NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

PF tem dados “convincentes” de algo muito ruim, diz Gilmar sobre Bolsonaro

PF tem dados “convincentes” de algo muito ruim, diz Gilmar sobre Bolsonaro

Com o avanço dos inquéritos envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirma que os dados coletados pela Polícia Federal são “convincentes”. Segundo ele, as investigações já conseguiram reunir provas.

“Se tratando das investigações gerais [envolvendo Bolsonaro], raramente a gente teve avanços tão significativos. Saímos de especulações para provas”, disse o ministro. “Fico admirado com os dados que a Polícia Federal conseguiu obter, que são de fato muito convincentes de que algo muito ruim estava em marcha”.

Entre os temas que para Gilmar Mendes já haveria provas está o da reunião com ministros do então governo que faz parte das investigações sobre uma tentativa de golpe de Estado por parte de Bolsonaro. O ministro lembrou, no entanto, que ainda é necessário seguir o rito da Justiça, dando o direito de plena defesa ao ex-presidente.

“Vamos aguardar, tudo está andando dentro dos marcos da normalidade. E a Justiça tem o seu tempo”, disse Gilmar Mendes a ser questionado por jornalistas na saída do evento da Esfera Brasil nesta terça-feira (19), em Brasília.

Jair Bolsonaro e outras 16 pessoas foram indiciadas pela PF por fraude em cartão de vacinação para covid-19. Em janeiro, a Controladoria-Geral da União (CGU) divulgou que o registro de vacina de Bolsonaro contra a covid-19 é falso. A Procuradoria-Geral da União (PGR) ainda deve definir se apresenta denúncia contra Bolsonaro e os outros indiciados.

Registros de vacinação no Rio de Janeiro levaram à prisão do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid. Durante sua detenção, Cid assinou um acordo de delação premiada.

Em seu perfil na rede social X, antigo Twitter, o advogado de Bolsonaro Fabio Wajngarten criticou a divulgação do indiciamento.

“Vazamentos continuam aos montes, ou melhor aos litros. É lamentável quando a autoridade usa a imprensa para comunicar ato formal que logicamente deveria ter revestimento técnico e procedimental ao invés de midiático e parcial”, escreveu.

AUTORIA

Gabriella Soares

GABRIELLA SOARES Jornalista formada pela Unesp, com experiência na cobertura de política e economia desde 2019. Já passou pelas áreas de edição e reportagem. Trabalhou no Poder360 e foi trainee da Folha de S.Paulo.

CONGRESSO EM FOCO
PF tem dados “convincentes” de algo muito ruim, diz Gilmar sobre Bolsonaro

Aumenta ocupação de pessoas com ensino superior, segundo Dieese

Segundo o Dieese, o “fenômeno do aumento da escolarização no Brasil, principalmente no ensino superior, ocorre já há vários anos, com ampliação das universidades públicas e de programas federais de acesso e financiamento às universidades privadas, principalmente a partir do início dos anos 2000.”

A escolaridade maior e até superior garante ocupação, mas não melhores empregos, revela ainda o estudo do Dieese.

Percebe-se, porém, que “cotidianamente a dificuldade de as pessoas com diploma de nível superior em conseguir algum trabalho compatível com essa escolaridade.”

Isso, “devido aos problemas estruturais da economia brasileira, que apresenta crises recorrentes e baixo crescimento, especialmente nos últimos anos.”

O Boletim do Dieese, “busca contribuir para a discussão sobre a dificuldade que o trabalhador brasileiro encontra para conseguir ocupação adequada, mesmo com a elevação do nível de instrução” escolar.

Estes dados estão no Boletim Emprego em Pauta, de novembro de 2023:

• número de ocupados com ensino superior completo cresceu 15%, entre 2019 e 2022;

• contudo, o crescimento foi maior em ocupações não condizentes com essa escolaridade;

• percentual de pessoas com nível superior trabalhando como balconista ou vendedor de loja aumentou 22%. Também cresceu 45%, o número de pessoas com nível superior completo trabalhando como profissionais de nível médio de enfermagem; e

• entre as pessoas de baixa renda com nível superior, 61% estavam em ocupações não condizentes com essa escolaridade, enquanto entre os mais ricos, 71% estavam em posições compatíveis como esse nível.

Precarização das relações de trabalho
Até 2018, segundo estudo feito pelo pesquisador Sergio Firpo, professor do Insper — instituição de ensino superior e pesquisa —, trabalhador com diploma podia ganhar até 5,7 vezes mais do que profissionais com outros níveis de escolaridade.

Essa diferença salarial era também consequência dos efeitos provocados pela crise econômica brasileira.

Os números que deram suporte ao estudo foram extraídos da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) e tiveram como base o rendimento mensal habitual do trabalho principal de brasileiros com mais de 14 anos.

Na época da pesquisa, trabalhador que concluíra a faculdade recebia, em média, R$ 4 mil, enquanto trabalhador com até 1 ano de estudo ganhava, em média, R$ 850. A diferença entre ambos os rendimentos foi de 471% — maior do que em 2017, quando a diferença era de 443%.

Segundo afirmações de Sergio Firpo há piora nesse quadro, embora seja lenta. O especialista salientou que é importante lembrar que esse diferencial já foi maior, sobretudo nos 90 e no início dos anos 2000. Em 2012, esses números também eram negativos. Os mais escolarizados ganhavam em média quase 500% a mais que os que tinha até 1 ano de estudo.

DIAP

https://diap.org.br/index.php/noticias/noticias/91725-aumenta-ocupacao-de-pessoas-com-ensino-superior-segundo-dieese

PF tem dados “convincentes” de algo muito ruim, diz Gilmar sobre Bolsonaro

Subsídios para pauta sindical de igualdade salarial entre m/h

As centrais sindicais, na Pauta da Classe Trabalhadora 2023/2026, documento no qual propõem diretrizes para o desenvolvimento do Brasil, apresentam a demanda para “promover o princípio do trabalho igual, salário igual”, o que está consignado na Convenção 100, da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Cemente Ganz Lúcio*

clemente ganz lucio Dieese

O Congresso Nacional aprovou projeto encaminhado e sancionado pelo presidente Lula, a Lei 14.611/23, que dispõe sobre a igualdade salarial e critérios remuneratórios entre mulheres e homens para a realização de trabalho igual ou no exercício da mesma função.

Trata-se de ótima iniciativa, porque a experiência internacional indica que essa desigualdade diminui quando há legislação nacional que enfrenta o problema. Agora, o Brasil se conecta com as melhores práticas internacionais nesse âmbito, abrindo caminho para avanços, inclusive na pauta sindical e nas negociações coletivas.

Em 2020 a CES — Confederação Europeia de Sindicatos — apontou que a diferença salarial de gênero na União Europeia somente seria eliminada, mantendo o ritmo de então, no próximo século. Naquele ano os dados do EU (Eurostat), indicavam que a brecha salarial havia fechado 1% em 8 anos.

Nesse ritmo, as mulheres deveriam esperar mais 84 anos para alcançar a igualdade salarial na União Europeia. A CES demandava que as instâncias de governança da EU adotassem legislação que enfrentasse o problema desse tipo de desigualdade. Em meados de 2023, a União Europeia também aprovou a diretiva de transparência salarial para todos os países da região.

Há estudo muito interessante produzido pela organização Equileap — Data for Equality, “Gerder Equality Report & Ranking 2024” —, que avalia a desigualdade de gênero em 4 mil empresas em países desenvolvidos.

Para fazer essa pesquisa comparativa o Equile apelaborou o “Equileap Gender Equality Scorecard”, conjunto de critérios e de indicadores que buscam materializar métricas comparativas e que estão baseados nos Princípios de Empoderamento das Mulheres das Nações Unidas. Esses critérios formam conteúdo inspirador para a elaboração de pautas sindicais focadas na igualdade dentre mulheres e homens no mundo do trabalho. São 5 blocos de diretrizes, a seguir apresentadas:

Bloco 1: Equilíbrio de gênero nos cargos de liderança e na força de trabalho:

• Conselho de Administração: equilíbrio de gênero no conselho de administração e demais conselhos (p.ex. fiscal).

• Executivos: equilíbrio de gênero nos cargos de diretoria executiva.

• Alta administração: equilíbrio de gênero na alta administração.

• Força de trabalho: equilíbrio de gênero na participação de mulheres e homens na força de trabalho da empresa.

• Promoção, oportunidades e desenvolvimento de carreiras: equilíbrio de gênero em toda a estrutura de gestão da empresa.

Bloco 2: Salário igual e equilíbrio entre vida e trabalho:

• Salário digno: compromisso de pagar salário digno a todos.

• Disparidade salarial entre homens e mulheres: transparência nos dados salariais entre homens e mulheres; estratégias para eliminar as disparidades; mensuração do desempenho para alcançar os objetivos.

• Licença parental: programas de licença remunerada para os cuidados das crianças, para cuidadores primários e secundários e políticas de igualdade nesse direito.

• Opções flexíveis de trabalho: opção de controlar e/ou variar os horários de início e término da jornada de trabalho, e/ou variar o local de trabalho.

Bloco 3: Promoção de políticas de igualdade de gênero:

• Formação de carreira e desenvolvimento: igualdade no acesso à formação e ao desenvolvimento de carreira.

• Estratégia de recrutamento: não haver discriminação de qualquer tipo.

• Violência, abuso e assédio sexual: proibição de todas as formas de violência no local de trabalho, incluindo assédio verbal, físico e sexual.

• Segurança no Trabalho: segurança no local de trabalho, nos deslocamentos de e para o local de trabalho e em negócios relacionados à empresa, bem como dos fornecedores e terceirizados no local de trabalho.

• Direitos humanos: proteção aos direitos humanos, inclusive aos direitos de participar de assuntos jurídicos, cívicos e políticos.

• Cadeia de abastecimento: compromisso de reduzir riscos na cadeia de abastecimento/produtiva (trabalho análogo ao escravo, trabalho infantil, exploração sexual).

• Diversidade de fornecedores: garantia de diversidade na cadeia de abastecimento, inclusive no apoio às empresas pertencentes à mulheres na cadeia de fornecedores.

• Proteção dos funcionários: sistemas e políticas para relatar reclamações internas de conformidade ética, com confidencialidade e segurança.

Bloco 4: Compromisso, Transparência e Responsabilidade:

• Compromisso com empoderamento das mulheres, segundo as diretrizes da ONU Mulheres.

• Auditoria: manter ou participar de sistemas de auditoria das políticas e práticas de igualdade de gênero.

Essas diretrizes formam bom roteiro para a elaboração das pautas sindicais a serem apresentadas nas negociações coletivas. Da mesma forma, permitem desenvolver o trabalho de formação sindical para preparar, em especial as mulheres, para promover essa agenda no meio sindical, nas relações de trabalho, nas negociações coletivas, nas empresas e nas organizações.

(*) Coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, membro do Cdess (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável) da Presidência da República, membro do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, consultor e ex-diretor técnico do Dieese (2004-2020).

DIAP

https://diap.org.br/index.php/noticias/artigos/91728-subsidios-para-pauta-sindical-de-igualdade-salarial-entre-m-h

PF tem dados “convincentes” de algo muito ruim, diz Gilmar sobre Bolsonaro

O PL do negacionismo trabalhista

O PL proposto pelo governo federal – com seu contexto específico – consegue ser ainda pior do que a contrarreforma de 2017. Na verdade, trata-se do pior momento da história dos direitos trabalhistas no Brasil.

Valdete Souto Severo e Jorge Luiz Souto Maior

Fonte: Blog da Boitempo
Data original da publicação: 08/03/2024

“Vamos celebrar a estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja de assassinos
Covardes, estupradores e ladrões
Vamos celebrar a estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso Estado, que não é nação”

Perfeição, Legião Urbana

OPL proposto pelo governo federal – com seu contexto específico – consegue ser ainda pior do que a contrarreforma de 2017. É assim que precisamos compreender a proposta de regulação da atividade de motoristas contratados por empresas que operam seu negócio por intermédio de plataformas digitais. Na verdade, trata-se do pior momento da história dos direitos trabalhistas no Brasil.

O evento festivo da assinatura do PL, então, foi um show de horrores, forjado a partir de alegorias artificialmente propostas para criar uma realidade paralela. Aliás, bem ao estilo do dito “trabalho virtual”. Uma explicitação de autêntico negacionismo, vindo daqueles que, justamente, se apresentaram como um contraponto ao processo de bestialização vivenciado de 2018 a 2022.

Desde o início do ano passado, com presença ativa do governo, vinham sendo feitas discussões entre representações dos motoristas e das empresas que exploram sua força de trabalho. A proposta das empresas, desde o início, era a regulação precarizante: chamar de autônomos seus empregados; permitir que estes trabalhassem em limite (inconstitucional, é bom frisar) de 12h diárias; e que se mantivesse um sistema de controle das atividades dos motoristas, com permissivos punitivos, inclusive. E qual o teor do texto do PL apresentado ontem, com pompa e circunstância pelo governo? Exatamente o que as empresas propuseram desde o início.

O texto não reflete, portanto, diálogo e estudos para enfrentamento de uma questão que seria promovida pela inserção da nova tecnologia no mundo do trabalho. Considerando os dados concretos, refletidos no histórico e no resultado final do PL, trata-se, isto sim, de mera capitulação!

Em sentido diametralmente oposto ao que vem sendo realizado, em termos de regulação deste tipo de trabalho, o PL, no entanto, foi apresentado como a melhor proposta possível…Mas isto, evidentemente, apenas para os tomadores do trabalho!

O governo trabalhista capitula, cai de joelhos, e defende, explicitamente, os ideais dos patrões, ou, mais precisamente, do capital estrangeiro, em seu propósito de auferir grandes taxas de lucro por meio da exploração de um trabalho sem proteção social e poder de reivindicação. A leitura do texto causa indignação e revolta.

Foi a tarde da consagração da maior derrota da classe trabalhadora brasileira, mesmo que o PL, caso sejamos tomados por uma hecatombe, não seja aprovado no Congresso Nacional. Neste aspecto, a fala do Presidente da República é plenamente verdadeira. O evento foi histórico. Ele e seu governo entrarão para a história como os agentes que apresentaram e defenderam, de forma convicta, uma lei com potencial para destruir completamente o aparato jurídico de proteção dos trabalhadores e das trabalhadoras, ao qual se denomina Direito do Trabalho. Parece exagero? Pois bem, vamos lá.

A base das decisões que vêm sendo proferidas nas reclamações constitucionais propostas por essas mesmas empresas é a de que não são elas que se relacionam com os motoristas e sim o aplicativo; ou uma modalidade de contratação por meio de plataforma digital. Assim, por este passe de mágica, elas não se integrariam à figura do empregador. E o art. 3º do PL acolhe exatamente essa fantasia, dizendo que o motorista, “para fins trabalhistas”, ostenta a condição jurídica de um “trabalhador autônomo por plataforma”.

E não só.

Ao tratar desse trabalho como autônomo, o governo acaba de algum modo fazendo coro ao discurso de que tais relações devem ser submetidas à justiça comum. Contribui, portanto, para o movimento de esvaziamento da competência material da Justiça do Trabalho.

O PL já inicia referindo tratar de relação de trabalho “intermediada” por “empresas operadoras de aplicativos de transporte”. Mas não há intermediação. Ora, a empresa: admite, pois aceita ou não o cadastro de quem se candidata ao trabalho; assalaria, estabelecendo, inclusive, o valor do trabalho; e dirige a atividade, pois fixa o modo como o trabalho será prestado.  Além disso, assume os riscos do empreendimento, pois é a empresa que contratamos, quando precisamos do transporte de coisas ou de pessoas.

Há referência, também no art. 3º, à “plena liberdade para decidir sobre dias, horários e períodos em que se conectará ao aplicativo”. No entanto, essa condição já existe em outras relações de trabalho e não guarda relação alguma com autonomia ou subordinação. É a mesma condição de quem realiza teletrabalho, por exemplo. A suposta liberdade não altera os moldes da exploração. É apenas o reconhecimento de uma característica desse vínculo específico e que, na prática, nem se realiza. E o mais importante: não constitui reconhecimento de direito algum, pois essa possibilidade de trabalhar em horários variáveis é condicionada (com ou sem a aprovação dessa lei) às tarifas praticadas pela empresa, à quantidade de motoristas atuando na mesma região, às características do lugar em que o trabalho está sendo realizado. Então, sequer essa condição é efetivamente expressão da liberdade de quem está vendendo sua força de trabalho.

A ausência de exclusividade também não é direito reconhecido por essa legislação. Em lugar algum na legislação trabalhista existe tal exigência para a formação de um vínculo de emprego. Do mesmo modo, a possibilidade de representação sindical é direito de todas as pessoas que vivem do trabalho, sendo desnecessária lei que a refira.

O §2º do artigo 3º impressiona. Refere que o “período máximo de conexão do trabalhador a uma mesma plataforma não poderá ultrapassar doze horas diárias”. 12 horas! 12 horas, todos os dias! Isso, apesar da Convenção 01 da OIT, de 1919, fixar o máximo de 8 horas de trabalho por dia. Apesar de o Art. 7º da Constituição fixar como direito “dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social” “XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias”. Um retrocesso inaceitável.

Ainda que estivéssemos diante de um contrato formulado a partir dos parâmetros do direito, não teríamos como sustentar a possibilidade de uma lei que contraria o limite máximo estabelecido por um dispositivo constitucional e que, nitidamente, fere direitos fundamentais. Não há como sustentar, juridicamente, a existência de um grupo de pessoas para as quais os direitos fundamentais e a Constituição não tenham validade.

O art. 5º é igualmente assustador. Estabelece a possibilidade de que as empresas operadoras de aplicativos adotem “normas e medidas para manter a qualidade dos serviços prestados por intermédio da plataforma, inclusive suspensões, bloqueios e exclusões”. Punição, no melhor estilo do que a linguagem, à época do capitalismo industrial, chamava de “gancho”. Algo que sequer a CLT prevê: a possibilidade de punir quem depende do trabalho para sobreviver. Nada pode representar melhor o quanto as relações de trabalho no Brasil seguem atravessadas por uma racionalidade escravista, que não vê limite à lógica da exploração e da precarização do trabalho.

Criaram a figura do trabalhador autônomo com direito de ser punido por aquele que não é seu patrão e que diz que não é seu patrão porque o trabalhador é livre!!! Dá até para entender a comemoração: precisa ter muita criatividade e inventividade para se chegar a uma tal formulação; ou muito cinismo!

A questão é que agora a proposta de precarização vem assinada por um ex-líder sindical, operário, cuja carreira política sustentou-se em seu compromisso com a classe trabalhadora.

O projeto estabelece, ainda, o direito da tomadora do trabalho de utilizar “sistemas de acompanhamento em tempo real da execução dos serviços e dos trajetos realizados”, ou seja, controle da jornada, e “sistemas de avaliação de trabalhadores e de usuários”, ou seja, metas para a extração de mais-valia. Ainda, podem oferecer “cursos ou treinamentos”, em óbvio direcionamento da atividade. Tudo, sem que se “configure relação de emprego nos termos do disposto na Consolidação das Leis do Trabalho”. Parece deboche.

Aliás, o art. 6º dispõe que a empresa poderá excluir unilateralmente o trabalhador da plataforma nas “hipóteses de fraudes, abusos ou mau uso da plataforma, garantido o direito de defesa”. Daí a comparação com a contrarreforma de 2017. Estamos diante de uma proposta de lei empresarial.

Mas dirão aqueles que seguem defendendo cegamente a postura adotada pelo governo: há garantia de remuneração mínima pelas horas trabalhadas. Ora, também aí não houve avanço, pois o reconhecimento de que se trata de um típico vínculo de emprego seria suficiente para que um salário mínimo fosse garantido. A regra, na realidade, tem também uma finalidade precarizante, pois se refere ao ressarcimento das despesas que o trabalhador suporta, a serem devidas “nos termos do regulamento”, incluídas no valor-hora. Ou seja, concretamente não haverá ressarcimento de despesas.

E submetidas as partes ao processo negocial livre, determinado pela lei de mercado, ou seja, da oferta e da procura, a tendência é que os ganhos tendam a um rebaixamento constante, ainda que um valor nominal esteja garantido, pois poder de compra não tem correlação exata com este valor.

Enfim, o que se tem é o projeto de uma lei para um trabalho sem direitos. Uma lei que garante às multinacionais que exploram trabalho de transporte por meio de plataformas digitais, a possibilidade de seguirem atuando à revelia da legislação trabalhista e do pacto constitucional de solidariedade. Uma lei que fere a regra da jornada máxima prevista na Constituição. Uma lei que autoriza punição entre particulares que se relacionam a partir dos parâmetros jurídicos da igualdade e da liberdade. Um festival de retrocessos.

Se estivéssemos no governo anterior, certamente setores da esquerda e entidades do mundo do trabalho, incluindo o próprio Presidente e seu partido político, já teriam apelidado a proposta de “PL da morte dos trabalhadores e das trabalhadoras”.

Mas não foi o governo golpista, nem foi aquele que debochou das pessoas mortas por asfixia, durante a pandemia, que acabaram desferindo este ataque à classe trabalhadora. A ferida está sendo provocada por um ato de violência vindo do governo trabalhista e fará sangrar os trabalhadores e as trabalhadoras, ainda mais do que vêm sangrando na realidade brasileira (e não é de hoje); fará sofrer quem depende do trabalho para sobreviver.

Talvez por tudo isso esteja doendo tanto.

Valdete Souto Severo é professora da Faculdade de Direito da UFRGS.
Jorge Luiz Souto Maior é professor da Faculdade de Direito da USP.

DMT: https://www.dmtemdebate.com.br/o-pl-do-negacionismo-trabalhista/

PF tem dados “convincentes” de algo muito ruim, diz Gilmar sobre Bolsonaro

PLC dos aplicativos: ao excluir a CLT, os riscos de sua generalização

O texto proposto pelo governo federal enquadra os motoristas como trabalhadores autônomos, sem vínculo pela CLT.

Anísio Garcez Homem e Claudio Ribeiro

Fonte: Brasil de Fato
Data original da publicação: 09/03/2024

Nesta semana, teve destaque o anúncio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sobre o Projeto de Lei Complementar (PLC) que trata da vida profissional dos motoristas de aplicativos. A proposta foi enviada ao Congresso Nacional e estabelece uma “nova forma de relação de trabalho intermediado por empresas que operam aplicativos de transporte remunerado privado individual de passageiros em veículos de quatro rodas”.

Ou seja, ele abrange os quase 800 mil motoristas que prestam serviços via aplicativos hoje no Brasil hoje. Durante a cerimônia oficial de apresentação do PLC, Lula declarou: “os trabalhadores vão prestar serviço, vão ser respeitados por isso…”.

Segundo o governo, o projeto é o resultado de um Grupo de Trabalho Tripartite com representantes dos trabalhadores, empresas de plataforma e governo, instituído em 1º de maio de 2023. Cada segmento teve direito a 15 indicações, o que permitia prever que, se governo e trabalhadores jogassem juntos, por meio dos seus 30 representantes, o resultado seria uma proposta pendendo significativamente para o lado dos trabalhadores. Foi isso que aconteceu?

Há duas formas de julgar o significado real deste PLC para os motoristas de aplicativos.

A primeira delas é a de achar que não havia nenhuma regulamentação profissional destes trabalhadores e agora vai passar a existir. A questão é: o que vai passar a existir é bom para os trabalhadores ou apenas dá segurança jurídica, legaliza, o que as empresas de aplicativos já vêm fazendo? Não é novidade para ninguém que, no mundo todo, há uma enorme pressão social contra a situação insustentável de ilegal “superexploração” praticada por essas grandes empresas multinacionais.

A segunda maneira de julgamento é tomar como ponto de partida o que reivindicavam os representantes dos trabalhadores no Grupo Tripartite.

De acordo com Nota Técnica do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) de 5 de março último, indicada no site da CUT, as reivindicações dos trabalhadores eram as seguintes:

1. Regulação tributária e trabalhista conforme setor de atividade ao qual a empresa está vinculada, ou seja, não se trata de empresa de tecnologia, mas de uma empresa que faz uso de uma tecnologia específica para organizar o seu negócio.

2. Prevalência dos acordos e convenções coletivas, bem como das regulações próprias, leis municipais e estaduais, que estabeleçam condições mais vantajosas ao(à) trabalhador(a).

3. Direitos sindicais garantidos conforme previsto nos artigos 8º e 9º da Constituição Federal de 1988 e dos demais dispositivos regulatórios, particularmente, os previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), cabendo aos sindicatos laborais ter acesso às informações sobre o algoritmo, no que diz respeito às relações de trabalho que estabelecem com os(as) trabalhadores(as), assegurando total transparência em suas atividades.

4. Negociação coletiva como caminho mais adequado para a regulação dos desdobramentos do que já existe em lei para o trabalho em empresas-plataforma.

5. Flexibilidade do(a) trabalhador(a) para poder definir seus horários de trabalho e descanso, dentro do limite diário e semanal da jornada de trabalho, com direito à desconexão e Descanso Semanal Remunerado (DSR).

6. Vínculo de trabalho definido conforme legislação atual, ou seja, vínculo indeterminado para trabalhadores(as) habituais e [vínculo] autônomo para trabalhadores eventuais, conforme disposto na CLT e demais regras definidas na mesa, utilizados os registros do CBO 5191-10 (Motofretista) e CBO 5191-05(Ciclista).

7. Jornada de trabalho compreendida como todo o tempo à disposição da empresa – plataforma, desde o momento do login até o logout na plataforma, independentemente da realização ou não de serviço, sendo limitada a oito horas diárias e quarenta e quatro [horas] semanais, com direito a hora extra, caso ultrapasse esse horário, conforme Constituição Federal de 1988.

8. Seguridade social, com filiação do(a) trabalhador(a) ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) como contribuinte obrigatório e recolhimento da parte patronal, conforme tributação pertinente atualmente, no setor de atividade ao qual a empresa está vinculada.

9. Remuneração mínima (piso mínimo mensal), bem como regras que garantam valor mínimo por corrida/serviço, paradas extras, taxas para cancelamentos realizados pelos usuários dos serviços e sua atualização anual, realizada por meio de negociação coletiva. Garantir reembolso de despesas com veículos.

10. Transparência nos critérios relacionados à remuneração, meios de pagamento, fila de ordem de serviço etc., garantindo-se que a alteração de qualquer tema relacionado só ocorra por negociação coletiva, bem como garantindo que os códigos e os algoritmos sejam regularmente submetidos à auditoria de órgãos especializados do Poder Público.

11. Saúde e segurança: condições garantidas conforme a atividade efetivamente realizada, seguindo as regulamentações já existentes pertinentes a cada atividade e respectivos acordos e convenções coletivas.

12. Exercício e processo de trabalho: as condições de trabalho devem seguir as definições previstas O acordo tripartite para regulamentação do trabalho em plataformas de transporte remunerado de passageiros 4 na CLT e demais regulamentações existentes. Regras específicas devem ser definidas em negociação coletiva com as empresas. Além disso, deve-se criar um cadastro único dos trabalhadores e trabalhadoras que executam atividades nas plataformas, para que o setor público e os sindicatos possam acompanhar as necessidades do setor e realizar ações de fiscalização pertinentes.

O texto do PLC proposto pelo governo federal enquadra os motoristas como trabalhadores autônomos, ou seja, sem vínculo pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), determina o pagamento de alíquota de 27,5% de contribuição no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Desses, 7,5% seriam pagos pelos trabalhadores, e 20%, recolhidos pelas empresas. O texto também estabelece pagamento de R$ 32,09 por hora trabalhada e remuneração de, ao menos, um salário mínimo (R$ 1.412). Segundo a proposta do governo, o tempo de trabalho do motorista não poderá ultrapassar 12 horas por dia, mas, é permitida essa jornada, o que contraria a jornada de 8 horas prevista na CLT.

Comparando a pauta inicial dos trabalhadores e o que propõe o PLC, fica claro que o projeto do governo fica muito aquém do que desejavam os representantes dos motoristas de aplicativos no Grupo Tripartite.

O Ministro do Trabalho, Luiz Marinho, declarou a respeito da questão da opção pela denominação jurídica de autônomos para a categoria:

“Era exatamente o que os trabalhadores pediam: ‘Nós não queremos estar rígidos’. O problema é que essa liberdade era uma liberdade falsa, porque os trabalhadores estavam sendo escravizados com longas jornadas e baixa remuneração”.

Há certamente uma controvérsia entre o que diz o Ministro e o ponto 3 da pauta de reivindicações dos representantes dos trabalhadores no Grupo Tripartite, onde, segundo o DIEESE, eram requisitados “Direitos sindicais garantidos conforme previsto nos artigos 8º e 9º da Constituição Federal de 1988 e dos demais dispositivos regulatórios, particularmente, os previstos na CLT”.

Em outro momento, a fala de Marinho contradiz a ele próprio: “O que nós mais ouvimos dos trabalhadores de aplicativo: ‘Nós não queremos ser enquadrados na CLT, queremos coisa nova’. Mas também ouvimos trabalhadores que gostariam de ter a CLT” (grifo nosso).

Ora, se na pauta apresentada pelos representantes dos trabalhadores havia a reivindicação pela garantia dos direitos da CLT e o próprio ministro do Trabalho reconhece que há entre os milhares de trabalhadores quem queira isso, por que, no melhor estilo da democracia sindical não se consultou os trabalhadores para uma decisão final onde fosse respeitada a vontade da maioria?

As empresas de aplicativos, essas sim são unânimes em rejeitar os direitos inscritos na CLT uma vez que deste modo mantém o alto índice de exploração e suas gigantescas margens de lucro.

O PLC dos motoristas de aplicativos deve trazer dois tipos de preocupações sociais. A primeira delas diz respeito a que abre as portas para uma maior pressão das empresas de aplicativos de entregas (motoboys, etc) em arrancar um acordo rebaixado de regulamentação da profissão. A segunda, de ordem geral para todos os trabalhadores brasileiros, é a de servir de pretexto para escancarar as possibilidades de uma revisão geral da atual jornada de trabalho de 8 horas, aumentando-a para 12 horas em nome de suposto trabalho “autônomo”.

Se a CLT e seus direitos pode ser desconsiderada para um setor econômico, certamente servirá ao patronato em geral como um modelo para lastrear uma ofensiva política de generalização do abandono de sua aplicação. Isso num momento em que seria mais que providencial para a classe trabalhadora uma campanha pela redução da jornada de trabalho no país não é um bom sinal.

Numa parte de seu discurso na cerimônia de assinatura do  PLC, o Presidente Lula afirmou: “Há algum tempo, ninguém neste país acreditava que seria possível estabelecer uma mesa de negociação entre trabalhadores e empresários, e que o resultado dessa mesa ia concluir uma organização diferente no mundo do trabalho”.

Concordamos com Lula que o PLC propõe uma “organização diferente no mundo do trabalho”, sobretudo diferente das garantias trabalhistas asseguradas na CLT. Caberia aos dirigentes sindicais e aos representantes dos motoristas de aplicativos convocar os trabalhadores deste setor para avaliar coletivamente o que fazer diante do PLC: apoiá-lo sem restrições, fazer emendas a ele no sentido das 12 reivindicações iniciais, apresentar-lhe uma outra proposta alternativa.

Evidentemente que qualquer avanço em relação ao texto proposto no PLC original só seria conquistado com a pressão de mobilizações. Será também a volta das mobilizações dos entregadores (motoboys) que fará empresas como a Ifood deixar a sua intransigência e negociar uma proposta de regulamentação benéfica aos trabalhadores deste setor.

Por fim, é questionável do ponto de vista jurídico se o PLC poderia legalizar o ilegal que hoje próspera na relação de trabalho entre os motoristas de aplicativos e as empresas de plataforma ao colocar de lado as regras da CLT em uma nítida relação de emprego. Como diz o ponto 1 da plataforma de 12 pontos apresentados pelos representantes dos trabalhadores no Grupo Tripartite: “Não se trata de empresa de tecnologia, mas de uma empresa que faz uso de uma tecnologia específica para organizar o seu negócio”.

Anísio Garcez Homem é escritor e autor de “LRF uma lei antisocial”

Cláudio Antônio Ribeiro é militante, foi dirigente bancário, opositor à ditadura militar, e advogado trabalhista.

DMT: https://www.dmtemdebate.com.br/plc-dos-aplicativos-ao-excluir-a-clt-os-riscos-de-sua-generalizacao/

PF tem dados “convincentes” de algo muito ruim, diz Gilmar sobre Bolsonaro

Desigualdade entre homens e mulheres

O envolvimento das entidades sindicais no processo de monitoramento do cumprimento da regra de igualdade remuneratória de gênero é fundamental para que a dimensão institucional, coletiva e estrutural de tal desigualdade seja levada em consideração.

Maria Aparecida Azevedo Abreu

Fonte: A Terra é Redonda
Data original da publicação: 06/03/2024

Mais um Dia Internacional das Mulheres, 8 de março – instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975 – se aproxima, e o tema recorrente é a desigualdade entre homens e mulheres. Publicado desde 2006, o Global Gender Gap Report [Relatório Global de Desigualdade de Gênero], divulgado pelo World Economic Forum [Fórum Econômico Mundial], aponta que nenhuma sociedade, dentre os 146 países que enviam informações para a composição do Relatório, alcançou a paridade entre homens e mulheres.

O relatório é feito a partir de um indicador – o Global Gender Gap Index [Indicador Global de Desigualdade de Gênero], que é composto pelas seguintes dimensões, ou subindicadores: (i) empoderamento político; (ii) participação econômica e oportunidades; (iii) nível educacional e (iv) saúde e expectativa de vida.

De acordo com o Relatório, se as taxas de progresso verificadas no período de 2006 – 2023 se mantiverem, a partir da amostra de 102 países, é possível estimar o tempo que será levado para preencher as lacunas produzidas por tal desigualdade. Em relação ao empoderamento político, serão 162 anos; quanto à participação econômica e oportunidades, serão 169 anos; 16 anos serão necessários para a igualdade em nível educacional; e, para o atingimento da igualdade no que diz respeito à saúde e à expectativa de vida, o tempo permanece indefinido.[i]

A partir dessas dimensões, o indicador varia entre 0 e 1, em que 1 seria a igualdade plena entre homens e mulheres. Para exemplificar, temos a Islândia, com o índice 0,912, ocupando a primeira posição no ranking, e Afeganistão, com o índice de 0,405, ocupando a 146ª posição. O Brasil ocupa a 57ª posição, com o índice de 0,726.[ii]

De acordo com o Relatório, na dimensão “Participação econômica e oportunidades”, a Libéria é o país que ocupa a primeira posição, com o índice de 0,895; e o Brasil ocupa a 86ª posição, com o índice 0,670.[iii] Em relação a esta dimensão, a partir dos estudos sobre igualdade de gênero produzidos nas diversas áreas do conhecimento, notadamente os de Helena Hirata[iv] e Flavia Biroli,[v] para o contexto brasileiro, é possível afirmar que tal desigualdade é um dos reflexos da divisão sexual do trabalho, que estrutura, primeiramente, a divisão das atividades do mundo entre homens e mulheres e, após essa divisão, estabelece uma hierarquia entre elas, sendo as atividades atribuídas aos homens mais valorizadas que aquelas atribuídas às mulheres.

Somada à divisão sexual do trabalho, temos a sobrecarga das mulheres com o trabalho do cuidado principalmente de crianças, resultado de uma dupla delegação de responsabilidade: em primeiro lugar, a delegação feita pelo Estado em relação às famílias; em segundo, das famílias em relação às mulheres.[vi]

O Estado brasileiro adotou uma importante medida em busca de acelerar o processo para o alcance da desigualdade de participação econômica e oportunidades entre homens e mulheres: a Lei nº. 14.611, de 3 de julho de 2023, que “dispõe sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens; e altera a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943”.[vii] Conhecida como “lei da igualdade salarial”, sua aprovação pode, para um analista apressado, ter parecido redundante ou inócua, uma vez que a igualdade entre homens e mulheres é estabelecida explicitamente no artigo 5º, inciso I da Constituição da República brasileira. Para além de um dispositivo jurídico, a previsão constitucional é um elemento fundacional das expectativas de realização da sociedade brasileira, estabelecidas em 1988.

Deixando de lado a pressa, lendo o texto da Lei nº 14.611/23, verifica-se que são determinadas providências para a aferição do cumprimento da regra republicana fundacional que estabelece a igualdade entre homens e mulheres no território brasileiro. Tais critérios serão definidos por meio das ações previstas no artigo 4º da Lei: (i) Estabelecimento de mecanismos de transparência salarial e de critérios remuneratórios; (ii) incremento da fiscalização contra a discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens; (iii) disponibilização de canais específicos para denúncias de discriminação salarial; (iv) promoção e implementação de programas de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho que abranjam a capacitação de gestores, de lideranças e de empregados a respeito do tema da equidade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, com aferição de resultados; e (v) fomento à capacitação e à formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens.

Em tal Lei, poderia ser apontado como inadequado o ponto (v), que parte de um pressuposto de que as mulheres precisariam ser capacitadas para o mercado de trabalho, quando se sabe que, no contexto brasileiro, uma maior capacitação de mulheres não necessariamente reduz as desigualdades de gênero na remuneração pelo trabalho,[viii] e não há estudos que demonstrem menor aptidão das mulheres para o mercado de trabalho em cada posição específica. O que há, como anteriormente apontado neste texto, é uma divisão do trabalho, a qual importa em uma divisão ontológica das atividades humanas entre homens e mulheres e, após tal divisão, uma hierarquia entre essas atividades. Teto de vidro, labirinto de cristal, precarização do trabalho da mulher, profissões sub-remuneradas, como o trabalho doméstico, entre outras, são aspectos extremos da estrutura desigual que organiza o mundo do trabalho entre homens e mulheres.

Além disso, a Lei nº 14.611 utiliza os termos critérios e medidas, mas não menciona como será aferida a igualdade. O que a Lei faz é determinar providências e atribuições a serem adotadas e cumpridas por empresas e monitoradas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e, a partir do monitoramento dos dados produzidos por tais providências é que será possível a definição de medidas a serem adotadas para a constituição de critérios equânimes de remuneração.

A despeito destas críticas, a regulamentação da Lei nº 14.611 de 2013 apresentou diversos avanços que passam a ser destacados.

Em primeiro lugar, tal Lei estabeleceu a obrigatoriedade de publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios que, inicialmente, serão instrumentos de verificação da observância da regra geral republicana de igualdade entre homens e mulheres.

Em segundo lugar, a Lei prevê sanções às pessoas jurídicas que apresentarem dados que revelem desigualdade remuneratória entre homens e mulheres: além de multa, a pessoa jurídica empregadora deverá apresentar um plano de ação para mitigar a desigualdade, com metas e prazos, e elaborado a partir de processo que envolva as entidades sindicais. O envolvimento das entidades sindicais no processo de monitoramento do cumprimento da regra de igualdade remuneratória de gênero é fundamental para que a dimensão institucional, coletiva e estrutural de tal desigualdade seja levada em consideração, para além da reivindicação de direitos individuais. O propósito da Lei nº 14.611 de 2023 não diz respeito apenas ao direito que toda trabalhadora tem de não ser discriminada, mas também traça uma rota em direção à construção de ambientes de trabalho mais equânimes.

Em terceiro lugar, a Lei prevê a criação de uma plataforma digital unificada sobre mercado de trabalho e renda com dados desagregados por sexo, incluindo indicadores de violência contra a mulher, de vagas de creche e de acesso à saúde, além de outros dados que possam impactar o acesso a emprego. Neste ponto, no artigo 5º, § 1º, há a indicação de que dados sobre raça, etnia e nacionalidade, nacionalidade e idade também deverão ser coletados.

O Decreto nº 11.795, de 23 de novembro de 2023,[ix] regulamentou a Lei para dispor sobre o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, a ser exigido pelo MTE, e sobre o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens, a serem elaborados pelas pessoas jurídicas que não observarem a igualdade entre homens e mulheres, de acordo com a orientação do MTE. Em decorrência dessa regulamentação, é previsto no Decreto que cabe ao Ministério das Mulheres e ao Ministério do Trabalho e Emprego monitorar os dados e o impacto da política pública e a avaliação dos seus resultados. Neste Decreto, então, há uma aposta no monitoramento interministerial para o sucesso da política pública elaborada para o cumprimento da igualdade entre homens e mulheres do ponto de vista salarial.

Em cumprimento da atribuição designada no Decreto nº 11.795 de 2023, foi publicada a Portaria MTE nº 3.714, de 24 de novembro de 2023, na qual é determinado que os dados a serem prestados por empregadores serão obtidos a partir de duas plataformas, o eSocial e o Portal Emprega Brasil. Além de estabelecer as obrigações de empregadores diante do MTE, a portaria estabelece, em seu artigo 4º, a obrigação de que o Relatório de Transparência Salarial deverá seja publicado pelas empresas de forma a dar acesso ao público das políticas remuneratórias de cada uma.

O e-Social é um sistema informatizado da Administração Pública disponível para o empregador doméstico, o segurado especial e o Microempreendedor Individual (MEI), por meio da plataforma gov.br.[x] O Portal Emprega Brasil disponibiliza aos trabalhadores políticas e ações de emprego, tendo em vista o trabalho decente, e, às empresas, aplicações que possibilitam o “encontro mais rápido do trabalhador desejado”, além do auxílio no “atendimento das disposições trabalhistas”.[xi]

De acordo com o artigo 6º da Portaria MTE nº 3.714 de 2023, tal relatório será obrigatório após a disponibilização da aba de Igualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios, na área do empregador do Portal Emprega Brasil.

Na Portaria, ainda, há uma seção dedicada ao Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade salarial e de Critérios Remuneratórios entre mulheres e homens. Neste ponto, a portaria prevê que tal Plano deverá conter: (a) medidas a serem adotadas com escala de prioridade; (b) metas, prazos e mecanismos de aferição de resultados; (c) planejamento anual com cronograma de execução; e (d) avaliação das medidas com periodicidade mínima semestral.

Com esse enquadramento jurídico e administrativo, na implantação desta política pública, providências importantes já foram tomadas. No Portal Emprega Brasil, a aba para o preenchimento do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios já está disponível para empresas com mais de 100 empregados(as).[xii] Esta primeira fase da implantação, anterior à abrangência de todas as pessoas jurídicas de direito privado empregadoras fornecerá informações não apenas apara a fiscalização de práticas discriminatórias, quanto para a criação de um sistema de dados a partir do qual se possa produzir conhecimento e construir estratégias para a mitigação da desigualdade entre homens e mulheres.

Buscando ilustrar o atual estágio da política pública de igualdade salarial entre mulheres e homens, podemos apresentar o seguinte fluxo:

O fluxo descrito anteriormente explicita o sentido e a direção da política pública formulada para a consecução da igualdade entre mulheres e homens do ponto de vista remuneratório no mundo do trabalho. Há outros pontos que permeiam o acerto da política que merecem ser notados: (1) a política pública de mitigação da desigualdade salarial tem um acerto já em seu nome. Ao escolher o termo mitigação, ao invés de promoção, está implícita a constatação de que não somente a equidade salarial é desejável, como também a desigualdade entre mulheres e homens, desempenhando e exercendo as mesmas funções, é um problema público a ser solucionado.

(2) Tal política leva a sério a regra constitucional sem, contudo, presumir que a sua existência já é suficiente para a resolução de um problema social. A política pública parte de uma pergunta acertada para a realidade: uma vez que já direcionamos nossa vida republicana para a observância da regra da igualdade entre mulheres e homens, por que ela não se realiza?

(3) A pergunta acima pode ser inferida a partir da seguinte descrição contextual existente na Exposição de Motivos do Projeto de Lei nº 1085/2023, que deu origem à Lei aprovada: “a proposta em questão dá continuidade ao processo de reconstrução e transformação do Brasil. A proposta tem o objetivo de atingir a igualdade de direitos no mundo do trabalho, preparando o País para a assunção de compromissos cada vez mais evidentes com o desenvolvimento social e o crescimento econômico, com a ampliação da igualdade entre mulheres e homens e com o combate à pobreza, ao racismo, à opressão sobre as mulheres, bem como à todas as formas de discriminação social que se refletem em desigualdades históricas”.[xiii]

(4) A partir da observação existente Exposição de Motivos do Projeto de Lei, descrita no item anterior, pode-se afirmar que, na elaboração da política, foi reconhecida a complexidade do problema público a ser resolvido, evidenciada em dados internacionais, nacionais e nos estudos especializados. A partir disso, a política pública abre a possibilidade de seu monitoramento tendo em vista a obtenção de insumos para a melhor especificação da orientação de condutas.

(5) A política pública tem como um de seus resultados a produção de dados que possibilitem políticas públicas mais específicas e precisas, para a solução de problemas públicos ainda mais complexos.

Diante dos acertos explícitos e implícitos da política pública de mitigação da desigualdade entre mulheres e homens, resta apontar possíveis caminhos a serem tomados a partir de sua implantação.

O primeiro é a formação de um sistema de dados que permita consolidar não apenas informações quantitativas sobre salários, como também permitam identificar práticas institucionais que têm impacto para além de indivíduos. Será interessante se a política adensar algo que é sugerido pela Lei: a construção coletiva de um ambiente propício para a mitigação da desigualdade de gênero e racial e a construção de um ambiente equitativo.

Em segundo lugar, é necessário apontar que, no desenho jurídico da política, não foi indicado o papel que as empresas – pessoas jurídicas de direito privado – cujo controle acionário é estatal podem exercer como pioneiras em práticas equitativas. Seria profícuo que as empresas com controle estatal não apenas avançassem no cumprimento da Lei, como também indicassem que práticas podem ser adotadas pelas demais empresas. Tais práticas podem reforçar o papel do Estado como agente de monitoramento, e não apenas de fiscalização.

Em terceiro, destaca-se que, além do papel evidente do Estado como fiscalizador e promotor da equidade, é importante que as entidades sindicais assumam o papel de contribuir para a construção de ambientes de trabalho mais equânimes, para além dos direitos individuais antidiscriminação. Aos demais atores sociais, cabe o exercício do papel de observação constante e crítica das mudanças que podem vir a ocorrer, a partir da publicação dos primeiros Relatórios de Igualdade Salarial e de Critérios de Remuneração, no próximo dia 8 de março.[xiv]

Deste processo, inicialmente experimental, podem emergir tanto os critérios para a atribuição justa de remuneração pelo trabalho, quanto a constatação de que tal justiça não é possível e que necessitamos, portanto, de outro sistema de valores socais, que resultem, inclusive, em uma outra noção de justiça. Para chegar a qualquer uma dessas etapas, precisamos resolver o problema público anterior, que é a desigualdade injusta de remuneração entre homens e mulheres. A resolução de problemas públicos não leva apenas ao aprimoramento de políticas públicas, como também ao refinamento de concepções de justiça aceitas e convencionadas socialmente.

Por fim, é necessário ter consciência daquilo que na Lei é insuficiente, como brevemente apontado nas críticas iniciais apresentadas neste texto, e reconhecer que é difícil a tarefa de qualificar atividades complexas desempenhadas por trabalhadores responsáveis como equivalentes e merecedoras da mesma remuneração.

O conhecimento a respeito de quais são as práticas e as atribuições de valor remuneratório a diferentes tarefas poderá ser de grande valia não apenas na busca da equidade de gênero, como também no conhecimento do sistema de valores e recompensas em vigência reiterada no mundo do trabalho em território brasileiro. A partir de tal conhecimento, podemos refinar a concepção de justiça que queremos realizar.

Notas

[i] Para acesso ao relatório completo, ver https://www3.weforum.org/docs/WEF_GGGR_2023.pdf. Para verificar a estimativa do alcance da equidade, em anos, ver página 6 do Relatório.[ii] Ver página 11 do Relatório.

[iii] Ver página 17 do Relatório.

[iv] O artigo de Helena Hirata, publicado em 2007, ainda é referência para o tratamento da estrutura da divisão sexual do trabalho. Para acesso ao artigo, segue o link: https://www.scielo.br/j/cp/a/cCztcWVvvtWGDvFqRmdsBWQ/?format=pdf&lang=pt[v] Para um enquadramento da divisão sexual do trabalho, do ponto de vista teórico, em uma democracia, ver o artigo de Flavia Biroli, de 2016: https://www.scielo.br/j/dados/a/kw4kSNvYvMYL6fGJ8KkLcQs/?lang=pt[vi] Sobre a economia do cuidado, no ano passado este Boletim publicou breve artigo de minha autoria, em que indico algumas consequências dessa dupla delegação: https://ippur.ufrj.br/cuidado-planejamento-e-cotidiano/[vii] De acordo com a ementa da Lei nº 14.611/23. Para acesso à íntegra da Lei, ver: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14611.htm[viii] Para exxemplificar esse argumento, ver artigo de Moema Guedes, de 2010, disponível no link https://www.scielo.br/j/tes/a/hhJg8kZspmjmcYhCJCF6CXc/?lang=pt e o artigo de Eugênia T. Leone e Luciana Portilho, de 2018: https://econtents.bc.unicamp.br/inpec/index.php/tematicas/article/view/11709 . De forma menos aprofundada, mas também ilustrativa, ver artigo de minha autoria, de 2013: https://inteligencia.insightnet.com.br/igualdade-de-genero-e-direito-das-mulheres-no-brasil[ix] Para acesso ao texto oficial do Decreto, acessar o link: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/d11795.htm[x] De acordo com informação oficial disponível no link: https://login.esocial.gov.br/login.aspx[xi] Informações oficiais disponíveis no link: https://empregabrasil.mte.gov.br/sobre-emprega-brasil/

Informação oficial disponível no link: https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202401/igualdade-salarial-governo-federal-recebe-relatorios-de-remuneracao-a-partir-de-segunda-feira-22. Neste link, é sugerido que a Lei nº 14.611 de 2023 prevê indenização por danos morais no caso de descumprimento de suas determinações, contudo, o que a lei prevê é que as sanções nela determinadas não afastam demais indenizações determinadas em decorrência da legislação civil e trabalhista.

[xiii] Para ter acesso à Exposição de Motivos do Projeto de Lei, ver o link: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2242565&filename=PL%201085/2023[xiv] O prazo inicial era de 29 de fevereiro, postergado para 8 de março, conforme notícia oficial disponível no link: https://www.gov.br/mulheres/pt-br/central-de-conteudos/noticias/2024/fevereiro/prorrogado-para-8-de-marco-o-prazo-para-que-empresas-com-100-ou-mais-funcionarios-realizem-o-preenchimento-do-relatorio-salarial

Maria Aparecida Azevedo Abreu é professora do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

DMT: https://www.dmtemdebate.com.br/desigualdade-entre-homens-e-mulheres/