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DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

Desoneração, desequilíbrios e responsabilidades

Desoneração, desequilíbrios e responsabilidades

por Guilherme Lacerda* e Tânia Mara C. Villela**

Lei 14.784/2023, promulgada pelo presidente do Congresso Nacional no final de 2023, após o veto total aposto pelo chefe do Poder Executivo, é uma das alterações mais impróprias inseridas em nossa legislação tributária. Ela prorroga até final de 2027 a desoneração do recolhimento das contribuições previdenciárias de 17 setores econômicos e de municípios com população inferior a 156.216 habitantes e que estejam submetidos ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS).

A legislação incluiu como beneficiários um grupo de municípios, reduzindo-lhes de 20% para 8% a parcela de contribuição previdenciária sobre a folha de pagamentos. Tal inovação atingiria 3.444 municípios, conjunto que representa 62% do total de cidades brasileiras, mas que agrega apenas 26% da população total. Exclui outras 1.933 cidades que estão na mesma faixa populacional, possuem 25% da população, mas não estão no RGPS, pois possuem seus Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) regido pela Lei 9.717/1998. Exclui também os 193 municípios com mais de 156.216 habitantes e que abrigam quase a metade da população do país, 49%. Ou seja, municípios que abrigam ¾ da população brasileira ficaram de fora da redução.

Em boa hora o STF tomou a decisão de suspender os efeitos da referida lei por detectar a flagrante ausência do atendimento aos preceitos constitucionais.

A decisão judicial abriu a perspectiva de uma negociação para se construir uma alternativa que restabeleça os princípios da Medida Provisória 1.202/2023, que apresentava uma transição para ajustar posições, e não foi aceita. Os termos das interlocuções ainda não estão claros. Espera-se que também sejam contempladas alterações relativas à inclusão dos municípios. Estima-se que o impacto da decisão sobre o orçamento federal seja da ordem de R$ 22 bilhões. Ao mesmo tempo, avança no Senado uma proposta de lei dos quinquênios para o Judiciário que elevará as despesas correntes obrigatórias. Essa equação não fecha.

O Congresso Nacional não apontou a fonte de novos recursos que viriam a compensar a inclusão daqueles municípios no benefício da desoneração. Assim, tornou as alterações inconstitucionais e aumentou a impropriedade da legislação que vigia, a qual já carregava deficiências derivadas da ausência de comprovação de resultados obtidos em termos de geração ou preservação de empregos nos setores beneficiados. A medida, concebida inicialmente em um ambiente econômico totalmente adverso no final de 2011, vinha sendo prorrogada com impactos diretos no alcance do equilíbrio fiscal e previdenciário.

A desoneração aprofunda as distorções entre municípios de portes populacionais distintos e entre os regimes previdenciários municipais. As medidas aprovadas favoreceram cidades de menor porte populacional, ignorando que as maiores dificuldades fiscais se encontram em outros perfis municipais, como bem revelam os dados divulgados no anuário MultiCidades – Finanças dos Municípios do Brasil. Para exemplificar com dados de 2022, o maior indicador de receita corrente per capita, de R$ 5.519, pertence ao grupo de 3.862 municípios com até 20 mil habitantes, onde reside 15,8% da população do país. Já no grupo denominado G100, que reúne 11,3% da população em apenas 112 cidades, todas com mais de 80 mil habitantes e com altos índices de vulnerabilidade socioeconômica, o indicador não passa de R$ 2.989,00.

Além disso, as prefeituras que instituíram seus regimes próprios (RPPS) se verão em desvantagem em relação às que estão sendo desoneradas no regime geral (RGPS) e se sentirão estimuladas a realizar revisões inapropriadas em suas contribuições, aumentando assim os riscos atuariais futuros. Ademais, sendo a desoneração temporária, como ficará a condição fiscal das municipalidades beneficiadas ao término do prazo? Terão elas sanado suas dívidas previdenciárias, já que essa é uma das justificativas para a concessão do benefício, ou terão aproveitado a folga fiscal para assumirem outras despesas correntes das quais não poderão se desfazer quando tiverem que voltar a pagar pela alíquota cheia?

Há, ainda, um aspecto de improcedência tão flagrante que acaba ficando à margem. A lei da desoneração na sua origem, em 2011, foi feita pensando diretamente na geração de empregos. Nesse sentido, a inclusão de municípios não faz qualquer sentido, pois o ente público não pode expandir empregos por influência de tais estímulos.

Utilizar a justificativa da busca do equilíbrio fiscal para cidades endividadas com a Previdência é tampouco razoável. Há outros instrumentos para ajustes fiscais que não comprometem a Previdência e não são injustos para com os demais entes que primaram pelo equilíbrio. O fato é que a maior parte dos municípios se encontra em boas condições fiscais, conforme apontado pelo anuário Multi Cidades. Problemas financeiros que atingem alguns entes federados precisam ser enfrentados a partir de uma análise técnica específica e do desenho de políticas públicas adequadas.

A prorrogação da lei de desoneração não se apoiou em uma análise técnica referente aos setores econômicos envolvidos. Por que e como exatamente esses 17 setores econômicos foram escolhidos para receberem tal privilégio? Tal seleção não estaria causando desequilíbrios em relação a outras atividades econômicas, também intensivas em mão de obra e não incluídas? O resultado da renúncia fiscal valeu a pena para país? Nada disso sustentou o projeto de lei. Ele não olhou o todo e desprezou exigências de gestão orçamentária responsável já aprovadas pelo próprio Congresso Nacional.

O orçamento federal precisa ser preservado e, agora mais que nunca, precisa levar em conta a intensificação de desastres climáticos que atingem milhares de brasileiros, com uma recorrência assustadora de calamidades. A tragédia sem precedentes que atinge o Rio Grande do Sul exige uma revisão profunda de rota nas prioridades das políticas públicas. É neste contexto que a Lei 14.784/2023 necessita ser imediatamente revogada e receber em seu lugar uma proposta que não atinja gravemente a Previdência Social, a qual, por razões demográficas e tecnológicas, já dá sinais de não sustentar o delicado equilíbrio que se persegue.


* Guilherme Lacerda, doutor em Economia pela Unicamp, mestre em Economia pelo IPE-USP, professor (após) do Departamento de Economia da UFES. Foi Presidente da FUNCEF (2003-20010) e Diretor do BNDES (2012-2015). Autor do livro “Devagar é que não se vai longe – PPPs e Desenvolvimento Econômico”, publicado pela Editora LetraCapital. É associado da Veredas Inteligência Estratégica.

** Tânia Mara C. Villela, economista pela Unesp, pós-graduada pela FGV e sócia-diretora da Aequus Consultoria, empresa especializada em monitoramento de finanças públicas que elabora e edita anuários, entre eles o “MultiCidades – Finanças dos Municípios do Brasil”, realiza estudos como o sobre o “g100” e desenvolve e mantém o site de pesquisas “Compara Brasil”.

O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.

AUTORIA

Desoneração, desequilíbrios e responsabilidades

Aumento para magistrados pode custar quatro vezes o estimado para reconstruir o RS

A proposta de emenda à Constituição 10/23, conhecida como PEC do Quinquênio, que aumenta salários de juízes e procuradores, tem estimativa de impacto financeiro de até R$ 82 bi até 2026, segundo a Consultoria de Orçamento do Senado. O valor corresponde a quatro vezes o estimado pelo governo do Rio Grande do Sul para reconstruir o estado, afetado por fortes chuvas.

O governador Eduardo Leite anunciou na quinta-feira (9) que serão necessários R$ 19 bilhões para executar o plano de reconstrução do Rio Grande do Sul. O cálculo tem como base quanto foi gasto na região do Vale do Taquari, atingida por fortes chuvas em setembro de 2023.

“Pelas necessidades que observamos até o momento, esse é o montante que será necessário para financiar as políticas públicas e restabelecer lugares e vidas que foram afetados. O Estado vai ser especialmente demandado em estradas, habitação, crédito subsidiário e ações sociais para atender as pessoas atingidas”, disse o governador.

As estimativas apontam que os recursos devem se dividir em:

  • R$ 218,6 milhões para ações de resposta ao desastre;
  • Quase R$ 2,5 bilhões para ações de assistência;
  • Mais de 7,2 bilhões para políticas de restabelecimento;
  • Quase R$ 9 bilhões para reconstrução

O governo federal anunciou também na quinta-feira um pacote de iniciativas em benefício da população gaúcha afetada pelo desastre ambiental. Entre as medidas, estão a antecipação do pagamento de programas sociais como o Bolsa Família e o auxílio-gás, prioridade à restituição do Imposto de Renda dos moradores do estado e a facilitação ao crédito para famílias. O pacote corresponde a um suporte de R$ 50,9 bilhões.

Impacto de R$ 25,8 bilhões apenas em 2024

De iniciativa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a PEC dá um adicional de 5% para integrantes do Poder Judiciário a cada cinco anos em carreiras na área, sendo o limite desse bônus de 35% sobre o salário dos integrantes do Judiciário.

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Além de juízes e procuradores, também são contemplados ministros e conselheiros das Cortes de Contas, advogados públicos, integrantes das carreiras jurídicas, defensores públicos e delegados da Polícia Federal. A conquista do bônus poderá ser feita desde que a pessoa esteja em qualquer cargo do Poder Judiciário há cinco anos, tanto para servidores da ativa quanto para aposentados.

Para 2024, em caso de aprovação e sanção da proposta, é esperado um impacto de R$ 25,8 bilhões nas contas públicas, conforme a consultoria técnica do Senado. Os estados custeando R$ 20 bilhões e a União, R$ 5 bilhões. Ou seja, por mais que o custo total da PEC seja estimado em R$ 82 bilhões até 2026, cerca de 78% deste valor será custeado pelos estados.

Aprovada em abril pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, a proposta já passou por cinco sessões de discussão. O presidente da Casa, por sua vez, afirma que a matéria só será incluída na pauta do plenário após decisão dos líderes partidários. Ele ainda aponta que a PEC só será promulgada, caso o projeto de lei que barra com supersalários seja aprovado.

“A energia do Parlamento deve decidir sobretudo sobre medidas legislativas relativas ao estado de calamidade pública do Rio Grande do Sul. Só incluiremos essa proposta de emenda depois de reunirmos os líderes”, disse Pacheco.

A matéria divide opiniões no Senado em razão do impacto no Orçamento e por beneficiar um pequeno grupo que já tem altos salários. Líder do governo na Casa Alta, Jaques Wagner (PT-BA) argumenta que a medida não é sustentável para o país e é uma “bomba”.

“Como está a matéria […] eu quero que os colegas entendam a bomba que pode estar por vir com esta bem intencionada PEC que é para valorizar principalmente os Tribunais Superiores, que não têm tanto penduricalhos como outros judiciários”, apontou o senador.

AUTORIA

Pedro Sales

PEDRO SALES Jornalista em formação pela Universidade de Brasília (UnB). Integrou a equipe de comunicação interna do Ministério dos Transportes.

CONGRESSO EM FOCO
Desoneração, desequilíbrios e responsabilidades

“O crescimento de políticos populistas negacionistas é um risco enorme”. Entrevista com Carlos Nobre

Carlos Nobre (São Paulo, 1951) é uma espécie de astro do rock nos estudos sobre mudanças climáticas. Poucos meteorologistas têm tantos louros internacionais como ele. Ao longo da sua vida, acumulou cargos relevantes, como chefe do Comitê Científico do Programa Internacional Geosfera Biosfera, conselheiro científico senior do Painel de Sustentabilidade da ONU, membro do Conselho Científico do Secretariado Geral da ONU ou membro da Royal Society Britânica. Em 2007, recebeu o Prêmio Nobel da Paz, juntamente com a equipa do Quarto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC) das Nações Unidas.

Nobre exige mais financiamento dos países ricos para a conservação das florestas tropicais e é inflexível quanto à necessidade de parar a exploração do petróleo. “É impossível evitar um aumento de 1,5 grau da temperatura se continuarmos a explorar as áreas de combustíveis fósseis já exploradas”, afirma. “O crescimento de políticos populistas negacionistas” é uma das suas maiores preocupações.

No ano passado, Carlos Nobre coordenou o estudo “Nova Economia Amazônica” do World Resources Institute Brasil, que comprovou que a Amazônia gera mais valor econômico se permanecer em pé do que se for desmatada. O PIB da região aumentaria 67% com a exploração de produtos da bioeconomia (são plantados preservando a floresta tropical).

A entrevista foi realizada antes das trágicas chuvas no Rio Grande do Sul e finalizada depois delas. As inundações, as mais graves da história, causaram até agora a morte de 113 pessoas e o deslocamento de 337 mil pessoas.

Carlos Nobre (Foto: Academia Brasileira de Ciência)

A entrevista é de Bernardo Gutiérrez, publicada por Ctxt, 11-05-2024.

Eis a entrevista.

Qual a relação entre as devastadoras enchentes no estado brasileiro do Rio Grande do Sul e o aquecimento global?

aquecimento global está tornando os eventos extremos mais frequentes e provocando a ocorrência de novos eventos em locais sem precedentes. Por que chove mais? Há mais evaporação da água dos oceanos. À medida que a atmosfera é mais quente, ela armazena mais umidade. As fortes chuvas causam secas e ondas de calor em outros lugares. As enchentes no Rio Grande do Sul são causadas pelo bloqueio das ondas. A alta pressão permaneceu no sudeste e centro-oeste do Brasil, e a circulação de nuvens e chuva foi bloqueada.

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), tem sido muito criticado atualmente porque seu governo vetou políticas ambientais. O que poderia ter sido evitado com políticas ambientais? O que pode ser feito para evitar tragédias futuras?

O Rio Grande do Sul abriga um dos maiores números de negacionistas do Brasil. Em 2019, Leite acertou com a Assembleia Legislativa uma série de medidas que enfraqueceram a proteção ambiental e a biodiversidade, todas com uma visão de expansão total da indústria agrícola. Se as margens dos rios fossem reflorestadas, o solo absorveria mais água. Nem toda a água da chuva iria para o rio, parte ficaria no solo.

Numa entrevista recente, você afirmou que uma pessoa nascida na década de 60 experimentará cinco ou seis ondas de calor ao longo da vida. Um bebê nascido em 2020 experimentará trinta ondas de calor. O aquecimento global acelerou mais do que o esperado?

Esse estudo foi feito com dados de 2020. Os dados de 2023 e 2024 batem recordes de ondas de calor. Portanto, um bebê de 2020 enfrentará mais de trinta ondas de calor durante sua vida. A mídia divulga amplamente o impacto das chuvas torrenciais, mas a ciência mostra que o evento climático extremo que causa mais mortes é a onda de calor. A onda de calor de 2007 matou quinze mil pessoas na França e na Espanha, porque muito poucas pessoas tinham ar condicionado. O verão de 2022 matou 65 mil pessoas na Europa, principalmente mulheres com mais de oitenta anos. As cidades sofrem com a chamada ilha de calor urbana, o asfalto absorve muito calor e mantém a temperatura muito elevada, principalmente à noite.

Como você explicaria as consequências de um aumento de 1,5 grau na temperatura do planeta até 2050 para alguém no norte do mundo que vê o aquecimento climático como algo distante?

Europa bateu números recordes de secas e ondas de calor nos últimos anos. Fortes chuvas na Alemanha mataram mais de 100 pessoas. Um megaincêndio devastou a Grécia. Extremos estão a acontecer em todo o mundo e também na Europa. Mesmo que não sejam afetados por furacões, os europeus não podem pensar que estão fora dos extremos.

Qual é a relação entre o desmatamento de florestas tropicais e eventos climáticos extremos?

desmatamento tem ocorrido mais nas florestas tropicais há muitas décadas. O desmatamento é responsável por uma quantidade relativamente pequena de emissões de gases de efeito estufa, cerca de 12%. Mas no mundo a queima de combustíveis fósseis contribui com 70% das emissões. Portanto, não podemos dizer que a desflorestação esteja causando alterações climáticas. No Brasil, até 2022, o desmatamento contribuiu para 50% das emissões.

Deixe-me reformular a pergunta: qual a importância de manter a Amazônia em pé, para conservar a temperatura, a umidade e as chuvas do mundo?

floresta amazônica recebe em média 2,2 ou 2,3 ​​metros de chuva por ano. Absorve uma grande quantidade de carbono da atmosfera e despeja-o no solo e nas árvores, mais de 150 mil milhões de toneladas de carbono. Proteger a Amazônia é essencial para o planeta. A selva é muito eficiente na reciclagem de água. 55% do vapor d’água que vem do Oceano Atlântico retorna ao oceano através do Rio Amazonas. 45% vai pelo ar.

Os famosos rios voadores. Explique como funciona, por favor.

O vapor d’água entra na Amazônia, sobe, condensa, vira água líquida, gota de chuva. 75% da água é reciclada, principalmente graças à transpiração das folhas e à evaporação da água. A água então sobe e sai da floresta tropical para alimentar os sistemas pluviais fora da Amazônia, principalmente no centro-oeste do Brasil, sul da América do Sul, Uruguai, Paraguai e parte da Argentina.

O agronegócio (agricultura extensiva) no Brasil e no sul do continente depende muito dessas chuvas. Por que esse setor é tão negacionista e não entende a importância de manter a Amazônia de pé?

O agronegócio em todo o mundo, incluindo a Espanha, é o setor econômico mais negacionista do mundo. 70% das emissões são provenientes do setor energético. Apostam numa transição energética lenta, mas não são negacionistas.

Tendo tido um presidente negacionista como o Bolsonaro, acho que não ajudou muito…

crescimento de políticos populistas negacionistas é um risco enorme. Bolsonaro não é o único. Milei é uma negacionista. Trump é um super negacionista. Quando era presidente, retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris. Não querem admitir os riscos das alterações climáticas e não querem implementar medidas. Trump já disse que, se vencer, autorizará a exploração de petróleo e gás natural. Durante o governo Bolsonaro, as emissões, o desmatamento e a degradação aumentaram muito. Bolsonaro apareceu em 2021 na Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, com garimpeiros ilegais. Deveria ter provocado um processo judicial, porque incentivar a extração mineral em reserva indígena é proibido pela Constituição.

Os povos indígenas do Brasil vivem um momento de máxima visibilidade. Chegou a hora de reconhecê-los como os grandes guardiões da selva e de trabalhar e aprender com eles?

Nunca tivemos o que estamos vivendo nos últimos anos, principalmente a partir de 2023, com o Governo Lula, com a ministra Marina Silva (Meio Ambiente e Mudanças Climáticas), com o ministro Haddad (Economia), lançando a transição ecológica da economia brasileira. Os indígenas nunca tiveram tanta representatividade. O Brasil tem todas as condições para ser um dos líderes mundiais na proteção dos povos indígenas que mantêm os ecossistemas. É um desafio, nada fácil, porque o Congresso defende a continuidade da expansão agrícola em todos os biomas do Brasil.

O Governo Lula acredita na ciência, conseguiu reduzir o desmatamento e reconheceu novas reservas indígenas. No entanto, quer continuar a explorar petróleo. Especificamente, abrir novos poços na foz do Rio Amazonas. Não é contraditório?

É impossível evitar um aumento de um grau e meio de temperatura se continuarmos a explorar as áreas de combustíveis fósseis já exploradas. Novas minas de carvão e poços de petróleo e gás natural não fazem sentido. Nem no Brasil nem no resto do mundo. O Brasil tem um enorme potencial em energia renovável, hidrelétrica, eólica e solar. Esses dois estão crescendo muito. O Brasil também poderia avançar rapidamente na eletrificação de veículos.

Após o Acordo de Paris, os países ricos comprometeram-se a financiar parte das medidas necessárias para evitar o aquecimento climático. No entanto, 60% são créditos e não doações. É suficiente ou os países ricos deveriam contribuir mais?

Não chegaram fundos em 2021, 2022, 2023. Este ano, talvez cheguem 100 mil milhões de dólares. Além disso, 60% são empréstimos para apoiar a transição energética dos países em desenvolvimento. O mínimo necessário seria de 700 bilhões de dólares. No Egito, em 2022, foi feito um fundo de 800 milhões. É muito pouco para o que é necessário. Os países ricos deveriam investir muito mais.

Por que o financiamento internacional é tão crucial para evitar o “ponto sem retorno” da Amazônia?

Lula defende em seus discursos, com razão, que os países ricos financiem países com florestas tropicais. Na COP28, o Brasil lançou o Projeto Arco de Restauração Florestal, para reflorestar 24 milhões de hectares até 2050. Custa 40 bilhões de dólares. É importante que os ricos ajudem. Também para criar uma infraestrutura sustentável para a Amazônia, transporte, energia. Por outro lado, o Fundo Amazônia do Governo obteve uma doação de 14 bilhões de dólares, mas precisamos de 100 bilhões para reflorestar e criar uma nova bioeconomia com os produtos da biodiversidade.

No ano passado você coordenou o relatório Nova Economia da Amazônia do World Resources Institute Brasil (WRI). Se o desmatamento da selva for evitado e a bioeconomia for comprometida, estima-se um aumento de 67% no PIB da região e um saldo positivo de 312 mil empregos na Amazônia brasileira…

Se continuarmos com uma economia tradicional na Amazônia, uma quantidade imensa será desmatada. Além disso, os produtos da biodiversidade gerariam uma economia maior e mais empregos do que a pecuária e a agricultura tradicionais, e não adicionamos créditos de carbono, que poderiam multiplicar por dois ou três o valor da floresta em pé. Além disso, os sistemas agroflorestais (que combinam a exploração de recursos e a floresta em pé) empregam 10 a 20 vezes mais pessoas do que a pecuária ou a soja.

Seu irmão Antônio Donato Nobre, no relatório O Futuro Climático da Amazônia, fala sobre o oceano verde, comparando a selva a um parque tecnológico. Qual a importância de construir narrativas para inventar uma nova história inspiradora e novos imaginários?

É um enorme desafio cultural e filosófico. Se conseguimos demonstrar que a agricultura e a pecuária regenerativas são mais produtivas, mais lucrativas, é um mistério cultural que o setor do agronegócio esteja em negação. O pecuarista quer expandir mais, dominar grandes áreas…

Há esperança?

Os jovens de todo o mundo estão muito mais preocupados com o futuro. A taxa de suicídio entre os jovens tem aumentado, porque eles estão muito preocupados com o futuro do planeta. Eles vão sofrer esse futuro e já estão sofrendo. Temos que trabalhar com eles na universidade, para formar futuros líderes, não só cientistas, mas também líderes empresariais desta nova economia sustentável. Eu sou otimista. Não basta fazer isso em um ano, mas talvez em uma ou duas décadas.

IHU-UNISINOS

https://www.ihu.unisinos.br/639325-o-crescimento-de-politicos-populistas-negacionistas-e-um-risco-enorme-entrevista-com-carlos-nobre

Desoneração, desequilíbrios e responsabilidades

TST: Complemento de auxílio-doença não pode ser abatido de indenização

Decisão

Para o colegiado, as duas parcelas têm naturezas distintas, o que impede a compensação.

Da Redação

A 3ª turma do TST determinou que o valor da indenização relativa à doença ocupacional não pode ser compensado pelo complemento salarial pago pela empresa ao auxílio-doença acidentário, conforme previsto em norma coletiva. O colegiado esclareceu que as duas parcelas possuem naturezas distintas, impossibilitando a compensação.

A ação foi movida por um caixa de banco que alegou ter desenvolvido grave depressão devido à pressão excessiva por resultados e dores físicas causadas por tendinopatia relacionada à digitação.

O TRT da 4ª região reconheceu que o bancário permaneceu afastado por aproximadamente 10 meses em virtude da depressão relacionada ao trabalho, justificando o pagamento de lucros cessantes. Entretanto, o TRT autorizou a dedução dos valores pagos pelo banco como complemento do auxílio-doença, alegando o objetivo de evitar o “enriquecimento sem causa” do funcionário.

O relator do recurso de revista do bancário, desembargador convocado Marcelo Lamego Pertence, enfatizou que o benefício previdenciário advém da filiação obrigatória do empregado ao INSS, enquanto o complemento do benefício é uma obrigação do empregador decorrente de negociação coletiva.

Por outro lado, a indenização por lucros cessantes decorre da responsabilidade do empregador em indenizar o prejuízo material resultante da doença ocupacional.

“‘Inviável, portanto, qualquer dedução ou compensação entre parcelas de natureza jurídica e origem diversas’,” concluiu o desembargador.

Processo: 22225-92.2017.5.04.0030

Migalhas: https://www.migalhas.com.br/quentes/407028/tst-complemento-de-auxilio-doenca-nao-pode-ser-abatido-de-indenizacao

Desoneração, desequilíbrios e responsabilidades

TRT-6 nega adicional a supervisor que não provou acúmulo de funções

Trabalhista

Confirmando sentença, tribunal também negou horas extraordinárias e indenização por suposto assédio moral.

Da Redação

TRT da 6ª região negou recurso de empregado que alegava estar submetido a acúmulo de funções e ter sofrido assedio moral de gerente. O relator do processo, desembargador Paulo Alcântara, confirmou a sentença da 7ª vara do Trabalho do Recife/PE, que havia negado as reivindicações do ex-funcionário por insuficiência probatória.

No caso, o empregado afirmava que, apesar de contratado como supervisor, desempenhava atribuições adicionais que incluíam a criação de projetos de instalação de rastreadores, configurações de dispositivos, homologação em plataformas, realização de testes em aparelhos novos, treinamento de funcionários e fornecimento de suporte ao cliente.

No entanto, o tribunal, reforçando decisão de 1ª instância, concluiu que as atividades desempenhadas pelo empregado eram compatíveis com sua função contratada e dentro da mesma jornada de trabalho, descartando a necessidade de compensação adicional.

Além disso, o pedido de reconhecimento de horas extras não foi atendido devido à falta de provas concretas que diferissem dos registros de ponto apresentados pela empresa, que demonstraram cumprimento da jornada contratual.

TRT da 6ª região confirmou sentença que negou acúmulo de função, horas extras e danos morais ao empregado.(Imagem: Reprodução/TRT-6)
Assédio moral

Além disso, o funcionário alegou que o gerente adotava um comportamento ofensivo, constrangedor e intimidatório durante suas interações no ambiente de trabalho. No entanto, o tribunal julgou que as alegações não foram suficientemente substanciadas por provas.

Para o tribunal, a descrição das interações não alcançou o limiar necessário para configurar um ambiente de trabalho abusivo de forma consistente e prejudicial.

O escritório Neves Advogados Associados representou os interesses da empresa.

Processo: 0000005-08.2023.5.06.0007

Migalhas: https://www.migalhas.com.br/quentes/406795/trt-6-nega-adicional-a-supervisor-que-nao-provou-acumulo-de-funcoes

Desoneração, desequilíbrios e responsabilidades

Mãe recupera dias não abonados para cuidar de bebê intolerante à lactose

Direito do Trabalho

Magistrada reconheceu a discriminação enfrentada pelas mães no mercado de trabalho e concedeu a restituição dos dias não abonados.

Da Redação

Juíza do Trabalho Carolina Lobato Goes de Araújo Barro, da 1ª Vara do Trabalho de Formiga/MG, condenou um restaurante a restituir a balconista dias não abonados por faltas justificadas para cuidar de bebê com intolerância à lactose.

O caso

Uma trabalhadora de Formiga, Minas Gerais, enfrentou uma situação que expôs a dura realidade das mulheres no mercado de trabalho. Ela teve 15 dias de trabalho descontados após se afastar do serviço, mediante atestado médico, para cuidar da filha, que sofria de alergia a suplemento lácteo.

A empregadora contestou a alegação da trabalhadora, alegando que o atestado não foi apresentado e que sempre abonou suas faltas. Sustentou, ainda, que o atestado juntado com a inicial não se refere à saúde da própria trabalhadora, mas sim à saúde da filha, não podendo, por isso, abonar as faltas daquele período.

A juíza responsável pelo caso, no entanto, reconheceu que a trabalhadora apresentou atestados médicos em várias ocasiões e que o atestado referente ao afastamento para cuidar da filha foi emitido por uma médica pediatra. Ela també

A magistranta também destacou a importância de julgar o caso com perspectiva interseccional de gênero e raça, pautada pelo protocolo do CNJ. Ela ressaltou que, embora não haja previsão específica na CLT sobre a questão, existe normatividade internacional que ampara o pleito da trabalhadora.

A magistrada citou a CEDAW – Convenção para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, a Convenção 103 da OIT sobre o Amparo à Maternidade e o Protocolo 492/23 do CNJ para julgamento com perspectiva interseccional de gênero e raça. Esses instrumentos normativos visam proteger as mulheres da discriminação e garantir sua igualdade no mercado de trabalho.

“Embora não haja previsão específica na CLT sobre a questão, existe normatividade internacional farta a amparar o pleito, seja pela aplicação da Convenção para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (CEDAW); pela Convenção 103 da OIT, denominada Convenção sobre o Amparo à Maternidade, ou pela aplicação do Protocolo 492 do CNJ para Julgamento com Perspectiva Interseccional de Gênero e Raça.”

A juíza enfatiza que um bebê de seis meses é dependente da mãe e que o dever de cuidado com os filhos recai principalmente sobre as mulheres, o que agrava a discriminação. Ela ressalta que a conduta da empregadora foi discriminatória, pois a trabalhadora teria os dias abonados se estivesse doente, mas os teve descontados por estar cuidando da filha.

Com base no julgamento sob a perspectiva de gênero e raça, a juíza condenou o restaurante a pagar os 15 dias de trabalho não abonados.

Processo: 0010639-88.2023.5.03.0058

Migalhas: https://www.migalhas.com.br/quentes/407136/trabalhadora-recupera-dias-nao-abonados-para-cuidar-de-bebe