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O governo Lula está à mercê da direita. Entrevista especial com Rudá Ricci

O governo Lula está à mercê da direita. Entrevista especial com Rudá Ricci

Para o pesquisador e analista político, o atual governo não enfrenta as grandes questões do século e está totalmente cooptado pelo Congresso, a julgar por suas propostas e decisões

Por: Baleia Comunicação | 17 Junho 2024

governo Lula III viveu na última semana aquele que talvez tenha sido a pior desde a posse, em janeiro de 2023. Ainda que a crise deste período estivesse contratada, considerando que seria previsível que Arthur Lira jogasse duro nos últimos meses de seu mandato, foi o próprio Executivo Federal que teceu a rede em que enredou. A greve dos professores das universidades e dos institutos federais revelou de forma cristalina as contradições da atual gestão.

“Eu queria só entender o que o governo acha que fez de diferente com o movimento sindical em relação aos professores, porque eu vejo o mesmo tom. No período de avanço da extrema-direita no governo, o PT recuou, os professores também, porque iam perder o emprego, iam ser presos”, pondera Rudá Ricci, em entrevista por telefone ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

Quando se observam as escolhas feitas pelo governo Lula III, fica claro que, para além do discurso, a escolha não são os mais pobres. “O governo fez uma opção e não é a área social, mas o mercado, principalmente o mercado financeiro, cambial, não é nenhum setor produtivo. Esse governo é o pior dos três governos Lula, é o mais desorientado e é o mais alinhado à direita”, problematiza.

O desafio diante de tantas contradições está em fazer o governo perceber seus erros e sair de uma zona restrita ao discurso e avançar pragmaticamente. “Não estou dizendo que precisamos ser contra o governo, estou dizendo que precisamos ter uma leitura clara do que estamos fazendo e vivendo. Porque o Lula, no início da gestão no ano passado, disse, em vários encontros de movimentos sociais, que os movimentos sociais tinham que pressioná-lo, porque a direita pressionava. Os movimentos estão pressionando e ele não muda nada. Então, aquilo era só discurso”, reitera Ricci. “O governo foi capturado pela direita e pelo Congresso; ele não está negociando, ele foi capturado, está à mercê. E a sociedade brasileira precisa reagir, até para recuperar o antigo Lula, porque esse Lula está capturado pela direita – é isso que estou dizendo”, complementa.

Rudá Ricci (Foto: Ricardo Machado | IHU)

Rudá Ricci é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. É diretor geral do Instituto Cultiva, professor do curso de mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara. É autor de Terra de ninguém (Unicamp, 1999), Dicionário da gestão democrática (Autêntica, 2007), Lulismo (Fundação Astrojildo Pereira/Contraponto, 2010) e coautor de A participação em São Paulo (Unesp, 2004), entre outros.

Confira a entrevista.

IHU – A eleição de Lula no último pleito contou com amplo apoio dos profissionais da educação, especialmente docentes das Universidades e dos Institutos Federais. Diante dos impasses colocados pela greve federal, é possível afirmar que o governo virou as costas para a categoria?

Rudá Ricci – Claro. É evidente. E ele vai pagar caro por isso. Aliás, o governo estimulou uma disputa nas representações sindicais nesse período. Por exemplo, para falamos em relação aos professores universitários, o Sindicato de Professores e Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico Técnico e Tecnológico – Proifes e o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – Andes tiveram as suas negociações fragmentadas. Dirigentes do Ministério da Educação, como o [José LopezFeijóo, estimulou ainda mais um ataque ao Andes, dizendo que havia interesse partidário radicalizado. A mesma coisa com relação ao setor administrativo da educação, que os técnicos também estavam em greve e estavam pedindo um reajuste que não tinham há seis anos.

Esse pessoal que está no governo começou a estimular nas redes sociais que os professores são uma elite, que estão cuspindo no prato, que não merecem reajuste e questionando por que razão não fizeram greve durante o período do Bolsonaro. Eu queria entender o que o PT fez durante o governo Bolsonaro, se ele avançou como ele está falando que o movimento sindical tinha que avançar, se o PT convocou manifestação ou se recuou a ponto de se aliar à direita, como é o caso do Arthur Lira. Eu queria só entender o que o governo acha que fez de diferente com o movimento sindical em relação aos professores, porque eu vejo o mesmo tom. No período de avanço da extrema-direita no governo, o PT recuou, os professores também, porque iam perder o emprego, iam ser presos.

Há uma maldade nessa condução da informação do governo em relação à greve junto à grande imprensa. Há uma maldade que eu nunca vi antes, em governos de centro-esquerda no Brasil, é algo inédito, difícil de explicar.

IHU – Como compreender a postura, no mínimo paradoxal, de ministros que são professores – Camilo Santana (Educação), Fernando Haddad (Fazenda), Esther Dweck (Gestão e Inovação) –, aparentemente insensíveis à pauta dos docentes em greve das Universidades e dos Institutos Federais?

Rudá Ricci – Esses ministros, em especial Camilo Santana e o Haddad, são políticos liberais de centro e centro-direita no que diz respeito à política educacional. O Haddad, quando foi ministro da Educação, a despeito da propaganda feita, liderou um retrocesso imenso na educação brasileira. Eu vou citar o retrocesso – inclusive debati com ele naquele período.

O primeiro, e, talvez, mais importante retrocesso, é que ele vinculou toda a educação brasileira às avaliações externas. Quanto à educação básica relativa ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – Ideb e ao Exame Nacional do Ensino Médio – Enem; ele transformou o Enem. Em relação ao ensino universitário, ele trouxe o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes – Enade.

Essas avaliações são quantitativas, focadas em metas governamentais que não se preocupam em nada com a identidade do aluno. Ou seja, tudo aquilo o PT sempre pregou na educação, baseado em Paulo Freire, o Haddad destruiu. Não é que ele articulou ou somou, na verdade ele destruiu a política educacional que era tradição do PT.

A diferença básica é que quando se pensa em educação humanística, a preocupação está voltada para a situação de vida e os conhecimentos prévios dos alunos. Por exemplo, o aluno que passa fome: não adianta imaginar que terá um Ideb alto porque isso é um ponto fora da curva; aluno que sofre bullying, violência ou tem problema de saúde mental na família, o impacto é direto. Isso tudo que estou falando é resultado de pesquisas de, pelo menos, cinquenta anos na área educacional, da psicologia e da neurologia. O Haddad simplesmente abandonou esse debate. E na virada o século XX para o XXI o Brasil discutia e avançava muito aceleradamente.

Lembro que as reformas educacionais estaduais, por exemplo, de Minas Gerais, de São Paulo com a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas – CENPE, do Rio Grande do Sul nas redes municipais, todas essas reformas adotaram concepções latinas de educação, como as reformas da Espanha, de Portugal e assim por diante. O ministro Haddad destruiu isso e trouxe a concepção administrativista dos Estados Unidos.

Para não me delongar mais, essa concepção foi rejeitada nos EUA, gerou um fracasso total do ponto de vista pedagógico. Há um livro publicado no Brasil, da principal orientadora dessa política dos EUA, do Ideb com premiação de notas por escola, que é Diane Ravitch. Ela publicou um livro [Vida e morte do grande sistema escolar americano (Sulina, 2011)] no Brasil dizendo o que foi esse fracasso, detalhando-o. Ela diz que o grande problema das avaliações externas é que os professores são obrigados a ensinar truques para os alunos ficarem experts em testes, mas eles não desenvolvem a inteligência. Pelo contrário, inteligência significa a capacidade de tomar decisão – a expressão vem do latim. Ela diz com todas as letras: nós erramos. Mas o Haddad trouxe essa concepção.

Camilo Santana, por sua vez, é vinculado à maior empresa que vem investindo para capturar fundos públicos da educação brasileira, que é a Fundação Lemann, que tem a concepção mais atrasada da educação da América inteira. Então, não tem como achar, porque é um governo Lula, que os ministros, porque foram da Educação, terão têm uma visão avançada. Eles têm uma visão muito atrasada do ponto de vista pedagógico e gerencial, que não considera a vida do aluno, da família e do professor. Aliás, ele coloca quase sempre a culpa nos três. A culpa do Ideb estar baixo é do aluno, tem que ter aulas de reforço, do professor, que não pode ganhar nenhuma premiação, da escola. Isto é, trata-se de uma inversão básica de qualquer concepção progressista. E joga no lixo autores clássicos da concepção educacional brasileira, como Anísio TeixeiraPaulo FreireDarcy Ribeiro Florestan Fernandes. Estamos vivendo um atraso acelerado e gerações vão pagar por isso.

IHU – O que a postura de Lula, especialmente na reunião de 10 de junho, em relação aos grevistas e à greve das universidades, demonstra da conexão governista com a realidade concreta?

Rudá Ricci – Demonstra que o governo fez uma opção política e de classe. Veja: um ministro que é indiciado – não é que há algum tipo de dúvida, ele já está indiciado por corrupção –, e que é da direita, tem uma segunda chance no governo pelas palavras do próprio presidente Lula. E o movimento sindical não tem uma segunda chance, é colocado na parede. Então, está claro qual é a opção. Temos que ver qual é o reajuste da área educacional e qual é o reajuste que temos em outras áreas, como a policial e militares; ele já fez uma opção, não há dúvida.

O ministro Haddad acaba de falar que vai segurar o valor de reajuste do orçamento da Saúde e da Educação em 2,5%. Fizeram isto em relação ao Plano Safra para o agronegócio? Não. O governo fez uma opção de classe.

IHU – O senhor postou na rede social X (ex-Twitter) dizendo que a fala de Lula sobre a greve nas universidades radicaliza a ruptura com todo o ideário petista. O que isso significa em termos práticos?

Rudá Ricci – Significa que a atual direção petista está em uma saia justa. Lembremos que a Gleisi Hoffmann liderou uma crítica à política econômica no começo do ano e foi calada pelo ex-ministro José Dirceu. E significa, portanto, que o governo Lula e o lulismo vão tentar derrubar essa ala, mesmo sendo da corrente majoritária que dirige o PT. Eles vão colocar alguém que é muito mais afeito e maleável às opções do governo federal; eu não tenho dúvida. Esse é o processo interno que muitas vezes a imprensa não vê, mas quem está nos bastidores enxerga.

IHU – Em 2013, Haddad era prefeito de São Paulo quando autorizou o aumento das passagens do transporte municipal em R$ 0,20, o que acabou desencadeando o movimento estudantil – Passe Livre – com uma força avassaladora. À época, ele ignorou os insatisfeitos e os resultados foram as chamadas “Jornadas de Junho”. O Haddad de 2024 está repetindo o Haddad de 2013 ao ignorar a questão da greve docente federal? É possível prever as consequências?

Rudá Ricci – Prever não; na política e na sociologia não fazemos previsão. O que dá para aprender com o passado é que, primeiro, o Haddad não mudou em nada e não aprendeu com 2013. E, em segundo lugar, o que aconteceu na quarta-feira, que foi uma mobilização à noite das mulheres contra o PL do Estupro [PL 1.904/2024] em várias capitais, como Brasília e São Paulo, pode sugerir – não que o que aconteceu em 2013 se repita – que o clima de revolta com o avanço de uma leitura e uma política de direita no Brasil mudou; é uma novidade.

Eu já fui governo, inclusive governo do PT, e posso dizer claramente que, se acontecesse algo dessa natureza naquela época, haveria uma reunião de secretariado, indicando que algo estaria errado. Lembrando que o Haddad não se reelegeu prefeito de São Paulo por causa dessas posturas e perdeu voto na periferia; ele não perdeu voto da classe média, mas da periferia paulistana.

A grande questão é o que é um governante que aprende com a vida e com a relação dos governos com as demandas sociais, e o que é um governo que impõe o que ele pensa independentemente das relações adversas. Essa é a questão que está posta para nós.

IHU – Em que sentido o arcabouço fiscal de Haddad mantém o paradigma de subserviência ao financismo e se configura em uma versão “palatável” do teto de gastos aprovado no governo Temer? Em que sentido avança socialmente?

Rudá Ricci – Não tem avanço nenhum em relação ao teto de gastos. Inclusive, o ministro Haddad está ultimamente pautando suas falas pelo valor do dólar, pelo câmbio; a imprensa está divulgando.

Vou ser sincero, eu tenho muita experiência, porque comecei a militar na política com 15 anos e tenho mais de 40 anos de experiência política como dirigente/militante ou como analista político. Essa coisa do Lula falar e o dólar baixar, o Haddad falar e subir, isso tem a ver com instrução de alguém do governo em relação aos editores de economia dos grandes jornais – pode ter certeza –; isso não é espontâneo, é uma articulação.

IHU – Fernando Haddad anunciou que irá propor a Lula a vinculação (ou limitação) do orçamento da Saúde e da Educação ao arcabouço fiscal. O que esse tipo de proposta ilustra sobre a orientação política e econômica do governo?

Rudá Ricci – O governo fez uma opção e não é a área social, mas o mercado, principalmente o mercado financeiro, cambial, não é nenhum setor produtivo. Esse governo é o pior dos três governos Lula, é o mais desorientado e é o mais alinhado à direita. E, não tem nada a ver com o cerco da direita, com uma tentativa de cooptação do Congresso. É exatamente o inverso: o Congresso cooptou esse governo. Ou começamos a ter clareza do que está acontecendo ou vamos ficar nos enganando. Não estou dizendo que precisamos ser contra o governo, estou dizendo que precisamos ter uma leitura clara do que estamos fazendo e vivendo. Porque o Lula, no início da gestão no ano passado, disse, em vários encontros de movimentos sociais, que os movimentos sociais tinham que pressioná-lo, porque a direita pressionava. Os movimentos estão pressionando e ele não muda nada. Então, aquilo era só discurso.

IHU – Um outro tema que correlaciona a dimensão econômica e ambiental é a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas, em que Lula afirmou que “não podemos perder a oportunidade”. Em que sentido o governo se mostra, na prática, contrário à urgente transição energética?

Rudá Ricci – É mais uma contradição no discurso, porque na prática não há. O que eu queria entender são os discursos que o presidente Lula fez em todas as viagens, principalmente na Europa ano passado, sobre a questão da transição ecológica e o que ele falou agora sobre a Amazônia [a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas]. Mais do que isso, eu gostaria de saber claramente se essa é a posição da ministra Marina Silva ou da ministra Sonia Guajajara. Ou quero ouvir até a equipe do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Eu conheço esses ministros, de longa data, eles nunca falaram algo parecido com isso.

A novidade é um governo Lula falar isso. É algo estarrecedor. Mais um dado do que o Lula está oferecendo para entendermos por onde vai esse governo, é impossível; é absolutamente nítida a opção que o governo fez. O governo Lula não tem nada a ver com as grandes questões de transformação do século XXI.

IHU – O governo federal organizou o leilão de importação do arroz para garantir o preço do produto. Apesar de ainda não ter estimado as perdas, o setor agrícola gaúcho garante que há estoque para abastecer o mercado nacional. O que significa o gesto do governo?

Rudá Ricci – Essa, talvez, tenha sido a situação mais vexatória do governo nessas últimas semanas. Ele faz um anúncio que levou muita gente a entender que os arrozeiros estavam especulando com a tragédia do Rio Grande do Sul. O governo então anuncia uma política coerente com essa interpretação, anuncia a importação de arroz, o que também deixou quem é da área, como eu, um pouco preocupado. Porque quando há estoque regulador, no caso de arroz, não é necessário importar muito, mas o governo anunciou uma importação altíssima de arroz.

E, no meio do caminho, ficamos sabendo que dentro do Ministério também tinha gente trabalhando em cima da tragédia para favorecimento próprio. É algo estarrecedor, porque não bate com que o governo central fala e a ação concreta dos operadores do ministério. É uma das situações mais vexatórias de um governo que eu vi nos últimos tempos e o governo não explicou, não puniu exemplarmente. Ele simplesmente cancelou e mandou fazer outro processo licitatório para a compra de arroz, agora com a participação da Controladoria-Geral da União e do Ministério Público. Por que não fez antes?

Isso é o que me leva a crer que o governo foi capturado pela direita e pelo Congresso; ele não está negociando, ele foi capturado, está à mercê. E a sociedade brasileira precisa reagir, até para recuperar o antigo Lula, porque esse Lula está capturado pela direita – é isso que estou dizendo.

IHU – A urgência do PL que criminaliza as vítimas de estupro, com penas maiores que a dos estupradores, é uma espécie de rifa da saúde de mulheres e meninas por barganha política?

Rudá Ricci – Isso não tem barganha nenhuma. A direita, porque isso não foi a extrema-direita, liderada pelo Arthur Lira, percebeu a conjuntura – tudo isso que estou falando – e decidiu ir para cima da sociedade brasileira e empurrar ainda mais o Brasil para a direita, para o ultraconservadorismo, para o fim da humanismo; é uma disputa de valor, é uma imposição por uma lei de um valor que não é nem conservador. Os conservadores nunca foram imorais, e essa proposta do PL do Estupro é absolutamente imoral, desumana. O que aconteceu foi que a direita – e não foi a extrema-direita, mas é claro que acompanha – liderou uma tentativa de golpe cultural dos valores da sociedade brasileira na surdina, tanto que a votação da urgência da decisão sobre a PL na pauta, quase nenhum deputado entendeu, foi uma manobra da mesa. Não foi da extrema-direita, foi do Arthur Lira. É bom que a gente entenda qual é a disputa que está acontecendo. Por isso que eu digo: o governo Lula está capturado pela direita; ele não está negociando com a direita.

IHU-UNISINOS

https://www.ihu.unisinos.br/640390-o-governo-lula-esta-a-merce-da-direita-entrevista-especial-com-ruda-ricci

O governo Lula está à mercê da direita. Entrevista especial com Rudá Ricci

A perversidade tomou conta do Brasil. Artigo de Rudá Ricci

“Não temos na nossa história qualquer vínculo com o Império Mongol. Porém, o fundamentalismo desumano que toma conta da Câmara dos Deputados procura, de todas as formas, negar os princípios da sociedade civil e sufoca o futuro de muitas crianças brasileiras. Um basta seria pouco para este tipo de ataque à democracia e humanidade em nosso país. É preciso algo grandioso para restabelecermos as bases da nossa Janela de Overton”, escreve Rudá Ricci, sociólogo, com larga experiência em educação e gestão participativa, diretor do Instituto Cultiva.

Eis o artigo.

Tenho a impressão de que giramos a chave no Brasil. A perversidade, revestida de fundamentalismo religioso, foi além do imaginável com a PL do Estupro. Foi como um soco no estômago de quem tem um mínimo de empatia com a vida de crianças que sofreram abusos e atrocidades.

Ao ver o rosto impassível de Arthur Lira após encaminhar nebulosamente a votação simbólica da urgência deste projeto de lei da perversidade, veio à mente uma passagem de uma minissérie sobre Marco Polo. A cena se passa na segunda temporada desta série é uma das mais angustiantes que já assisti: Kublai Khan abraça a criança Zhao Xian e o sufoca até a morte. A criança representaria uma ameaça ao avanço do poder mongol no sul da China porque fazia parte da dinastia que acabava de ser destruída.

A repulsa que a cena causa tem relação direta com a PL do Estupro. A reação das mulheres que saíram às ruas em tantas cidades brasileiras na noite de quinta-feira, dia 13, um dia após a data que o comércio comemora as vendas do dia dos namorados foi um alento, mas não limpou o gosto amargo que permanece na boca de quem não consegue entender como a maldade avança em nosso país com tanto desembaraço.

Acredito que tudo começou com o arrombamento da “Janela de Overton” a partir de 2015. Esta janela indicaria a tolerância de uma sociedade ou comunidade a respeito de comportamentos ou ideias que passam a ser aceitáveis. Em 2015, o Brasil sofreu um ataque de escroques que articularam ofensas gratuitas no parlamento brasileiro e que se somaram aos ataques em massa desferidos nas redes sociais. A fusão das duas frentes atordoou os setores progressistas que demoraram a reagir. O ataque que alargou os batentes da Janela de Overton brasileira envolveu um enorme investimento de setores empresariais. Somente entre janeiro de 2019 e agosto de 2021, período do desmando do governo Bolsonaro, onze canais bolsonaristas no YouTube, responsáveis por propagar fake news sobre as urnas eletrônicas e defender o governo federal, lucraram mais de 10 milhões de reais, segundo o TSE.

Segundo o Intercept Brasil, o governo Bolsonaro entregou mais de R$ 11 milhões ao Google, entre maio de 2019 e julho de 2020, para que o gigante da internet distribua anúncios do governo de extrema direita pela internet. Parte considerável desse dinheiro (até 68%, segundo o próprio Google) foi parar no bolso dos editores dos sites que veiculavam fake news.

A enorme manipulação da opinião pública disseminada por 7 anos seguidos gerou um esgoto informacional que quebrou parte dos limites morais que definia a identidade pública dos brasileiros.

Tenho para mim que o impacto desta quebra de limites morais foi tão significativo que atingiu a leitura dos segmentos democráticos organizados em partidos políticos. A convicção sobre a aliança necessária para se vencer o extremismo fascista no Brasil criou uma chancela para construção de uma amálgama estranho, desequilibrado, quase amorfo.

E é este cenário que liberou as maldades na Câmara dos Deputados. Não se trata de um parlamento majoritariamente conservador. O pensamento conservador, a começar pelos princípios do seu grande formulador, Edmund Burke, nunca rompeu com princípios morais básicos, de defesa da infância, por exemplo. O que temos no parlamento brasileiro não é conservadorismo, mas escárnio. Uma ambição política tão desmedida que não teme dizer seu nome em canais de TV à cabo, declarando que vão impor o fim do aborto “custe o que custar”, incluindo o futuro de crianças abusadas, o que criará um ciclo sem fim de sofrimento e segregação social.

Não há como respirar ar puro num país que não consegue conter mais a maldade dos fundamentalistas que colocam seu poder e ideário acima da vida e da humanidade. Não há como alimentar esperança num país em que fundamentalistas zombam de quem consideram que vivem à sua mercê.

No Império Mongol não havia o conceito de sociedade civil. Os mongóis eram caçadores e exploravam rebanhos, passando a maior parte da sua vida na sela de seus pôneis das estepes. Aprendiam a cavalgar e usar armas ainda com pouca idade. Autores, como o consagrado Reinhard Bendix, sugerem que as sociedades que foram dominadas pelo Império Mongol não conseguem, ainda hoje, consolidar uma democracia porque vivem sob o manto da violência e imposição das elites nacionais.

Não temos na nossa história qualquer vínculo com o Império Mongol. Porém, o fundamentalismo desumano que toma conta da Câmara dos Deputados procura, de todas as formas, negar os princípios da sociedade civil e sufoca o futuro de muitas crianças brasileiras. Um basta seria pouco para este tipo de ataque à democracia e humanidade em nosso país. É preciso algo grandioso para restabelecermos as bases da nossa Janela de Overton.

IHU-UNISINOS

https://www.ihu.unisinos.br/640371-a-perversidade-tomou-conta-do-brasil-artigo-de-ruda-ricci

O governo Lula está à mercê da direita. Entrevista especial com Rudá Ricci

TST nega adicional de insalubridade em grau máximo a motorista

COLETA DE LIXO

Motoristas de caminhão de coleta de lixo só têm direito a adicional de insalubridade em grau máximo se a perícia constatar que a atividade o deixa exposto a resíduos nocivos à saúde.

Motorista de caminhão de lixo alegou que estava exposto a risco de contaminação

Com esse entendimento, a 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalhonegou o pagamento de adicional de insalubridade em grau máximo a um motorista de caminhão de coleta de lixo urbano da Companhia de Desenvolvimento de Caxias do Sul (Codeca), no Rio Grande do Sul.

Empregado da Codeca desde 2010, o motorista disse que recebia o adicional de insalubridade em grau mínimo (10%), mas alegava ter direito ao grau máximo (40%), por estar exposto de forma não eventual a agentes biológicos nocivos à saúde.

Segundo ele, havia risco de contaminação quando os coletores subiam na cabine do caminhão “impregnados de resíduos” e quando entrava no aterro sanitário para descarregar o lixo.

O pedido foi julgado improcedente pelo juízo de primeiro grau, com base em laudo pericial, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) mudou a sentença. Para o TRT, embora o motorista não manuseasse diretamente o lixo, a atividade o expunha aos agentes biológicos.

Laudo afastou grau máximo

O relator do recurso de revista da Codeca, ministro Amaury Rodrigues, destacou que, conforme o Anexo 14 da Norma Regulamentadora (NR) 15, a insalubridade em grau máximo está configurada no caso de contato permanente com lixo urbano (coleta e industrialização). Contudo, o laudo pericial atestou que o motorista não realizava nenhuma atividade prevista na norma.

Ainda de acordo com o relator, a jurisprudência do TST tem entendimento de que o motorista de caminhão de lixo só tem direito ao adicional de insalubridade se for constatado pela perícia o trabalho em atividade insalubre, pois a atividade não está prevista na NR 15. A decisão foi unânime. Com informações da assessoria do TST.

Clique aqui para ler a decisão
RR-20644-76.2020.5.04.0405

CONJUR

https://www.conjur.com.br/2024-jun-17/tst-nega-adicional-de-insalubridade-em-grau-maximo-a-motorista/

O governo Lula está à mercê da direita. Entrevista especial com Rudá Ricci

Afastamento do trabalho por síndrome do pânico: Quando pode acontecer

Suzana Poletto Maluf

Síndrome do pânico: Transtorno ansioso com ataques recorrentes, afetando vida diária e trabalho. Direitos do segurado explicados.

Quem sofre síndrome do pânico pode trabalhar?

A capacidade de trabalhar de uma pessoa que sofre com a síndrome do pânico pode variar de acordo com a gravidade dos sintomas e o impacto que eles têm na vida diária.

Algumas pessoas conseguem manter uma rotina de trabalho normal, desde que recebam o tratamento adequado e tenham o suporte necessário. No entanto, em casos mais graves, o

afastamento do trabalho pode ser necessário.

Pedir o afastamento do trabalho por síndrome do pânico é possível?

O afastamento do trabalho por síndrome do pânico pode acontecer quando os sintomas se tornam tão intensos e frequentes que interferem significativamente na capacidade da pessoa de desempenhar suas funções profissionais.

Além disso, se a pessoa estiver enfrentando dificuldades para lidar com o estresse no ambiente de trabalho ou se sentir sobrecarregada, o afastamento temporário pode ser uma opção viável para garantir a saúde mental e o bem-estar do indivíduo.

É importante ressaltar que o afastamento do trabalho por síndrome do pânico não é uma solução definitiva, mas sim uma medida temporária para permitir que a pessoa se recupere e retorne às suas atividades profissionais de forma saudável.

Durante esse período, é fundamental que o indivíduo siga o tratamento recomendado pelo médico, que pode incluir terapia cognitivo-comportamental, medicamentos e técnicas de relaxamento.

Além disso, é essencial que a pessoa tenha o apoio da família, amigos e colegas de trabalho durante esse período de afastamento. O suporte emocional e a compreensão dos outros podem fazer toda a diferença na recuperação e no retorno ao trabalho.

É importante também que a empresa esteja ciente da situação e ofereça um ambiente de trabalho acolhedor e flexível, que possibilite a reintegração gradual do funcionário.

Quais os direitos do segurado do INSS em casos de síndrome do pânico

O segurado do INSS possui alguns direitos com relação ao desenvolvimento de doenças. Por isso, o trabalhador que contribui também pode receber alguns benefícios para garantir respaldo durante o afastamento para tratar a doença. Confira a seguir quais são esses direitos.

Auxílio-doença

Quando um trabalhador é diagnosticado com síndrome do pânico e precisa se afastar do trabalho, ele tem direito a receber o auxílio-doença pelo INSS.

O auxílio-doença é um benefício pago aos segurados que estão temporariamente incapacitados para o trabalho devido a uma doença ou acidente. Para ter direito ao benefício, é necessário que o segurado tenha contribuído para o INSS por um período mínimo de 12 meses.

Caso seja comprovado que a síndrome do pânico tenha sido desenvolvida por conta do trabalho, o segurado também pode ter direito à estabilidade no emprego.

De acordo com a lei, se o trabalhador desenvolver uma doença ocupacional ou acidente de trabalho, ele tem estabilidade de 12 meses no emprego após o retorno do tratamento. Essa estabilidade é uma forma de proteger o trabalhador e garantir que ele não seja prejudicado por estar doente.

Aposentadoria por invalidez

A aposentadoria por invalidez é um benefício concedido pelo INSS para pessoas que estão incapacitadas de forma permanente para o trabalho.

Isso quer dizer que, o trabalhador se encontra incapacitado para exercer qualquer tipo de atividade, independente se tem ligação ou não com a sua atual profissão.

Para que uma pessoa com síndrome do pânico possa se enquadrar nessa categoria, é necessário comprovar que a condição é grave o suficiente para impedir o desempenho de qualquer atividade laboral.

É importante ressaltar que cada caso é avaliado individualmente pelo INSS, levando em consideração diversos fatores, como a gravidade dos sintomas, a frequência dos ataques de pânico e o impacto na vida diária do indivíduo.

Além disso, é necessário apresentar laudos médicos e relatórios que comprovem a incapacidade para o trabalho.

Também é importante destacar que nem todos os casos de síndrome do pânico levam à aposentadoria por invalidez. Muitas pessoas conseguem controlar seus sintomas com o tratamento adequado. O objetivo do tratamento é ajudar o indivíduo a lidar com os sintomas e retomar suas atividades diárias, incluindo o trabalho.

Como funciona a perícia do INSS para comprovar síndrome do pânico

Quando um indivíduo precisa se afastar do trabalho devido à síndrome do pânico, é necessário passar por uma perícia médica do INSS para comprovar a condição.

Durante essa perícia, o médico avaliará os sintomas apresentados pelo paciente, bem como o impacto que a síndrome do pânico está causando em sua capacidade de realizar suas atividades laborais.

É importante ressaltar que a perícia do INSS é realizada por médicos especializados em avaliar a capacidade laboral dos segurados. Portanto, é fundamental que o paciente esteja preparado para descrever de forma clara e objetiva os sintomas que está enfrentando, bem como o impacto que esses sintomas têm em sua rotina de trabalho.

Além disso, é importante que o paciente tenha em mãos todos os documentos médicos que comprovem o diagnóstico de síndrome do pânico, como laudos, exames e relatórios médicos.

Esses documentos são fundamentais para embasar o pedido de afastamento do trabalho e garantir que o paciente receba os benefícios previdenciários aos quais tem direito.

É importante ressaltar que cada caso é único e que o afastamento do trabalho por síndrome do pânico pode variar de acordo com a gravidade dos sintomas e a recomendação médica.

Caso você tenha passado pela perícia médica, mas recebeu uma negativa do pedido de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, é possível reverter a situação.

Suzana Poletto Maluf
Especialista em direito previdenciário, benefícios sociais e aposentadorias. @malufsuzana

Migalhas: https://www.migalhas.com.br/depeso/409383/afastamento-do-trabalho-por-sindrome-do-panico-quando-pode-acontecer

O governo Lula está à mercê da direita. Entrevista especial com Rudá Ricci

TST: Afastamento por doença não laboral isenta Dell de depositar FGTS

Trabalhista

Segundo o colegiado, depósito do FGTS é obrigatório apenas nos casos de afastamento por doença relacionada ao trabalho.

Da Redação

Por unanimidade, a 1ª turma do TST decidiu isentar a empresa Dell Computadores do Brasil Ltda. do depósito do FGTS de uma representante de vendas que ficou afastada por doença não relacionada ao trabalho.

No caso, a empregada recebeu, em 2014 e 2015, auxílio-doença do INSS em decorrência de um cisto no punho direito. Posteriormente, ela obteve a manutenção do benefício na Justiça comum, até sua total recuperação e reabilitação profissional.

A Dell suspendeu os depósitos do FGTS durante o afastamento da funcionária, o que motivou ação trabalhista por parte da representante de vendas.

A empresa argumentou que, apesar da concessão do auxílio-doença na Justiça comum, a Justiça trabalhista, em ação ajuizada em 2018 pela empregada, havia afastado a relação entre o problema de saúde e o trabalho e julgado improcedente o pedido de indenização por dano moral. Segundo a Dell, a decisão, já definitiva, baseou-se em laudo pericial que atestava uma degeneração no tecido conjuntivo como causa da doença.

Em 1ª instância, o pedido de depósito do FGTS da trabalhadora foi rejeitado, mas o TRT da 4ª região entendeu que a Dell tinha de respeitar a determinação do INSS que concedeu o benefício previdenciário, independentemente da decisão da Justiça do Trabalho.

Nexo causal

No TST, o relator do recurso de revista da empresa, ministro Amaury Rodrigues, esclareceu que, conforme a lei do FGTS, o empregador só é obrigado a efetuar os depósitos nos casos de afastamento por acidente de trabalho.

Nesse sentido, o colegiado consolidou o entendimento de que, quando não há reconhecimento judicial do nexo causal entre a doença e as atividades laborais, não há obrigação de recolhimento do FGTS no período de afastamento por licença acidentária concedida pelo INSS.

Com base nesses argumentos, a 1ª turma do TST concedeu decisão favorável à empresa Dell Computadores do Brasil Ltda., afastando a necessidade de depósito do FGTS durante o período de afastamento da representante de vendas.

Processo: 20987-42.2020.5.04.0221

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O governo Lula está à mercê da direita. Entrevista especial com Rudá Ricci

Mulher que engravidou 2 dias antes do fim do contrato temporário terá estabilidade

Trabalhista

Colegiado reconheceu direito de trabalhadora à estabilidade gestante, mesmo após rescisão do contrato.

Da Redação

A 2ª turma do TRT da 24ª região decidiu, por unanimidade, manter a decisão que reconheceu o direito de uma trabalhadora à estabilidade gestante. A sentença mantida garantiu à gestante a estabilidade provisória no emprego e determinou o pagamento de indenização correspondente às parcelas contratuais do período, como se em exercício estivesse, da data da rescisão até cinco meses após o parto, incluindo salário, décimo terceiro, férias e FGTS.

A reclamante foi admitida em 21 de novembro de 2022 para exercer a função de auxiliar de produção em uma empresa na cidade de Bataguassu e foi dispensada em 19 de janeiro de 2023, devido ao término do contrato de trabalho por prazo determinado. Contudo, conforme a sentença, a trabalhadora realizou exame de ultrassonografia no dia 6 de março de 2023, constatando que estava grávida há seis semanas, com início da gravidez em 17 de janeiro de 2023, dias antes do encerramento do contrato de trabalho.

A empresa argumentou que o exame médico não atesta que a gestação aconteceu durante o contrato de trabalho, que a trabalhadora não entrou em contato após a descoberta da gravidez, e que a estabilidade provisória no emprego não se aplica a contratos por prazo determinado.

Segundo o relator do processo, desembargador César Palumbo Fernandes, a trabalhadora tem direito à estabilidade mesmo que o estado gravídico tenha sido comunicado ao empregador após a rescisão. “Para que a empregada gestante faça jus à garantia provisória no emprego, basta que a gravidez estivesse presente na data da dispensa. A comprovação da gravidez da autora na vigência do contrato de experiência, portanto, assegura-lhe o direito à estabilidade do art. 10, II, b, do ADCT como expressa a Súmula TST n. 244, III”, afirmou o magistrado em seu voto.

A decisão reafirma o direito à estabilidade gestante, independentemente da modalidade do contrato de trabalho, garantindo proteção às trabalhadoras desde o início da gravidez até cinco meses após o parto. A empresa foi condenada a pagar a indenização correspondente às parcelas contratuais do período, conforme determinado na sentença de 1º grau.

Processo: 0024349-76.2023.5.24.0096

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