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DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

Torturas e listas sujas: Mannesmann e a ditadura

Torturas e listas sujas: Mannesmann e a ditadura

“As fábricas foram ocupadas pela polícia da ditadura e aqui na Mannesmann houve tiros, emboscada e bombas, na madrugada de 1º de outubro [de 1968] e depois continuamos trabalhando com fuzil nas costas.”

Foi dessa maneira, com título escrito a caneta e o texto datilografado, que o Badoque, jornal clandestino de cópias mimeografadas feito por operários da fábrica da siderúrgica Mannesmann, da Cidade Industrial, em Belo Horizonte, narrou a repressão à greve dos metalúrgicos daquele ano, a primeira desde o golpe militar de 1964.

Bodoque, conhecido também como estilingue, é um instrumento de caça que serve para caçar pássaros. No caso, o sonho de seus criadores era derrubar o ministro Jarbas Passarinho, titular da pasta do Trabalho no governo de Costa e Silva e um dos signatários do AI-5, em 13 de dezembro de 1968.

É de Passarinho a frase “às favas todos os escrúpulos de consciência” durante a reunião do Conselho de Segurança Nacional na qual foi decidida a implementação do ato institucional que agravou a repressão da ditadura.

Os trabalhadores já haviam conseguido uma vitória parcial em abril daquele mesmo ano. Em Minas Gerais, a greve por um aumento salarial de 25% começou na Belgo-Mineira e se alastrou com a adesão dos operários da Mannesmann e outras grandes empresas, devido ao arrocho desde 1964. Como movimentos grevistas se alastraram por todo o país, para acalmar a opinião pública, Costa e Silva cedeu e determinou aumento de 10% para todos os trabalhadores. Em outubro, a greve de ocupação se deu por ocasião do dissídio dos metalúrgicos.

Apenas na Mannesmann, mais de 50 grevistas foram presos. Nas celas, torturas e outros abusos. Se fazer greve era risco de prisão e de morte, distribuir panfletos e jornais de trabalhadores também era. Que o diga Nilmário Miranda, 76, ex-deputado federal e ex-ministro dos Direitos Humanos. Em abril de 1968 ele foi preso perto da fábrica da Mannesmann sob a acusação de distribuir, com mais quatro jovens, um panfleto do Partido Operário Comunista contra a ditadura. Nessa primeira prisão, de 32 dias, “ainda tinha habeas corpus e saí”. “Com o AI-5, em dezembro, eu fui pra clandestinidade, na Bahia.”

Em 1972, Nilmário foi preso em São Paulo pela equipe de Sérgio Paranhos Fleury, do Dops. Foi torturado, perdeu a audição no ouvido esquerdo e cumpriu a condenação pela panfletagem, de três anos e dois meses.

Apesar de não ter nenhum panfleto em mãos quando foi detido, Nilmário e mais dois companheiros, José Benedito Nobre Rabelo e Leovegildo Pereira Leal, foram presos em flagrante e acusados em um Inquérito Policial Militar (IPM) de violar a Lei de Segurança Nacional. Um dos crimes pelos quais foram acusados foi o de terem incitado “a luta pela violência entre as classes sociais”.

“As fábricas foram ocupadas pela polícia da ditadura e aqui na Mannesmann houve tiros, emboscada e bombas, na madrugada de 1º de outubro [de 1968] e depois continuamos trabalhando com fuzil nas costas.”

Foi dessa maneira, com título escrito a caneta e o texto datilografado, que o Badoque, jornal clandestino de cópias mimeografadas feito por operários da fábrica da siderúrgica Mannesmann, da Cidade Industrial, em Belo Horizonte, narrou a repressão à greve dos metalúrgicos daquele ano, a primeira desde o golpe militar de 1964.

Bodoque, conhecido também como estilingue, é um instrumento de caça que serve para caçar pássaros. No caso, o sonho de seus criadores era derrubar o ministro Jarbas Passarinho, titular da pasta do Trabalho no governo de Costa e Silva e um dos signatários do AI-5, em 13 de dezembro de 1968.

É de Passarinho a frase “às favas todos os escrúpulos de consciência” durante a reunião do Conselho de Segurança Nacional na qual foi decidida a implementação do ato institucional que agravou a repressão da ditadura.

Os trabalhadores já haviam conseguido uma vitória parcial em abril daquele mesmo ano. Em Minas Gerais, a greve por um aumento salarial de 25% começou na Belgo-Mineira e se alastrou com a adesão dos operários da Mannesmann e outras grandes empresas, devido ao arrocho desde 1964. Como movimentos grevistas se alastraram por todo o país, para acalmar a opinião pública, Costa e Silva cedeu e determinou aumento de 10% para todos os trabalhadores. Em outubro, a greve de ocupação se deu por ocasião do dissídio dos metalúrgicos.

Apenas na Mannesmann, mais de 50 grevistas foram presos. Nas celas, torturas e outros abusos. Se fazer greve era risco de prisão e de morte, distribuir panfletos e jornais de trabalhadores também era. Que o diga Nilmário Miranda, 76, ex-deputado federal e ex-ministro dos Direitos Humanos. Em abril de 1968 ele foi preso perto da fábrica da Mannesmann sob a acusação de distribuir, com mais quatro jovens, um panfleto do Partido Operário Comunista contra a ditadura. Nessa primeira prisão, de 32 dias, “ainda tinha habeas corpus e saí”. “Com o AI-5, em dezembro, eu fui pra clandestinidade, na Bahia.”

Em 1972, Nilmário foi preso em São Paulo pela equipe de Sérgio Paranhos Fleury, do Dops. Foi torturado, perdeu a audição no ouvido esquerdo e cumpriu a condenação pela panfletagem, de três anos e dois meses.

Apesar de não ter nenhum panfleto em mãos quando foi detido, Nilmário e mais dois companheiros, José Benedito Nobre Rabelo e Leovegildo Pereira Leal, foram presos em flagrante e acusados em um Inquérito Policial Militar (IPM) de violar a Lei de Segurança Nacional. Um dos crimes pelos quais foram acusados foi o de terem incitado “a luta pela violência entre as classes sociais”.

O IPM, disponível na íntegra, no projeto Brasil Nunca Mais Digit@al, do Ministério Público Federal (MPF), narra que os jovens foram denunciados por um vigia da Mannesmann após adentrarem uma estradinha que ligava dois portões da sede da empresa em Belo Horizonte. Das cinco testemunhas citadas no inquérito, quatro são da vigilância da companhia.

“Foi tudo muito rápido. Entre o momento que fomos vistos pelo segurança e a prisão, por uma viatura do Dops, passaram-se 30 ou 40 minutos. Eles tinham uma conexão direta com o Dops, certeza”, afirma o ex-ministro. Na viatura, segundo ele, os policiais tinham alguns panfletos, sujos de terra e amassados.

A segurança da Mannesmann tinha contato direto com os agentes de repressão. É o que demonstram diversas correspondências reunidas na pesquisa coordenada pela professora doutora em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Tayara Lemos, coordenadora do programa de extensão em direitos humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A Agência Pública teve acesso a um resumo do relatório da pesquisa, encomendada pelo Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e realizada com recursos obtidos pelo MPF em um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Companhia Energética de São Paulo.

Antes, o MPF já havia financiado outras dez pesquisas com recursos do TAC da Volkswagen. Na mesma iniciativa, estão sendo investigadas também a Belgo-Mineira e a Embraer. O resultado será anexado ao inquérito civil a respeito das violações de direitos humanos envolvendo essas empresas, conduzido pelo MPF em Minas Gerais.

Passado marcado por nazismo e apoio à ditadura

A Mannesmann foi fundada na Alemanha, no século 19, após os irmãos Reinhard e Max Mannesmann terem desenvolvido um método para fabricar tubos de aço sem costura. No país, a empresa teve íntima ligação com o nazismo e um de seus diretores, Wilhelm Zengen, era membro do Partido Nazista e foi preso por suas ligações com o movimento.

Apesar de ter chegado ao Brasil oficialmente em 1952, anúncios da Mannesmann são encontrados no jornal da filial gaúcha do Partido Nazista do Brasil, o Für’s Dritte Reich!, que, fundado em 1932, circulou livremente no Rio Grande do Sul até o engajamento brasileiro na Segunda Guerra Mundial, dez anos depois.

Na década de 1960, diretores da Mannesmann no Brasil filiaram-se ao Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes). Junto com o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), o Ipes foi fundamental na divulgação de propaganda anticomunista e antissocialista no Brasil difundindo desinformação, tendo sido fundamental na articulação civil do golpe militar.

Em janeiro de 1964, os diretores da empresa Edwin May e Waldir Soeiro Emrich estavam presentes na famosa reunião entre a elite da indústria mineira e o general golpista Carlos Luís Guedes, no edifício Acaiaca, no centro de Belo Horizonte. Guedes era adjunto do general Olímpio Mourão Filho, da 4ª Região Militar, que saiu com as tropas de Juiz de Fora (MG) em direção ao Rio de Janeiro em 31 de março daquele ano.

Na reunião, os empresários, além de apoio tácito ao golpe, que já vinham demonstrando por meio de expressivas doações ao Ipes, discutiram como seria a repressão às tentativas de resistência ao golpe. Guedes conta em sua biografia que incentivou os empresários a bancar ações contra o presidente João Goulart – e que tirassem dos próprios bolsos, se preciso. A retribuição já veio em abril, com o fechamento dos sindicatos.

O então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem, um dos fechados à época, Ênio Seabra, atualmente com 93 anos, era funcionário da Mannesmann e simpatizante do grupo católico de oposição à ditadura Ação Popular. Ele foi preso seis vezes entre 1968 e 1970 e torturado. Cassado, perdeu os direitos políticos por dez anos. Em 1967, com o sindicato aberto, mas sob intervenção, ele venceu, mas não levou as eleições da categoria, pois foi impedido de assumir pela Delegacia Regional do Trabalho. Seabra ainda assim foi escolhido pelos trabalhadores para liderar a greve de outubro de 1968 e acabou demitido sob alegação de “justa causa”. Ele não conseguiu trabalhar na metalurgia até ser anistiado, em 1979, quando foi reintegrado à Mannesmann.

“Muitos trabalhadores foram para as listas sujas do Centro das Indústrias da Cidade Industrial [área fabril na região metropolitana de Belo Horizonte] e aí o cara tinha que mudar de profissão, abrir uma pequena serralheria ou vender lanche em porta de fábrica”, conta Nilmário, que cobriu as greves do final dos anos 1970 e 1980 como jornalista.

Parceria entre empresa e agentes da ditadura incluía privilégios junto ao estado

Também faz parte da pesquisa sobre a Mannesmann outra prova da presença intensa de militares dentro das fábricas: o acervo fotográfico de Mana Coelho, que também cobriu as greves operárias dos anos 1970. As fotos hoje pertencem ao Museu Histórico Abílio Barreto, em Belo Horizonte.

Na reprodução de um ofício de 26 de julho de 1968, enviado ao secretário de Segurança Pública de Minas Gerais, Joaquim Ferreira Gonçalves, é possível ler o relato da Mannesmann sobre uma prisão dentro da empresa feita por funcionários do serviço de vigilância. Eles alegaram ter “apreendido” Braz Teixeira da Cruz panfletando boletins grevistas nos arredores da empresa. “A prisão [de Braz] foi articulada entre a empresa e a repressão e ocorreu dentro da fábrica”, afirmou a professora Tayara Lemos.

No documento, o mesmo diretor da empresa, cujo nome foi omitido no relatório para não prejudicar o andamento das investigações, segundo apurou a Pública, solicitou que a Secretaria de Segurança reforçasse a segurança na Cidade Industrial. Em resposta, Gonçalves atende ao pedido e determina que o Dops redobre a vigilância “configurando o livre trânsito com o aparato repressor que o diretor possuía”, afirma o relatório.

Outros pedidos de policiamento em anos diversos foram encontrados nos documentos consultados, especialmente em períodos de greves, endereçados ao Dops, aos ministros da República e ao Serviço Nacional de Informações (SNI). “Contando com a colaboração da Delegacia Regional do Trabalho, as greves eram consideradas ilegais tão logo eram deflagradas independentemente se se davam de acordo com a lei ou não, dando a aparência de legalidade à atuação da empresa e do aparato repressor”, afirmam os pesquisadores no relatório.

Em maio de 1979, preocupado com os movimentos de trabalhadores que eclodiam pelo país, o então ministro do Trabalho Murillo Macedo escreveu um telegrama ao governador mineiro Francelino Pereira e ao coronel Amando Amaral, então secretário de Segurança, solicitando que o estado tomasse providências solicitadas pela Mannesmann, em especial  seguranças para dois dos diretores da empresa. O documento encaminha uma lista dos nomes das lideranças da greve. Para os pesquisadores, o telegrama mostra “a cumplicidade do aparato estatal, na esfera federal e estadual, com a empresa, empenhados em reprimir trabalhadores”.

História de greves teve mortes e vigilância dentro de empresas no período da ditadura

As greves de 1979 foram as maiores da história de Minas Gerais e dois trabalhadores foram mortos em atos de repressão. Um trabalhador da Fiat, Guido Leão, foi atropelado e morreu a caminho do hospital após ter corrido em direção à rodovia Fernão Dias quando a cavalaria atacou o piquete dos grevistas na porta da fábrica.

Já o tratorista Orocílio Martins Gonçalves foi assassinado com um tiro no peito pela Polícia Militar, enquanto protestava na gigantesca greve dos operários da construção civil, que chegou a reunir mais de 10 mil trabalhadores nas ruas. Gonçalves trabalhava para uma empresa que prestava serviços para a Mannesmann. O dia 31 de Julho, em que ele morreu, é o Dia do Trabalhador da Construção Civil em Minas Gerais.

As correspondências serviam também para enviar dados de recém-contratados pela Mannesmann ao Dops a fim de levantar informações e eventuais fichas criminais. Em alguns desses pedidos, relatam os pesquisadores, “a empresa enviava juntamente com o pedido uma ficha do funcionário com a inscrição DRI – Serviço de Segurança – DIV de Vigilância, demonstrando haver uma divisão de Vigilância e Informação na Mannesmann”.

Os DRI/DIV surgem em várias empresas e, em sua organização, geralmente contavam com a presença de militares ou ex-militares contratados em funções de vigilância, trabalhadores arregimentados como vigilantes e esquemas mais sofisticados, como policiais e agentes da ditadura disfarçados de operários.

Anos depois, legados e poucas respostas

“O empresário fez tudo isso na ditadura. Financiou a repressão, tinha polícia interna, fazia lista suja. E o que aconteceu nas vésperas da eleição de 2022? Mais de 400 empresas foram denunciadas por assédio eleitoral, por exigirem o voto dos empregados em Bolsonaro. Depois tem o 8 de janeiro, e quem financiou os atos? Os mesmos empresários. Não é algo do passado. É importantíssimo discutir isso 60 anos depois”, afirma Nilmário Miranda, atual assessor especial de defesa da democracia, memória e verdade do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.

A Pública tentou ouvir o procurador da República Ângelo Giardini de Oliveira, responsável pelo inquérito civil da Mannesmann, mas ele disse que não havia recebido o relatório final da pesquisa e, por isso, não poderia comentar.

A Mannesmann se associou à francesa Vallourec em 1997 e, em 2005, todas as ações da empresa foram incorporadas pelo grupo francês, que alegou em nota à Pública que “as empresas do Grupo Vallourec possuem personalidade jurídica e gestão absolutamente distintas das empresas do Grupo Mannesmann (atualmente denominado Salzgitter Mannesmann)”.

A Vallourec afirma na nota que “foi cientificada sobre o teor do inquérito civil instaurado pelo Ministério Público Federal e, nada obstante a ausência de gestão do empreendimento naquele momento histórico, tem contribuído, dentro de suas possibilidades, com as informações solicitadas pelas autoridades”.

A empresa afirma que “registra seu compromisso com a integridade e transparência e com o respeito às pessoas, salientando que possui política e diretriz interna – materializadas no Código de Ética, Manual de Compliance e Canal de Integridade”.

Fonte: Agência Pública
Texto: Marcelo Oliveira
Data original da publicação: 02/04/2024

DMT: https://www.dmtemdebate.com.br/torturas-e-listas-sujas-mannesmann-e-a-ditadura/

Torturas e listas sujas: Mannesmann e a ditadura

PLP 12/2024 e o fim do salário-mínimo: o que não lhe contaram. Artigo de David Deccache

“Ignorar a gravidade desta proposta seria compactuar com o processo de desintegração socioeconômica de uma extensa camada de nossa classe trabalhadora, inscrevendo assim milhões de trabalhadores numa espiral descendente de empobrecimento e desempoderamento”.

O comentário é de David Deccache, doutor (UnB) e mestre (UFF) em Economia e assessor econômico na Câmara dos Deputados/PSOL, em texto publicado no seu X (antigo Twitter), 05-04-2024 e enviado pelo autor ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

Eis o texto.

Projeto de Lei Complementar (PLP) 12 criou um novo vínculo de (sub)emprego que garante, materialmente, a total subordinação do trabalhador às plataformas, ao mesmo tempo em que elimina direitos fundamentais.

Neste mundo, o piso salarial está muito abaixo do salário-mínimo estabelecido para os demais trabalhadores. Trata-se os trabalhadores de plataformas como uma subcategoria. Inclusive, no caso mais extremo, há permissão para que a empresa faça o trabalhador pagar para trabalhar, já que, dependendo de uma série de variáveis, os R$ 32,00 por hora dirigida podem não cobrir o custo do motorista.

Se o PLP 12 for aprovado, no Brasil teremos dois “salários-mínimos”: o da CLT e o do PLP da uberização.

O que digo é factual e incontestável por, pelo menos, dois motivos.

1º) Supondo que os cálculos do governo estejam corretos e que o custo por hora efetivamente em corridas seja de, no máximo, R$ 24,00.

Nesta situação, como o piso por hora é de R$ 32,00, sobrariam R$ 8,00 para o motorista, o que equivale, no Brasil, ao salário-mínimo por hora. Entretanto, preste atenção no seguinte detalhe: o motorista não é remunerado pelas horas em que está à disposição da empresa, mas sim nos momentos em que está efetivamente em corrida.

Supondo que 30% da jornada de trabalho do motorista seja esperando por corridas, cuidando do carro e afins, factualmente, o “salário-mínimo” da subcategoria criada pelo governo é 30% mais baixo do que o salário-mínimo dos demais trabalhadores.

Alguém poderia alegar que estamos falando de um piso remuneratório e não de um teto. Sim, exato. Estamos falando de um piso, que hoje, no Brasil, é o salário-mínimo, mas que para a nova categoria será muito inferior.

Trata-se da tentativa de criação de uma subcategoria de trabalhadores e de um subsalário-mínimo.

2º) Na primeira suposição, aceitamos que os cálculos de custo do governo e da Uber sejam absolutamente corretos e, mesmo assim, provamos que o salário-mínimo é violado. Entretanto, a situação anterior é quase um conto de fadas, e a realidade é ainda mais dura.

Em diversas simulações, é possível comprovar que R$ 24,07 não é o custo máximo possível para uma hora efetivamente andando com o carro.

Um exemplo muito simples. Solicitei uma corrida de Brasília para Luziânia, a Uber me cobrou R$ 100,00. Porém, o piso (suposto salário-mínimo) para o motorista é de R$ 32,09. A corrida dura, aproximadamente, uma hora e a distância é de 60 km. É sério que alguém acha que esse tipo de corrida custa apenas R$24,00?

Vamos colocar aqui um carro que faz 12 km/litro (cenário otimista) neste trajeto. Só de gasolina, serão 5 litros. Cada litro hoje custa R$ 5,75, o que significa um custo só de combustível de R$ 28,75.

Como piso, sobram apenas R$ 3,34 para o motorista: menos de 30% de um salário-mínimo por hora. Calma, piora ainda mais.

Porém, o veículo tem vários custos: manutenção, lavagem, seguro e afins. É difícil estimar tudo isso, mas há uma maneira interessante de fazê-lo. Hoje, locadoras de carro cobram, em torno de, R$ 700,00 por semana (no máximo 1.500 km) para os motoristas. Esse pode ser considerado o custo de oportunidade ou locação: aproximadamente R$ 0,47 por km.

Na viagem de 60 km que estamos usando como exemplo, deveríamos adicionar mais R$ 28,00 de custo! Ou seja, custa R$ 28,75 de combustível + R$ 28,00 referente a demais despesas “invisíveis”.

Isso mesmo, o motorista tem um custo de R$ 56,75 frente a um piso de R$ 32,09.

O que provamos com isso?

PLP 12 legaliza, inclusive, que o trabalhador pague para trabalhar.

Antes que alguém venha repetir que isso é um piso e não um teto, o piso no Brasil é o salário-mínimo vigente, o que significa que esse PLP está criando “um subsalário mínimo” para uma nova legislação trabalhista que tende a atingir toda a classe trabalhadora no futuro, se nada for feito.

Conclusão

Em suma, o PLP 12 de 2024 propõe uma radical transformação no mercado de trabalho, criando uma disparidade alarmante entre as categorias de trabalhadores. Com a implementação deste projeto de lei, assistiremos à institucionalização de um subemprego, onde a uberização não apenas redefine, mas também degrada a essência do salário-mínimo, forçando os trabalhadores a se submeterem a condições extremamente precárias.

Os cálculos apresentados desvendam a realidade que se esconde por trás dos números supostamente otimistas: mesmo nas condições mais favoráveis, os ganhos dos motoristas de aplicativo mal cobrem os custos operacionais, deixando-os com uma remuneração líquida que beira a indignidade. Pior, em muitos casos, os custos superam o piso remuneratório, colocando os trabalhadores numa situação paradoxal onde, para trabalhar, precisam pagar.

PLP 12, sob o manto da modernização e flexibilização, na verdade, ameaça consolidar um cenário de exploração sem precedentes, onde o direito a um salário justo e digno é relegado a uma nota de rodapé na história do progresso tecnológico. Esta legislação não apenas perpetua, mas aprofunda a vulnerabilidade de uma classe de trabalhadores que, em busca de sustento, encontra-se presa numa armadilha de subvalorização e precarização laboral.

Estamos, portanto, diante de um momento decisivo, onde a escolha entre lutar e avançar rumo a um futuro de dignidade laboral ou retroceder para uma era de desigualdade exacerbada está em nossas mãos.

Ignorar a gravidade desta proposta seria compactuar com o processo de desintegração socioeconômica de uma extensa camada de nossa classe trabalhadora, inscrevendo assim milhões de trabalhadores numa espiral descendente de empobrecimento e desempoderamento. Estamos diante de uma encruzilhada histórica: a necessidade de uma resposta transformadora é mais premente do que nunca. O momento clama por resistência, e a ação torna-se não apenas necessária, mas também uma imperiosa demanda de justiça social.

*Na parte 2 vou tratar da previdência social. Vocês ficarão assustados quando descobrirem o que está por trás desse PLP.

IHU-UNISINOS

https://www.ihu.unisinos.br/638138-o-plp-12-2024-e-o-fim-do-salario-minimo-no-brasil-o-que-nao-lhe-contaram-sobre-o-pl-da-uber-artigo-de-david-deccache

Torturas e listas sujas: Mannesmann e a ditadura

Crescimento de acidentes denuncia trágico reflexo da precarização do trabalho no Brasil

Brasil vive uma epidemia pouco noticiada que tem deixado sequelas físicas e emocionais em milhares de famílias.
A reportagem é do Sindicato dos Engenheiros no Rio Grande do Sul (SENGE-RS), publicado por Sul21, 11-04-2024.
Essa é a realidade retratada pelas alarmantes estatísticas de acidentes e óbitos de trabalhadores durante suas atividades laborais, conforme dados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho (SmartLab).

No último levantamento realizado, a organização indica que, em apenas um ano, foram registrados no Brasil um total de 612,9 mil acidentes de trabalho e 2.538 óbitos. Este número representa a maior taxa de mortalidade em uma década, com sete óbitos a cada 100 mil vínculos empregatícios, em média. Os dados se referem a 2022 e consideram apenas registros entre empregados com carteira assinada, ou seja, a mortalidade laboral pode ser ainda maior.

Em nível estadual, o Rio Grande do Sul ocupa a terceira posição na lista de estados com o maior volume de notificações de acidentes de trabalho. Foram 50.491 casos em 2022, representando 138 trabalhadores acidentados todos os dias. Em relação aos óbitos, um relatório da Divisão de Vigilância em Saúde do Trabalhador indica que foram abertas 462 investigações de óbitos decorrentes de acidentes laborais, dos quais 284 foram confirmados.

Esses números alertam para a necessidade de uma interpretação que vá além da segurança em si, mas que se aprofunde pela seara da legislação. Desde a implementação da reforma trabalhista em 2017, o Brasil tem enfrentado desafios crescentes no que diz respeito à segurança e saúde no ambiente de trabalho.

Para o presidente do Sindicato dos Engenheiros (SENGE-RS), Cezar Henrique Ferreira, é inegável que existe correlação entre a precarização das relações de trabalho e o crescimento de acidentes de trabalho. Ele destaca que a relação entre a reforma trabalhista e a lei da terceirização com o aumento de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais está intrinsecamente ligada à flexibilização das normas e fragmentação de responsabilidades. “Isso impõe ao trabalhador uma maior suscetibilidade, uma vez que, seja pela pressão por produtividade ou por lacunas de responsabilização, o trabalhador se vê cada vez mais exposto a riscos de acidentes fatais”, destaca.

Para além dos números

O impacto social dos acidentes de trabalho é profundo e amplo. Há repercussões diretas sobre o trabalhador envolvido, que podem incluir desde lesões graves até incapacidade temporária ou permanente, chegando mesmo à fatalidade. Tais incidentes afetam não apenas a saúde física e mental do indivíduo, mas também podem deixar sequelas emocionais duradouras. Além disso, o acidente de trabalho repercute na família do trabalhador, que além de lidar com a dor emocional, frequentemente depende dessa renda como principal ou única fonte de sustento.

Em uma sociedade que preza pelo progresso e pela produtividade, muitas vezes subestimamos os riscos associados às atividades laborais. Contudo, é preciso cultivar uma mentalidade que enxergue o trabalhador como um indivíduo, e os acidentes de trabalho como evitáveis. “Todo trabalhador tem o direito de retornar para sua casa, para sua família, com sua integridade física intacta. O trabalho deve ser fonte de realização, e não de risco. Nós, como sociedade, precisamos garantir isso”, afirma o presidente do SENGE.

O papel dos sindicatos na defesa de vidas

O Movimento Abril Verde não é apenas uma campanha de conscientização, mas um chamado urgente para ações que promovam ambientes de trabalho seguros e saudáveis. É necessário que as políticas e práticas adotadas garantam a proteção dos trabalhadores, evitando tragédias que deveriam ter sido prevenidas. O papel dos sindicatos é fundamental nessa luta pela preservação da vida e da dignidade no trabalho.

Para o vice-presidente do Sindicato dos Engenheiros, João Leal Vivian, entidades como o SENGE desempenham um papel crucial na valorização profissional, buscando melhores condições de trabalho e garantia da segurança. “Sabemos o quanto é necessário trabalhar pela conscientização da sociedade sobre os direitos e responsabilidades em relação aos trabalhadores. Esse é um dos compromissos do SENGE como entidade representativa”, destaca.

Cabe lembrar ainda que o próprio Abril Verde nasceu de uma iniciativa do movimento sindical. Foi criado em 2013 pelo Sindicato dos Técnicos de Segurança do Estado da Paraíba com o objetivo de reduzir acidentes laborais, mobilizando governo, empresas, entidades de classe e sociedade civil organizada a abraçar a causa. O mês foi escolhido por celebrar o Dia Mundial da Saúde (7/04). Além disso, em 2003, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) instituiu o dia 28 de abril como o Dia Mundial de Segurança e Saúde no Trabalho – data escolhida em razão de um acidente que resultou no óbito de 78 trabalhadores em uma mina no estado da Virgínia, nos Estados Unidos, em 1969. Já o verde representa a cor da Segurança do Trabalho. No Brasil, a Lei nº 11.121/2.005 instituiu essa mesma data (28/04) como Dia Nacional em Memória das Vítimas de Acidentes do Trabalho.

IHU-UNISINOS

https://www.ihu.unisinos.br/638378-crescimento-de-acidentes-denuncia-tragico-reflexo-da-precarizacao-do-trabalho-no-brasil-por-senge-rs

Torturas e listas sujas: Mannesmann e a ditadura

“Vira homem”: Empresa indenizará vítima de assédio moral horizontal

Trabalhista

O assédio moral horizontal ocorre quando a conduta é praticada entre funcionários de mesma hierarquia.

Da Redação

Ex-empregado vítima de comentários homofóbicos por colega de trabalho deve ser indenizado pela empresa. Assim decidiu a juíza Titular do Trabalho Renata Batista Pinto Coelho Froes de Aguilar, da 1ª vara de Betim/MG. Para ela, a empresa negligenciou os fatos e recusou a adoção das medidas cabíveis, incentivando, com isso, a criação de um ambiente laboral hostil e discriminatório.

No caso, o ex-empregado ajuizou ação sustentando que foi vítima de assédio moral perpetrado por empregado da empresa, que reiteradamente se utilizava de comentários e piadas de cunho homofóbico e gravação de vídeos, com finalidade discriminatória e jocosa.

Afirmou que reportou tais condutas à superior hierárquica, que não adotou qualquer comportamento, mesmo diante de seguidas reclamações e queixas, sentindo-se desprestigiado, humilhado, discriminado e motivo de chacota no ambiente de trabalho.

Ao observar a prova oral, a magistrada concluiu que, de fato, o homem sofreu tratamento discriminatório, capaz de configurar o chamado assédio moral horizontal.

“Ademais, os áudios colacionados pelo autor são suficientemente claros quanto à ciência da reclamada, através da supervisora, quanto aos fatos denunciados, não havendo comprovação, todavia, de que tenha aberto qualquer procedimento investigatório voltado a apurar a procedência das alegações. Infere-se, daí, que houve incontestável negligência patronal na apuração dos fatos reportados, abstendo-se de seu dever de propiciar um ambiente de trabalho hígido e saudável a seus empregados.”

Para a juíza, é induvidoso que a conduta narrada configura assédio moral horizontal, pelo qual a empresa responde, uma vez que houve sabido constrangimento, que não apenas teve sua liberdade sexual afrontada, como também foi mantido sob tal situação pela empresa, ao negligenciar os fatos e recusar a adoção das medidas cabíveis, incentivando, com isso, a criação de um ambiente laboral hostil e discriminatório.

“A ordem constitucional vigente assegura o direito à igualdade e à não-discriminação, o que demanda uma atuação positiva, no sentido de assegurar que não ocorra quaisquer tipos de discriminação, inclusive, de gênero.”

Assim, condenou a empresa por danos morais em R$ 10 mil.

O advogado Raphael Guerra (Guerra Advocacia e Consultoria) atua no caso.

Processo: 0010199-57.2024.5.03.0026

Migalhas: https://www.migalhas.com.br/quentes/405335/vira-homem–empresa-indenizara-vitima-de-assedio-moral-horizontal

Torturas e listas sujas: Mannesmann e a ditadura

Funcionária temporária receberá estabilidade gestacional retroativa

Benefício

Segundo magistrada, não pode norma infraconstitucional, que dispõe sobre o contrato de experiência ou temporário, afastar direito constitucionalmente assegurado.

Da Redação

Auxiliar de limpeza contratada por período determinado possui direito a estabilidade gestacional de forma retroativa. A decisão é da 8ª turma do TRT da 2ª região, ao entender que independe da natureza do acordo firmado, a CF/88 garante o benefício visando a proteção da mãe e do nascituro.

Nos autos, a mulher narra que era auxiliar de serviços gerais em empresa terceirizada, e prestou serviço em uma escola municipal com contrato temporário, pelo prazo de 90 dias. Entretanto, afirma que ao ser dispensada por justa causa antes do término do acordo, já estava grávida de seis semanas.

Na origem, o juízo julgou o pedido como improcedente, tendo em conta o reconhecimento da validade do contrato temporário da mulher, bem como em razão da fixação de tese jurídica pelo TST.

Em recuso, a desembargadora Sueli Tomé da Ponte, entendeu que a empregada gestante, além do direito à respectiva licença maternidade de 120 dias (art. 7º, XVIII, da CF/88), também faz jus à garantia provisória de emprego.

“Releva notar que o legislador constituinte fez inserir norma de ordem pública visando à proteção da maternidade e do nascituro, bem assim à permanência no emprego, cujo conteúdo não contempla qualquer restrição, isto é, independe da natureza do contrato, se firmado por tempo indeterminado ou não. Assim, não pode a norma infraconstitucional, que dispõe sobre o contrato de experiência ou temporário, afastar direito constitucionalmente assegurado.”

Ademais, a magistrada afirmou que o entendimento do TST aplicado pelo juiz foi revertido pelo STF, ao julgar o RE 842.844 (Tema 542).

“Decisão: O Tribunal, por unanimidade, apreciando o Tema 542 da repercussão geral, conheceu do recurso extraordinário e negou-lhe provimento, fixando a seguinte tese: “A trabalhadora gestante tem direito ao gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória, independentemente do regime jurídico aplicável, se contratual ou administrativo, ainda que ocupe cargo em comissão ou seja contratada por tempo determinado”.

Assim, deu provimento ao pedido da mulher e condenou a empresa ao pagamento de indenização do período de estabilidade correspondente aos salários devidos desde o fim do contrato até cinco meses após a data do parto.

O escritório Tadim Neves Advocacia atuou no caso.

Processo: 1000856-87.2023.5.02.0606

Migalhas: https://www.migalhas.com.br/quentes/405333/funcionaria-temporaria-recebera-estabilidade-gestacional-retroativa

Torturas e listas sujas: Mannesmann e a ditadura

10×1: Maioria dos ministros do STF anula vínculos de emprego reconhecidos na JT

STF x TST

Os ministros do Supremo têm fundamentado suas decisões na validade da terceirização de qualquer atividade, meio ou fim, enfatizando que existem outras formas de relação de emprego além da CLT.
Da Redação

O STF tem reiteradamente anulado vínculos empregatícios anteriormente reconhecidos pela Justiça do Trabalho. A medida impacta profissionais como motoristas de aplicativo, franqueados, corretores, advogados, jornalistas e médicos. Os ministros do Supremo têm fundamentado suas decisões na validade da terceirização de qualquer atividade, meio ou fim, enfatizando que existem outras formas de relação de emprego além da estabelecida pela CLT.

Até o momento, 10 dos 11 ministros do STF proferiram decisões contra o estabelecimento de vínculos empregatícios, com Flávio Dino sendo a única exceção. Embora Dino tenha rejeitado um caso por questões processuais, ele observou que as decisões anteriores da Justiça do Trabalho não contradizem o precedente do STF sobre a legalidade da terceirização.

Veja abaixo um resumo de como decidiu cada ministro.

Luís Roberto Barroso

Barroso anulou o reconhecimento de vínculo empregatício de uma advogada contratada como autônoma por um escritório de advocacia, argumentando que a jurisprudência do STF não foi considerada. O ministro também observou que a trabalhadora não é hipossuficiente, situação que justificaria a proteção do Estado para garantir a proteção dos direitos trabalhistas fundamentais.

“Trata-se de profissional com elevado grau de escolaridade e remuneração expressiva, capaz, portanto, de fazer uma escolha esclarecida sobre sua contratação”, frisou.

Edson Fachin

Fachin reverteu uma decisão que identificava vínculo empregatício entre médico contratado como PJ e hospital. Ao analisar o caso, o ministro relembrou o julgamento que declarou a licitude da terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim.

S. Exa. destacou ainda o Tema 725, que também fixou que é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.

Gilmar Mendes

Em julgamento na 2ª turma, criticou a Justiça do Trabalho por reconhecer vínculos empregatícios, apesar de acordos estabelecidos e a jurisprudência do STF. Disse, ainda, que seu órgão máximo, o TST, tem colocado entraves a opções políticas chanceladas pelos outros Poderes, o que não passa de “tentativa inócua de frustrar a evolução dos meios de produção”.

“Os caprichos da Justiça do Trabalho não devem obediência a nada: à Constituição, aos Poderes constituídos ou ao próprio Poder Judiciário. Observa apenas seus desígnios, sua vontade, colocando-se à parte e à revelia de qualquer controle.”

Em outros casos sob sua relatoria, Gilmar derrubou decisões que reconheceram o vínculo entre representante comercial, vendedor e empregado de banco.

Cármen Lúcia

Invalidou o vínculo de emprego de um diretor de programas com o SBT. Em outro caso, a ministra derrubou o vínculo entre um profissional e uma construtora.

“No caso em exame, a 15ª turma do TRT da 2ª região invalidou o vínculo de prestação de serviços firmado entre as partes, mantendo o reconhecimento do vínculo empregatício ao fundamento de que a beneficiária trabalharia na atividade-fim da empresa contratante e de que a empresa não teria comprovado nos autos ausência de algum dos requisitos da relação empregatícia. Essa decisão desafina do entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 324.”

Dias Toffoli

Decidiu contra o reconhecimento de vínculo empregatício em três situações, incluindo um diretor financeiro, um profissional de construtora e uma advogada associada a escritório.

Em um dos casos mencionados, a construtora insurgiu-se contra decisão da 5ª turma do TRT da 2ª região, a qual manteve reconhecimento de vínculo empregatício, desconsiderando contrato de natureza comercial de prestação de serviços entre a construtora e um corretor de imóveis. Para o julgador, ministro Toffoli, há compatibilidade entre os valores do trabalho, a livre iniciativa e a terceirização.

Luiz Fux

Anulou o vínculo empregatício de um motorista com o aplicativo Cabify e de um médico com um hospital.

“O cotejo analítico entre a decisão reclamada e o paradigma invocado revela ter havido a inobservância da autoridade da decisão deste Supremo Tribunal Federal, uma vez que o juízo reclamado afastou a eficácia de contrato constituído e declarou a existência de vínculo empregatício entre o motorista de aplicativo e a plataforma reclamante, desconsiderando entendimento firmado pela Corte que contempla, a partir dos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, a constitucionalidade de diversos modelos de prestação de serviço no mercado de trabalho.”

Alexandre de Moraes

Derrubou vínculos empregatícios de motoristas e da jornalista Rachel Sheherazade com o SBT.

Ao decidir em um dos casos, Alexandre de Moraes concordou que a decisão teria desconsiderado as conclusões do Supremo nos processos citados. Para ele, a relação estabelecida entre o motorista de aplicativo e a plataforma mais se assemelha com a situação do transportador autônomo, que tem relação de natureza comercial.

Nunes Marques

Reverteu o reconhecimento de vínculo empregatício de um corretor e de um representante comercial.

Na primeira decisão mencionada, ministro Nunes Marques observou que não há nos autos indícios de exercício abusivo da contratação com a intenção de fraudar a relação de emprego.

Ele lembrou que, na ADPF 324, o STF reconheceu que a terceirização não resulta, isoladamente, na precarização do trabalho, na violação da dignidade do trabalhador ou no desrespeito a direitos previdenciários.

André Mendonça

Anulou vínculos de uma ex-franqueada e de uma jornalista com suas respectivas empresas.

No caso da franquia, o ministro André Mendonça mencionou a ADPF 324 e as ADIns 48 e 66, que afirmam a legalidade da terceirização e a validade de outras modalidades de prestação de serviços, como a franquia, sem que isso implique uma relação de emprego. Baseado nesse entendimento, concluiu que a decisão do TRT-2 não observou a jurisprudência consolidada do STF sobre o tema.

Cristiano Zanin

Foi contrário ao vínculo empregatício entre um técnico de radiologia, entregadores de plataforma e suas organizações.

No julgamento contra o hospital, Zanin ressaltou que o STF, com fundamento nos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, entendeu ser possível a terceirização de qualquer atividade econômica, ficando superada a distinção estabelecida entre atividade-fim e atividade-meio firmada pela jurisprudência trabalhista.

Flávio Dino

Embora tenha negado seguimento a uma reclamação por razões processuais, destacou que as decisões não violam a jurisprudência sobre terceirização.

“A interpretação da decisão reclamada, ao desconsiderar a contratação do profissional como corretor autônomo, na forma disposta na lei 6.530/78, não violou o que fora decidido por este Supremo Tribunal na ADPF 324, na ADC 48 e na ADIn 5.625, no que diz respeito à constitucionalidade de relações de trabalho distintas da relação empregatícia com previsão na CLT.”

Com a palavra, o TST

No ano passado, a equipe da TV Migalhas ouviu as ministras Maria Cristina Peduzzi e Delaíde Alves Miranda Arantes, ambas do TST. Elas divergem sobre a posição do STF envolvendo trabalho.

Para Maria Cristina Peduzzi, a Corte tem tido “sensibilidade elogiável” no compreender das novas formas de trabalho e de produção.

“A economia é, hoje, digital. É muito importante nós compreendermos que existem outros mecanismos de proteção do trabalho humano e de implementação do princípio da dignidade da pessoa humana fora da CLT.”

Fazendo contraponto, ministra Delaíde Arantes é crítica à situação e vê em alguns ministros da Suprema Corte desconhecimento sobre Direito Social e o papel da JT diante destes temas.

“Como essas decisões têm sido na perspectiva do setor econômico, e não na perspectiva do Direito Social, está havendo esse desencontro de posições, o que desafia um diálogo entre os tribunais e a sociedade. (…) O STF está decidindo na contramão da Constituição Federal, de quem é guardião, na contramão das normas e tratados internacionais, e não está observando a proteção social, o Direito Social e o Direito do Trabalho.”

Migalhas: https://www.migalhas.com.br/quentes/405247/maioria-dos-ministros-do-stf-anula-vinculos-reconhecidos-na-jt