por NCSTPR | 18/11/24 | Ultimas Notícias
Opinião
Uma recente decisão do TST (Tribunal Superior do Trabalho) sobre a multa do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço durante a Covid revela a tensão permanente entre capital e trabalho no ordenamento jurídico brasileiro. Em outubro, a 5ª Turma do TST, por unanimidade, determinou que as empresas que mantiveram suas atividades durante a pandemia não podem reduzir a multa do FGTS de 40% para 20%, mesmo sob alegação de força maior.
Tecnicamente, a multa de 40% do Fundo, prevista no artigo 18, §1º, da Lei 8.036/90, representa uma conquista histórica da classe trabalhadora, constituindo-se como verba indenizatória destinada a amenizar os impactos da dispensa imotivada. Como destaca Mauricio Godinho Delgado no Curso de Direito do Trabalho (2023, p. 1384), “a multa de 40% do FGTS tem natureza de proteção ao emprego, funcionando como obstáculo jurídico à dispensa arbitrária”.
A tentativa empresarial de reduzir este percentual foi fundamentada no artigo 502 da CLT, que prevê a possibilidade de pagamento pela metade das indenizações em caso de força maior. Contudo, como argumenta Jorge Luiz Souto Maior em O Direito do Trabalho como Instrumento de Justiça Social (2022), “a interpretação das normas trabalhistas deve sempre privilegiar a proteção do trabalhador, sendo inadmissível utilizar a pandemia como subterfúgio para precarização”.
Os dados técnicos são reveladores: segundo o Dieese (2023), durante a pandemia, cerca de 15,3 milhões de trabalhadores foram demitidos, gerando um passivo potencial de R$ 23,7 bilhões em multas do FGTS. A redução para 20% significaria uma expropriação de aproximadamente R$ 11,85 bilhões de trabalhadores, transferindo este montante para o capital.
Gabriela Neves Delgado e Mauricio Godinho Delgado, em A Reforma Trabalhista no Brasil com os Comentários à Lei nº 13.467/2017 (2023), ressaltam que o princípio da proteção, pedra angular do Direito do Trabalho, impede que situações de proteção sejam utilizadas para fragilizar garantias fundamentais. O artigo 502 da CLT deve ser interpretado restritivamente, aplicando-se apenas quando há encerramento pecuniário das atividades empresariais.
Força maior, socialização de prejuízos e enriquecimento sem causa
A análise técnica da decisão do TST revela três pontos cruciais: 1) a continuidade das atividades empresariais descaracteriza a força maior; 2) uma pandemia, por si só, não autoriza a redução de direitos trabalhistas; 3) a proteção ao trabalho é princípio constitucional que não pode ser relativizada por interpretações extensivas de questões legais.
Homero Batista Mateus da Silva, em Curso de Direito do Trabalho Aplicado (2023), pontua que a força maior, prevista no artigo 501 da CLT, exige prova robusta da impossibilidade absoluta de manutenção da empresa, não se confundindo com meras dificuldades financeiras. Das 789 empresas que pretendiam reduzir a multa em 2020-2021, apenas 12% efetivamente encerraram suas atividades.
Valdete Souto Severo, em Elementos para o Uso Transgressor do Direito do Trabalho (2023), argumenta que “a pandemia expõe a fragilidade do discurso neoliberal de flexibilização, evidenciando como o capital tenta socializar prejuízos enquanto mantém a privatização dos lucros”. Os dados do Caged mostram que 67% das empresas que reduziram a multa do FGTS mantiveram ou aumentaram seus descontos durante a pandemia.
O aspecto técnico da execução da decisão do TST merece destaque: as empresas que reduzirem indevidamente a multa deverão complementar o valor, com correção de segurança pelo índice aplicável aos débitos trabalhistas (IPCA-E + juros de 1% ao mês). Como observa Carlos Henrique Bezerra Leite no Curso de Direito Processual do Trabalho (2023), esta determinação garante a efetividade da decisão e previne o enriquecimento sem causa do empregador.
Aspectos processuais, previdenciários e sindicais
A dimensão processual da decisão também merece análise detalhada. Segundo levantamento do TST, aproximadamente 12.400 processos relacionados à redução da multa do FGTS durante a pandemia foram ajudados entre 2020 e 2024. Como observa Mauro Schiavi no Manual de Direito Processual do Trabalho (2023), essa quantidade expressiva de demandas evidencia a necessidade de uma resposta judicial uniforme para garantir a segurança jurídica.
O impacto financeiro nas empresas não pode ser considerado justificativo válido para a redução de direitos. Dados da Receita Federal indicam que 73% das empresas que pretendiam reduzir a multa do FGTS obtiveram lucro líquido positivo em suas declarações fiscais durante o período pandêmico. Como argumenta Wilson Ramos Filho em Direito Capitalista do Trabalho (2022), “a socialização dos prejuízos e a privatização dos lucros é uma característica estrutural do capitalismo que o Judiciário não pode chancelar”.
A análise técnica da força maior, conforme artigo 501 da CLT, requer a demonstração do fato inovador, imprevisível e alheio à vontade do empregador que impossibilita a continuidade da atividade empresarial. Vólia Bomfim Cassar, em Direito do Trabalho (2023), ressalta que “a pandemia, embora configure evento de força maior, não autoriza automaticamente a redução de direitos quando a empresa mantém sua capacidade produtiva e lucratividade”.
O aspecto previdenciário da questão também é relevante. A redução da multa impacta diretamente a contribuição social de 10% devida pelos trabalhadores ao FGTS nas demissões sem justa causa, instituída pela Lei Complementar 110/2001. Segundo a PGFN, uma tentativa de redução da multa resultaria em uma perda estimada de R$ 2,9 bilhões para o sistema do FGTS.
Sayonara Grillo e Renata Dutra, em Direitos Fundamentais e Relações de Trabalho (2023), destacam que a decisão do TST alinha-se às normas internacionais de proteção ao trabalho em tempos de crise. Citam como exemplo a decisão da Corte Constitucional italiana que invalidou tentativas semelhantes de redução de direitos trabalhistas durante a pandemia.
Os dados do Caged demonstram que os setores que mais buscaram reduzir a multa do FGTS — varejo (32%), indústria (28%) e serviços (25%) — foram justamente aqueles que tiveram maior recuperação econômica após o período crítico da pandemia. Como observa Jorge Luiz Souto Maior em artigo recente, “a tentativa de redução da multa revelou-se mais uma estratégia de maximização de lucros do que uma necessidade de sobrevivência empresarial”.
A questão da boa fé objetiva nas relações trabalhistas, princípio previsto no artigo 422 do Código Civil e aplicável subsidiariamente ao Direito do Trabalho, foi central na decisão. Everaldo Gaspar Lopes de Andrade, em Direito do Trabalho e Pós-modernidade (2023), argumenta que “a utilização oportunista da pandemia para redução de direitos viola o dever de lealdade contratual”.
Responsabilidade social das empresas e a representação sindical
Um aspecto técnico relevante é o prazo prescricional para consentimento da diferença da multa. Mauricio Godinho Delgado enfatiza que o prazo é bienal a partir da extinção do contrato, conforme artigo 7º, XXIX, da Constituição, sendo obrigatório que os trabalhadores prejudicados ajuízem suas reclamações dentro deste período.
O impacto da decisão no sistema sindical também merece análise. Dados do Dieese indicam que 45% dos acordos coletivos firmados durante a pandemia continham cláusulas de redução da multa do FGTS. Como observa Aldacy Rachid Coutinho em Direito do Trabalho: a passagem de um regime despótico para um regime hegemônico (2023), tais acordos refletem a fragilização da representação sindical no contexto pandêmico.
A questão da responsabilidade social empresarial emerge como ponto crítico. Ricardo Antunes, na obra recente Coronavírus: O Trabalho Sob Fogo Cruzado (2023), destaca que “empresas que mantiveram suas atividades e lucratividade durante uma pandemia têm responsabilidade social ampliada, não podendo se eximir de suas obrigações trabalhistas sob pretexto de força maior .”
Tecnicamente, a decisão do TST distribuiu três requisitos cumulativos para caracterização da força maior que autorizam a redução da multa: 1) impossibilidade absoluta de continuidade das atividades; 2) ausência de culpa do empregador; 3) inexistência de alternativas menos graves aos trabalhadores. Como observa Grijalbo Fernandes Coutinho em Direito do Trabalho e Teoria Social Crítica (2023), “estes requisitos protegem o trabalhador contra interpretações abusivas do instituto da força maior”.
As estatísticas do Banco Central demonstram que 82% das empresas que pretendiam reduzir a multa do FGTS tiveram acesso a linhas de crédito emergenciais durante a pandemia, evidenciando a existência de alternativas à redução de direitos. José Carlos Arouca, em Curso Básico de Direito Sindical (2023), argumenta que “o acesso ao crédito subsidiado impede a alegação de força maior como justificativa para redução de direitos”.
O aspecto constitucional da decisão merece destaque. A proteção contra a despedida arbitrária, prevista no artigo 7º, I, da Constituição, inclui a garantia de indenização compensatória, da qual a multa do FGTS é expressão direta. Gabriela Neves Delgado ressalta que “a redução da multa viola o núcleo essencial do direito fundamental à proteção contra a despedida arbitrária”.
A repercussão geral da decisão foi reconhecida pelo STF (Tema 1.192), que deverá se manifestar sobre a constitucionalidade da redução da multa do FGTS em casos de força maior. Como observa Marcus Orione Gonçalves Correia em Direito Previdenciário e Direito do Trabalho (2023), “uma decisão do STF será crucial para consolidar a interpretação constitucional pro operario em tempos de crise”.
Referências
Delgado, Gabriela Neves, e Maurício Godinho Delgado. 2023. “A Reforma Trabalhista no Brasil com os Comentários à Lei n. 13.467/2017.” São Paulo: LTr.
Delgado, Maurício Godinho. 2023. “Curso de Direito do Trabalho”. São Paulo: LTr.
DIEESE. 2023. “Boletim FGTS: Análise dos Impactos da Pandemia nas Verbas Rescisórias.” São Paulo: DIEESE.
LEITE, Carlos HenriqueBezerra. 2023. “Curso de Direito Processual do Trabalho”. São Paulo: Saraiva.
Silva, Homero Batista Mateus da. 2023. “Curso de Direito do Trabalho Aplicado.” São Paulo: RT.
Souto Maior, Jorge Luiz. 2022. “O Direito do Trabalho como Instrumento de Justiça Social.” São Paulo: LTr.
Severo, Valdete Souto. 2023. “Elementos para o Uso Transgressor do Direito do Trabalho.” São Paulo: Editora Dobra.
é pós-doutorando (FDUSP), doutor e mestre em História Econômica na Universidade de São Paulo (USP), especialista em Economia do Trabalho (Unicamp) e Direito do Trabalho (USP), bacharel em Ciências Sociais, Direito e História (USP) e coordenador acadêmico do Grupo de Pesquisa e Estudos na Escola Superior de Advocacia (ESA/OAB-SP).
CONJUR
https://www.conjur.com.br/2024-nov-14/a-vitoria-dos-trabalhadores-na-manutencao-da-multa-de-40-do-fgts-durante-a-crise-da-covid/
por NCSTPR | 18/11/24 | Ultimas Notícias
Dispensa
Ele chamou o colega de “puxa-saco de comissão”, “baba-ovo” e “preto de Diadema”.
Da Redação
A juíza do Trabalho Renata Curiati Tibério, da 8ª vara do Trabalho de São Bernardo do Campo/SP, negou o pedido de reversão de dispensa por justa causa aplicada a operador de produção que utilizou termos racistas contra colega durante desentendimento.
Conforme registrado nos autos, os envolvidos foram convocados para uma reunião em que o sindicato comunicaria a terceirização do setor em que ambos trabalhavam. Durante a reunião, ao interpretar que o colega estava apoiando a decisão, o reclamante o chamou de “puxa-saco de comissão”, “baba-ovo” e “preto de Diadema”. Testemunhas confirmaram as ofensas.
Em sua defesa, o autor afirmou que a expressão utilizada não tinha cunho racista e que seria, na verdade, uma homenagem, justificando que o termo “preto de Diadema” foi usado para destacar que o colega era “aguerrido” e “contestador”, associando essas características à cor da pele e à origem humilde.
Empregado que ofendeu colega com termo racista tem justa causa mantida.
Para a juíza, o autor demonstrou um comportamento que limitava a liberdade de expressão do colega, sugerindo que ele deveria adotar uma postura específica, o que configuraria preconceito racial.
“Essa inferência realizada pelo reclamante é, sem dúvida, preconceito racial. O fato de o autor acreditar que tal associação se trata de um enaltecimento só revela o quão profundo e, por isso mesmo, invisível, pode ser o racismo em nossa sociedade.”
A juíza também ressaltou que o foco da análise não é o tema em discussão na reunião, mas sim o enquadramento do colega em parâmetros arbitrários de interpretação racial. “A referência como ‘preto de Diadema’ reveste-se, no contexto fático delineado, de cunho eminentemente ofensivo, discriminatório e racista”, afirmou.
Por fim, a magistrada concluiu que a conduta do reclamante comprometeu a confiança necessária na relação empregatícia, sendo inadmissível para a empresa, que tem a obrigação de preservar um ambiente de trabalho saudável e respeitoso.
Processo: 1001344-34.2024.5.02.0468
Veja a sentença: https://www.migalhas.com.br/quentes/419731/empregado-que-ofendeu-colega-com-termo-racista-tem-justa-causa-mantida
MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/quentes/419731/empregado-que-ofendeu-colega-com-termo-racista-tem-justa-causa-mantida
por NCSTPR | 18/11/24 | Ultimas Notícias
Indústria condenada
Indústria foi condenada a pagar verbas rescisórias como se fosse uma dispensa imotivada, destacando a responsabilidade do empregador em promover o retorno do empregado após a alta previdenciária.
Da Redação
3ª turma do TRT da 3ª região determinou a rescisão indireta do contrato de uma trabalhadora impedida pela empregadora de retomar suas atividades após o término de seu benefício previdenciário.
Com a decisão, uma indústria metalmecânica deverá arcar com as verbas rescisórias, como ocorre em casos de dispensa imotivada.
Justiça em BH reconhece rescisão indireta de contrato de trabalhadora impedida de voltar ao serviço após alta previdenciária.
O caso
A trabalhadora, que exercia o cargo de técnico de segurança do trabalho, sofreu fratura da tíbia esquerda em 1º/1/2021 e alegou tratar-se de acidente de trabalho, o que ocasionou sua incapacidade laborativa total e temporária, resultando na concessão de auxílio-doença de 11/2/2021 a 31/3/2021.
Após perícia do INSS, foi declarada apta ao trabalho, sem sequelas da fratura. A perícia confirmou que ela não apresentava limitações funcionais ou estéticas.
Em sua defesa, a empregadora negou os fatos alegados, afirmando que a trabalhadora não comunicou o fim do benefício previdenciário.
“Ela optou, por livre e espontânea vontade, em não retornar ao serviço e continuar buscando o benefício previdenciário, conforme comprova-se pela vasta documentação juntada, restando rechaçada a alegação autoral de que teria sido proibida de retornar por culpa da empresa”, sustentou a empresa.
Decisão
O juiz do Trabalho Gastão Fabiano Piazza Júnior, da 15ª vara do Trabalho de Belo HorizonteMG, decidiu que cabia à empresa promover o retorno da trabalhadora após o término do benefício.
“Isso porque, terminada a licença, surge para o empregador o dever de colocar o emprego à disposição e efetuar o pagamento dos salários e dos demais encargos trabalhistas. Caso assim não proceda, obviamente assume os riscos decorrentes do eventual indeferimento, por parte do INSS, dos pedidos de prorrogação ou restabelecimento do auxílio.”
Segundo o juiz, o término do benefício encerra a suspensão do contrato, nos termos do artigo 476 da CLT, restabelecendo as obrigações de ambas as partes.
Na sentença, ele destacou a ausência de provas de que a empresa cumpriu seu dever legal.
“Diversamente do sustentado na contestação, a empregadora sempre teve pleno conhecimento dos percalços enfrentados pela autora da ação pelo longo do período em que esteve afastada.”
Ele também observou que, após 13/9/2023, não foi apresentada prova de que a empresa tomou providências para reintegrá-la ao trabalho. O magistrado ainda pontuou que a única testemunha não soube esclarecer por que a empresa não aplicou penalidade por abandono de emprego.
“Após a alta previdenciária, a empresa deveria ter adotado as medidas pertinentes, de modo a restabelecer a prestação de serviços e, em caso de recusa da colaboradora, ter colocado termo ao contrato, por justa causa. Todavia, como visto, assim não procedeu. Optou por permanecer na cômoda situação de aguardar o deslinde de eventuais recursos, imputando à autora o limbo jurídico trabalhista-previdenciário”, ressaltou o magistrado.
Segundo o juiz, a trabalhadora ficou sem salários e sem o benefício.
“Tal atitude vai de encontro aos princípios constitucionais da dignidade do ser humano e valor social do trabalho e não pode contar com o beneplácito desta Justiça. Caberá à empresa, portanto, arcar com os ressarcimentos pertinentes.”
Diante da recusa de trabalho após a alta em 31/3/2021 e da falta de pagamento de salários entre 1º de abril de 2021 e 18 de outubro de 2023, a trabalhadora terá direito às indenizações requeridas.
“Por todo o exposto, e à míngua de recibos adunados que demonstrassem a efetiva quitação, defiro, também: pagamento do aviso prévio indenizado, assim como dos salários do interstício de afastamento, a saber, de 01/04/2021 a 18/10/2023, inclusive os 13os salários e férias acrescidas com 1/3 relativos ao período em questão.”
A empresa recorreu da sentença, mas, ao julgar o caso, a 3ª turma manteve a decisão de 1ª instância.
Os julgadores ressaltaram que a empregadora não cumpriu suas obrigações trabalhistas, rejeitando sua justificativa.
Conforme o relator, “a ausência de pagamento de salários no período constatado como ‘limbo previdenciário’ deve ser suportada pela empregadora. Isso ocorre porque o empregado não pode ficar sem pagamento de salários em tal interregno, mormente porque não deu causa a situação tão adversa e penosa”.
“Por isso, tenho por configurada a rescisão indireta, nos termos do artigo 483, ‘d’, da CLT, motivo pelo qual fica mantida a rescisão indireta reconhecida na sentença e a condenação ao pagamento das parcelas daí decorrentes.”
Processo: 0010878-27.2023.5.03.0015
Leia a decisão: https://www.migalhas.com.br/arquivos/2024/11/6AA5A6748148CE_Industriaecondenadapornaoreint.pdf
Com informações do TRT-3.
MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/quentes/419790/trt-3-da-rescisao-indireta-a-tecnica-impedida-de-laborar-apos-acidente
por NCSTPR | 18/11/24 | Ultimas Notícias
Rosa Maria Freitas
Redução da jornada é vista como essencial para qualidade de vida. Inspirada em Arendt e De Masi, a proposta visa um trabalho menos exaustivo e mais equilibrado.
Os trabalhadores brasileiros têm uma carga de trabalho de até 44 horas semanais. Isso significa a possibilidade de trabalhar 8 horas por dia de segunda a sexta e 4 horas aos sábados, já que a princípio o dia de descanso é de preferência o domingo, ou seja, de 6X1.
Tendência do capitalismo
Desde da primeira revolução industrial que a carga horária diminuiu paulatinamente e nós já estamos na quarta. Antes homens, mulheres e até crianças trabalhavam em escalas exaustivas de 12 horas ou mais e comprometiam sua saúde física e mental. O pouco tempo dedicado à família e às atividades políticas, técnicas e artísticas também sobrecarregam esse trabalhador.
Hannah Arendt já abordou o tema há mais de 70 anos no livro “A condição humana”, de 1958 Para ela, nós deveríamos usar nosso tempo com equilíbrio entre as três esferas: o labor, o trabalho e a ação. Labor para ela é o cuidado de si e da família, é o conjunto de atividades domésticas necessárias à saúde, qualidade de vida e descanso. O trabalho ou atividade fabril é o tempo dedicado à produção de bens e riquezas coletivas. Já a ação, a nossa participação no espaço público.
Exaustão com dias contados?
A vida do trabalhador da lógica capitalista é a dedicação exaustiva e extenuante ao trabalho, colocando em segundo plano o cuidado de si e da família e a participação na vida pública.
No início do século XX, o italiano Domenico de Masi lutou a vida inteira para difundir a ideia do ócio criativo. Nós seres humanos não devemos viver para o trabalho e o auxílio das máquinas podem livrar a sociedade do peso excessivo e brutal dos desgastes das atividades pesadas, rotineiras e repetitivas.
Mesmo, assim, os italianos ainda trabalhavam mais que os vizinhos alemães e outros europeus. Na última entrevista que assisti de De Masi ao ICL, ele falou sobre isso. Porém, a Alemanha tinha uma produtividade maior que a maioria dos países da União Europeia com carga horária bem menor, sendo a mais baixa do mundo.
Não é novidade no Brasil
O debate não é novo. O depurado Wolney Queiroz (Projeto 1091/19) já apresentou há muito tempo um projeto de lei para diminuir os impactos da automação. O Senador Paulo Paim (PL 4035/19) também sugeriu a sua regulação, já que uma das medidas para reduzir o desemprego é a redução da jornada.
O PL – Projeto de Lei 1.105/23 de Weverton (PDT) propõe a redução da jornada.
Antes disso, a PEC 231/95 também se debruçou sobre o tema, mas não teve sucesso. Mesmo na constitunte havia a proposta de redução para 40 horas semanais, mas foi vencida.
É bom comparar
A menor carga horária de trabalho no mundo é a Alemã com média de 25,94. A maior média de horas trabalhadas fica com o México com 43,4 e o Brasil está em quarto lugar entre as maiores médias com 39 horas.
Não acredito que ninguém teria a coragem de dizer que os alemães trabalham pouco ou que são preguiçosos, nem que o México é o país mais rico do mundo por ter a maior carga horária.
A gestão do trabalho deve priorizar por qualidade e não quantidade. O governo deve resguarda a saúde física e mental dos brasileiros trabalhadores.
O fato de reduzir a jornada para 2/5 ou 3/4 não acredito que vá prejudicar os empresários brasileiros, já se provou em.outros lugares que não se afeta a produtividade, como na Inglaterra que iniciou o teste por adesão, as empresas que experimentaram não viram redução de produtividade. No entanto, foram reduzidas as faltas e atrasos.
No mais, ao ter mais tempo livre poderá o trabalhador se dedicar a economia do cuidado, havendo menos gastos com babás, escolas e cuidadores em geral, mais tempo para aprimoramento pessoal, cuidados domésticos e atividade física.
A Proposta de Erika Hilton não é novidade nos corredores do Congresso, mas ‘parece’ que será aquela mais próxima de ser bem sucedida, já tendo o quantitativo de 191 adesões de deputados federais de várias orientações de direita e de esquerda.
Nova ideologia do trabalho
No mais a ideologia do trabalho mudou radicalmente nos últimos anos. Um dos hits de sucesso de Beyoncé é o Break My Soul, onde parte da melodia fala dos danos existenciais do trabalho: “Eles fazem eu me esforçar tanto, das nove da manhã até depois das cinco da tarde, forçando meus nervos, e é por isso que eu não consigo dormir à noite”.
Há vida além do trabalho – VAT., porem devemos ter cuidado para que não exista a redução dos salários.
Os jovens já não se interessam por esse trabalho tradicional, são uma nova juventude ligada às tecnologias informação e comunicação e sem grandes projetos pessoais ligados aos trabalhos tradicionais numa empresa ou ramo de atividade.
A tendência mundial de redução da jornada é decorrência da própria dinâmica da tecnologia e automação. E não temos como ignorar esse fato. O problema não é o trabalho, mas a absurda exploração e péssima qualidade de vida do trabalhador, em especial, os dos países com maior desigualdade social, como é nosso caso. Precisamos trabalhar menos e viver melhor.
Assim, antes da diva americana, Seu Jorge cantou:
“E sem dinheiro, vai dar um jeito, vai pro serviço
É compromisso, vai ter problema se ele faltar
Salário é pouco, não dá pra nada
Desempregado também não dá
E desse jeito a vida segue sem melhorar”.
Ao trabalhador brasileiro!
Rosa Maria Freitas
Doutora em Direito pelo PPGD/UFPE, professora universitária, Servidora pública, Escritório Rosa Freitas Advocacia em Direito público, palestrante e autora do livro Direito Eleitoral para Vereador.
MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/depeso/419921/fim-da-escala-6×1-e-o-direito-fundamental-ao-descanso
por NCSTPR | 18/11/24 | Ultimas Notícias
A forte adesão à proposta de acabar a escala 6x1e reduzir a jornada é um grito de socorro contra a subordinação do tempo da vida somente ao trabalho, com escalas que desorganizam a vida, com baixos rendimentos e ausência de oportunidades de trabalho, escrevem em artigo Pietro Borsari, Ezequiela Scapini, José Dari Krein e Marcelo Manzano, todos pesquisadores e pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT) vinculado ao Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp).
Eis o artigo.
Na última semana a bandeira pelo fim da jornada de trabalho 6×1 retornou à agenda pública brasileira. A pauta, que tomou muito setores da esquerda de surpresa, tem atraído milhares de trabalhadores e trabalhadoras que veem suas vidas sufocadas pela jornada extenuante e por condições de trabalho cada vez mais precárias. Não são poucos os relatos nas redes sociais de sobrecarga e assédio no âmbito de trabalho e só a petição pública feita pelo Movimento Vida Além do Trabalho (VAT) já conta com mais de 2 milhões de assinaturas.
A forte adesão à proposta de acabar a jornada 6×1 e reduzir a jornada é um grito de socorro contra a subordinação do tempo da vida somente ao trabalho, com escalas que desorganizam a vida, com baixos rendimentos e ausência de oportunidades de trabalho. O grito é tão forte que sensibiliza grande parte da sociedade, especialmente, a juventude que busca ter horizontes mais promissores para a sua vida. A vida não é só trabalho. Pelo contrário, o trabalho precisa proporcionar as condições para as pessoas viverem ela em todas as suas dimensões.
Mesmo quem trabalha na jornada “padrão” 5×2 está cansado o suficiente para saber que deve ser desumano trabalhar seis dias e folgar um, que nem sempre coincide com o domingo. O fim de semana de dois dias é curto e passa rápido – mal se descansou e o final de domingo se apresenta angustiante com o retorno ao trabalho na manhã seguinte. Na 6×1 não há fim de semana, há um respiro breve entre outros seis dias de trabalho.
As pessoas querem viver além do trabalho
A onda de protestos na sociedade contra a jornada 6×1 expressa um descontentamento mais amplo das pessoas com o mundo do trabalho. O sentimento é que se trabalha muito, se recebe insatisfatoriamente e resta pouco tempo para o descanso, o ócio, o lazer, a sociabilidade com a família e os amigos, o estudo, o cuidado com a saúde física e mental, a vida sexual e outras tantas dimensões que compõem o ser humano para além do trabalho. Ecoa-se o grito desesperado de quem percebe que sua vida está toda em função do trabalho e da reprodução social, ao passo que as coisas que importam são postas em segundo plano.
Não há dúvida que o trabalho é um eixo estruturante da vida social. O problema não é trabalhar, mas somente trabalhar e entrar em uma dinâmica de luta pela sobrevivência que não lhe permite viver. Vale lembrar que a média salarial no Brasil, ainda que tenha tido um crescimento anual de 4%, é de R$ 3.222,00, segundo dados da PNAD (abril, 2024), e que 53 milhões de brasileiros necessitam uma ocupação ou uma ocupação melhor, somando desocupados, desalentados, pessoas sem condições de trabalhar mas que gostariam, trabalhadores sem carteira assinada ou que estão em busca de estratégias de sobrevivência. Ainda, possuir um trabalho formal não é garantia de que se tenha um trabalho não precário.
A juventude tem encontrado um mundo do trabalho que lhe parece insuportável, para o qual está levantando sua voz e dizendo: isso não é vida. Ainda que a atenção no último período tenha se dado aos chamados “jovens sem-sem” (sem estudo e sem trabalho), o que corresponde a 25% dos jovens brasileiros, há hoje 70% de jovens inseridos no mercado de trabalho. Não à toa o movimento VAT é encabeçado por jovens, a exemplo do seu principal expoente Rick Azevedo. A promessa de que a educação lhes salvaria tem resultado em frustração para muitos, apesar de ter níveis de escolaridade superiores aos de seus pais não tem garantido uma vida melhor.
Aproximadamente 15% dos jovens que se formaram no ensino superior conseguem emprego na sua área de formação (NUBE, 2020). Há ainda uma grande frustração com o que se encontra no mercado de trabalho, que não somente é incapaz de proporcionar recompensas financeiras satisfatórias como oferece ocupações em que as pessoas não se realizam.
Nesse sentido, mais que uma crítica pontual ao regime de jornada trabalho seis por um, há uma manifestação social latente sobre as relações com o trabalho e as condições em que se trabalha. O nível de adoecimento psíquico decorrente do trabalho é alarmante e atinge toda a classe trabalhadora. Só em 2022, segundo o INSS, mais de 209 mil pessoas foram afastadas do trabalho por transtornos mentais em nosso país. Reproduz-se uma sociedade adoentada, com jornadas exaustivas, assédios de diferentes natureza, pressões por resultados crescentes, insegurança financeira e a convivência com o medo permanente de perder o emprego.
Para a OIT (2022), houve um aumento significativo no número de pessoas com algum problema de saúde mental, com um total de 13% de pessoas em 2019 em nível mundial e, estima-se, que 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos devido a esse tipo de problema, custando ao redor de um trilhão de dólares à economia. Há uma relação direta entre jornadas extenuantes e adoecimento físico e mental do trabalhador.
Quanto à juventude, segundo o Dossiê da Fiocruz de 2024, Panorama da situação de saúde de jovens brasileiros, entre 2016 e 2022 , identificou-se que a taxa de acidente de trabalho foi maior entre os jovens em comparação com as demais faixas etárias – 219,78 casos para jovens de 20 a 24 anos, 209,44 no caso de jovens de 25 a 29 anos, ambos calculados por 100.000 habitantes -, indicando uma maior exposição dos jovens ao acidente de trabalho, tendo como causa primeira as circunstâncias relativas às condições de trabalho. Os grupos profissionais mais notificados entre os jovens foram os trabalhadores da produção de bens e serviços industriais e os inseridos nas atividades de serviço, vendedores do comércio em lojas e mercados.
Além disso, na última Conferência da Juventude em 2023, o tema da saúde mental foi o mais lembrado, recebendo 41% das propostas para resolução do problema. Não à toa, já que 8 a cada 10 jovens entre 15 e 29 anos apresentaram algum transtorno de saúde mental em 2022. Para a Fiocruz, o número de notificações de jovens com transtorno mental relativo ao trabalho é maior entre os jovens de 25 a 29 anos com prevalência do sexo feminino. As principais causas são estresse pós-traumático, transtornos de adaptação, transtorno misto ansioso e depressivo e ansiedade generalizada. Em síntese, é um quadro assustador para o futuro do país.
A jornada 6×1 é apenas parte do problema. Não obstante, seu enfrentamento tem o potencial de mobilizar pautas historicamente centrais das lutas dos movimentos dos trabalhadores. Revogar a jornada 6×1 parece um passo importante na direção da redução da jornada de trabalho em geral – nunca é demais lembrar que as 44 horas por semana (acrescidas das horas extras) foram instituídas há 36 anos na Constituição Federal de 1988 e que o Brasil está bastante defasado frente experiências bem-sucedidas de implementação de jornadas laborais abaixo das 40 horas semanais em diversos países, tais como as experiências recentes de instituição de jornadas de quatro dias na Islândia, na Alemanha, na França, na Inglaterra, na Bélgica, nos Emirados Árabes, entre outros [1].
Vale também lembrar que uma parte significativa dos trabalhadores brasileiros não tem acesso aos direitos do trabalho, muitas vezes trabalhando numa escala 7×0, isto é, sete dias de trabalho sem descanso, a exemplo de muitos trabalhadores informais, por conta própria e de empresas de plataformas digitais – atualmente cerca de 40% dos trabalhadores estão na informalidade, traço histórico da formação do nosso mercado de trabalho. Com um excedente estrutural de força de trabalho que se manteve durante o processo de industrialização e da expansão do assalariamento, o nosso passado escravocrata legou à população negra, especialmente às mulheres, os trabalhos mais precários, com os piores salários e as piores condições laborais. Em um mercado de trabalho heterogêneo e marcado pela desigualdade, a informalidade e a precariedade não são específicas de um ou outro momento, mas marcas estruturais que se acentuaram no período neoliberal.
O falacioso argumento econômico
Os principais argumentos daqueles que se posicionam contrariamente ao fim da jornada na escala 6×1 são de natureza econômica – o que por si só é um fato interessante, pois no campo da sociabilidade, da autonomia humana e da saúde física e mental não há margem para dúvida: a escala 6×1 é péssima. A síntese do argumento econômico é que eliminar a possibilidade de escala 6×1 teria por efeito a redução de empregos e o aumento de custos para os negócios e, portanto, aumento de preços para os consumidores e prejuízo para as empresas. Os defensores da manutenção atual fazem “terrorismo” ao dizer que a simples aprovação da proposta seria ruim para o conjunto da economia, com perda de competitividade (e falência) das empresas, gerando aumento do desemprego.
Trata-se de um argumento recorrente, utilizado em outros momentos históricos para alarmar a sociedade que a introdução de um direito ou proteção social quebraria a economia e o país – foi assim quando da implementação do 13º salário ou do salário mínimo. Para exemplificar, se o governo brasileiro tivesse ouvido os economistas hegemônicos (neoclássicos), a grande mídia e os setores empresariais, não teria instituído a política de valorização do salário mínimo em 2004 em diante. Os argumentos hegemônicos apontavam que a elevação do salário mínimo geraria inflação, desemprego, informalidade e um imenso déficit nas contas públicas. Todos sabemos que os resultados não foram os previstos, pelo contrário, é incontestável que o salário mínimo teve efeitos muito positivos sobre a economia e uma melhora do bem estar de muita gente.
O fato é que o custo do trabalho é baixo no Brasil e não representa uma ameaça à competitividade das empresas. Entre 2012 e 2019, o custo unitário do trabalho na indústria teve tendência de queda. Em 2019 a queda foi de 3,6%, sendo o terceiro país com maior redução, atrás da Argentina e da França em primeiro e segundo lugar. Segundo a Confederação das Indústrias (2020), o principal fator para a queda do custo do trabalho foi o aumento da produtividade, cujo crescimento médio foi de 2,9%, somado à queda do salário real em 1,3%.
Na comparação do salário mínimo no plano internacional, segundo levantamento da OCDE em 2021, considerando seus países integrantes mais Brasil e Rússia, o valor da hora trabalhada foi de US$5,2 para o Brasil, deixando o país na 30° posição, a frente somente do México, cujo valor/hora trabalho é de US$ 3,3. Em primeiro lugar com o melhor valor/hora trabalho está Luxemburgo com US$27,7, seguido de Holanda com US$26,2 e Austrália com US$25,2.
Por outro lado, o Brasil possui uma das mais altas jornadas anuais do mundo. Segundo levantamento da OCDE (2022), o Brasil ocupa a 4° posição de 46 países considerados, com uma média anual de 1936 horas trabalhadas. Em primeiro lugar está o México com 2128 horas, seguido de Costa Rica com 2073 horas e, em terceiro lugar, Colômbia com 1964 horas anuais. Recordar-se que, durante o discurso de posse da presidenta do México, Claudia Scheinbaum, em outubro de 2024, a nova mandatária apontou como promessa do governo a redução da jornada de trabalho de 48 horas semanais para 40 horas. Já os países com a menor média anual são Alemanha em primeiro lugar com 1349 horas anuais, seguido de Dinamarca com 1363 horas e Luxemburgo com 1382 horas.
O importante é enfatizar que a redução da jornada de trabalho é uma demanda elementar dos trabalhadores no capitalismo, uma vez que os ganhos de produtividade decorrentes dos avanços tecnológicos, de processos e de gestão permitem se produzir cada vez mais com menos trabalho. Reduzir a jornada de trabalho com preservação dos salários é uma forma de distribuir esses ganhos de produtividade construídos pela coletividade.
O fim da escala 6×1 e a adequação dos negócios à nova realidade
A benéfica extinção da jornada 6×1 produziria efeitos modestos e diferenciados entre as empresas, conforme o setor de atividade, a estrutura de mercado e o porte do negócio. Em todo caso, as empresas se adequariam à nova realidade e essa excrescência que pesa sobre os ombros de milhões de trabalhadores deixaria de ser prevista na lei.
Para a economia como um todo, nada mudaria significativamente. Embora a alteração dos custos das empresas e o repasse para os preços dependam de muitos fatores, qualquer impacto seria pontual – once and for all, isto é, caso ocorra um aumento de preços em determinados bens e serviço, esse aumento não se repetirá, pois no momento seguinte a legislação será a mesma e, portanto, os custos também.
A elevação dos custos somente ocorreria simultaneamente ao aumento do nível de emprego, na medida em que os negócios que utilizam a escala 6×1 decidam contratar novos trabalhadores para suprir a ausência de força de trabalho ocasionada pela transição para outras escalas, como a 5×2 ou até mesmo a 4×3. Vale notar que, se isso acontecer, haveria um duplo benefício social: menos trabalhadores em jornadas degradantes e o aumento dos postos de trabalho. Portanto, o aumento de custos, por um lado, poderia produzir efeitos compensatórios na economia como um todo em virtude do aumento da massa salarial – mais gente trabalhando e proporcionando maior dinamismo econômico.
Como indicado, o repasse de custos para os preços depende de muitos fatores e pode variar significativamente de acordo com o segmento de atividade, a concorrência e a estrutura de mercado. Em mercados muito competitivos, como bares e restaurantes em grandes centros urbanos, o movimento dos preços deverá acompanhar a dinâmica de acomodação das novas escalas de trabalho. Certamente uma parte dos estabelecimentos buscará absorver a mudança legal sem novas contratações de trabalhadores, sem que os custos sejam impactados nesse caso. E, outra parte, que considera lucrativo manter o mesmo padrão de funcionamento do estabelecimento, poderá ampliar as vagas, incorrendo em algum aumento de custos, mas que se justificaria pelo volume de vendas – caso contrário não haveria contratação adicional. Ao mesmo tempo, com mais tempo livre para as pessoas, as atividades de lazer e cultura podem aumentar, o que traria mais clientes. Por outro lado, em mercados dominados por redes de grandes empresas, como os supermercados e farmácias, os novos custos associados à eliminação da jornada 6×1 podem ser absorvidos por esses negócios, de modo a produzir diferentes combinações entre redução marginal da taxa de lucro e aumento marginal nos preços dos bens e serviços vendidos.
Esses seriam os efeitos econômicos mais gerais que poderiam ser esperados com o fim da jornada na escala 6×1. Mas a realidade pode variar entre indústria, comércio e serviço; entre pequena, média e grande empresa. A esse respeito, faremos alguns apontamentos, destacando que a mudança é benéfica em todos os sentidos para os trabalhadores e trabalhadoras, e em nada impactaria negativamente a vida social – ao contrário. Assim como pode ser benéfica para economia, com menor nível de absenteísmo, adoecimentos, ganhos de produtividade, com trabalhadores satisfeitos e descansados, maior nível de atividade, pois pode ampliar o consumo.
Os pequenos negócios
A realidade dos pequenos empreendimentos no país é penosa independentemente das possibilidades de jornada de trabalho. De acordo com levantamento do Sebrae a partir dos dados da Receita Federal do Brasil entre 2018 e 2021, 21,6% das microempresas encerraram seus negócios após cinco anos de atividade, sendo essa taxa de mortalidade ligeiramente menor para as empresas de pequeno porte (17%) [2]. Tais dados estão considerando somente os empreendimentos formalizados.
Segundo o Sebrae, aponta-se como justificativa o pouco preparo pessoal, dado que é pequeno o número de pessoas que passaram por algum tipo de capacitação; o planejamento deficiente do negócio, dado que 17% dizem não ter feito nenhum planejamento e 59% dizem ter feito para no máximo 6 meses; assim como uma gestão deficiente. Esses fatores se associam à baixa produtividade que caracteriza a dinâmica dos pequenos negócios no país, que operam com reduzida intensidade de capital (tecnologia, máquinas e equipamentos). Alterações nas possibilidades de jornada de trabalho dos empregados não seriam determinantes para modificar a realidade dos pequenos negócios.
Caso um negócio dependa integralmente da jornada 6×1 para se manter lucrativo, ou seja, necessite superexplorar seus trabalhadores para sobreviver, não é exatamente um negócio virtuoso. Cabe pensarmos se desejamos uma sociedade que ratifique nos termos da lei os negócios que impõem jornadas exaustivas aos seus trabalhadores para se manter operante. Mas esse não é o caso predominante. Em geral, ou o pequeno negócio já está na informalidade – isto é, não tem a totalidade de seus empregados com carteira assinada –, ou ele conseguiria reorganizar sua força de trabalho em torno de outros regimes de jornada. Assim, para os negócios que operam na informalidade (com escala 6×1, 7×0, sem direitos trabalhistas etc.), pouco mudaria com o fim da jornada legal 6×1 – eles continuariam superexplorando sua força de trabalho à revelia da lei.
Modificar a jornada de trabalho não é solução econômica para os problemas dos pequenos negócios, mas um avanço em torno de condições mais humanas de trabalho e de possibilidade de uma sociedade mais organizada, além de poder abrir novas oportunidades. Para enfrentar o problema econômico, o fundamental é construirmos um projeto político de desenvolvimento socioeconômico que ofereça melhores condições para aqueles que desejam empreender. Caberia, portanto, elaborar e aprofundar as políticas de democratização do acesso ao crédito, suporte e capacitação para a gestão de negócios, ampliação de programas de compras públicas no âmbito das prefeituras e, sobretudo, um projeto mais amplo de desenvolvimento econômico que coloque a estrutura produtiva do país em melhores condições de geração de postos de trabalho de qualidade, o que por sua vez reverberaria positivamente sobre os pequenos negócios. Os pequenos negócios dependem do nível de renda da sociedade, ou seja, de uma dinâmica econômica com crescimento, visto que salário é renda e esta se converte em consumo.
Médias e grandes empresas: o capital preocupado
Em momentos de questionamentos da exploração, os especialistas e representantes das grandes empresas buscam justificar a manutenção do status quo sob um argumento de perda de competitividade e uma posição oportunista de defesa dos pequenos negócios. Esse fato chama a atenção, pois é sempre em torno da defesa dos “vulneráveis” (pequenos negócios, trabalhadores e consumidores pobres, etc.) que se mobilizam os principais discursos do grande capital. No momento da competição econômica de mercado, os grandes negócios não se importam em quebrar os menores, mas quando os direitos trabalhistas são postos na mesa o que ocorre é uma manipulação oportunística na defesa dos mais vulneráveis.
Os grandes negócios operam com escala elevada, possuem estrutura de custos enxuta, têm poder de negociação com fornecedores, gozam de amplo acesso ao crédito (a despeito da elevadíssima taxa de juros no país), departamentos de contabilidade, marketing, tributos etc. que superam sobremaneira qualquer capacidade de competição dos pequenos negócios. Nos bairros, os pequenos mercadinhos, mercearias, frutarias, farmácias etc. não conseguem competir no preço com as grandes redes. Os que sobrevivem o fazem a duras penas, amparados por uma combinação de elementos que vão desde a clientela fiel ou o serviço diferenciado, até a sonegação de impostos e o não cumprimento das leis trabalhistas. Portanto, o fim da escala 6×1 não é o problema e a dinâmica da concorrência permaneceria a mesma. Melhorar a condição dos pequenos negócios está em outra esfera que não a da redução de direitos trabalhistas, como enfatizamos anteriormente.
Quem está verdadeiramente preocupado com a mudança são as grandes empresas, que operam na legalidade e teriam de se adequar imediatamente aos novos parâmetros de definição da jornada de trabalho. Para essas, todo avanço na legislação trabalhista que possa implicar em redução da lucratividade e de poder sobre a gestão da força de trabalho é um problema.
Apenas três grandes grupos de redes de farmácias detêm 40% do mercado no Brasil [3]: Grupo RD (Raia e Drogasil), Grupo Pague Menos (Pague Menos e Extrafarma) e Grupo DPSP (Pacheco e São Paulo). Em 2023, o faturamento do setor cresceu 13,5%, atingindo R$ 91,3 bilhões [4] , liderados pelas grandes redes. Resta pouca dúvida sobre a capacidade financeira dos grandes grupos em absorverem eventuais elevações dos custos com o trabalho decorrentes do fim da exploração ao nível percebido na jornada com escala 6×1. Não obstante, embora o lucro das grandes redes de farmácia possa absorver tais custos, a disputa com o capital nunca é fácil – somente com muita pressão e mobilização social este avanço poderá ser atingido.
O caso das grandes redes de supermercado não é muito diferente. De acordo com a Associação Brasileira de Supermercados, os quinze maiores supermercados faturaram mais de 348 bilhões de reais em 2023 [5]. A liderança do ranking é do Carrefour, que faturou R$115,4 bilhões (33% do total), seguido pelo Assaí Atacadista (R$72,7 bilhões) e Mateus Supermercados (R$30,2 bilhões). Juntos, as três redes foram responsáveis por 62,6% do faturamento das grandes redes, o que revela uma certa concentração de mercado no segmento econômico. Novamente, pergunta-se: o fim da escala 6×1 é inviável para esses grupos?
E o trabalhador?
Como visto, não há razões para crer que, por si só, o fim da jornada 6×1 reduziria os empregos, ao contrário, abre-se espaço para eventuais novas contratações que compensam o tempo de trabalho liberado em determinados negócios em que a conta da lucratividade faça sentido econômico e que tem funcionamento nos finais de semana.
Ora, no âmbito individual, caso a escala 6×1 seja abolida, pode haver uma parcela dos trabalhadores cuja renda variável sofreria uma eventual redução – o caso dos trabalhos que incluem comissões por vendas ou recebimento de gorjetas. É verdade que parte dos trabalhadores nessa situação buscaria compensar a redução do rendimento em outros postos de trabalho, sobretudo realizando bicos ou freelancers. Nesse caso, seu rendimento poderia ser preservado ou até mesmo elevado, a depender do trabalho eventual que o trabalhador encontrar.
No entanto, para outra parte dos trabalhadores migrar para uma jornada convencional 5×2 ou até 4×3 pode ser um alívio no sentido de devolver algum controle sobre seu próprio tempo de vida. As pessoas estão exaustas e não querem escolher entre trabalhar muito e não viver, ou trabalhar pouco e não receber o suficiente para gozar de uma vida digna. Elas querem exercer atividades que façam sentido para si e para a comunidade, com alguma autonomia sobre seu tempo, com remunerações compatíveis que lhes permitam uma vida que valha a pena viver. Certamente a existência da jornada 6×1 não contribui em nada nessa direção.
Em relação à dinâmica prática do consumo, a redução na jornada de trabalho não significa que bares, farmácias e supermercados terão necessariamente seu horário de funcionamento diminuído. E, caso isso ocorra pontualmente em determinados segmentos e localidades, observamos que diversos países operam com horários muito mais restritos de funcionamento de mercados e farmácias aos finais de semana, por exemplo, quando comparados com o Brasil. As pessoas deixam de consumir por isso? Não, simplesmente assumem essa condição como um dado – inclusive muito saudável para a estruturação dos tempos de trabalho e de não trabalho da sociedade – e se organizam da mesma forma que o fazem para levar os filhos de segunda à sexta na escola, frequentar cultos e igrejas aos sábados e domingos, entre outras tantas definições do tempo da vida social que organizam a vida dos indivíduos e da coletividade.
Insistimos que não se trata somente da questão econômica. Exagerando no argumento, o que seria mais lucrativo para os negócios do que reduzir a jornada 6×1? Aumentar para 7×0! Então por que isso não ocorre, já que seria mais lucrativo? Porque há limites físicos (capacidade do ser humano aguentar) e éticos (o quanto a sociedade tolera certos parâmetros de exploração). Acontece que a escala 6×1 está adoecendo os trabalhadores de forma mais acelerada que a jornada convencional 5×2, inclusive contribuindo para o aumento. O limite físico já está sendo rompido, porém os trabalhadores adoecidos pelo excesso de trabalho são, via de regra, rapidamente descartados e substituídos por outros, e assim a roda continua a girar.
O que tem sustentado até então a existência da escala 6×1 é o silenciamento da pauta e do sofrimento associado, amparado pela força do empresariado do comércio e de algumas atividades de serviço, que impuseram esse modelo de jornada em seu próprio proveito. Agora estamos assistindo a uma onda de contestação social da 6×1 – sua razoabilidade está sendo questionada pela sociedade. O resultado pode ser um grande marco para a renovação da agenda da classe trabalhadora em torno de pautas poderosas como a da redução da jornada de trabalho.
A necessidade de uma agenda a favor dos trabalhadores e das trabalhadoras
As mobilizações pelo fim da jornada 6×1 podem significar o início de um processo que aprofunde a realidade complexa e penosa do mundo do trabalho em que nos encontramos. Não só aprofundar como apresentar mudanças significativas na realidade de milhões de trabalhadores e trabalhadoras, apresentando uma agenda do trabalho que redefina as condições laborais, que abarque todos os trabalhadores sob o leque dos direitos trabalhistas e que ressignifique o que é trabalhar.
Por isso, a luta pela redução da jornada 6×1 é só um dos desafios que estão colocados, fazendo-se necessário também considerar ao menos dez pontos essenciais para a construção de uma agenda a favor dos trabalhadores e das trabalhadoras:
– primeiro, que o trabalho possui centralidade na vida das pessoas, ainda que ele tenha passado por reconfigurações e ressignificações profundas;
– segundo, que as perspectivas neoliberais para resolver o problema do emprego e do trabalho fracassaram. A diminuição e retirada dos direitos do trabalho, a exemplo da Reforma Trabalhista de 2017, e o incentivo ao empreendedorismo comprovadamente acentuaram a precariedade do trabalho;
– terceiro, que o crescimento econômico é necessário para geração de empregos. Contudo ele, por si só, não resolve o problema do trabalho;
– quarto, que os postos de trabalho sejam repensados, considerando sua articulação e existência a partir de demandas reais e concretas para atender as necessidades sociais e ambientais contemporâneas;
– quinto, que o Estado também seja fomentador e garantidor da geração de empregos, dado o problema estrutural tanto da falta de trabalho quanto da falta de trabalhos dignos;
– sexto, que a luta pelos direitos trabalhistas precisa vir articulada à luta de demais formas de discriminação, exclusão e opressão, considerando gênero e raça;
– sétimo, que a proteção social e a proteção trabalhista abranja todos os trabalhadores, independente da relação de trabalho estabelecida;
– oitavo, que as instituições públicas responsáveis pela regulação do trabalho sejam fortalecidas e não solapadas, como vem ocorrendo;
– nono, que a diminuição da jornada de trabalho venha acompanhada de condições mais dignas para os trabalhadores, garantindo tempo para o desenvolvimento de outras dimensões da vida fora do trabalho, fazendo com que o trabalho tenha real sentido e significado, assim como garantia salarial;
– décimo, que os ganhos de produtividade acumulados ao longo do tempo, fruto de inovações produzidas pelo conjunto dos atores sociais, seja melhor distribuído entre trabalhadores e capitalistas.
Por fim, que se possa viver além do trabalho. Como disse Antonio Candido, “a luta pela justiça social começa por uma reivindicação do tempo: eu quero aproveitar meu tempo de forma que eu me humanize”. A necessidade de uma agenda humanizadora a favor dos trabalhadores e das trabalhadoras há muito já está colocada.
Notas
1 – Como mostra Dal Rosso et al. no livro O futuro é a redução da jornada de trabalho (2022, p. 26): “[…] algumas experiências começam a chamar atenção, tais como na Finlândia (que está experimentando uma jornada de quatro dias por semana e há uma proposta da atual primeira-ministra de instituir no país uma jornada de seis horas diárias); experimentos, ainda que localizados, de redução da jornada de trabalho estão em curso na Bélgica, na Escócia, na Islândia, na Espanha, no Japão, nos Emirados Árabes, entre outros. Na Coréia do Sul, ainda que a jornada permaneça longa, houve uma redução de 6,3 horas por mês a partir de 2019. Na mesma perspectiva, a agenda da redução da jornada de trabalho ganhou visibilidade com a posição do IG Metal da Alemanha a favor da Jornada de Trabalho de 32 horas; o movimento “4dayworkweek” que iniciou na Nova Zelândia e rapidamente teve adesão de empresas nos EUA, Grã-Bretanha, Irlanda e logo depois em muitos outros países, inclusive no Brasil; na Grã- Bretanha, em 2019, o líder do Partido Trabalhista se posicionou favorável a semana de quatro dias sem perdas de salários e, como último destaque, em outubro de 2020, o Comitê Executivo da Confederação Europeia de Sindicatos (CES) sugeriu uma agenda coordenada de negociações para a redução da semana de trabalho sem redução dos salários e medidas para o controle do tempo de trabalho, qualidade de vida no trabalho e garantia de renda em caso de doença”.
2 – Os microempreendedores individuais (MEIs) são os que possuem a maior alta taxa de mortalidade empresarial, com 29% encerrando suas atividades em até cinco anos.
3 – Disponível aqui: https://medicinasa.com.br/redes-farmacias/
4- Disponível aqui: https://gironews.com/farma-cosmeticos/principais-redes-de-farmacias-faturaram-r-913-bilhoes-em-2023-rd-segue-no-topo-do-ranking/
5 – Disponível aqui: https://exame.com/negocios/quais-sao-os-15-maiores-supermercados-no-brasil-e-quanto-eles-faturam-veja-a-lista/
IHU – UNISINOS
https://www.ihu.unisinos.br/categorias/646095-jornada-de-trabalho-na-escala-6×1-a-insustentabilidade-dos-argumentos-economicos-e-uma-agenda-a-favor-dos-trabalhadores-e-das-trabalhadoras
por NCSTPR | 18/11/24 | Ultimas Notícias
A concentração da pobreza nas grandes metrópoles é a concentração da fome nas grandes metrópoles”, alerta o geógrafo José Raimundo, que há cerca de 20 anos estuda a fome.
Mesmo com a experiência no tema, ele se surpreendeu com o resultado do 1º Inquérito sobre a situação alimentar no município de São Paulo, publicado em setembro. O documento aponta que mais da metade da população da capital paulista enfrenta algum grau de insegurança alimentar.
Isso significa que, na cidade mais rica do país, 5,8 milhões de pessoas têm dificuldade para ter acesso a uma alimentação saudável e variada. Enquanto 12,5% da população de São Paulo passa fome, a capital continua somando o maior Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil.
Coordenador da pesquisa que resultou no inquérito, Raimundo explica que uma pessoa em insegurança alimentar “está, pelo menos, preocupada em não ter recursos suficientes para se alimentar até o fim do mês”.
Considerando os casos graves, são cerca de 1,4 milhões de pessoas sem acesso a alimentos para garantir o sustento básico e necessário. Isso é o equivalente à população de Goiânia, e três vezes mais que a média nacional.
“A gente sempre se assusta com o quão desigual pode ser a nossa sociedade, porque o nosso imaginário nos faz crer que a fome está sempre longe”, diz.
A pesquisa, feita por domicílios, não considerou a população de rua nem moradores de áreas rurais, concentrando-se nas moradias da área urbana do município. “De todos os domicílios que estão em situação de fome, 72% então nas áreas mais periféricas”, explica o pesquisador. Dos 28% restantes, uma parte está no centro da cidade, onde 41 mil pessoas passam fome.
Segundo o inquérito, a informalidade, a instabilidade e o desemprego estão associados a maiores índices de insegurança alimentar. Os lares chefiados por trabalhadora doméstica ou por trabalhadores temporários ou que fazem bicos apresentaram os maiores índices de fome.
De acordo com a pesquisa, “em uma realidade em que quase a totalidade dos alimentos são adquiridos de forma monetária, quanto menor a renda domiciliar per capita, maior a probabilidade de o domicílio estar submetido a algum grau de insegurança alimentar”. 70% dos domicílios onde as pessoas passam fome no município têm renda domiciliar per capita de até meio salário mínimo.
“A informalidade no mercado de trabalho é algo que produz fome. Com dados anteriores, eu vinha indicando isso. A reforma trabalhista produz fome, a reforma previdenciária produz fome, essas reformas produzem fome”, avalia Raimundo, que alerta para o ciclo dessa dinâmica. “A pessoa que não tem certeza se vai ter o que comer, ela se submete com mais facilidade a trabalhos precários”, ressalta.
O 1º Inquérito sobre a Situação Alimentar é uma parceria entre o Comusan-SP (Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional), o Obsanpa (Observatório de Segurança Alimentar e Nutricional da Cidade de São Paulo) e pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidade Federal do ABC (UFABC).
Fonte: Brasil de Fato
Texto: Carolina Bataier
DM TEM DEBATE
Reformas trabalhista e previdenciária produzem fome