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Saiba como Europa vem regulando o trabalho em plataformas digitais

Saiba como Europa vem regulando o trabalho em plataformas digitais

Panorama comparado mostra que a União Europeia avançou com diretriz geral sobre trabalho em plataformas.

Da Redação

O debate sobre o trabalho mediado por aplicativos ganhou dimensão global. O que começou como um fenômeno de inovação tecnológica hoje mobiliza tribunais, parlamentos e organismos internacionais.

De motoristas e entregadores a tradutores e desenvolvedores, o chamado “trabalho em plataformas” se expandiu rapidamente durante a pandemia, tornando-se fonte de renda e, ao mesmo tempo, um desafio para o direito do trabalho.

No Brasil, o STF discute se motoristas de aplicativos devem ser reconhecidos como empregados sob a CLT.

Na Europa, o tema já superou a disputa entre táxis e aplicativos e chegou ao centro da agenda regulatória da União Europeia.

Saiba como o Velho Continente tem enfrentado o desafio de regular o trabalho digital – e o que o Brasil pode aprender com essa experiência.

União Europeia já regulamentou trabalho por aplicativos. Estados-membros têm até 2026 para incorporar regramento.

Diretiva Europeia

A União Europeia foi o primeiro bloco econômico do mundo a criar regras específicas para o trabalho mediado por plataformas digitais.

Em entrevista ao Migalhas, o sociólogo Murillo van der Laan, integrante do grupo de pesquisa Mundo do Trabalho e suas Metamorfoses e pós-doutorando do Departamento de Sociologia da Unicamp,  afirmou que a Diretiva UE 2024/2.831, conhecida como Platform Work Directive (2024), estabelece presunção de vínculo e regras rígidas para a gestão algorítmica do trabalho, exigindo transparência nos critérios de distribuição de corridas e entregas.

As novas normas criam um padrão de proteção social e de responsabilidade tecnológica para empresas como Uber, Deliveroo, Glovo, Bolt e tantas outras que operam com base na intermediação digital de trabalho.

Segundo o pesquisador, a diretiva europeia prevê, entre outros pontos, que decisões automatizadas das plataformas estejam submetidas à supervisão humana, que trabalhadores sejam consultados sobre alterações nos sistemas e que dados e algoritmos sejam auditáveis por autoridades públicas e representantes da categoria.

“A promulgação da Diretiva da União Europeia é a legislação mais forte que a gente tem de regulamentação do trabalho de plataforma até agora”, destaca Van der Laan.

Veja a entrevista: https://youtu.be/qOCY83ryjbQ

Estatuto profissional

A diretiva parte de um diagnóstico: milhões de trabalhadores em plataformas na Europa são formalmente classificados como autônomos, embora muitos estejam submetidos a controle direto e dependência econômica típicos de relação de emprego.

O texto reconhece que essa “classificação incorreta” vem gerando desequilíbrio concorrencial e desigualdade de proteção social entre trabalhadores.

Seu objetivo é, portanto, assegurar o estatuto profissional correto e garantir direitos equivalentes a todos os tipos de relação de trabalho, coibindo fraudes e padronizando o tratamento jurídico entre os países da União Europeia.

O art. 4º institui uma presunção legal de vínculo empregatício entre o trabalhador e a plataforma quando se verificarem elementos de subordinação, como:

Controle de horários e locais de trabalho;
Supervisão do desempenho;
Determinação da remuneração;
Restrições à liberdade de aceitar tarefas;
Regras sobre aparência, comportamento ou conduta;
Sanções ou bloqueios decididos unilateralmente pela plataforma.
Quando esses indícios estiverem presentes, presume-se a existência de relação de trabalho, cabendo à empresa provar o contrário – ou seja, demonstrar que o prestador atua com verdadeira autonomia.

Essa presunção deve ser incorporada pelos Estados-membros em suas legislações nacionais até 2026, com regras claras sobre o procedimento de reclassificação e os meios de prova.

Algoritmos

Outro eixo central da diretiva é a regulação da gestão algorítmica.

Os arts. 6º a 10º impõem obrigações inéditas de transparência sobre o funcionamento dos sistemas automatizados usados por plataformas para monitorar, avaliar e atribuir tarefas.

As empresas passam a ser obrigadas a informar aos trabalhadores e seus representantes sobre:

Quais dados são coletados e como são utilizados;
Como funcionam os sistemas de atribuição de corridas, avaliações e remunerações;
Quais critérios são aplicados para decisões automatizadas;
Quais medidas são adotadas para prevenir vieses e erros.
A diretiva proíbe expressamente o tratamento de dados sensíveis, como informações sobre estado emocional, saúde, origem étnica, opiniões políticas, crenças religiosas ou atividade sindical.

Supervisão humana

Para evitar decisões injustas ou discriminatórias, a diretiva estabelece que todas as decisões automatizadas com impacto significativo – como suspensão, bloqueio de conta ou rescisão contratual – devem ser revisadas por um supervisor humano qualificado.

Essas decisões precisam ser motivadas por escrito e abertas à contestação, garantindo o direito de defesa do trabalhador.

Os supervisores humanos também passam a ter proteção especial contra retaliações, quando questionarem decisões tomadas por algoritmos.

Dever de informação e cooperação

As plataformas passam a ter obrigações de transparência institucional.

Devem comunicar às autoridades laborais de cada país dados sobre trabalhadores ativos, tipo de serviço, volume de tarefas e critérios de remuneração, especialmente quando operarem de forma transnacional.

A diretiva reforça a cooperação entre autoridades nacionais, permitindo troca de informações e fiscalização conjunta para assegurar o cumprimento das normas trabalhistas no espaço europeu.

Proteção de dados

O texto estabelece garantias alinhadas ao RGPD – Regulamento Geral de Proteção de Dados, reforçando que nenhuma decisão puramente automatizada pode afetar negativamente a pessoa sem intervenção humana efetiva.

Também reconhece o direito à portabilidade dos dados de desempenho e avaliação, permitindo que o trabalhador migre de uma plataforma para outra sem perder seu histórico profissional – uma inovação importante para a mobilidade e autonomia do trabalhador digital.

Sanções e aplicação

Cada Estado-membro deve definir sanções proporcionais, efetivas e dissuasivas para o descumprimento da diretiva.

Essas medidas podem incluir multas administrativas, suspensão de operações ou indenizações individuais aos trabalhadores afetados.

Os países deverão ainda atualizar seus mecanismos de inspeção e negociação coletiva, garantindo a participação de sindicatos e representantes dos trabalhadores nas discussões sobre transparência e uso de algoritmos.

País a país

Embora a diretiva represente um marco regulatório recente, a maioria dos países europeus já vinha enfrentando o tema antes mesmo de sua aprovação. França, Espanha, Alemanha, Itália e Portugal seguiram trajetórias distintas – algumas marcadas por decisões judiciais pioneiras, outras por reformas legislativas.

Veja uma análise de como o tema é tratado por alguns Estados-membro.

França

De acordo com estudo do Ipea (2024), a legislação francesa reconhece apenas duas categorias jurídicas: empregado ou trabalhador por conta própria.

Esse modelo binário não abarca plenamente as novas formas de trabalho surgidas na 4ª Revolução Industrial, especialmente as mediadas por plataformas. Para lidar com o novo cenário, a Lei El Khomri (2016) criou mecanismos de proteção a trabalhadores de plataformas, ainda que sem vínculo formal.

A norma estabeleceu que as plataformas devem oferecer seguros contra acidentes e doenças profissionais, reconhecendo uma relação de dependência econômica, ainda que sem subordinação direta.

Em 2019, a LOM – Lei de Orientação das Mobilidades ampliou essas garantias, assegurando autonomia aos prestadores e proibindo retaliações por recusas de corridas ou horários.

Apesar dos avanços, as reformas francesas não criaram uma terceira categoria jurídica.

Pesquisadores como Daugareilh, Degryse e Pochet (2019) consideram que a Lei El Khomri acabou, na prática, instituindo um “terceiro status disfarçado”, ao impor deveres de proteção típicos do empregador sem alterar a natureza jurídica da relação.

Há críticas ao modelo francês por basear a proteção em seguros privados, e não na seguridade social pública, o que pode fragmentar a solidariedade do sistema tradicional.

O marco decisivo veio do Judiciário, pela Corte de Cassação, que em 4 de março de 2020, reconheceu vínculo empregatício entre a Uber e um motorista, afirmando que o poder diretivo da empresa configurava subordinação.

Após a decisão, a ministra do Trabalho, Muriel Pénicaud, anunciou a busca por “um novo quadro jurídico que proteja todos os trabalhadores, assalariados ou não”.

Espanha

A pesquisa do Ipea aponta que, na Espanha, o Real Decreto-Lei 9, de 11 de maio de 2021, conhecido como Ley Rider, regulamentou a atividade com foco nos serviços de entrega de mercadorias.

Segundo o sociólogo Murillo van der Laan, antes da promulgação da lei o país vivia um cenário de insegurança jurídica, com decisões judiciais divergentes sobre o mesmo tema.

“Você tinha respostas por parte do judiciário contrastantes. Às vezes, trabalhadores da mesma empresa eram classificados como autônomos, e em outros, como empregados”, explica.

Essa instabilidade levou a questão à Suprema Corte Espanhola, que decidiu de forma unânime reconhecer o vínculo de emprego entre um entregador e a plataforma Glovo, destacando que a empresa organiza o processo de trabalho e exerce controle efetivo sobre os motoristas, ainda que tente mascarar a subordinação.

“A Corte mostrou como, nesses casos, a plataforma é o meio de produção principal e organiza […] através de sistemas de pontuação, através da organização dos pedidos, através de mecanismos de punição desses trabalhadores, controles por geolocalização, pelo GPS”, observa.

Após a decisão, o Parlamento espanhol se mobilizou para transformá-la em norma, consolidando a jurisprudência da Suprema Corte.

A principal inovação da Ley Rider foi justamente a presunção de relação de emprego entre as plataformas digitais e os entregadores. Na prática, isso obrigou as empresas a contratarem formalmente os trabalhadores, e não mais tratá-los como autônomos.

Outra inovação importante foi a transparência algorítmica: o decreto impôs às plataformas o dever de informar aos trabalhadores sobre os critérios e parâmetros usados nos sistemas automatizados de gestão e decisão – tornando a Espanha o primeiro país europeu a reconhecer a transparência algorítmica como direito trabalhista.

Nos primeiros meses de vigência, houve queda no número de entregadores ativos e dificuldades operacionais para restaurantes e consumidores, especialmente em horários de pico.

Uma das grandes empresas do setor chegou a encerrar suas operações no país, alegando inviabilidade econômica sob o novo regime jurídico.

Com o tempo, o mercado começou a se reorganizar: surgiram empresas terceirizadas de logística que passaram a atuar em parceria com as plataformas.

No último dia 2, o governo espanhol endureceu a aplicação da Ley Rider.

A ministra do Trabalho, Yolanda Díaz, anunciou que o país está preparado para processar criminalmente o Uber Eats por manter falsos autônomos, em violação à norma que presume vínculo entre plataformas e entregadores.

A medida segue a mesma linha adotada contra a Glovo, já obrigada a contratar 14 mil trabalhadores após investigação da Inspeção do Trabalho.

Alemanha

Assim como em outros países europeus, a proteção social na Alemanha é obrigatória e vinculada ao status laboral do indivíduo.

Segundo o relatório do Ipea, o sistema de seguridade alemão prioriza os trabalhadores dependentes (assalariados), que são abrangidos por todos os ramos da proteção social, como aposentadoria, seguro-desemprego, doença, maternidade e paternidade.

A pesquisa ainda informa que, diante desse cenário, o Parlamento alemão tem discutido uma série de propostas legislativas voltadas a estender a seguridade social aos trabalhadores de plataformas digitais.

Essas propostas buscam envolver as próprias plataformas e demandantes de serviços no financiamento das contribuições sociais, criando mecanismos para assegurar um nível de proteção semelhante ao dos empregados formais.

Como ainda não há uma lei definitiva que amplie o acesso à seguridade social para os trabalhadores de plataforma, as Cortes alemãs têm ocupado o espaço da regulação, decidindo caso a caso.

Segundo o Ipea, essas decisões vêm reconhecendo vínculos de subordinação em situações em que as plataformas exercem controle sobre o modo de trabalho, o preço e a relação com os consumidores, e funcionam, na prática, como referência regulatória provisória enquanto o debate legislativo avança.

O ponto de inflexão no cenário alemão ocorreu em dezembro de 2020, com a decisão 9 AZR 102/20 do Tribunal Federal do Trabalho (Bundesarbeitsgericht).

O caso envolveu um trabalhador da plataforma Roamler, que realizava microtarefas – como checar estoques e fotografar produtos em supermercados – mediante ordens transmitidas por aplicativo.

A plataforma classificava o prestador como autônomo, mas o tribunal entendeu que havia relação de emprego conforme o §611a do Código Civil Alemão (BGB), que define o contrato de trabalho pela presença de subordinação pessoal e dependência econômica.

Os juízes observaram que o aplicativo determinava as tarefas, controlava tempo, local e modo de execução, avaliava o desempenho por meio de sistemas de pontuação e condicionava o acesso futuro a atividades mais rentáveis – características típicas de poder diretivo.

Segundo a pesquisadora Bruna da Penha de Mendonça Coelho, a decisão evidenciou a fragilidade contratual dos trabalhadores digitais e reforçou a importância de redefinir os critérios de subordinação em um contexto em que o controle se dá por algoritmos e não por supervisores humanos.

Nesse sentido, o Bundesarbeitsgericht inaugurou uma linha interpretativa que considera o controle algorítmico como manifestação contemporânea da subordinação clássica.

Itália

A Itália, por sua vez, reconheceu juridicamente uma categoria intermediária de trabalhadores, situada entre o emprego subordinado e o trabalho autônomo tradicional.

Essa figura, conhecida como “parassubordinação” (lavoro parasubordinato), surgiu no decreto legislativo 276/03 e tem servido de base para lidar com as novas formas de trabalho mediadas por plataformas digitais.

De acordo com o estudo de Fernando Passos e Rosane Teresinha Porto, apresentado no congresso International Experience Perugia – Itália, o modelo italiano tornou-se referência internacional por oferecer proteção previdenciária, sindical e contratual a trabalhadores que, embora formalmente independentes, são economicamente dependentes e sujeitos a controle por parte das plataformas

Recentemente, a lei 128/19 modificou o decreto legislativo 81/15 e regulamentou expressamente o trabalho em plataformas digitais, após uma série de decisões judiciais sobre o caso Foodora, empresa de entregas por aplicativo.

Em 2018, o tribunal de Turim havia negado o vínculo empregatício aos entregadores, mas reconheceu a necessidade de proteção mínima diante da dependência econômica e organizacional existente.

O caso subiu à Corte de Cassação, que em 2020 confirmou a existência de “subordinação atípica”, determinando a aplicação das normas de trabalho subordinado no que tange a salário mínimo, férias e previdência.

Com base nessa jurisprudência, a lei 128/19 passou a prever que entregadores de plataformas digitais (os chamados riders) têm direito a cobertura previdenciária obrigatória, seguro contra acidentes, remuneração proporcional ao tempo de conexão e proteção contra desligamento arbitrário.

A norma também introduziu regras de transparência algorítmica, exigindo que as empresas informem aos trabalhadores os critérios de gestão e avaliação utilizados pelos sistemas automatizados

O modelo também fortaleceu o papel das cortes trabalhistas, que passaram a aplicar testes de subordinação ampliada – incluindo critérios como controle algorítmico, avaliação por desempenho e impossibilidade de negociação individual.

Portugal

Em maio de 2025, o Supremo Tribunal de Justiça de Portugal proferiu decisão sobre o trabalho mediado por plataformas digitais.

No caso, envolvendo a empresa Glovo, os ministros seguiram a mesma linha interpretativa já consolidada na Espanha e na França, reconhecendo que a relação entre o entregador (ou estafeta, como é chamado em Portugal) e a plataforma configurava relação de emprego.

A ação teve origem em um procedimento instaurado pela ACT -Autoridade para as Condições do Trabalho, que constatou indícios de fraude contratual e de simulação de autonomia.

Diante disso, o Ministério Público português propôs uma “ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho”, com o objetivo de assegurar aos entregadores os direitos trabalhistas correspondentes. O pedido havia sido rejeitado em 1ª instância e também no tribunal da Relação, até ser reformado pelo Supremo.

O colegiado fundamentou o reconhecimento do vínculo nos elementos clássicos de subordinação, como direção, supervisão e controle da atividade. O tribunal destacou ainda a inserção do trabalhador na estrutura algorítmica da plataforma, observando que o aplicativo e os sistemas digitais são integralmente administrados pela empresa, e que o desempenho do entregador depende de sua conexão e obediência às regras do sistema.

Segundo a decisão, a ausência de obrigação de resultado e de risco econômico, somada ao controle exercido pela empresa sobre as condições de trabalho e à possibilidade de suspensão ou desativação da conta, são traços inequívocos da relação laboral.

A Corte também afastou o argumento da flexibilidade de horários: o fato de o estafeta poder se conectar ou desconectar livremente não elimina a subordinação, já que o labor ocorre dentro de uma estrutura rigidamente definida pela plataforma.

O Supremo português ressaltou, por fim, que a prática de exigir pagamento de taxas ou firmar contratos de prestação autônoma não basta para descaracterizar o vínculo.

Tais cláusulas, advertiu o tribunal, têm sido usadas para mascarar relações de trabalho subordinado, fenômeno que as legislações europeias vêm combatendo ao reconhecer a presunção de laboralidade.

Comparativo

Veja, a seguir, um comparativo do panorama europeu, por país:

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Panorama brasileiro

Depois de percorrer as diferentes experiências europeias – que vão da presunção de vínculo à transparência algorítmica, o debate sobre o trabalho por aplicativos ganha contornos próprios no Brasil.

Aqui, a ausência de regulação específica e a rápida expansão das plataformas criam um terreno fértil para disputas judiciais, pressões políticas e novos desafios sociais.

O pesquisador Murillo van der Laan citou levantamento do IBGE, em parceria com o MPT da 15ª região e o IFCH/Unicamp, que indica um quadro de intensificação da precarização no trabalho por aplicativos no Brasil.

Hoje, cerca de 1,5 milhão de pessoas atuam como motoristas e entregadores no país. A jornada é mais longa e a renda, menor, quando comparadas a ocupações equivalentes fora das plataformas.

Entregadores trabalham em média 47,6 horas por semana – quase cinco horas a mais –  e recebem significativamente menos. Motoristas somam 47,9 horas semanais, cerca de 20% a mais de jornada, com ganho apenas 1% superior.

Segundo Van der Laan, o discurso de “disrupção” inaugurado pelas plataformas não representa uma mudança estrutural do processo de trabalho, mas uma gestão algorítmica baseada em controle e punições, sustentada, na fase de expansão, por subsídios do capital financeiro.

“Esses modelos se apoiaram em tarifas mais baixas aos clientes e repasses maiores aos trabalhadores, o que mascarou temporariamente a precarização. Agora, com o fim dos subsídios, vemos tarifas mais altas e compressão dos ganhos”, explica.

Outro ponto crítico é o tempo à disposição: mesmo conectados e aguardando chamadas, os trabalhadores não são remunerados, embora esse período integre a lógica de gestão e controle das plataformas.

Para o sociólogo, o problema não se restringe ao Brasil, mas tem raízes globais – especialmente nas economias periféricas.

“A gente não está diante de uma questão fácil, principalmente no Sul Global, onde há um histórico de informalidade e, agora, uma tendência de pejoratização do trabalho. O que vemos nas últimas décadas é um processo intenso de precarização”, avalia.

“Há, inclusive, setores patronais que já indicam o desejo de implementar essa “uberização” do trabalho sob uma propaganda de uma suposta flexibilidade para o trabalhador, mas implementar isso para os seus próprios setores. Portanto, essa decisão do STF agora se tornará paradigmática nesse sentido também, da tendência desse processo de uberização do trabalho para os demais setores.”

No plano regulatório, Van der Laan defende que a CLT deve continuar sendo o parâmetro para o setor.

“As plataformas exercem poder diretivo e organizam o processo produtivo. Portanto, precisam se adequar à legislação trabalhista – com horas extras, 13º, férias e FGTS. Criar uma categoria intermediária só ampliaria a precarização”, alerta.

O pesquisador considera que o Brasil pode – e deve – se inspirar na experiência europeia, especialmente nas regras da Diretiva da União Europeia, que prevê presunção de vínculo e regulação da gestão algorítmica.

“A experiência da Diretiva da União Europeia é extremamente plausível de se efetuar aqui, seja para onde for que se caminhe essa perspectiva do reconhecimento ou não do vínculo empregatício. Mas implementar aqui uma regulamentação da gestão algorítmica do trabalho”, afirma.

Precauções

Pode não ser o caso agora, mas a história oferece um alerta: quando a Europa se antecipou em regular a internet, o zelo virou fardo. O continente que abrigou gigantes como Nokia e SAP acabou ficando para trás na corrida digital. O rigor normativo – com o GDPR, o Digital Services Act e o Digital Markets Act – trouxe ganhos em privacidade e transparência, mas também gerou custos elevados, afastou startups e freou a inovação. Estudos indicam que o tráfego online europeu caiu cerca de 5% após o GDPR, e que o continente investe bem menos em tecnologia do que os Estados Unidos e a Ásia.

A lição é conhecida: a regulação precoce pode proteger o presente, mas, às vezes, sacrifica o futuro. Que o mesmo zelo com o trabalho por aplicativos não resulte em mais um avanço que, no fim das contas, custe caro à inovação.

Debate institucional

Aliás, o tema está hoje no centro das atenções do STF, que iniciou o julgamento conjunto da Rcl 64.018 e do RE 1.446.336. As ações discutem se motoristas de aplicativos têm, ou não, vínculo empregatício com as plataformas digitais.

Após realizadas as sustentações orais, a análise foi suspensa e será retomada após reflexão dos ministros.

Paralelamente, o tema também avança no Congresso Nacional. A comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa a regulamentação do trabalho por aplicativo (PLP 152/25) realizará audiência pública nesta terça-feira, 14, às 15h, para discutir a atuação das empresas operadoras de plataformas digitais de transporte de passageiros e de entrega de comida.

Diante de tantos interesses em jogo, a solução parece residir em um modelo intermediário, capaz de garantir segurança aos trabalhadores, sem sufocar os novos formatos de trabalho que a tecnologia possibilitou.

Se conseguir equilibrar esses interesses, o Brasil pode transformar esse impasse em uma excelente jabuticaba.

Referências

COELHO, Bruna da Penha de Mendonça. Work by digital platforms in Germany: an analysis on the labour market and the decision 9 AZR 102/20 of the Federal Labour Court (Bundesarbeitsgericht). Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, São Paulo, v. 5, n. 1, p. 1-22, 2022. Disponível em: https://revistatdh.org/index.php/Revista-TDH/article/view/134. Acesso em: 6 out. 2025.

HIESSL, Christina; GONSALES, Marco; RONCATO, Mariana Shinohara; VAN DER LAAN, Murillo. Trabalho em plataformas: regulamentação ou desregulamentação? O exemplo da Europa. Tradução de Pedro Davoglio. Coordenação de Ricardo Antunes. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2024. 216 p.

PASSOS, Fernando; PORTO, Rosane Teresinha (orgs.). Relações laborais transnacionais e novas tecnologias: I International Experience Perugia (Itália). Florianópolis: CONPEDI, 2025. Disponível em: https://www.conpedi.org.br/publicacoes. Acesso em: 6 out. 2025.

RANGEL, Leonardo Alves et al. Proteção social dos trabalhadores de plataformas digitais: experiência internacional – América Latina e Europa. Brasília, DF : Ipea, jun. 2024. 38 p. (Texto para Discussão, n. 3004). DOI http://dx.doi.org/10.38116/td3004-port

MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/quentes/441643/saiba-como-europa-vem-regulando-o-trabalho-em-plataformas-digitais

Saiba como Europa vem regulando o trabalho em plataformas digitais

Trabalho em domingos e feriados: Regras e limites legais

Marcos Roberto Hasse

O artigo analisa a portaria MTE 3.665/23 e os impactos da exigência de negociação coletiva para autorizar o trabalho em domingos e feriados no comércio em geral.

O trabalho aos domingos e feriados é permitido pela legislação trabalhista em vigor, desde que sejam observadas as disposições da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, tais como o pagamento de horas extras ou a pactuação dos regimes de compensação, como, por exemplo, o banco de horas, bem como observadas demais regulamentações e regras correlatas.

Nessa perspectiva, a CLT dispõe que o empregado tem o direito a um repouso semanal remunerado de, no mínimo, 24 (vinte e quatro) horas consecutivas, e que este deve ser usufruído, de preferência, aos domingos.

Contudo, em alguns segmentos do mercado, como é o caso dos serviços essenciais e àqueles de interesse público, ou seja, onde o labor deve ser contínuo por sua própria natureza, é possível que os empregados trabalhem em domingos e feriados, desde que haja uma escala prévia e organizada de revezamento.

Nessa situação, quando houver o trabalho aos domingos e nos feriados, o empregador deve conceder folga compensatória ao empregado em outro dia da semana, observado o prazo legal, ou então, realizar o pagamento em dobro pela jornada prestada nesses dias, se não houver a devida compensação.

No âmbito das atividades do comércio em geral, em novembro de 2023, foi publicada a portaria MTE 3.665/23, a qual restabeleceu que a autorização para o trabalho aos domingos e feriados somente poderá ocorrer mediante negociação coletiva. Isto é, o funcionamento dos estabelecimentos comerciais afetados pela regulamentação deve estar expressamente previsto em CCT – Convenção Coletiva de Trabalho ou então, que seja firmado por meio de acordo coletivo com o sindicato da categoria profissional.

A referida portaria revogou a anterior (portaria 671/21) que havia flexibilizado a exigência e permitido o trabalho com fundamento em acordos individuais, sem a participação dos Sindicatos.

Embora a portaria 3.665/23 seja mais exigente, ela não proíbe o funcionamento dos estabelecimentos comerciais, mas reforça a legitimidade das negociações coletivas, a atuação das entidades sindicais, além de reafirmar que as portarias são regulamentações para os direitos já assegurados na legislação.

A portaria MTE 3.665/23, deixa de conceder autorização automática e permanente para o funcionamento aos domingos e feriados de diversos segmentos, tais como: comércios em geral, incluindo supermercados, mercearias, variados ramos de lojas, além de comércio varejistas de peixes, carnes frescas, caça, frutas, verduras, aves e ovos; comércio de produtos farmacêuticos; comércio de artigos regionais; comércios em portos, aeroportos, estradas, estações rodoviárias e ferroviárias; comércio em hotéis, bem como comércio atacadistas e distribuidores de produtos industrializados e àqueles revendedores de tratores, caminhões, automóveis e veículos similares.

Apesar de ter sido publicada em novembro de 2023, a mencionada Portaria já foi prorrogada várias vezes, sendo que o prazo atual para o início da sua vigência é no dia 1º de março de 2026, lapso temporal considerado justo e adequado para que empresas e sindicatos ajustem seus instrumentos coletivos.

Importante lembrar e observar que algumas Convenções Coletivas de Trabalho já podem conter cláusulas autorizando o trabalho aos domingos e feriados em suas respectivas categorias profissionais. Ou ainda, em algumas delas, já há autorização para o labor aos domingos, ocasião em que restará necessária apenas a negociação coletiva específica para o labor em feriados.

Verifica-se, também, que algumas Convenções Coletivas de Trabalho já estabelecem as regras específicas para que ocorra a autorização, prevendo a realização de reunião entre os sindicatos, empregadores e trabalhadores, bem como o pagamento de taxas, como uma condição para a liberação do labor.

Diante da nova regulamentação, as empresas devem tomar alguns cuidados preventivos, como a revisão e o ajuste das escalas de trabalho, bem como a verificação dos instrumentos coletivos, observando a necessidade de que estes contemplem a autorização exigida. Além disso, caso ainda não haja a previsão de autorização do labor em domingos e feriados, as empresas devem buscar a negociação coletiva junto ao sindicato da categoria profissional.

Considerando que se trata de uma norma regulamentadora, a ausência de negociação coletiva, na forma como prevista, poderá acarretar a aplicação de multas administrativas, passivos trabalhistas e a obrigação de pagamento de horas extras e demais penalidades legais aos empregados e também em favor das entidades sindicais.

Uma das preocupações com a vigência da Portaria é de que esta regulamentação represente um retrocesso para o comércio em geral, em especial para supermercados e farmácias. Os impactos negativos previstos são a possível redução de empregos, a diminuição da receita das empresas e a restrição do acesso da população a produtos e serviços essenciais. No âmbito do desenvolvimento econômico, as limitações podem comprometer a arrecadação, além de dificultar outras áreas como a acessibilidade e ser considerada um desestímulo para a inovação.

Exatamente por conta disso, estão em andamento iniciativas legislativas, as quais merecem destaque, em razão de estarem em busca do equilíbrio entre a proteção dos direitos trabalhistas e a necessidade de funcionamento contínuo em determinados setores da economia.

Entre elas, o PDL 405/23 (de autoria do deputado Luiz Gastão), em trâmite na Câmara dos Deputados, apresentado em 16/11/2023 e atualmente aguardando pauta no Plenário. A finalidade é, justamente, restaurar a flexibilidade anterior, autorizando que as atividades do comércio em geral permitam o labor dos seus empregados aos domingos e feriados, preservando os direitos trabalhistas envolvidos, mas sem a exigência sindical.

Estão apensados ao referido PDL outros dois: PDL 305/25 (de autoria da deputada Daniela Reinehr) e o PDL 307/25 (de autoria do deputado Antonio Carlos Nicoletti), ambos com a mesma temática, objetivando a suspensão/interrupção da portaria MTE 3.665/23.

Além desses, também se encontra tramitando no Senado Federal, o PL 2.728/25 (de autoria do senador Mecias de Jesus), com o objetivo de alterar a lei 10.101/00.

A proposta busca permitir o trabalho aos domingos e feriados no comércio em geral mediante acordo individual escrito entre empregador e empregado, sem a exigência de previsão em CCT – Convenção Coletiva de Trabalho ou em acordos coletivos, salvo disposição expressa em sentido contrário. O texto do projeto também estabelece que o repouso semanal remunerado deverá coincidir com o domingo ao menos uma vez a cada três semanas.

O referido PL está em trâmite no Plenário do Senado, tendo sido autuado em 5 de junho de 2025 e, atualmente, aguardando despacho para prosseguir ao encaminhamento às comissões responsáveis.

Entretanto, até que ocorra eventual alteração da legislação ou, até mesmo, a revogação definitiva da portaria MTE 3.665/23, é essencial que empresas e sindicatos atuem de forma preventiva, observando o prazo de início da vigência atualmente estipulado (1º de março de 2026), revisando as convenções e formalizando os acordos coletivos, tudo isso para evitar autuações administrativas e garantir segurança jurídica às relações laborais.

Marcos Roberto Hasse
Advogado (OAB/SC 10.623) com 30 anos de experiência, sócio da Hasse Advocacia e Consultoria, com atuação ampla e estratégica em diversas áreas jurídicas.

MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/depeso/438628/trabalho-em-domingos-e-feriados-regras-e-limites-legais

Saiba como Europa vem regulando o trabalho em plataformas digitais

Empregada terá insalubridade por limpar banheiros usados por 60 pessoas

TRT-2 considerou que a exposição habitual a agentes nocivos configura violação à saúde da empregada.

Da Redação

O TRT-2 reconheceu o direito de uma trabalhadora ao adicional de insalubridade em grau máximo por entender que suas atividades de limpeza em banheiros coletivos a expunham de forma contínua a agentes biológicos. A 6ª turma manteve a condenação imposta em 1ª instância, que havia equiparado a situação à coleta de lixo urbano.

A trabalhadora atuava em um edifício corporativo e era responsável pela limpeza de seis banheiros localizados em andar com intensa circulação de funcionários e visitantes. A higienização era feita três vezes ao dia, o que, segundo o laudo técnico, implicava contato direto e constante com agentes nocivos à saúde.

Em 1ª instância, a sentença havia reconhecido o direito ao adicional de insalubridade em grau máximo, fixado em 40%, por equiparar a atividade de limpeza de banheiros de grande circulação à coleta de lixo urbano.

No recurso, a empresa alegou que o laudo pericial havia concluído pela inexistência de insalubridade, sustentando que os banheiros não eram de “alta rotatividade”, já que atendiam cerca de 64 pessoas por dia, número que, segundo a defesa, não seria suficiente para caracterizar grande circulação.

O relator, desembargador Wilson Fernandes, rejeitou os argumentos e observou que o próprio laudo técnico confirmou que a trabalhadora realizava a limpeza em locais utilizados por mais de 60 pessoas diariamente.

Com base nesse dado, aplicou a Súmula 448, II, do TST, que reconhece o direito ao adicional de insalubridade em grau máximo àqueles que fazem a higienização de sanitários de uso coletivo de grande circulação.

“O trabalhador que exerce a atividade de limpeza de local de grande circulação de pessoas equipara-se àquele empregado que executa atividade de coletor de lixo urbano, para efeitos de enquadramento da insalubridade em grau máximo.”

O magistrado acrescentou que “a utilização de equipamentos de proteção individual não afasta o direito ao adicional, uma vez que não neutralizam os agentes nocivos à saúde”.

Com esses fundamentos, a 6ª turma manteve a condenação da empresa ao pagamento do adicional de insalubridade em grau máximo.

O escritório Tadim Neves Advocacia atua pela empregada.

Processo: 1001472-19.2024.5.02.0027
Leia a decisão: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.migalhas.com.br/arquivos/2025/10/E56C4E0F288011_Documento_dbc2e80.pdf

MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/quentes/441622/mulher-tera-insalubridade-por-limpar-banheiros-usados-por-60-pessoas

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TRT-4 mantém justa causa de empregado por debochar de foto de colega

A 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) validou a demissão por justa causa de um pintor automotivo que fez comentários depreciativos sobre a foto de uma colega de trabalho. A decisão confirmou a sentença do juiz Frederico Russomano, da 3ª Vara do Trabalho de Pelotas (RS).

Ao ver a foto da “funcionária do mês”, o empregado teria comentado que a pessoa da foto estava tão bonita que nem parecia a homenageada. Conforme algumas testemunhas, entre elas a vítima do comentário, o episódio se espalhou pela empresa, gerando deboches e repercussão entre os colegas.

Na ação que buscava reverter a dispensa motivada, o empregado sustentou que não houve falta grave, sendo a despedida excessiva e desproporcional, não podendo ser aplicada a um trabalhador com quase 40 anos de contrato. Alegou, também, que a empresa estava se aproveitando do incidente para despedir empregado antigo, como teria feito em outros casos.

Em contestação, a empresa afirmou que se tratava de reincidência, uma vez que o empregado já havia sido suspenso em 2023, por assédio sexual. A rescisão foi fundamentada no artigo 482,  b — incontinência de conduta ou mau procedimento e j — ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Comentário intolerável

No primeiro grau, o juiz considerou que “não se pode ter por inocente o comentário” do pintor.

“Hoje não se tolera mais esse tipo de comportamento no ambiente de trabalho, mesmo que seja brincadeira. Poderia considerar pesada a penalidade aplicada ao reclamante não fosse ele reincidente, pois, já havia sido suspenso do trabalho por comentários inconvenientes que implicam em assédio sexual”, salientou o magistrado.

Diferentes matérias foram objeto de recurso pelas partes, uma vez que a ação também abordou outros temas, como indenização por danos morais e estéticos. A relatora do acórdão, desembargadora Tânia Regina Silva Reckziegel, concluiu que não houve falta grave que justificasse a despedida motivada.

O desembargador Marçal Henri dos Santos Figueiredo, no entanto, entendeu que a penalidade correspondeu aos fatos comprovados. O voto divergente prevaleceu, sendo acompanhado pelo desembargador Gilberto Souza dos Santos.

“A carta de despedida por justa causa indica atos de mau procedimento e atos ofensivos à honra, além de ofensas morais contra colega de trabalho. Não vejo situação de desproporção entre a pena de justa causa e os fatos comprovadamente praticados pelo reclamante”, afirmou o desembargador Marçal.

O trabalhador recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho . Com informações da assessoria de imprensa do TRT-4.

CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-out-12/trt-4-mantem-justa-causa-de-empregado-por-debochar-de-foto-de-colega/

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Dispensa discriminatória após ação trabalhista: limites e cautelas

A relação de emprego possui um ciclo natural — admissão, vigência e, eventualmente, rescisão. Embora legítimo, o poder do empregador para romper o contrato não é absoluto, devendo observar limites constitucionais e legais. No entanto, o poder diretivo do empregador para decidir sobre o término do vínculo contratual não é irrestrito nem absoluto.

Isso porque, o exercício desse direito deve observar os limites impostos pela ordem jurídica, especialmente pelos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e do livre acesso à Justiça.

Nesse contexto, destaca-se uma situação que tem recebido crescente atenção da jurisprudência: a dispensa do empregado ocorrida em curto lapso temporal ao ajuizamento de ação trabalhista. A coincidência entre o exercício do direito de ação e o desligamento contratual tem sido interpretada, em muitos casos, como indício de retaliação ou de discriminação velada, com sérias repercussões jurídicas para a empresa.

Tal cenário impõe reflexão sobre os impactos humanos e jurídicos da ruptura do contrato. O trabalho, por sua natureza essencial, está intimamente ligado à dignidade da pessoa humana. A perda do emprego impacta não apenas a subsistência do trabalhador, mas também sua autoestima, seu reconhecimento social e seu equilíbrio emocional. Por essa razão, o ordenamento jurídico brasileiro impõe limites ao poder empregatício, vedando dispensas motivadas por preconceito, retaliação ou qualquer forma de discriminação.

A esse respeito, a Lei nº 9.029/1995 proíbe expressamente práticas discriminatórias para fins de acesso ou manutenção da relação de trabalho, incluindo a dispensa baseada em critérios como raça, sexo, estado civil, idade, deficiência, entre outros.

No mesmo sentido, a Súmula 443 do TST estabelece presunção relativa de dispensa discriminatória quando a rescisão contratual atinge empregado portador de doença grave que suscite estigma ou preconceito.

Justiça do Trabalho tem ampliado a interpretação

Embora a legislação não trate de modo expresso das ações judiciais trabalhistas como fator de proteção, bem como a súmula seja expressa a questões de doença, é comum que empregadores reajam de forma precipitada diante da iniciativa de seus empregados em recorrer ao Judiciário, promovendo a dispensa imediata sob o argumento de quebra de confiança ou de afronta institucional.

Tal conduta, contudo, vem sendo reconhecida pela jurisprudência como discriminatória, por violar princípios constitucionais fundamentais, bem como por interpretar de forma ampliativa o entendimento sumular, aplicando ao caso, deslocando o ônus de prova ao empregador, para que ele comprove a existência de motivo legítimo e alheio à iniciativa do trabalhador de buscar a tutela jurisdicional.

Em decisões recentes, verifica-se que nestes casos, a Justiça do Trabalho, inicialmente, analisa o lapso temporal entre o ajuizamento da demanda e a dispensa e, caso esse seja curto, não ultrapassando 50 dias, tem havido a incidência da Súmula 443 do TST, com a consequente inversão do ônus de prova.

Esse posicionamento ilustra que a Justiça do Trabalho tem ampliado a interpretação sobre o que configura dispensa discriminatória. Para as empresas, o risco vai além da reintegração: há possibilidade de condenação em indenizações por danos morais, repercussão negativa de imagem e maior exposição patrimonial.

Exemplo disso é o caso julgado pelo TST (Ag-RR: 0000637-08.2017.5.14.0141), no qual a dispensa ocorrida 40 dias após o ajuizamento da ação foi considerada discriminatória, resultando na reintegração do trabalhador, inclusive, salientando, “O TRT registra que o reclamante foi dispensado imotivadamente 40 dias após o ajuizamento de ação visando ao reconhecimento de direitos trabalhistas, assinalando que, nessa situação, recai sobre o empregador o ônus da prova de que a dispensa não teve caráter discriminatório”:

“AGRAVO. RECURSO DE REVISTA. RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI Nº 13.467/2017. REINTEGRAÇÃO. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA EM RAZÃO DO AJUIZAMENTO DE RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. DIREITO DE REINTEGRAÇÃO. Não merece provimento o agravo que não desconstitui os fundamentos da decisão monocrática pela qual se deu provimento ao recurso de revista do reclamante, pois demonstrado nos autos que a dispensa do trabalhador, em razão do ajuizamento de ação trabalhista contra a reclamada, configurou abuso do direito potestativo e constituiu dispensa discriminatória, nos termos da lei. Agravo desprovido.” (TST – Ag-RR: 0000637-08.2017.5 .14.0141, Relator.: Jose Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 08/02/2023, 3ª Turma, Data de Publicação: 10/02/2023)

Outro exemplo recente é a decisão do TST (RR: 99800-98.2008.5.21.0005) publicada em maio deste ano que negou provimento ao Recurso de Revista Banco do Brasil S.A., mantendo a determinação de reintegração de três advogados da cidade de Natal/RN, ante ao reconhecimento da dispensa discriminatória, em razão do ingresso de demanda trabalhista em face da instituição financeira:

“3. DISPENSA SEM JUSTA CAUSA. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. REINTEGRAÇÃO. I. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no entendimento de que, nos moldes dos arts. 1º e 4º da Lei nº 9.029/1995, o rompimento do contrato de trabalho por ato discriminatório por parte do empregador enseja ao empregado a opção pela reintegração ao emprego. Adota-se, ainda, a orientação de que o rol previsto no art. 1º do referido diploma legal é exemplificativo, mormente diante do advento da Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), que alterou o aludido dispositivo para incluir a expressão ‘entre outros’, após a enumeração de alguns tipos de práticas discriminatórias. II. No caso em testilha, o Tribunal Regional entendera estar comprovado o cunho discriminatório da rescisão contratual dos reclamantes em razão de terem figurado no rol de substituídos em ação ajuizada contra o Banco reclamado. III. Sendo assim, a par da discussão acerca da necessidade de motivação da dispensa bem como da necessidade de procedimento administrativo prévio segundo a norma interna da reclamada, certo é que, no caso presente, a partir dos fatos descritos, a rescisão contratual se deu como forma de retaliação ao exercício regular de um direito, o que configurou abuso do direito potestativo do empregador e caracterizou a dispensa como discriminatória, nos termos da lei. Portanto, ao manter a reintegração do autor, o Tribunal Regional decidiu em conformidade com o art. 4º da Lei 9.029/95 e com a jurisprudência desta Corte Superior, razão pela qual incidem o art. 896, § 7º, da CLT e a Súmula nº 333 do TST, como óbices ao conhecimento do recurso de revista. IV. Mencione-se que, estando a controvérsia circunscrita ao caráter discriminatório da dispensa e suas consequências, o caso concreto não se amolda à hipótese tratada no Tema 1022 da Tabela de Repercussão Geral do STF. […]” (TST – RR: 99800-98.2008.5.21.0005, relator.: Evandro Valadão, data de julgamento: 23/4/2025, 7ª Turma, data de publicação: 6/5/2025).

Além da possibilidade de reintegração do empregado que poderá ser determinada, a jurisprudência aponta, inclusive, para consequências severas em casos de dispensa considerada discriminatória, como a condenação em indenização por dano moral, como na decisão do TRT-3 (RO: 0011704-11.2017.5.03.0097), a qual inclusive, salienta, É incontroverso que o autor propôs ação trabalhista nº 0010030-95.2017.5.03.0097, cuja audiência inicial ocorreu no dia 3/5/2017, sendo que a dispensa ocorreu em 09/05/2017, apenas seis dias após a audiência inicial:

“DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. RETALIAÇÃO POR PROPOSITURA DE AÇÃO TRABALHISTA. DIREITO A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. O empregador que dispensa injustamente o seu empregado, como punição e retaliação pelo ajuizamento de ação trabalhista contra a empresa, ultrapassa os limites de atuação do poder diretivo e atinge a dignidade do trabalhador. Trata-se de ato discriminatório contrário aos fundamentos da dignidade da pessoa humana de direito ao trabalho digno, com restrições ao exercício regular de direitos consagrados pela Constituição Federal, como o direito de ação e acesso ao Poder Judiciário.”

(TRT-3 – RO: 00117041120175030097 MG 0011704-11.2017.5 .03.0097, Relator.: Emerson Jose Alves Lage, Data de Julgamento: 21/07/2020, Primeira Turma, Data de Publicação: 22/07/2020.)

Por outro lado, quando o desligamento ocorre após um lapso temporal razoável — geralmente superior a 60 dias após o ajuizamento da ação — e existem elementos objetivos que justifiquem a decisão, a presunção de retaliação tende a ser afastada.

Nessas hipóteses, o Judiciário exige do trabalhador prova robusta de que a dispensa teve caráter discriminatório, nos termos do artigo 818 da CLT, afastando a incidência da Súmula 443 do TST e a consequente inversão do ônus da prova.

Esse entendimento tem sido reforçado por decisões recentes dos Tribunais Regionais e do próprio TST (processos nº 0000645-92.2022.5.10.0020 e 2168547-20.2017.5.04.0029), nas quais se afastou a presunção discriminatória após intervalo superior a três meses entre a ciência da ação e a rescisão.

Cenário exige cautela

Diante desse panorama, é essencial que as empresas adotem uma postura cautelosa e estrategicamente orientada na condução de situações que envolvam empregados litigantes.

Evitar decisões precipitadas logo após o ajuizamento da ação, registrar adequadamente os motivos da dispensa — como avaliações de desempenho, histórico funcional ou reestruturações organizacionais —, aguardar, sempre que possível, um intervalo razoável após a instauração ou o desfecho da demanda e consultar previamente a assessoria jurídica são medidas fundamentais, sobretudo quando o vínculo empregatício ainda estiver ativo durante a tramitação do processo.

Importa lembrar que o direito do empregador de romper o contrato de trabalho de forma imotivada — o chamado direito potestativo — não é absoluto. Tal prerrogativa encontra limites nos princípios constitucionais e deve ser exercida com responsabilidade, sob pena de ensejar consequências jurídicas relevantes, como o pagamento de indenização por dano moral, a nulidade da dispensa ou até mesmo a reintegração ao emprego.

Assim, ao lidar com empregados que ajuízam ações trabalhistas ainda durante a vigência do vínculo contratual, o caminho mais prudente é o da análise criteriosa, ancorada em fatos objetivos e respaldada juridicamente.

A dispensa de empregados litigantes demanda especial cautela. Decisões precipitadas podem gerar reintegrações onerosas, indenizações vultosas e danos reputacionais. A orientação preventiva, com registros documentais e apoio jurídico, é a estratégia mais segura para preservar a empresa de riscos que muitas vezes superam em muito o custo de manutenção do contrato por período adicional.

  • é advogada da área trabalhista contenciosa do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.

  • é estagiária da área trabalhista consultiva do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.

CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-out-12/o-risco-da-dispensa-discriminatoria-apos-acao-trabalhista-limites-e-cautelas/

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Mulher levada do interior a Salvador é reconhecida como empregada, não filha

A 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região reconheceu que uma mulher, levada ainda criança do interior para Salvador, não era “filha de criação” de um casal, mas atuava como empregada doméstica desde jovem. A menina não teve as mesmas oportunidades que os demais moradores da casa. Às vezes era apresentada como filha, outras como empregada. A Justiça determinou o pagamento de indenização de R$ 50 mil. Cabe recurso.

Em 2000, uma menina de seis anos, moradora de Lamarão, no interior da Bahia, foi levada para Salvador para morar com um casal. Inicialmente, foi para auxiliar o patrão, que havia sofrido um acidente. Com o tempo, passou a viver de forma definitiva na casa e, em 2003, o casal obteve sua guarda. A partir daí, ela passou a trabalhar para a família.

A menina realizava tarefas domésticas, sendo ensinada por empregadas que já trabalhavam no local. Precisava acordar às 4h para preparar o café da manhã da família antes de a patroa sair para o trabalho. Em alguns anos estudava pela manhã, em outros à tarde, e o período de aula era seu único momento de “descanso” entre os afazeres, que iam até a noite.

Aos 15 anos, quando nasceu o neto dos patrões, foi obrigada a deixar os estudos temporariamente para cuidar do bebê. Só aos 24 anos conseguiu concluir o ensino médio por meio de supletivo. Segundo ela, também era destratada. Em 2020, ao questionar sua situação, foi expulsa de casa.

Os patrões alegaram que conheciam a menina desde cedo, pois visitavam Lamarão com frequência, e que a mãe dela a entregou alegando que a família passava fome. Disseram que a receberam apenas com a roupa do corpo e uma sandália nos pés.

Segundo eles, a jovem era tratada como filha: não precisava acordar cedo para fazer café, frequentava a escola, brincava e chegou a fazer um curso técnico de enfermagem pago por eles. Disseram ainda que o comportamento dela mudou em 2018, quando começou a namorar um vizinho.

Perspectiva antidiscriminatória

Para a juíza Viviane Martins, da 12ª Vara do Trabalho de Salvador, é necessário analisar fatores socioeconômicos, históricos e culturais na aplicação do direito, em uma perspectiva antidiscriminatória.

Segundo ela, as testemunhas comprovaram que a mulher nunca foi tratada como filha ou irmã. Ela explica que de acordo com o que dito por uma testemunha a mulher passou a ser vista como um peso para a família pela sua presença sem a realização das atividades domésticas. O “irmão”, segundo seu próprio relato, “tomou as rédeas” e decidiu expulsá-la, sem se preocupar com seu destino. Outra testemunha, amiga da dona da casa há mais de 15 anos, nem se lembrava do nome da jovem.

Ela determinou que fosse reconhecido o vínculo de emprego, com anotação em carteira, pagamento de salários e indenização por danos morais no valor de R$ 100 mil.

Prática escravista

Os patrões recorreram, e o caso foi julgado pela 1ª Turma do TRT-5. A relatora, juíza convocada Dilza Crispina, destacou que a prática de “adoção” de meninas do interior ou de periferias por famílias de centros urbanos, sob promessa de acesso à educação e mobilidade social, é comum no Brasil. “Essas crianças acabam submetidas a precárias relações de trabalho doméstico infantil que perpassam aspectos relacionados à herança colonialista/escravista”, destaca.

A relatora manteve o reconhecimento do vínculo de emprego, reforçando que a menina nunca foi integrada à família como filha ou irmã. Porém, considerou que o valor da indenização ultrapassava a capacidade econômica dos patrões e reduziu para R$ 50 mil. A decisão foi unânime quanto ao vínculo de emprego e por maioria quanto ao valor da indenização. Com informações da assessoria de imprensa do TRT-5.

CONJUR

https://www.conjur.com.br/2025-out-12/mulher-levada-do-interior-a-capital-e-reconhecida-como-empregada-nao-filha/