NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

Convenções coletivas não podem mudar cálculo de cotas de aprendizes e PcD

Convenções coletivas não podem mudar cálculo de cotas de aprendizes e PcD

LEGISLADO SOBRE O NEGOCIADO

As regras sobre cotas de aprendizagem e de pessoas com deficiência (PcD) — previstas, respectivamente, na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e na Lei 8.213/1991 — não estabelecem, nem autorizam, restrições quanto à sua esfera de incidência ou à natureza das atividades desempenhadas pelo empregador. Já o artigo 611-B da CLT impede que convenções e acordos coletivos de trabalho suprimam ou reduzam medidas de proteção legal de crianças e adolescentes e critérios de admissão de trabalhadores com deficiência.

Assim, a Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho proibiu sindicatos de Santa Catarina de efetivar instrumentos coletivos que alterem a base de cálculo das cotas legais de aprendizagem e PcD.

O Ministério Público do Trabalho questionou convenções coletivas que autorizavam as empresas a calcular a cota de jovens aprendizes e a de PcD com base apenas no número de empregados dos seus respectivos setores administrativos internos.

A 7ª Vara do Trabalho de Florianópolis proibiu os sindicatos de estabelecer normas coletivas com tais flexibilizações. Em seguida, o Sindicato das Empresas de Segurança Privada de Santa Catarina (Sindesp-SC) e o Sindicato das Empresas de Asseio, Conservação e Serviços Terceirizados do estado (Seac-SC) contestaram a decisão de primeira instância.

Segundo os sindicatos, o artigo 611-B da CLT não prevê uma proibição expressa à adequação das cotas para ajustar a situação fática à realidade do setor.

Sem condições dignas

As entidades alegaram que a maioria dos serviços prestados pelas empresas associadas não oferece condições dignas a PcD, nem “se apresentam como uma oportunidade de progressão social” aos aprendizes. No caso do Seac, a maioria dos trabalhadores é contratada na função de serventes.

Em seu caso específico, o Sindesp apontou que empresas de vigilância não podem contratar ninguém com idade entre 12 e 18 anos. Além diso, a Lei 7.102/1993 exige idade mínima de 21 anos e aprovação em curso de formação para o exercício da função de vigilante. Ou seja, tais empresas também não podem contratar aprendizes de 18 a 21 anos.

O Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC), então, anulou a decisão de primeiro grau. Por isso, o MPT recorreu ao TST.

Conflito com a CLT

O ministro Luiz José Dezena da Silva, relator do caso, considerou que a “mitigação das cotas legais” entra em conflito com a proibição estipulada pelo artigo 611-B da CLT. Ou seja, a decisão da Vara de Florianópolis foi acertada.

Ele ressaltou que o objetivo das cotas de aprendizes e PcD é “proteger seus destinatários contra a discriminação que recai sobre determinados segmentos sociais no momento de sua inserção no mercado de trabalho”.

O advogado trabalhista Ronaldo Tolentino, sócio do escritório Ferraz dos Passos Advocacia, elogia o acórdão do TST: “As questões relativas às cotas legais são referentes a políticas públicas sociais e, portanto, não estão à disposição das partes envolvidas para fins de negociação”.

Para ele, a decisão “tem um grande impacto como jurisprudência e indicativo à sociedade dos limites das negociações”.

Clique aqui para ler o acórdão
ROT 549-88.2019.5.12.0000

Convenções coletivas não podem mudar cálculo de cotas de aprendizes e PcD

Fim da aposentadoria compulsória como pena para juízes é bem recebida

PROPOSTA CONTROVERSA

 

Antes de renunciar ao cargo de senador para assumir uma vaga no Supremo Tribunal Federal, o ministro Flávio Dino conseguiu o número necessário de assinaturas para iniciar a tramitação no Senado de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que tem por objetivo acabar com a aposentadoria compulsória para juízes, promotores e militares que cometem delitos graves.

PEC em tramitação no Senado propõe fim da aposentadoria compulsória de juízes

Ao justificar a PEC 3/2024, Dino afirmou que não é adequado manter a aposentadoria compulsória — com o recebimento de vencimentos — como punição por uma conduta grave que “acarrete alto grau de desmoralização do serviço público e perda da confiança nas instituições públicas”. Ainda segundo o ministro, não há por que magistrados, promotores e militares receberem um tratamento diferente dos demais servidores públicos que cometem faltas graves.

“Se você pratica uma falta leve, você tem uma punição proporcional. Mas, se você pratica um delito grave que configure, eventualmente, até um crime, é claro que você tem de receber uma sanção simétrica. No caso, a perda do cargo”, disse Dino à Rádio Senado. “Se um juiz pratica um ato de corrupção ou mata uma pessoa, ele é processado administrativamente e a sanção máxima hoje é a aposentadoria compulsória”, completou ele.

Reação positiva

A iniciativa de Dino foi recebida com simpatia pelos magistrados e ex-magistrados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico. O advogado e ex-juiz Márlon Reis, por exemplo, é a favor da proposta. Ele acredita que a PEC, caso aprovada, representará um avanço significativo para o Poder Judiciário.

“Desde o início da atuação do Conselho Nacional de Justiça, as atividades dos magistrados passaram a ser avaliadas de forma mais isenta, mitigando a preocupação com perseguições casuísticas pelas corregedorias locais. A PEC justifica a aplicação da pena de demissão em casos de graves violações funcionais, assegurando decisões baseadas em critérios objetivos e imparciais”, afirmou Reis. “Importante destacar que, em situações onde haja percepção de injustiça, os indivíduos afetados sempre têm a possibilidade de submeter seus casos ao Judiciário, amparados pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição, reforçando, assim, o Estado de Direito e a confiança nas instituições.”

O desembargador Paulo Fontes, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, tem opinião parecida: “A proposta é bem-vinda e, se aprovada, colocará fim à sensação de impunidade nesses casos. Mas a perda do cargo continuará a exigir decisão judicial transitada em julgado, uma garantia fundamental para a magistratura e o MP. É preciso também encontrar uma solução justa para a questão previdenciária, pois o magistrado, mesmo punido, verteu contribuições ao regime público”.

Já o desembargador Ary Raghiant Neto, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, lembra que a pena de demissão já está prevista na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), em seu artigo 26.

O dispositivo citado por ele prevê a perda do cargo de magistrado nos seguintes casos: “I — em ação penal por crime comum ou de responsabilidade; II — em procedimento administrativo para a perda do cargo nas hipóteses seguintes:  a) exercício, ainda que em disponibilidade, de qualquer outra função, salvo um cargo de magistério superior, público ou particular; b) recebimento, a qualquer título e sob qualquer pretexto, de percentagens ou custas nos processos sujeitos a seu despacho e julgamento; c) exercício de atividade politico-partidária”.

Sobre o projeto apresentado por Flávio Dino, Raghiant Neto entende que o texto é positivo, mas precisa apresentar de maneira muito clara as situações que levarão à demissão do juiz.

“Para ter eficácia essa proposta, se aprovada, o legislador deverá regulamentar as hipóteses de ‘faltas graves’. Sobre o mérito da proposta em si, creio que se trata de um anseio social, na medida em que não se compreende a aposentadoria compulsória como uma legítima punição, notadamente em casos de corrupção”, afirmou o desembargador do TJ-MS. “Entretanto, é preciso registrar que a aposentadoria com proventos proporcionais é um direito daquele que contribuiu para a Seguridade Social e não pode se confundir com a pena, que aqui é a imediata aposentadoria (chamada compulsória).”

Reação negativa

Por meio de nota, o presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Frederico Mendes Júnior, deixou claro que é contra a PEC apresentada pelo ex-senador e ministro do Supremo. Segundo ele, o texto ataca a independência dos magistrados.

“A eliminação da aposentadoria compulsória agride a independência e a imparcialidade dos magistrados, que passarão a viver sob o receio da perda do próprio sustento e de suas famílias, com prováveis prejuízos à efetividade dos serviços oferecidos aos cidadãos”, diz trecho da nota do presidente da AMB.

Segundo ele, a manutenção dos vencimentos em caso de aposentadoria compulsória não é um benefício concedido ao juiz que cometeu falta grave.

“Não é um benefício, mas a contrapartida pelos pagamentos realizados ao regime de previdência ao longo do tempo de exercício da função (em patamares muito maiores do que os do regime geral: a partir de 14% do vencimento bruto)”, afirmou o presidente. “É bom lembrar que, na história recente do nosso país, magistrados foram aposentados compulsoriamente pelo Poder Executivo pelo simples fato de prolatarem decisões em desacordo com os interesses dos governantes. Há, portanto, motivos históricos para a existência da aposentadoria compulsória com recebimento de proventos proporcionais.”

Clique aqui para ler o texto da PEC na íntegra
PEC 3/2024

Convenções coletivas não podem mudar cálculo de cotas de aprendizes e PcD

Falta de isonomia reverte justa causa por uso de arma em churrasco na firma

PUNIÇÃO DESIGUAL

A Justiça do Trabalho da 2ª Região reverteu justa causa de uma empregada por ausência de isonomia em pena aplicada a trabalhadores que fizeram churrasco na empresa, consumiram bebida alcoólica e manusearam arma de airsoft (usada em jogo que simula combates).

A sentença proferida na 53ª Vara do Trabalho de São Paulo-SP informa que aproximadamente 13 pessoas participaram da comemoração na locadora de automóveis, mas apenas sete foram dispensadas por falta grave.

Em defesa, a firma alegou que o critério utilizado para a penalidade foi o manuseio do armamento, retirado do setor de “achados e perdidos” da agência e levado para o evento pelo gerente.

A empresa relatou ainda que a reclamante ficou apontando o objeto para a cabeça dos colegas e que a festa para celebrar o atingimento de meta do mês foi feita sem autorização, com uso de móveis e veículo do local de trabalho.

Na decisão, a juíza Letícia Stein Vieira pontua que não ficou demonstrado que “apenas os empregados que manusearam a arma de brinquedo foram desligados por justa causa”. Com isso, analisou que a justificativa da firma para a aplicação da pena por mau procedimento “é frágil, não sendo razoável e proporcional a sanção máxima para a empregada.”

A magistrada ressaltou que, embora o comportamento apresentado pela reclamante não seja o mais adequado e tenha violado regras previstas no código de conduta da firma, ficou evidente que a empresa escolheu quem seria penalizado. “Alguns empregados foram despedidos por justa causa e outros sequer sofreram punição”.

Com isso, a julgadora reconheceu a invalidade do término do contrato de trabalho por falta grave e determinou a reversão para dispensa imotivada por iniciativa do empregador. Pela ilegalidade da justa causa aplicada, que configurou ofensa ao direito da personalidade, a agência foi condenada a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 5 mil. Com informações da assessoria de imprensa do TRT-2.

Processo 1000868-14.2023.5.02.0053

CONJUR

https://www.conjur.com.br/2024-abr-05/falta-de-isonomia-reverte-justa-causa-por-uso-de-arma-em-churrasco-na-firma/

Convenções coletivas não podem mudar cálculo de cotas de aprendizes e PcD

Julgados do TST que espelham os limites da negociação coletiva

REFLEXÕES TRABALHISTAS

 

As negociações coletivas receberam pela reforma trabalhista, em 2017, maior liberdade em fixar os conteúdos das normas que seriam observadas pelas empresas do setor econômico e que deveriam ser aplicadas aos empregados das respectivas categorias profissionais.

Entretanto, a permissão legal deve encontrar limites que, aos poucos, a Justiça do Trabalho, quase sempre por iniciativa do Ministério Público do Trabalho, vem balizando os abusos nelas previstos.

As negociações coletivas dizem respeito à consolidação de normas aplicáveis ao conteúdo específico das relações de trabalho e dos direitos dos trabalhadores na relação contratual de trabalho.

Então elas devem observar os limites do contrato de trabalho e jamais ampliar seu campo de aplicação para aquelas disposições consideradas de política de estado com objetivos sociais e que apenas ao estado cumpre sua atuação tutelar.

Limites

Existem duas situações recentes julgadas pelo Tribunal Superior do Trabalho que espelham de modo claro tais limites.

Assim, o primeiro, refere-se à negociação com objetivo de flexibilizar a base de cálculo de cotas legais, de aprendizes e trabalhadores com deficiência e o segundo refere-se à possibilidade de fixar por norma coletiva o desconto de banco de horas negativo por ocasião da rescisão contratual.

Spacca

Para o primeiro caso, quanto a flexibilização das cotas, pretenderam os sindicatos negociadores que somente os trabalhadores administrativos fossem considerados para os fins de cálculo das cotas previstas nos artigos 428 e seguintes da CLT e no artigo 93, da Lei nº 8213/91.

O site do TST publicou a notícia em 3/4/2024, da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) que restabeleceu decisão que havia proibido sindicatos dos setores de asseio e conservação e de segurança privada de Santa Catarina de fazer instrumentos coletivos que flexibilizam a base de cálculo das cotas legais de aprendizagem e de pessoas com deficiências (Processo ROT-549-88.2019.5.12.0000).

O fundamento refere-se ao artigo 611-B da CLT que considera ilícito e, portanto, impõe limites à negociação coletiva que proíbe a prática de discriminação e de medidas de proteção legal de crianças e adolescentes e que, no caso, os sindicatos teriam mitigado as cotas legais, contrariando a proibição legal cujo escopo é de proteger os destinatários e não estabelecer discriminação no cumprimento de cotas.

Trata-se de exemplo de cláusula abusiva que exorbita o campo de aplicação das negociações coletivas cujo debate de aprovação em assembleia de trabalhadores gera suspeição, inclusive.

O ministro Dezena da Silva, relator do caso, observa que não se trataria de anulação de cláusula, “mas de caráter inibitório, isto é, de impor aos entes sindicais a obrigação de não mitigar a base de cálculo das cotas legais por meio da negociação coletiva”.

Já o segundo caso, que trata da permissão de desconto salarial de banco de horas negativo, o TST publicou em seu site, no dia 1º de abril, em decisão da 2ª Turma, manteve a norma coletiva que permite o desconto de banco de horas negativo ao final de cada período de 12 meses ou nas verbas rescisórias em caso de pedido de demissão ou rescisão por justa causa por não se tratar de direito indisponível assegurado pela Constituição ( RR-116-23.2015.5.09.0513).

O voto da relatora, ministra Maria Helena Mallmann, observou que a jurisprudência do STF e aplicou o Tema 1.046 que se refere a limitação de direitos absolutamente indisponíveis previstos na Constituição.

Acentuou a relatora que “A instituição de “banco de horas” com a possibilidade de desconto do tempo injustificadamente não trabalhado ao final de cada período de 12 meses ou nas verbas rescisórias em casos de pedido de demissão ou dispensa por justa causa não é incompatível com a Constituição, tratado internacional ou norma de medicina e segurança do trabalho.

Aliás, ao menos em regra, a norma autônoma em questão oferece ao trabalhador a chance de compensar no período de 12 meses as faltas e atrasos antes do desconto em folha de pagamento, regime mais benéfico do que aquele estabelecido no artigo 58, §1º, da CLT.

Frise-se que não há registro de qualquer comportamento malicioso do empregador no sentido de surpreender seus empregados ocultando-lhes o saldo negativo do “banco de horas” ou impedindo-lhes dolosamente a compensação do débito.”

Portanto, duas intervenções do TST em matéria de negociações coletivas de conteúdo diverso, sendo uma de caráter proibitivo na sua flexibilização por se tratar de matéria atinente a obrigação do estado na proteção de trabalhadores menores aprendizes e com deficiência e outra norma de caráter interno das relações trabalhistas, demonstrando que as negociações coletivas enfrentam limites no campo de sua aplicação.

Convenções coletivas não podem mudar cálculo de cotas de aprendizes e PcD

Novos paradigmas e desafios da terceirização do trabalho

OPINIÃO

 

A terceirização e a pejotização têm sido objeto de diversas discussões acaloradas nos tribunais trabalhistas e perante o Supremo Tribunal Federal.

Apesar da existência de precedentes qualificados do STF, com trânsito em julgado, indicando a direção da questão sob o viés constitucional, fato é que a celeuma ainda persiste e apresenta pontos um tanto controvertidos, uma vez que, apesar dos referidos precedentes, ainda não há uma solução definitiva no Supremo, em razão de algumas divergências entre os ministros sobre o tema.

Para entendermos o cerne do debate, faz-se necessário conceituar e pontuar algumas nuances dos institutos que circundam a matéria.

Definição

Conceituar a terceirização, doutrinariamente, não é tarefa complexa, já que não existem divergências substanciais entre os estudiosos. De modo geral, os autores definem a terceirização pela existência de uma relação triangular, na qual figuram como agentes o empregado (quem presta o serviço efetivamente; a mão de obra), a empresa prestadora de serviços (contratada por uma outra empresa) e aquela que é a tomadora desses serviços (a contratante).

Assim, a partir dessa definição, a figura do empregado (aquele que presta a mão de obra) é inserida na relação da terceirização como sendo um dos agentes integrantes da relação contratual, cujo vínculo de trabalho resta firmado com a empresa contratada, com os requisitos próprios da relação empregatícia: onerosidade, subordinação, pessoalidade e habitualidade (artigos 2º e 3º, da CLT).

Novo paradigma

Partindo-se do conceito doutrinário, amplamente utilizado pela Justiça do Trabalho, o que se observa, como novo paradigma e alvo dos enfrentamentos jurídicos, é justamente a temática relacionada à presunção de licitude da terceirização observada a partir da relação existente entre o empregado/obreiro, cujo vínculo de trabalho é firmado com a empresa contratada, e o serviço prestado para a empresa contratante.

De início, a jurisprudência consolidada pelo TST na Súmula 256 era no sentido de que, salvo nas hipóteses de contrato temporário (Lei nº 6.019/74) ou nos serviços de vigilância (Lei nº 7.102/83), qualquer outro tipo de terceirização seria ilegal.

 

Posteriormente, esse entendimento evoluiu no sentido de que o trabalho prestado pelo empregado-terceirizado não poderia se confundir, em absoluto, com a própria identidade e objeto da empresa terceirizante/contratante, uma vez que, sendo vedada pela CLT a triangularização e a vinculação de emprego diretamente com a empresa contratante, a existência de um serviço terceirizado em atividade-fim formaria um elo entre o obreiro-terceirizado e o tomador de serviço. Isto é, a mão-de-obra terceirizada não poderia ser alvo do benefício da empresa contratada na busca de seus objetivos primários, nos termos da Súmula 331.

No entanto, o caráter legiferante da Súmula 331 do TST sempre foi contestado, uma vez que a norma regulava de forma ampla a livre iniciativa e as possibilidades de terceirização sem que houvesse regramento específico sobre o tema, além de trazer o conceito aberto de atividade-meio e atividade-fim para diferenciar em qual situação a terceirização seria lícita (atividade-meio) ou ilícita (atividade-fim).

Neste particular, o ponto nodal das alterações paradigmáticas que vamos analisar são os critérios definidos nos julgados qualificados do STF e a sua maturação por meio das reclamações constitucionais que analisaram a matéria a partir do entendimento firmado no âmbito da Justiça Trabalhista.

Guinada

O julgamento do STF representou uma guinada jurisprudencial, especialmente quando recebe a ADPF 324 para analisar o tema, além de reconhecer no RE 958.252 a existência da repercussão geral, fixando tese ao ementário de Tema nº 725.

A primeira quebra de paradigma, portanto, a ser analisada atingiu o próprio conceito, abrangência da terceirização e a licitude de sua utilização.

Na oportunidade, a Corte Constitucional fixou o seguinte entendimento:

“Terceirizar significa transferir parte da atividade de uma empresa – a empresa contratante – para outra empresa inserida em sua cadeia produtiva, denominada contratada ou prestadora do serviço.”

Percebe-se, portanto, que o Supremo Tribunal Federal trata a terceirização, enquanto conceito, a partir de uma relação contratual existente entre empresas e que ocorre quando a contratante transfere parte de sua atividade à outra que será a responsável pela mão-de-obra.

No entanto, a ratio decidendi incutida no julgado permite concluir também que, com essas decisões, o STF fixa uma percepção quanto ao escopo da terceirização distinto daquele até então utilizado pelos estudiosos do assunto e, também, do adotado pela própria Justiça Trabalhista.

Isso porque o STF declarou a licitude do objeto da terceirização em atividade finalística, derrubando o posicionamento de que essa não poderia ocorrer na prestação de serviço do objeto primário empresarial, ou seja, a contratação por terceirização poderia ocorrer em qualquer etapa da atividade, seja ela meio, seja ela fim, não importando o objeto principal da empresa contratante, conforme tese fixada no tema 725/RG.

Pejotização e o princípio da livre iniciativa

Dentro, ainda, do âmbito do julgamento da ADPF 324 e do RE 958.252 – Tema 725/RG, observa-se uma outra quebra de paradigma importante, qual seja: o reconhecimento de licitude de qualquer outra forma de divisão de trabalho entre pessoas jurídicas distintas, o que abriu o caminho para a discussão da licitude da denominada “pejotização”.

A partir desse entendimento, o debate quanto às formas possíveis de trabalho/prestação de serviços ganhou amplitude em outros julgados do STF, nos quais foram analisadas a contratação entre pessoas jurídicas e/ou trabalhadores autônomos sem vínculo de emprego celetista, como ocorreu nos casos dos julgamentos da ADC 48 e da ADI 5.625, que examinou a Lei do Salão Parceiro.

Por meio desses dois últimos julgamentos, a Corte Suprema pacificou o entendimento quanto à permissão de contratação de motoristas por meio de pessoa jurídica ou trabalhadores autônomos em regime de parceria com salões de beleza, sem que houvesse a regulamentação da relação empregatícia clássica, isto é, normatizada pela CLT.

Nesse sentido foi a conclusão do ministro Nunes Marques, relator da ADI 5.625/DF:

“(…) O vínculo de emprego não deve ser o único regime jurídico a disciplinar o trabalho humano. Com efeito, a produção de bens e serviços ocorre das mais variadas formas, e não exclusivamente por meio do sistema caracterizado pela presença de um empresário e seus empregados.”

A conclusão do STF, quanto à constitucionalidade das diversas formas de trabalho, além daquela prevista na CLT, é uma afirmação do princípio da livre iniciativa, insculpido no artigo 170 da CF. Além disso, vislumbrou o STF que a diversidade de prestações de serviços e contratações respaldadas em contratos civis contribuem para o fomento e evolução econômica do país.

Nesse sentido, o ministro Gilmar Mendes, nos autos da Reclamação Constitucional 63.507, com propriedade, discorreu sobre a flexibilização das normas que regem as relações de trabalho frente ao texto constitucional:

“Registrei, ainda, que o que se observa no contexto global é uma ênfase na flexibilização das normas trabalhistas. Com efeito, se a Constituição Federal não impõe um modelo específico de produção, não faz qualquer sentido manter as amarras de um modelo verticalizado, fordista, na contramão de um movimento global de descentralização.”

Com essa alteração paradigmática, portanto, a existência de uma flexibilização interpretativa quanto aos elementos da relação de emprego passa a levar em consideração a manifestação de vontade do contratado, além de validar o intuito empreendedor e buscar uniformizar o desenvolvimento da sociedade, aumentando as oportunidades de serviços.

Resistência das cortes trabalhistas

É nítida, assim, a oposição diametral entre as conclusões do Supremo Tribunal Federal e da Justiça do Trabalho, o que acaba por acarretar um entrave entre as teses e entendimentos definidos.

Isso porque, após as definições consagradas pelo STF, o que se verifica é uma imensa resistência das cortes trabalhistas, inclusive no âmbito do TST, em aplicar os precedentes vinculantes, apesar da obrigatoriedade de sua observância.

A referida resistência tem desencadeado uma enxurrada de reclamações constitucionais perante o Supremo Tribunal Federal no intuito de garantir a autoridade de suas decisões, fato que tem causado atrito constante entre a Suprema Corte e a Justiça do Trabalho, ao que se destaca trecho do voto do ministro Gilmar Mendes no julgamento da Reclamação 53.688-AgRg, quando faz forte crítica à atuação da Justiça especializada:

“Apesar desse sólido conjunto de precedentes desta Corte, formalizados em diversas classes processuais, nos controles difuso e concentrado de constitucionalidade, ainda nos deparamos com casos como o dos autos, em que a Justiça do Trabalho de forma escancarada descumpre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, promovendo inequívoco bypass às decisões da Corte.

Se antes a Justiça do Trabalho limitava-se a impor toda sorte de obstáculos às opções políticas legitimamente realizadas pelos Poderes Executivo e Legislativo, agora também o Supremo Tribunal Federal é alvo da constante resistência de segmento que, embora especializado, integra o Poder Judiciário e, portanto, deve respeito aos precedentes desta Corte.

[…]

Como se vê, os magistrados do trabalho reconhecem que a todo custo buscam se desviar da jurisprudência desta Corte: ora alegam que o precedente não é específico para a situação dos autos, ora tergiversam sobre a necessidade de valoração do acervo probatório. As justificativas são inúmeras, mas o propósito é único e bem definido: implementar o bypass dos precedentes do Supremo Tribunal Federal.”

O tema ainda será objeto de calorosas discussões no âmbito doutrinário e jurisprudencial sem estar próximo de uma solução, apesar de já verificarmos avanços dentro do TST, consoante julgado proferido pela 5ª Turma do tribunal, em processo de relatoria do ministro Breno Medeiros:

“(…) O Ministério Público do Trabalho ajuizou a presente ação civil pública com o objetivo de condenar a ré ” na obrigação de não fazer, para que se abstenha de utilizar de trabalhadores para a realização de sua atividade-fim sem o devido registro em CTPS, sob pena de multa “. (…) Ocorre que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no dia 30/8/2018, ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 324 e o Recurso Extraordinário (RE) nº 958.252, com repercussão geral reconhecida, decidiu que é lícita a terceirização em todas as etapas do processo produtivo, ou seja, na atividade-meio e na atividade-fim das empresas. (…) Do mesmo modo, no julgamento da ADPF n.º 324, (…) Prevaleceu, em breve síntese, como fundamento o entendimento no sentido de que os postulados da livre concorrência (art. 170, IV) e da livre-iniciativa (art. 170), expressamente assentados na Constituição Federal de 1.988, asseguram às empresas liberdade em busca de melhores resultados e maior competitividade. (…) Nesse contexto, a partir de 30/8/2018, é de observância obrigatória aos processos judiciais em curso ou pendente de julgamento a tese jurídica firmada pelo e. STF no RE n.º 958.252 e na ADPF n.º 324. Assim, não há mais espaço para o reconhecimento do vínculo empregatício com o tomador de serviços sob o fundamento de que houve terceirização ilícita (ou seja, terceirização de atividade essencial, fim ou finalística).” (…) (RR-2241300-22.2009.5.09.0651, 5ª Turma, relator ministro Breno Medeiros, DEJT 15/12/2023).

O tema, como já indicado, continuará despertando intensos debates, bem como já aponta relevantes repercussões práticas.

Ônus da prova

Como exemplo, cita-se a questão do ônus da prova: em causas em que a contratação ocorreu a partir do instituto da “pejotização”, a Justiça do Trabalho, embora as partes não neguem a existência do contrato de prestação de serviços de natureza civil, sem qualquer comprovação de vícios de vontade ou máculas que possam invalidá-lo, ou, até mesmo, ausente qualquer exame relacionado à capacidade das partes, vem reconhecendo sua nulidade, atribuindo à empresa-ré (contratante) o ônus de provar a inexistência de fraude.

Ainda na esfera do ônus da prova, continua sendo comum a aplicação, pela Justiça do Trabalho, do entendimento consubstanciado na Súmula 212, pressupondo que confirmada a prestação de serviços, mas por modalidade diversa da relação de emprego, o ônus é da empresa de demonstrar que a relação existente distinta da relação de emprego.

No entanto, questiona-se: como imputar o ônus da prova à empresa se, nos termos do artigo 818, I da CLT, o ônus é de quem alega a fraude/ilicitude?

Ao adotar esse entendimento, a Justiça do Trabalho acaba por inverter, à revelia da própria disposição legal, o ônus da prova sob a suposição de que a relação distinta da relação de emprego seria presumidamente irregular, cabendo à empresa demonstrar a regularidade da forma de contratação.

Todavia, o caminho jurídico traçado pela Justiça Trabalhista demonstra-se obsoleto frente aos precedentes vinculantes já citados, reforçados pelas diversas decisões em sede de reclamação constitucional, afinal, havendo afirmação pelo STF de que as demais formas de contratação são lícitas, e se o contrato foi firmado atendendo aos requisitos da livre manifestação da vontade, o ônus de vício da contratação não deve recair sobre a empresa, mas sim sobre a parte que o alega, ou seja, o reclamante.

Considerações finais

Para o futuro, partindo da ideia de que a terceirização implica transferir parte de uma atividade da empresa a uma prestadora de serviços (contratada), precisamos pensar se podemos ter, então, uma relação comercial entre empresas, mesmo que de forma indireta ocorra a prestação de serviços.

Consideramos que a tendência é de alargamento do conceito do que seriam contratos meramente comerciais, o que traria uma grande repercussão no âmbito da responsabilidade sob débitos trabalhistas, mas isso, pelo que acreditamos, ainda será maturado ao longo do tempo.

Assim, face aos novos paradigmas devidamente consagrados como constitucionais, é necessária a urgente atuação dos poderes legislativo e executivo em normatizar e possibilitar que essas outras formas de relação de trabalho e prestação de serviços, dentro do cenário público, ganhem a tutela estatal sob o viés social, de forma a criar soluções que assegurem os cidadãos nessas relações.

Por fim, conclui-se que alterações de paradigmas não constituem retrocessos, mas necessitam da atuação dos poderes constituídos, enquanto partes integrantes desse avanço, sendo, ainda, necessário nesse momento, a análise quanto à competência da própria Justiça do Trabalho, assim entendida a partir da sua especialização em relações jurídicas inseridas no âmbito das relações de trabalho (não somente regulamentadas pela CLT) e, ainda, quanto à criação de uma legislação que deverá compor o suporte normativo para o enfrentamento dessa nova realidade.

Convenções coletivas não podem mudar cálculo de cotas de aprendizes e PcD

Alexandre inclui Elon Musk no inquérito das fake news após ataques

USO CRIMINOSO DAS REDES

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, incluiu o empresário Elon Musk no Inquérito das fake news, por ter, em tese, praticado “dolosa instrumentalização criminosa” da rede social X, antigo Twitter.

Musk será investigado, em inquérito à parte, pelos crimes de obstrução à Justiça, inclusive em organização criminosa, e incitação ao crime.

O ministro ainda determinou que a rede social “se abstenha de desobedecer qualquer ordem judicial já emanada, inclusive realizar qualquer reativação de perfil cujo bloqueio foi determinado por essa Suprema Corte ou pelo Tribunal Superior Eleitoral”, sob pena de multa diária de R$ 100 mil por perfil.

Mais informações em instantes.

INQ 4.874

CONJUR

https://www.conjur.com.br/2024-abr-08/alexandre-inclui-elon-musk-no-inquerito-das-fake-news-apos-ataques/