A mecânica do cálculo do Imposto de Renda 2025 continua a mesma de anos anteriores. As principais mudanças em relação à declaração de 2024 estão na faixa de isenção — que subiu de R$ 2.112 para R$ 2.259,20 no ano passado — e nas parcelas a deduzir.
A medida estabeleceu, na prática, uma faixa de isenção do IR em R$ 2.259,20. Para completar os R$ 2.824 (dois salários mínimos da época), o governo determinou um desconto automático de R$ 564,80.
Como fazer o cálculo do imposto?
A conta do IR depende de uma tabela dividida em quatro faixas de renda, com uma alíquota progressiva que vai de 7,5% a 27,5%. A faixa máxima atinge os salários acima de R$ 4.664,68.
Veja abaixo as faixas e as respectivas alíquotas em vigor ao longo de 2024:
Faixa 1: Até R$ 2.259,20: isento
Faixa 2: De 2.259,21 até 2.826,65: 7,5% | dedução: R$ 169,44
Faixa 3: De 2.826,66 até 3.751,05: 15% | dedução: R$ 381,44
Faixa 4: De 3.751,07 até 4.664,68: 22,5% | dedução: R$ 662,77
Faixa 5: Acima de R$ 4.664,68: 27,5% | dedução: R$ 896
O imposto não é cobrado sobre todo o salário. O que é descontado em INSS, por exemplo, não entra na conta. Além disso, as alíquotas não são cobradas integralmente sobre os rendimentos.
Quem recebia R$ 4 mil por mês em valores tributáveis em 2024, por exemplo (e se encaixava na faixa 3 acima, devido ao desconto automático de R$ 564,80), não pagava 15% sobre toda a parte tributável do salário. (veja o passo a passo do cálculo mais abaixo)
Pelas contas da Receita, os “primeiros” R$ 2.259,20 são isentos. O que passou desse valor e não superou os R$ 2.826,65 (o limite da faixa 2) foi tributado em 7,5%. Já o que superou o limite da faixa 2, mas não o da faixa 3, pagou 15%, e assim sucessivamente.
Veja o exemplo abaixo, que considera um contribuinte sem dependentes.
Exemplo de cálculo do IR para rendimentos tributáveis de R$ 4 mil
Faixas do IR
Parcela salarial em cada faixa
Alíquota
Imposto pago
1
até R$ 2.259,20
isento
zero
2
R$ 567,45
7,5%
R$ 42,56
3
R$ 608,55
15%
R$ 91,28
4
zero
22,5%
zero
5
zero
27,5%
zero
Total
R$ 3.435,20
Alíquota efetiva: 3,34%
Total pago: R$ 133,84
Fonte: Receita Federal
Na prática, a conta pode ser feita multiplicando o valor tributável pela alíquota cheia referente à faixa do IR. Em seguida, basta subtrair do resultado a dedução que corresponda à mesma faixa. Relembre os valores de dedução:
Faixa 1: zero
Faixa 2: R$ 169,44
Faixa 3: R$ 381,44
Faixa 4: R$ 662,77
Faixa 5: R$ 896
O presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), Mauro Silva, explica que o cálculo pode ser feito com o seguinte passo a passo (para o mesmo exemplo de R$ 4 mil):
R$ 4.000 – R$ 564,80 (valor tributável menos o desconto automático) = R$ 3.435,20;
R$ 515,28 – R$ 381,44 (dedução da faixa 3) = R$ 133,84 — total do imposto pago no mês.
O valor final é o mesmo que aparece na tabela mais acima, elaborada a partir do simulador da Receita Federal. Quem quiser, pode utilizar a ferramenta online para fazer o cálculo. Clique aqui para acessar.
O ministro da AGU (Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, disse na terça-feira (20) que os pedidos de reembolso por descontos não autorizados nas folhas de pagamento de aposentados e pensionistas do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) já somam cerca de R$ 1 bilhão.
O montante corresponde às solicitações de quase 1,7 milhão de beneficiários que responderam à convocação do INSS para confirmar se autorizaram ou não os abatimentos.
A iniciativa do governo federal busca esclarecer a legalidade de aproximadamente R$ 5,9 bilhões em descontos realizados entre 2020 e 2025.
Embora nem todos sejam considerados irregulares, o Executivo se comprometeu a reembolsar aposentados e pensionistas vítimas de cobranças indevidas. Os pagamentos, no entanto, só começarão após a checagem das autorizações nas instituições envolvidas. A previsão é que isso ocorra a partir do fim do próximo mês.
Desde o início da Operação Sem Desconto, R$ 1 bilhão em bens de entidades e dirigentes envolvidos foram bloqueados. A estimativa das autoridades é que o esquema de fraudes, que começou entre 2019 e 2022, tenha desviado R$ 2,56 bilhões.
“O trabalho firme dos nossos procuradores é fazer com que cada centavo que, eventualmente, seja gasto com o dinheiro do contribuinte, seja integralmente ressarcido por quem, de fato, lesou os aposentados e pensionistas”, afirmou o ministro
Cerca de 9 milhões de beneficiários receberam notificação oficial e o volume de pedidos de ressarcimento deve crescer nas próximas semanas. Paralelamente, a AGU entrou com ação judicial pedindo o bloqueio de R$ 2,56 bilhões em bens de 12 entidades investigadas por fraudes associativas.
O governo estima que o impacto fiscal do reembolso possa ser contido nesse mesmo patamar e avalia cobrir o valor com realocação orçamentária, sem recorrer ao Congresso para crédito extraordinário.
Governo estuda fim de modelo de desconto associativo no INSS
Diante da fragilidade do sistema e dos riscos crescentes, o governo federal avalia extinguir o modelo atual de descontos associativos diretamente da folha de pagamento de aposentados e pensionistas do INSS. Em entrevista à EBC, o ministro da AGU afirmou que a existência de meios eletrônicos, como Pix e transferências bancárias, permitiria às entidades manter relacionamento com seus associados sem depender de um sistema vulnerável.
As investigações conduzidas pela Polícia Federal e pela AGU indicam a atuação de dois grupos principais de entidades fraudulentas. O primeiro envolve pagamento de propina a servidores públicos, com seis funcionários já afastados. O segundo é formado por entidades fantasmas, sem sede, atividades ou serviços prestados — criadas exclusivamente para lesar beneficiários do INSS. Há ainda suspeitas de uso de criptomoedas para esconder o rastro dos recursos desviados.
Segundo a PF, essas entidades usavam assinaturas falsas para cadastrar aposentados sem consentimento e aplicar mensalidades indevidas. O prejuízo estimado pode ultrapassar R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024.
O escândalo resultou nas demissões do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e do ex-ministro da Previdência, Carlos Lupi, e na prisão de seis suspeitos.
Bancos anunciam medidas contra fraudes no consignado
Em meio ao avanço das investigações, o setor bancário se comprometeu a adotar novas medidas de segurança para coibir fraudes em empréstimos consignados.
Em reunião com o Ministério da Previdência e o INSS na véspera, em Brasília, representantes da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e da ABBC (Associação Brasileira de Bancos) afirmaram que já aplicam autenticação por biometria facial e digital, e que outras “camadas de segurança” estão sendo estudadas.
Segundo Isaac Sidney, presidente da Febraban, mais de 100 correspondentes bancários foram banidos e 1.500 sanções aplicadas desde o início da autorregulação. Dados apresentados mostram uma queda de 79% nas reclamações sobre consignados no portal Consumidor.gov desde 2021.
Embora o tema do ressarcimento por descontos indevidos ainda não tenha sido tratado diretamente com o setor bancário, os representantes afirmaram estar abertos ao diálogo com a AGU e com o governo para aprimorar o modelo atual e reforçar a proteção dos dados dos beneficiários.
Mesmo com 99,8% dos lares conectados à rede elétrica, um quarto das famílias brasileiras ainda compromete mais de 10% da renda com energia e gás, limiar internacional para caracterização da pobreza energética. A constatação vem do recém-lançado Obepe (Observatório Brasileiro de Erradicação da Pobreza Energética), conforme reportagem do UOL.
O Obepe é fruto do projeto Tecendo Conexões, uma parceria entre a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), o Ministério de Minas e Energia e o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), com objetivo construir e monitorar uma base sólida de indicadores de pobreza energética a fim de subsidiar a formulação de políticas públicas voltadas à redução da desigualdade e da pobreza energética no Brasil.
Os números mostram um paradoxo nacional: o acesso formal à energia não garante uso pleno e digno para milhões de brasileiros, escancarando desigualdades estruturais.
A pobreza energética no Brasil tem rosto definido: afeta, majoritariamente, famílias do Norte e Nordeste, chefiadas por mulheres e pessoas negras ou pardas. Em estados como Alagoas, quase metade das residências (48%) vive sob essa condição.
Mesmo entre beneficiários da tarifa social, o cenário é de escassez. Segundo a EPE, 2,2 milhões de famílias consomem até 30 kWh mensais — o suficiente apenas para alimentar uma geladeira e acender uma lâmpada.
“É uma falsa universalização: as pessoas estão conectadas, mas não têm acesso real e suficiente”, afirmou Mariana Weiss, analista da EPE, durante o evento de lançamento do Obepe.
Pobreza energética além da conta de luz
A pobreza energética no Brasil vai além da fatura mensal. Dados do observatório mostram que 1,3% dos domicílios ainda não têm eletricidade em tempo integral, o que compromete desde a conservação de alimentos até o uso de equipamentos médicos e o conforto térmico, especialmente em regiões mais quentes ou frias.
Outro aspecto crítico é o uso de biomassa para o preparo de alimentos. Mesmo com acesso ao gás encanado ou GLP (gás de cozinha), 5 milhões de lares usam lenha, carvão ou resíduos como principal fonte para cozinhar — e, em 800 mil casas, esses materiais são a única opção. Mais da metade dessas famílias é de baixa renda.
Frente a esse cenário, o governo federal prepara duas medidas provisórias com impacto direto no enfrentamento da pobreza energética. A primeira, chamada de “MP da reforma do setor elétrico”, propõe a gratuidade dos primeiros 80 kWh mensais para famílias de baixa renda inscritas no CadÚnico (Cadastro Único) e com renda de até meio salário mínimo per capita.
“A proposta busca unificar critérios e tornar a tarifa social mais justa”, explicou Fernando Colli Munhoz, secretário-executivo adjunto do Ministério de Minas e Energia.
A segunda medida deve ampliar o alcance do programa de subsídio ao botijão de gás de cozinha, um dos itens mais pesados no orçamento das famílias mais pobres.
Obepe
Lançado em meio ao avanço de agendas sociais no Planalto, o Obepe não surge como resposta ao momento, mas como fruto de um esforço técnico de anos. O observatório reúne mais de 260 métricas.
A plataforma cruza informações de consumo, renda, posse de eletrodomésticos e infraestrutura habitacional com indicadores socioeconômicos e ambientais, como o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e temperatura média. As bases de dados incluem PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, POF (Pesquisa de Orçamento Familiar), Cadastro Único, Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) e INMET (Instituto Nacional de Meteorologia).
O objetivo do Obepe, segundo a EPE, é oferecer um instrumento técnico, público e interativo para apoiar decisões governamentais e alinhar o país aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU (Organização das Nações Unidas).
Um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), junto com o Instituto Nacional de Pesquisa da Polônia (NASK), revela que um em cada quatro empregos no mundo está potencialmente exposto à transformação pela inteligência artificial generativa.
O relatório “IA generativa e Empregos: Um Índice Global Refinado de Exposição Ocupacional” oferece uma avaliação mais detalhada sobre como a IA generativa pode remodelar o mercado de trabalho global.
🔎 IA Generativa é um tipo de inteligência artificial que consegue criar coisas novas, como textos, imagens, músicas, áudios e vídeos.
A pesquisa separou as profissões em quatro faixas, com maior ou menor exposição e possibilidade de desemprego com a IA. Segundo o levantamento, apenas 3,3% do emprego global se enquadra na categoria de exposição mais alta (Gradiente 4). Entenda abaixo:
Gradiente 1: A maioria das tarefas tem pouca chance de serem automatizadas, mas algumas poucas podem ser muito afetadas.
Gradiente 2: O trabalho tem uma mistura equilibrada de tarefas que podem ou não ser automatizadas.
Gradiente 3: Muitas tarefas têm alto potencial de automação, mas ainda há bastante variação entre elas.
Gradiente 4: Quase todas as tarefas têm alto risco de serem automatizadas, com pouca variação entre elas.
O relatório usou sistemas detalhados de profissões da Polônia, com quase 30 mil tarefas diferentes. Primeiro, a IA avaliou essas tarefas, depois 1.640 trabalhadores deram suas opiniões sobre o que pode ou não ser automatizado.
Especialistas revisaram tudo e criaram uma base de dados com notas para várias tarefas. Com isso, foi feito um assistente de IA que consegue prever o risco de automação de outras tarefas, focando mais na realidade do dia a dia do trabalho do que só na tecnologia.
Embora 25% dos empregos estejam potencialmente expostos à IA generativa, o relatório destaca que o resultado mais provável dessa exposição é a transformação dos postos de trabalho, e não a substituição do emprego.
Segundo o estudo, a maioria das ocupações consiste em tarefas que ainda requerem envolvimento humano, mesmo que algumas possam ser realizadas de forma mais eficiente com o auxílio da inteligência artificial.
O estudo mostra que a exposição à IA generativa varia bastante entre homens e mulheres, além de depender da renda dos países. Nas economias mais ricas, cerca de 10% das mulheres trabalham em áreas com alto risco de automação, enquanto esse número é de apenas 3,5% entre os homens.
No mundo todo, 4,7% das mulheres e 2,4% dos homens ocupam empregos com maior chance de serem afetados pela IA. Os empregos de escritório e administrativos são os mais expostos à tecnologia, porque muitas das tarefas podem ser automatizadas por essa tecnologia.
Além disso, profissões que usam muito a tecnologia, como as áreas de mídia, programação e finanças, também correm mais risco, já que a IA está cada vez mais capaz de fazer tarefas especializadas.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou ontem uma Medida Provisória (MP) que visa reformar o setor elétrico e, no médio prazo, levar a uma redução generalizada da conta de luz. O texto traz ainda uma medida de curto prazo para aliviar as famílias mais pobres: isenção da conta de luz para lares com renda per capita de até meio salário mínimo (R$ 759) e um desconto estimado em 12% para famílias entre meio e um salário mínimo (R$ 1.518) — elas ficarão isentas da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), uma das tarifas que incide sobre energia elétrica.
O governo calcula que a gratuidade vai beneficiar cerca de 40 milhões de pessoas, e o desconto, outras 60 milhões, com custo de R$ 3,6 bilhões para os cofres públicos. Apesar de a MP ter sido publicada ontem, em edição extra do Diário Oficial da União (DOU), o governo estima um prazo de 45 dias para que as concessionárias se adequem e apliquem as mudanças. Em outra frente, a medida prevê a abertura do mercado de energia a partir de agosto de 2026 — ou seja, consumidores poderão escolher de quais empresas vão comprar eletricidade. A MP terá que ser aprovada pelo Congresso Nacional em até 120 dias para se tornar lei.
Lula assinou o texto durante uma reunião fechada com os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), além de líderes do Congresso e os ministros Gleisi Hoffmann (Secretaria de Relações Institucionais), Rui Costa (Casa Civil), Sidônio Palmeira (Secretaria de Comunicação Social), e Alexandre Silveira (Minas e Energia). Durante a assinatura, Lula destacou abertura do mercado, que avalia trazer uma redução de preços no futuro por permitir a competição entre fornecedores de energia. “Todo mundo sabe que o povo mais pobre, que a classe média brasileira paga mais do que as pessoas que utilizam energia pelo mercado livre, que normalmente são os empresários”, disse Lula. “E os pequenos comerciantes, o pequeno empresário e o povo em geral termina pagando mais caro na energia do que aqueles que consomem muito, aqueles que são os grandes empresários brasileiros”, acrescentou.
A MP foi detalhada por Rui Costa e Silveira a jornalistas após a solenidade. Além da ampliação e gratuidade da Tarifa Social, o texto estabelece a abertura do mercado de energia para consumidores de baixa tensão. Atualmente, residências e pequenos comércios e indústrias são obrigados a comprar energia da distribuidora local — no caso de Brasília, por exemplo, é a Neoenergia. Silveira, porém, argumentou que o mercado livre de energia opera com preços até 23% mais baratos do que o mercado regulado por conta da concorrência entre as empresas. Segundo a MP, a abertura começará em agosto de 2026 para indústria e comércio, e chegará aos demais consumidores até dezembro de 2027.
De acordo com o Ministério de Minas e Energia, a abertura permitirá que todos comparem preços, ofertas e condições contratuais entre os diferentes fornecedores de energia, e escolham as mais vantajosas. A pasta compara processo com a escolha de um plano de telefonia ou de internet. As concessionárias locais vão continuar responsáveis pela infraestrutura de distribuição, e vão receber uma taxa referente a isso. “Queremos também fazer justiça tarifária e abertura do mercado, beneficiando a classe média, acabando com o monopólio das distribuidoras, permitindo que todo mundo possa escolher a fonte que quer comprar energia”, afirmou o ministro de Minas e Energia. A MP inclui ainda a revisão de benefícios fiscais concedidos para o setor energético, alterando a divisão da CDE pela energia consumida, e não mais levando em conta a tensão e incluindo os consumidores livres na base de adquirentes da energia produzida por Angra 1 e 2, e na base de consumidores que suportam benefícios à geração distribuída.
A MP foi enviada ainda ontem para o Congresso, e será discutida em uma Comissão Mista. O texto, provavelmente, sofrerá alterações antes de ser sancionado. Para Hugo Motta, o tema é estratégico para o país e haverá “uma ampla discussão”. Alcolumbre, por sua vez, alertou que a reforma é um dos temas mais complexos do país. “É chamar os melhores técnicos do Estado brasileiro, chamar a iniciativa privada, a sociedade, para a gente verdadeiramente entregar uma nova reestruturação do setor elétrico brasileiro, que faça justiça social com aqueles que mais precisam”, enfatizou o senador.
Vítimas atuavam na coleta de frangos em granjas fornecedoras da JBS Aves; grupo resgatado tinha jornada de até 16 horas diárias e buscou atendimento médico com sintomas de esgotamento físico
A reportagem é de Daniela Penha, publicada por Repórter Brasil, 22-05-2025.
A JBS Aves, do grupo JBS, foi responsabilizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) por submeter 10 pessoas a condições análogas à escravidão no Rio Grande do Sul. Os resgatados trabalhavam na coleta de frangos em granjas fornecedoras da empresa.
Segundo os auditores fiscais que realizaram o flagrante, o grupo tinha jornadas de até 16 horas diárias e comia frangos descartados por estarem fora do padrão da JBS. Alguns dos trabalhadores, segundo a fiscalização, chegaram a buscar ajuda hospitalar com sintomas de esgotamento físico.
Segundo a lei brasileira, submeter trabalhadores a jornadas exaustivas, que geram riscos à saúde ou mesmo à vida, é um dos elementos que caracteriza o emprego de mão de obra análoga à escravidão.
Além disso, também foi identificada a submissão dos resgatados a condições degradantes e a trabalhos forçados mediante a imposição de dívidas ilegais. O MTE afirma que as despesas de transporte e alimentação do grupo, desde seus municípios de origem até o local de trabalho, eram ilegalmente convertidas em dívidas a serem abatidas dos seus ganhos diários. A prática, segundo os fiscais, era usada para manter os trabalhadores o maior tempo possível a serviço do contratante.
O resgate ocorreu em dezembro de 2024, mas a responsabilização direta da JBS Aves pelo caso só foi formalizada em abril deste ano.
Originalmente, os trabalhadores foram contratados por uma terceirizada da empresa, a MRJ Prestadora de Serviços. No entanto, o MTE classificou a unidade da JBS Aves de Passo Fundo (RS) como a “principal responsável” pelas infrações que caracterizaram o emprego de mão de obra escrava, já que era ela quem estabelecia os locais, cronogramas e horários da apanha do frango em suas granjas fornecedoras.
Agora, a JBS terá a oportunidade de recorrer do auto de infração em duas instâncias administrativas antes de entrar na Lista Suja do Trabalho Escravo, cadastro do governo federal que lista os empregadores responsabilizados pela prática. Diversas empresas adotam políticas para restringir relações comerciais e de financiamento com as empresas incluídas no documento.
Em resposta à Repórter Brasil, a JBS disse que suspendeu imediatamente a prestação de serviços, encerrou o contrato e bloqueou a empresa terceirizada assim que tomou conhecimento das denúncias. A companhia afirmou que recorre de autuação e que os locais de trabalho disponibilizados pela JBS no caso mencionado “eram adequados e atendiam a legislação trabalhista”. A empresa também disse ter “tolerância zero com violações de práticas trabalhistas e de direitos humanos”.
A reportagem não localizou o contato da MRJ. O espaço segue aberto para manifestações futuras.
Esgotamento físico
A prestação de serviços ocorria desde, pelo menos, agosto de 2023, segundo registrado no auto de infração da JBS Aves, acessado pela Repórter Brasil.
Os resgatados eram responsáveis por recolher toneladas de aves vivas diariamente, colocá-las em caixas plásticas e carregá-las nos caminhões que entregariam os animais para o abate.
Além das longas e extenuantes jornadas, o documento aponta que eles não tinham intervalos fixos para alimentação. Comiam, quando possível, no trajeto entre as granjas ou no intervalo entre uma carga e outra.
Segundo o MTE, o cronograma de coleta era elaborado pela JBS Aves e enviado com 24h de antecedência para a MRJ. Diariamente, duas equipes de trabalhadores saíam de Arvorezinha (RS) para realizar a apanha nas granjas de fornecedores. O auto de infração ressalta que as equipes deveriam iniciar suas atividades nos horários fixados, “sob pena de multa pelos transtornos causados no processo produtivo” da JBS Aves.
Segundo a legislação que regulamenta terceirizações, cabe à empresa contratante fiscalizar e garantir condições adequadas de trabalho quando o serviço é realizado em suas dependências ou em locais designados por ela. Ao deixar de fazê-lo, a JBS Aves, segundo a auditoria fiscal, foi “responsável pela manutenção dos empregados terceirizados em condições análogas às de escravizados”.
O grupo de resgatados incluía migrantes de Pernambuco, Bahia, Maranhão e um trabalhador da Argentina. Aos auditores fiscais do Trabalho, eles relataram que sentiam tonturas e fraquezas pelo trabalho excessivo. Dois dos resgatados chegaram a ser atendidos em um hospital público, com sintomas de esgotamento. “Encontravam-se combalidos e extenuados pelo grande esforço físico, pouca ingestão de alimentos e sem descanso apropriado”, diz um trecho do auto de infração.
A maioria dos trabalhadores foi mantida na informalidade durante parte do período em que prestaram serviços à MRJ. Antes de terem seu contrato de trabalho formalizado, segundo o MTE, recebiam por diárias que variavam de R$ 130 a R$ 150. Se não aguentassem transportar uma das cargas durante a jornada, eles deixavam de receber por todo o dia de trabalho, conforme relataram aos auditores.
“Se não mata, aleja”
O auto de infração também explica que os trabalhadores carregavam, em média, 540 caixas por caminhão, o que somava cerca de 16 toneladas.
Um dos resgatados relatou ter carregado seis caminhões durante um dia de trabalho. De volta ao alojamento, foi recrutado para trabalhar também no turno da noite, realizando mais sete cargas. No total, foram 13 carregamentos sem intervalo sequer para alimentação, segundo relatou aos auditores.
Outro trabalhador contou que, quando relatava estar muito cansado, os seus supervisores respondiam com a seguinte frase: “MRJ, se não mata, aleja”. Para os auditores, isso “traduz o grau de naturalização da violência e do descaso nas relações de trabalho”, segundo trecho do auto de infração.
Quatro alojamentos da MRJ foram fiscalizados. Em um deles, os trabalhadores relataram que estavam sem água há duas semanas. Não havia cama para todos os contratados, os banheiros não tinham pia e um dos trabalhadores relatou que ficou “apavorado” quando viu as condições da casa.
Tráfico de pessoas
Parte do grupo resgatado foi aliciado em estados do Nordeste com promessas de salários altos, boas condições de trabalho e alojamento e alimentação garantidos. Segundo os auditores fiscais, eles começavam a contrair dívidas com o contratante já no transporte até o Rio Grande do Sul. Também tinham que pagar pelo alojamento e pela alimentação, diferentemente do que havia sido prometido.
“A constatação de que os trabalhadores foram levados a outras localidades para desempenhar atividade laboral sob condições descritas nesse auto de infração reforça a tipificação do tráfico de pessoas com fins de exploração laboral”, ressalta trecho do documento produzido pelos auditores fiscais do Trabalho.
O trabalhador estrangeiro relatou aos auditores fiscais ter sido confrontado e ameaçado pelo seu supervisor na MRJ ao afirmar que iria denunciar à polícia as condições enfrentadas: “(0 supervisor) falava que o declarante era argentino e que aqui no Brasil ele não teria direitos e que, se chamasse a polícia, ele seria enviado para Argentina e que então não receberia nada”, diz outro trecho do auto de infração.
A terceirizada da JBS Aves recebeu 20 autos de infração pelas condições encontradas, entre eles – assim como a JBS Aves– o de manter trabalhadores em situação análoga à de escravo.
A auditora fiscal ressalta que a JBS Aves realizou seis inspeções nas frentes de trabalho da MRJ entre agosto de 2023 a dezembro de 2024. Para os auditores, no entanto, esse era um “número manifestamente insuficiente diante da extensão, da rotatividade e da vulnerabilidade das atividades desenvolvidas”.