A comunicação se tornou central na nossa vida, então vamos discutir o pano de fundo para esse impasse entre o Estado brasileiro e uma plataforma internacional.
Nos últimos dias, repercutiu na mídia o chamado Twitter Files Brasil, que se baseia na declaração do dono do X, ex-Twitter, de que irá desbloquear contas que foram suspensas por determinação do Supremo Tribunal Federal no inquérito dos atentados de 8 de janeiro, e que a plataforma pode deixar o país.
A era digital mudou completamente como nos comunicamos, aprendemos e conduzimos negócios, democratizando o acesso à informação e abrindo portas para inovações. Ela é central na nossa vida. Mas, com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades: a desinformação, violações de privacidade e o discurso de ódio são desafios prementes que precisam ser enfrentados.
A agenda política traz o debate da regulação como pauta global. Internacionalmente, a União Europeia sai na frente com leis como o Digital Services Act e o Digital Markets Act, buscando tornar o espaço digital mais seguro e promover um mercado justo e aberto. O DAS inspirou vários pontos do PL 2630, sobre o qual vamos falar a seguir.
Por aqui, o PL 2630, de 2020, conhecido como Lei da Transparência e, anteriormente, como PL das Fake News, e propostas como a do deputado João Maia, materializada no PL 2768, de 2022, que buscam endereçar problemas similares. Eles refletem o esforço global em buscar um equilíbrio entre liberdade e segurança no ambiente digital. O PL 2630 é apenas o carro chefe, mas existem inúmeros outros projetos que tratam desde a proteção da infância até a necessidade de autenticar todas as contas em redes sociais.
E a divergência entre governo e oposição e quais são os pontos mais polêmicos desse debate?
Nesse debate, governo e oposição encontram tantos pontos em comum, como a defesa da privacidade e liberdade de expressão, quanto divergências, especialmente sobre como a regulação deve ser implementada. Enquanto o governo pode enfatizar o papel regulatório do estado para proteger os usuários e garantir equidade, a oposição tende a valorizar a liberdade de mercado e a autorregularão, ressaltando os riscos de censura e limitação da inovação.
E por que regular a internet?
Os principais problemas na internet hoje incluem a disseminação de fake news, discurso de ódio, violações de privacidade e ataques cibernéticos. Esses desafios não apenas afetam a experiência online dos usuários, mas também têm implicações legais, ferindo leis brasileiras relacionadas à difamação, direitos autorais e proteção de dados pessoais.
O Marco Civil da Internet já nos dá uma base para essas discussões, especialmente em relação à responsabilidade dos provedores de conteúdo. O percurso do PL 2630 destaca o intenso debate em torno do tema. O art. 19, que trata da responsabilidade dos provedores de aplicações por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros,
O Projeto de Lei 2630 propõe medidas para regulamentar a atividade nas redes sociais, indo além da remoção de conteúdo por via judicial. Entre os pontos mais debatidos, estão a proibição de contas falsas que simulam a identidade de pessoas ou entidades, o uso restrito de bots para automação, a limitação do alcance de mensagens amplamente compartilhadas, e a exigência de manter registros de mensagens em massa por três meses. Também se busca maior transparência, exigindo a identificação de usuários que financiam anúncios, e proibindo contas oficiais governamentais de bloquear cidadãos. Além disso, propõe-se a criação de um Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet para fiscalização, a obrigatoriedade de sedes brasileiras para provedores de redes sociais, e a aplicação de sanções às empresas que não cumprirem as novas regras (3).
As críticas ao PL 2630, conhecido como Lei das Fake News, que vem sobretudo da oposição, giram em torno da preocupação com a potencial restrição à liberdade de expressão e o medo de uma intervenção estatal excessiva na internet, o que poderia centralizar o controle e limitar as liberdades digitais. Algo mais além disso?
Há também receios de que a legislação possa desestimular a inovação no setor digital, prejudicando startups e empresas tecnológicas. Questiona-se a eficácia das medidas propostas devido à complexidade da natureza global da internet. Preocupa-se, ainda, com o uso político da lei para suprimir vozes dissidentes.
Em meio às eleições municipais e eventos significativos, como os de 8 de janeiro, qual é a saída? Buscar uma regulação equilibrada feita pelo Estado ou pressionar por uma autorregularão mais rigorosa pelas empresas?
O desafio é encontrar o ponto de equilíbrio entre a liberdade que todos valorizamos e a responsabilidade que a era digital exige. A verdade é que o mundo digital não é mais um ambiente seguro, e tende a piorar.
À medida que nos aproximamos das eleições municipais, a importância de uma legislação bem balanceada se torna ainda mais clara, destacada pelo debate profundo da capacidade do TSE de intervir em conteúdo online e pela autoridade do STF em demandar informações das plataformas, uma necessidade evidenciada após os eventos marcantes de 8 de janeiro.
O princípio da liberdade de expressão é um pilar da Constituição Brasileira, mas cabe lembrar que se distingue da abordagem quase absolutista vista na legislação dos EUA, a Primeira Emenda.
No Brasil, a liberdade de expressão é cuidadosamente ponderada contra outros direitos essenciais, como honra, privacidade e segurança.
Esse equilíbrio mostra que não é tarefa fácil e que, independente da ideologia, a complexidade do tema exige que se dê uma atenção e tempo a este assunto como nunca se deu antes.
Nos últimos dias, veículos de várias partes do mundo repercutiram o embate entre Elon Musk, dono do X (o antigo Twitter), com a Justiça brasileira, em particular com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Alguns jornais e sites chegaram a questionar se as últimas publicações do bilionário podem incentivar e acelerar a regulamentação das mídias sociais no Brasil.
O Financial Times, do Reino Unido, por exemplo, repercutiu a manifestação do advogado-geral da União, Jorge Messias. Depois dos últimos posts de Musk, ele classificou como “urgente” a necessidade de regulamentar as plataformas digitais.
Sim, o advogado-geral da União disse: “Não podemos viver numa sociedade em que bilionários domiciliados no exterior têm o controle das redes sociais e se colocam em posição de violar o Estado de Direito, descumprindo ordens judiciais e ameaçando as nossas autoridades”, diz a BBC.
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AUTORIA
BETH VELOSO Doutoranda pela Universidade do Minho, em Portugal, e mestre em Políticas de Comunicações pela University of Westminster, na Inglaterra. É jornalista e atua como consultora legislativa da Câmara, nas áreas de Comunicação, Informática, Telecomunicações e Ciências da Comunicação. Tem especial interesse nos temas de regulação da internet, capitalismo digital e capitalismo de vigilância.
O senador Marcelo Castro (MDB-PI) foi oficializado como o relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do fim da reeleição. Agora, o texto para proibir que presidente, governador e prefeito possa concorrer a um segundo mandato consecutivo deve avançar no Senado. A PEC está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Castro foi escolhido como relator por sua proximidade com o tema eleitoral. O senador é o relator do Código Eleitoral, também em análise na comissão.
Além da proibição da reeleição para cargos do Executivo, a PEC também deverá aumentar os mandatos dos políticos brasileiros. Para a maioria dos cargos, o tempo de mandato passará dos quatro anos atuais para cinco anos. Já para senadores, que já contam com um mandato com o dobro de anos dos demais cargos eletivos, o tempo para ficar no Senado passará de oito anos para dez anos.
De acordo com Castro, o próximo passo é decidir sobre a inclusão na PEC de um tema que tem o apoio da maior parte dos líderes partidários: a coincidência de eleições. Os senadores querem fazer com que as eleições brasileiras aconteçam todas no mesmo ano, sem a divisão atual de eleição municipal em um ano e dois anos depois das eleições gerais, incluindo para presidente.
O problema, no entanto, é qual seria o modelo para unificar os pleitos e como se daria a transição do modelo atual para o novo. Sem uma resposta definitiva, Castro deve fazer uma pesquisa interna com os senadores, apresentando opções para a coincidência e a transição.,
“O objetivo da pesquisa é identificar a preferência entre os senadores e seguir apenas com a opção de maior aderência”, diz o relator em nota.
De autoria do senador Jorge Kajuru (PSB-GO), a PEC foi apresentada em 2022. Nos últimos meses a proposta angariou apoio dentro do Senado, principalmente depois de Pacheco colocar o texto como uma de suas prioridades para 2024. No entanto, o presidente Lulajá disse a senadores que é contra a medida.
AUTORIA
GABRIELLA SOARES Jornalista formada pela Unesp, com experiência na cobertura de política e economia desde 2019. Já passou pelas áreas de edição e reportagem. Trabalhou no Poder360 e foi trainee da Folha de S.Paulo.
O coordenador da Frente Parlamentar em Defesa dos Motoristas de Aplicativos, deputado Daniel Agrobom (PL-GO) anunciou, nesta terça-feira (9), acordo com o governo para a retirada da urgência constitucional do PLP (Projeto de Lei Complementar) 12/24, do Poder Executivo, que regulamenta a atividade desses trabalhadores. A proposta do Executivo trancaria a pauta de votação do plenário da Câmara, a partir de 20 de abril. Na Agência Câmara
“Foi firmada data para votação em 12 de junho. Eles [governo] deram mais 60 dias para que a gente possa trabalhar nesse projeto nas três comissões e colocar emendas”, disse Agrobom. Esta foi a primeira audiência pública realizada por comissões temáticas. Outras ocorrerão ao longo da tramitação do projeto.
Na próxima quarta-feira (17) está prevista a realização de comissão geral para debater a proposição, no plenário da Câmara dos Deputados.
Com a retirada da urgência constitucional, o acordo prevê que a proposta seja previamente analisada, respectivamente, nas comissões de Trabalho, Indústria e Comércio e Constituição e Justiça, com prazo máximo de 20 dias em cada colegiado.
O deputado Alexandre Lindenmeyer (PT-RS) confirmou a negociação, intermediada com o ministro de Trabalho, Luiz Marinho. “O que tem é a posição do governo de que, se houver o compromisso dessa Casa de votar o projeto até junho, ele retira a urgência”.
Direitos
Divergências e dúvidas marcaram o debate em torno da proposta durante reunião conjunta das comissões de Trabalho; e de Desenvolvimento Econômico, nesta terça-feira (9). Em defesa do projeto de lei, o secretário-executivo do Ministério do Trabalho, Francisco Macena, lembrou que o texto é resultado de 10 meses de debate interno entre representantes do governo, dos motoristas e dos aplicativos.
O texto propõe a criação de nova categoria: a de autônomos com direito à transparência na relação de trabalho, segurança, jornada máxima de 12 horas por dia e remuneração mínima de R$ 32,10 por hora trabalhada para os motoristas de aplicativos.
“Isso garante os direitos sociais e os direitos da Previdência e, a partir daí, o direito à aposentadoria, o direito à licença maternidade e, se sofrer acidente, à cobertura para o trabalhador e sua família”.
O presidente do Sindicato dos Motoristas de Aplicativo de São Paulo, Leandro da Cruz, defendeu a proposta. “Esse projeto de lei, de fato, protege o trabalhador, traz clareza e traz as plataformas para negociarem ano a ano”.
Precificação
Representante das empresas, o diretor executivo da Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), André Porto, reconheceu a necessidade de segurança jurídica para a atividade, apesar de apontar divergências com pontos do projeto de lei.
“No início, a bancada de trabalhadores trouxe a demanda de remuneração mínima baseada no quilômetro e no minuto e o nosso ponto era: essa regulamentação já existe e se chama táxi. O trabalho intermediado por aplicativo é uma nova forma de trabalho que precisa de regulamentação específica. A ingerência do Estado na precificação desse serviço poderia até ter uma constitucionalidade duvidosa”.
O diretor do Uber no Brasil, Ricardo Leite Ribeiro, admitiu custos para as empresas com o projeto de lei, mas afirmou que houve concessões mútuas na negociação com governo e trabalhadores, visando o equilíbrio financeiro da atividade.
Representante da Fembrapp (Federação dos Motoristas por Aplicativos do Brasil), Eduardo Lima de Souza disse não ser contra a regulamentação, mas afirmou que o texto deixa brecha para as empresas determinarem a precificação.
“A Uber faz 44 bilhões de corridas por ano. Quem vai monitorar tudo isso? É um sistema? Quem dá garantias? Temos aqui provas de motoristas fazendo corridas no valor de R$ 0,70 por km. Os motoboys hoje estão cobrando R$ 1 e o motorista já baixou para R$ 0,70. São pontos que a gente não pode aceitar”.
Sindicatos
Outro alvo de crítica no projeto de lei é a previsão de representação dos motoristas de aplicativos por sindicatos, como afirmou o diretor do Instituto Livre Mercado, Rodrigo Marinho. “Esse estímulo absurdo à sindicalização não tem necessidade nenhuma de estar na legislação, porque há a possibilidade de todo e qualquer trabalhador se reunir em sindicato”.
Já o diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Fausto Augusto Junior, ressaltou a importância dos instrumentos coletivos, inclusive na valorização remuneratória da categoria.
“A maioria dos trabalhadores ganha acima do piso. E qual o instrumento para que eles conquistem mais do que o piso? A negociação coletiva, a organização, o direito à greve, que é um direito constitucional que esses trabalhadores não têm, porque se param, não recebem”.
Preocupações
Organizador do debate, o deputado Capitão Alberto Neto (PL-AM) teme que a proposta do Executivo leve a desemprego e à falência das pequenas plataformas digitais. “Esse projeto foi feito para estilo Uber ou estilo 99. Esse projeto praticamente extingue os outros aplicativos”.
Para o deputado Saulo Pedroso (PSD-SP), que também solicitou a audiência, o prazo maior para debate vai permitir o aperfeiçoamento do projeto de lei enviado pelo Executivo.
Empresas do ramo de construção e consultoria imobiliária conseguiram, na Justiça, serem dispensadas da obrigatoriedade de divulgar relatório de transparência salarial na internet, e para o grande público, bem como suspender o gatilho automático para a empresa elaborar plano de ação de ação de mitigação de desigualdade salarial. Trata-se de mais dificuldades para efetivar a norma legal. No portal Migalhas
As empresas também conseguiram se livrar de autuação e aplicação de multa ou imposição de medida em decorrência do resultado do relatório de transparência. A decisão é da juíza Federal Pollyanna Kelly M. M. M. Alves, da 14ª vara Federal Cível da SJDF.
O pedido envolve obrigações previstas na lei de igualdade salarial (Lei 14.611), sancionada em 2023, do Decreto 11.795/23, e da Portaria MTE 3.714/23, que a regulamentam. Segundo estas normas, empresas devem fornecer semestralmente ao governo dados sobre salários e ocupações dos funcionários.
A partir desses dados, o Ministério do Trabalho fará relatório, com análise sobre disparidade de gênero, e este relatório deve ser divulgado pela empresa, tanto para os funcionários, quanto em os sites e redes sociais da empresa.
Ao analisar o pedido das empresas, a juíza concluiu que estes textos normativos desbordaram da autorização constitucional conferida ao Estado para atuar na qualidade de agente normativo e regulador da atividade econômica.
Ela cita que, segundo a CF, o Estado, como agente normativo e regulador, exercerá as funções de fiscalização, incentivo e planejamento. “Com efeito, a legislação inovou e criou obrigações que invadem a liberdade da atividade econômica e negocial das empresas privadas.”
“A empresa ficará obrigatoriamente exposta ao escrutínio público, se aplicadas as normas impugnadas, que são manifestamente exorbitantes do Poder Legislativo estatal, violadoras da cláusula constitucional do devido processo legal em sua vertente substantiva.”
A tutela de urgência pleiteada foi, portanto, deferida, desobrigando a publicação por parte das empresas, bem como a apresentação de plano de ação, e suspendendo a imposição de multa.
“Excesso”
O escritório Corrêa da Veiga Advogados representa 1 das partes no processo. Para o advogado Luciano Andrade Pinheiro, sócio da banca, o governo tomou atitudes desproporcionais na tentativa de fazer valer a lei de igualdade salarial.
“Obrigar as empresas a divulgarem um relatório que o Ministério do Trabalho elaborou, sem transparência, sem dizer como o governo chegou nos números e sem oportunizar às empresas de questionarem os resultados, é um flagrante excesso.”
O advogado afirma que, sob nenhum aspecto, se está defendendo distinção salarial em decorrência de gênero. Contudo, para ele, existem outras maneiras de se chegar ao resultado almejado, “sem expor dados sensíveis, sem violar a liberdade econômica das empresas e respeitados os princípios constitucionais”.
“A publicização de dados oriundos de levantamento sem parametrização válida impele injusta má reputação às empresas, majorada pela divulgação na internet, tornando a lesão irreparável.”
O advogado destaca que a decisão judicial é importante porque oportuniza a discussão judicial sem que o governo possa aplicar sanções imediatas e desproporcionais. Processo: 1020692-80.2024.4.01.3400
O plenário do Senado aprovou, em 28 de fevereiro, em votação simbólica, requerimento do senador Laércio Oliveira (PP-SE) para que a CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) seja ouvida sobre o PL (Projeto de Lei) 1.105/23. A proposição modifica a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) para permitir a redução da jornada de trabalho sem redução salarial.
Desde então, o PL 1.105/23 aguarda parecer na CAE do Senado. O texto já havia passado na CAS (Comissão de Assuntos Sociais), cujo relator foi o senador Paulo Paim (PT-RS), e seguido para o plenário da Casa, para a votação final.
Dessa forma, o PL 1.105/23 agora aguarda parecer do senador Eduardo Gomes (PL-TO). É empresário e bolsonarista. Em rede social, chama o ex-presidente de “líder que marcou a história do Brasil”. Ainda no MDB, foi líder do antigo governo.
PL 1.105
De autoria do senador Weverton (PDT-MA), o projeto permite a redução de jornada sem diminuição salarial, mediante acordo ou convenção coletiva. Não se aplica ao regime de tempo parcial.
A ideia original do PL 1.105 é tornar passível de negociação o período compreendido entre as 30 horas previstas na CLT para o regime parcial e as 44 horas de jornada máxima fixada pela Constituição de 1988.
Assim, essa diferença de 14 horas poderia ser objeto de “negociação triangular entre o empregador, o empregado e o sindicato”.
A redução aprovada na Constituição de 1988, de 48 para 44 horas semanais, foi a última alteração legal. Desde então, algumas categorias ou empresas conseguem avanços em acordos específicos. (Com informações do Rede Brasil Atual)
A situação do governo Lula, difícil desde o primeiro dia, parece ter sofrido alguma deterioração nos meses recentes. Não chega a ser surpreendente. Sempre há lua de mel e essa sempre acaba. Mais importante, a herança recebida dos governos anteriores é pesada, são muitas as dificuldades de recuperar a máquina pública e — ponto que quero tratar hoje — são poderosos os adversários políticos do governo.
Paulo Nogueira Batista Jr.*
Cheguei a pensar em intitular o artigo “Governo sitiado”, mas me pareceu pesado e sombrio demais. Aí pensei em amenizar colocando ponto de interrogação, mas isso também não resolveu. Não cabe espalhar pessimismo e desânimo. Os adversários são poderosos, mas o governo Lula tem recursos e pode prevalecer.
Antes de entrar no assunto, porém, faço advertência. As questões de política e economia política são sempre pantanosas, obscuras, sujeitas às incertezas radicais. Quem se aventura a escrever ou falar sobre isso precisa avisar o leitor ou a leitora de que o que se diz ou coloca no papel fica sempre no terreno das conjecturas e hipóteses.
Muitos dos que se aventuram não o fazem e, pior, se deixam embalar pela própria retórica e cometem não só afirmações taxativas sobre o presente e o passado, como se lançam em previsões, adotando às vezes tom profético. E a história mostra que mesmo os grandes profetas se enganam.
Os 5 blocos de poder
Mas vamos ao assunto. O objetivo fundamental dos adversários do governo Lula é claro e cristalino: enfraquecê-lo para que chegue derrotável à eleição de 2026. Derrotável significa para eles não apenas a possiblidade de ganhar a eleição. Caso isso não seja possível, desejariam encontrar Lula fragilizado, suscetível a fazer concessões importantes.
Obviamente, os adversários formam grupo bem heterogêneo, o que facilita o enfrentamento. Lula, com a vasta experiência e grande habilidade, sabe aproveitar-se dessas diferenças para avançar.
Para facilitar a exposição, vou distinguir 4 grandes blocos políticos, ou 5 se incluirmos a centro-esquerda liderada pelo presidente da República. Os adversários principais são:
A extrema-direita, que emerge depois de 2018, com a eleição de Bolsonaro.
A direita tradicional ou centro-direita, isto é, o establishment, os donos do poder e do capital, cuja fração hegemônica é o capital financeiro, o chamado “mercado”.
A direita fisiológica, o chamado “Centrão”, que não tem ideologia definida, mas controla o Congresso e age de maneira consistente, sempre procurando abocanhar pedaços de poder e recursos orçamentários.
Os militares, quase sempre hostis à esquerda e historicamente propensos a golpes de Estado.
Com exceção da direita fisiológica, todos esses blocos de poder têm importantes ramificações internacionais. A extrema-direita bolsonarista encontra eco e apoio em Trump nos Estados Unidos, em Milei, na Argentina, e em diversos países da Europa, onde a extrema-direita governa ou cresce em popularidade e ameaça vencer eleições.
A direita tradicional sempre teve ligações umbilicais com os EUA e encontra contrapartes influentes em todos os países desenvolvidos e no resto da América Latina. Os militares, por sua vez, mantêm vínculos históricos com os militares americanos, sendo a sua formação muito influenciada pelas concepções políticas e estratégicas do Departamento de Defesa.
Qualquer taxonomia é sempre simplificação. As fronteiras entre os blocos políticos são fluidas. Há muitas figuras intermediárias, com os pés em mais de 1 canoa. Com frequência, os blocos se misturam, estabelecendo diferentes alianças políticas e combinações variáveis ao longo do tempo. A própria palavra “bloco” talvez não seja a mais adequada, pois passa sensação enganosa de solidez e uniformidade.
A Arca de Noé
É imenso, portanto, o desafio para Lula. Quando se critica o governo atual, e eu mesmo o faço com alguma frequência, não se deve perder de vista esse contexto político — tanto mais que Lula e a centro-esquerda, com todas as deficiências e limitações, são os únicos que oferecem perspectiva de desenvolvimento com justiça.
Politicamente falando, recorde-se, não há nada significativo à esquerda de Lula. A extrema-esquerda existe, mas não tem peso político real e também não oferece saídas convincentes para nossos problemas.
O melhor que se pode esperar nesse cenário tão complicado é que o governo Lula consiga negociar com alguns adversários, reforçando a sua posição — sem, contudo, transigir no essencial —, e sem se descaracterizar. Esse requisito é fundamental, como tento explicar na sequência.
A estratégia de Lula, desde 2021 ou 2022, tem sido isolar o principal adversário, a extrema-direita. Foi assim que ele venceu a eleição. Compôs com a direita tradicional para derrotar Bolsonaro que, em busca da reeleição, contava com a máquina do governo e a fidelidade, ou pelo menos a simpatia, de parte muito expressiva do eleitorado. Lula ganhou por pequena margem, o que sugere que fez a escolha correta.
Note-se, a propósito, que os donos do poder têm sempre pequena dificuldade no Brasil: raramente ganham eleições presidenciais. Os seus candidatos não costumam ser competitivos e nem sempre fazem bonito nessas disputas. Historicamente, os donos do poder recorrem a 2 expedientes tenebrosos. Apoiam candidatos caricatos, mas bons de voto (Jânio em 1960, Collor em 1989 e Bolsonaro em 2018). Se esta alternativa não está à mão, eles não se vexam em descartar suas supostas “credenciais democráticas” para patrocinar golpes militares (como fizeram contra Getúlio, Juscelino e Jango) ou parlamentares (como fizeram contra Dilma).
No caso de Bolsonaro, assim como nos de Jânio e Collor, suponha-se que seria possível controlá-los depois da eleição. De 2019 em diante, entretanto, a desordem foi maior do que se esperava e a possibilidade de controlar Bolsonaro menor do que se esperava. O establishment brasileiro, ou parte significativa desse, parece ter se dado conta de que mais 1 mandato para Bolsonaro poderia ser desastroso para seus interesses. Tentaram terceira via, que não decolou. Lula foi percebido como alternativa, contanto que se mostrasse disposto a negociar com eles. Encontraram receptividade. Lula deixou claro que não seria revanchista nem radical. Formou-se então a Arca de Noé (expressão do próprio Lula), a ampla e heterogênea coligação que venceria as eleições em 2022.
Não querendo e nem podendo praticar estelionato eleitoral, Lula teve que formar governo heterogêneo, tão heterogêneo quanto a Arca de Noé. Na área econômica, a presença de neoliberais se faz sentir claramente. Não só no primeiro escalão, como no segundo escalão dos ministérios e do Banco Central.
Como a direita fisiológica controla o Congresso, Lula também teve que abrigá-la no ministério e até numa instituição financeira da importância estratégica da Caixa Econômica Federal. Assim, o primeiro e o segundo escalões do governo são mistura indigesta de quadros da centro-esquerda, da centro-direita e da direita fisiológica.
Ao mesmo tempo, Lula busca aplacar os militares. Não se dispõe a confrontá-los; ao contrário, deseja cooptá-los ou pelo menos neutralizá-los. Foi por isso que resolveu não patrocinar eventos de condenação do golpe militar de 1964, no seu aniversário de 60 anos. Parte da esquerda ficou revoltada, sem levar na devida conta, talvez, o quadro político adverso que tentei descrever acima.
A caminho das eleições de 2026
Prevalece no governo (ou assim me parece) a percepção de que a principal e mais destrutiva face da oposição continua sendo a extrema-direita bolsonarista. Imagine, leitor ou leitora, que essa volte ao poder em 2027, seja com Bolsonaro, seja com alguém que ele indique. Não preciso falar mais nada.
O tempo dirá, mas os demais blocos não parecem ter força eleitoral para se contrapor à centro-esquerda nas eleições de 2026. Será provavelmente tão difícil quanto foi em 2018 e 2022 construir terceira via competitiva.
Assim, a aliança constituída para as eleições de 2022 tende a se repetir em 2026. Não se deve esperar que Lula faça qualquer movimento para desalojar a direita tradicional de suas posições de poder no governo. Tampouco que tente romper com a direita fisiológica. Ou que descuide das sempre problemáticas relações com as Forças Armadas.
Confrontação nunca foi traço da personalidade do presidente da República. Ele chegou aonde chegou escolhendo suas batalhas e comendo pelas beiradas. Por que mexeria nesse time que está ganhando?
A máscara se apega ao rosto
Para terminar, 1 alerta que me parece importante. Apesar de tudo que escrevi acima, há risco que não pode ser negligenciado: o de que o governo Lula e com ele toda a centro-esquerda se descaracterize e perca o rumo estratégico. E esse risco é especialmente relevante na disputa com a extrema-direita.
Onde reside a força política e eleitoral de figuras como Trump, Bolsonaro e Milei? Em grande parte, na difusão da ideia de que eles se opõem ao “sistema”, conjunto de instituições e interesses viciados que exclui a grande massa da população, inclusive a classe média. Na Europa, por exemplo, os partidos socialistas e social-democratas se confundiram com o establishment e copatrocinaram nas últimas décadas políticas econômicas e sociais excludentes, a chamada agenda neoliberal. Assim, quem cresceu com a crise do neoliberalismo foi a extrema-direita. A centro-esquerda minguou, posto que foi vista como parte integrante desse maldito “sistema”.
O PT é a social-democracia brasileira e corre o risco de cair na mesma armadilha. Vou dizer 1 coisa meio desagradável. No Brasil, de modo geral, há muito jogo de cintura e pouca espinha dorsal. A centro-esquerda não foge à essa regra. Acredita, ou diz acreditar, que continua fiel a seus propósitos. Que todas as concessões são preço a pagar nas circunstâncias. As medidas cautelosas e a retórica conformista seriam assim máscara, a ser retirada quando as condições forem mais favoráveis.
Compreendo. Mas não vamos esquecer o poema de Fernando Pessoa:
“Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.”
O poema caiu como uma luva, não é mesmo? (Versão resumida deste texto foi publicada na revista Carta Capital.)
(*) Economista. Foi diretor-executivo no FMI, em Washington, por indicação do ministro Guido Mantega, e vice-presidente do NBD (Novo Banco de Desenvolvimento), conhecido como banco do Brics, por indicação do governo Dilma Rousseff.