado entendimento de que a respectiva declaração de pobreza traz presunção relativa de veracidade quanto às informações nela inseridas, salvo, claro, se não houver prova cabal em sentido contrário, sendo, por tal razão, suficiente para fins de comprovação da hipossuficiência econômico-financeira da parte litigante pessoa física.

Assim, do ponto de vista da posição então sedimentada pelo TST, o fato de a parte litigante, pessoa física, ter remuneração na época superior a dois salários-mínimos, não era suficiente, por si só, a demonstrar que ela estava em situação econômica que lhe permitia demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família, bastando, para tanto, a declaração de hipossuficiência para obter a gratuidade da justiça [9].

Essa visão, apesar da vigência da Lei nº 13.467/17, ao que parece não foi alterada, pois, recentemente, ao emitir juízo de valor num processo no qual o trabalhador possuía remuneração em patamar elevado, o Tribunal Superior do Trabalho deferiu o pedido de gratuidade à parte recorrente [10].

Em seu voto, o ministro relator destacou:

“(…) O deferimento da gratuidade da justiça depende de simples declaração de pobreza, a teor do art. 790, § 3º, da CLT e nos moldes da OJ 304/SDI-I/TST (“Atendidos os requisitos da Lei nº 5.584/70 (art. 14, § 2º), para a concessão da assistência judiciária, basta a simples afirmação do declarante ou de seu advogado, na petição inicial, para se considerar configurada a sua situação econômica (art. 4º, § 1º, da Lei nº 7.510/86, que deu nova redação à Lei nº 1.060/50)”).

E a referida declaração, apresentada pelo reclamante (fl. 36), goza de presunção relativa de veracidade, não restando elidida, no caso, por prova em contrário. Com efeito, os fatos registrados na decisão embargada, quais sejam, “constatação de que o autor percebe salário bastante elevado, superior a R$ 40.000, e que a rescisão do contrato de trabalho se deu dias antes do ajuizamento da ação trabalhista”, não são suficientes a demonstrar que o reclamante está em situação econômica que lhe permite demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família”.

Aliás, esse é o entendimento predominante que se identificou a respeito da temática, conforme julgados do TST localizados por meio da técnica de jurimetria [11], mesmo com o advento da reforma trabalhista.

Logo, pode-se concluir, ao menos sob o viés da jurisprudência majoritária, que a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado, com poderes para tanto, possui presunção relativa para a concessão dos benefícios da gratuidade judiciária.

Entrementes, vale lembrar que, de acordo com o §2º do artigo 99 do CPC [12], caso eventualmente o(a) magistrado(a) decidida pelo indeferimento do benefício, deve possibilitar à parte litigante, segundo os deveres de cooperação e da primazia do julgamento do mérito que lhe impõem a lei (CPC, artigo 6º) [13], o direito de demonstrar o cumprimento dos requisitos estabelecidos na legislação para a concessão da gratuidade de justiça.

Conclusão

Em arremate, para evitar a prolação de “decisão surpresa” (CPC, artigos 9º [14] e 10 [15]), até para que se afaste a denominada “jurisprudência defensiva”, se porventura o processo estiver em grau recursal na pendência de julgamento de apelo tanto no âmbito dos TRTs quanto no TST, deve ser concedido prazo de cinco dias úteis para que haja, se for o caso, o pagamento do preparo recursal, evitando-se a deserção do recurso e, por corolário lógico, o seu não conhecimento pelo tribunal.

Essa é a logicidade do item II da Orientação Jurisprudencial nº 269 da SBDI-1 do TST, a qual assevera que “indeferido o requerimento de justiça gratuita formulado na fase recursal, cumpre ao relator fixar prazo para que o recorrente efetue o preparo (art. 99, § 7º, do CPC de 2015)”.

______________

[1] Disponível em https://tst.jus.br/web/estatistica/jt/assuntos-mais-recorrentes. Acesso em 23.4.2024.

[2] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[3] Manual de direito processual trabalhista. Leme-SP: Mizuno, 2021. Página 73 e 74.

[4] CPC, Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. §1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante. §2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.

[5] CPC, Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: […] III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; […]; V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

[6] CPC, Art. 105. A procuração geral para o foro, outorgada por instrumento público ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, exceto receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar quitação, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica, que devem constar de cláusula específica.

[7] FRANCISCO FERREIRA JORGE NETO, 14ª Turma – Cadeira 1, Data de Publicação: 04/04/2022; TRT-2 10012647520215020468 SP, Relator: IVETE BERNARDES VIEIRA DE SOUZA, 18ª Turma – Cadeira 2, Data de Publicação: 22/06/2022; TRT-2 10003711520215020491 SP, Relator: WILMA GOMES DA SILVA HERNANDES, 11ª Turma – Cadeira 1, Data de Publicação: 28/06/2022; TRT-2 – ROT: 10004883820225020372, Relator: ELIANE APARECIDA DA SILVA PEDROSO, 3ª Turma; TRT-2 10010807720205020461 SP, Relator: ADRIANA PRADO LIMA, 11ª Turma – Cadeira 1, Data de Publicação: 31/01/2022; TRT-2 – AIRO: 10006386120215020046, Relator: PAULO EDUARDO VIEIRA DE OLIVEIRA, 3ª Turma; TRT-2 10004245220205020322 SP, Relator: MARIA DE FATIMA DA SILVA, 17ª Turma – Cadeira 4, Data de Publicação: 19/11/2020; TRT-2 10003273720215020057 SP, Relator: RAFAEL EDSON PUGLIESE RIBEIRO, 13ª Turma – Cadeira 2, Data de Publicação: 17/11/2021; TRT-2 – AIRO: 10010007520225020063, Relator: SERGIO ROBERTO RODRIGUES, 11ª Turma; TRT-2 10003925020215020051 SP, Relator: REGINA APARECIDA DUARTE, 16ª Turma – Cadeira 3, Data de Publicação: 24/11/2021; TRT-2 10011802120215020712 SP, Relator: RILMA APARECIDA HEMETERIO, 18ª Turma – Cadeira 1, Data de Publicação: 06/07/2022; TRT-2 10011032920205020071 SP, Relator: ANNETH KONESUKE, 17ª Turma – Cadeira 4, Data de Publicação: 15/07/2022.

[8] ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. COMPROVAÇÃO. I – A partir de 26.06.2017, para a concessão da assistência judiciária gratuita à pessoa natural, basta a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado, desde que munido de procuração com poderes específicos para esse fim (art. 105 do CPC de 2015); II – No caso de pessoa jurídica, não basta a mera declaração: é necessária a demonstração cabal de impossibilidade de a parte arcar com as despesas do processo.

[9] RRAg-1000142-27.2021.5.02.0371, 1ª Turma, DEJT: 18.12.2023; RRAg-1000243-58.2022.5.02.0006, 2ª Turma, DEJT 18.12.2023; Ag-AIRR-11661-32.2017.5.03.0014, DEJT 18.12.2023; RR-1000097-52.2022.5.02.0447.

[10]Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=464&digitoTst=35&anoTst=2015&orgaoTst=5&tribunalTst=03&varaTst=0181&submit=Consultar. Acesso em 23.4.2024.

[11] RRAg-1000142-27.2021.5.02.0371, 1ª Turma, DEJT: 18.12.2023; RRAg-1000243-58.2022.5.02.0006, 2ª Turma, DEJT 18.12.2023; Ag-AIRR-11661-32.2017.5.03.0014,  DEJT 18.12.2023; RR-1000097-52.2022.5.02.0447, 6ª Turma, DEJT: 18.12.2023; RRAg-1001257-66.2021.5.02.0021, 7ª Turma, DEJT: 19.12.2023; Ag-RR-101028-47.2020.5.01.0037, 8ª Turma, DEJT: 19.12.2023; RR-1039-56.2017.5.09.0003, 8ª Turma, Rel. Min. Joao Batista Brito Pereira, DEJT 26/10/2020; RR-950-77.2018.5.12.0047, 3ª Turma, Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 26/6/2020; RR-11807-75.2017.5.03.0078, 4ª Turma, Rel. Min. Alexandre Luiz Ramos, DEJT 27/3/2020.

[12] CPC, Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso. […]. § 2º O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos.

[13] CPC, Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

[14] CPC, Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica: I – à tutela provisória de urgência; II – às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III; III – à decisão prevista no art. 701.

[15] CPC, Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

  • é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista, sócio fundador de Calcini Advogados, com atuação estratégica e especializada nos tribunais (TRTs, TST e STF), docente da pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do comitê técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (Ius Gentium Coninbrigae), da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

    CONJUR

    https://www.conjur.com.br/2024-abr-25/justica-gratuita-e-o-porque-da-sua-nao-concessao-no-processo-do-trabalho/

A chantagem do financismo

Os riscos do trabalho noturno para a saúde: ‘Quem trabalha à noite não tem mais vida’

Estima-se que 10% dos brasileiros trabalhem à noite. Estudos apontam que essas pessoas correm mais risco de sofrer de doenças cardiovasculares, distúrbios gastrointestinais, diabetes, câncer e problemas de saúde mental.

Por Rone Carvalho

Simone Camargo trabalha há três anos como motorista de aplicativo madrugada adentro.

Até março de 2024, ela começava a dirigir às 16h e só parava cerca de 12 horas depois, em torno das 4h.

Entretanto, desde que começou a fazer a jornada noturna, passou a ganhar peso e a se sentir cada vez mais cansada.

“Digo que quem trabalha à noite não tem mais vida”.

“Você dorme sete horas durante o dia, mas o sono não rende igual o noturno”.

Segundo Claudia Moreno, pesquisadora do departamento de Saúde e Sociedade da Universidade de São Paulo (USP), que estuda os impactos da jornada noturna na saúdedo trabalhador, os efeitos que Simone sente em sua saúde por trabalhar à noite não são incomuns.

“Assim como a coruja é habituada com a noite, o ser humano é com o dia.”

“Dormir é essencial para a saúde, assim como beber água, comer e praticar atividade física”, diz a pesquisadora, que também é porta-voz da Associação Brasileira do Sono (ABS).

Moreno explica que o ciclo circadiano, sistema temporal interno do nosso organismo chamado popularmente de relógio biológico, é alinhado com a alternância entre o dia e a noite, o claro e o escuro.

Assim, ao trabalhar à noite, ocorre uma inversão do padrão natural de atividade e repouso.

Em regra, explica a pesquisadora, essa inversão teria que ocorrer também com o padrão de todas as funções do organismo, como a liberação de hormônios e as enzimas que auxiliam na digestão.

A questão é que a velocidade de ajuste ao “novo” horário não ocorre da mesma forma para todas as funções do organismo.

“A temperatura corporal, por exemplo, leva dias para alterar seu padrão, isto é, a pessoa trabalha com a temperatura do corpo adequada para dormir e não para exercer qualquer atividade”, diz Moreno.

Consequências para a saúde

No Brasil, estima-se que 10% dos trabalhadores atuem na jornada noturna.

O último grande levantamento do tipo realizado, em 2016, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que 6,9 milhões de trabalhadores brasileiros trabalham nesta jornada.

Lais Aparecida Marques, de 36 anos, é uma delas. Ela faz a cobrança em um pedágio do trecho rodoviário da SP-255, em Itaí, no interior de São Paulo, e dá expediente das 22h às 6h.

“No começo, a dificuldade foi com a adaptação do sono e do meu corpo entender a mudança do novo hábito”, conta Lais.

“Tinha a impressão de que o sono de dia era mais leve, menos profundo.”

Isso ocorre porque o sono diurno não é igual ao noturno: dorme-se menos durante o dia e o sono é de pior qualidade, explica Moreno.

O trabalho noturno também pode fazer com que um trabalhador não consiga dormir a quantidade mínima de horas que o corpo exige (Leia abaixo sobre os direitos dos trabalhadores com carteira assinada que trabalham no período noturno).

Segundo Francisco Cortes Fernandes, presidente da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), uma pessoa adulta precisa de seis a oito horas de sono por dia.

O problema é que uma pessoa que trabalha à noite tende a dormir menos, visto que a vida social “não trabalha à noite”.

“A pessoa que trabalhou a noite vai ficar acordada para levar o filho à escola ou para fazer tarefas comuns do dia a dia”, aponta Ada Ávila Assunção, professora de saúde pública da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Isso gera menos horas de descanso e, consequentemente, cochilos involuntários, o chamado sono inoportuno, sensação de cansaço e desânimo.

Além disso, um trabalhador noturno dificilmente dorme tudo que precisa em um único período e parcela o sono em duas ou mais ocasiões durante o dia.

“Com isso, essa pessoa continuará com um débito de sono, que a longo prazo contribui para o desenvolvimento de doenças, especialmente, as relacionadas com o próprio sono, como a insônia, por exemplo”, aponta Moreno.

Menos sono, mais doenças

Pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil apontam que trabalhadores noturnos correm mais risco de sofrerem de doenças cardiovasculares, distúrbios gastrointestinais e metabólicos (diabetes tipo 2; síndrome metabólica); câncer (mama, próstata e colorretal); problemas de saúde mentale relacionados à reprodução.

Segundo Ada Ávila Assunção, professora de saúde pública da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), isso acontece devido o corpo enfrentar o paradoxo de ter de funcionar quando está em baixa produção de elementos fundamentais para aquelas funções.

“Para se ter uma ideia, estudos mostram que enfermeiras que trabalham à noite durante ao menos dois anos apresentam 81% mais risco de desenvolver hipertensão arterial quando comparadas àquelas que trabalham durante o dia”, ressalta Assunção.

Outro estudo realizado por pesquisadores franceses, publicado na revista científica International Journal of Cancer, mostrou que mulheres que trabalham em jornada noturna também apresentam mais chances de desenvolver câncer de mama.

A explicação é que a iluminação artificial do período noturno pode afetar o funcionamento da glândula pineal, responsável pela produção de melatonina, e reduzir a produção desse hormônio.

Isso porque a melatonina, que tem um papel crucial em regular o ciclo de sono, é fabricada pelo organismo na ausência de luz.

“Por sua vez, a supressão da melatonina aumenta a produção de estrogênio. Quando esse hormônio aumenta, a chance de câncer de mama aumenta também”, explica Moreno.

Esse efeito é ainda mais intenso em trabalhadoras noturnas que enfrentam situações estressantes, segundo o estudo.

“Nessas situações, são produzidas substâncias nocivas que tem a ver com a geração de células cancerígenas”, explica Ada.

No Brasil, uma pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP) também revelou que profissionais de saúde noturnos têm risco aumentado de sofrerem de sobrepeso ou obesidade.

De acordo com o estudo, horários irregulares das refeições combinado com dessincronização do ciclo circadiano, privação do sono e sedentarismo contribuem para o maior risco.

Moreno acrescenta ainda que mulheres grávidas não devem trabalhar mais de um turno noturno por semana para reduzir o risco de aborto espontâneo.

Em busca de qualidade de vida, a motorista de aplicativo Simone resolveu mudar sua rotina para diminuir a quantidade de horas trabalhadas na madrugada. Agora, começa às 14h e para às 2h.

“É uma forma que encontrei de conseguir dormir mais à noite e voltar a fazer coisas que gostava”, diz ela.

“Antes, minha vida era somente trabalhar e dormir”.

No Brasil, a legislação trabalhista proíbe que menores de 18 anos trabalhem em jornadas noturnas, que vão das 22h às 5h.

“Essa medida visa garantir não somente a segurança, como o desenvolvimento saudável dos menores”, diz Mauricio Nahas Borges, advogado e membro da Comissão da Advocacia Trabalhista da OAB-SP.

Borges explica ainda que o trabalhador noturno tem direito a receber um acréscimo de até 20% no valor pago pela hora trabalhada, o chamado adicional noturno.

Além disso, se o empregado iniciar sua jornada às 22h de um dia e tiver esta jornada estendida para o período diurno, ou seja, após às 5h, o adicional noturno deve ser pago para todas as horas daquela jornada.

Outra diferença é a hora reduzida. Enquanto a hora normal do trabalhador diurno dura 60 minutos, a hora noturna, segundo a lei, nas atividades urbanas, é computada como sendo de 52 minutos e 30 segundos.

Isso significa que, na prática, ao final de uma jornada de oito horas, por exemplo, o trabalhador vai receber por nove horas trabalhadas, acrescidas do adicional de 20%.

Segundo Francisco Cortes Fernandes, da ANAMT, essas regras trabalhistas visam mitigar os impactos da jornada noturna na saúde do empregado.

“Além dessas medidas, também é importante evitar jornadas de trabalho noturnas prolongadas e mais de três turnos noturnos consecutivos”, alerta Fernandes.

G1

https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2024/04/24/os-riscos-do-trabalho-noturno-para-a-saude-quem-trabalha-a-noite-nao-tem-mais-vida.ghtml