“O TRABALHADOR entra bem na empresa e sai atrofiado”, diz Antônio*, que atuou por dois anos como operador de máquinas no frigorífico da Marfrig em Ji-Paraná, em Rondônia, até cair de uma altura de seis metros. Cinco anos depois do acidente, em 2023, ele ainda não conseguia andar mais de 200 metros sem sentir dor.
“Eu não dava conta do trabalho, deixava as peças caírem pela dor nos braços”, conta Marlene*, que trabalhou refilando carne na JBS em São Miguel do Guaporé, em Rondônia.
“OTRABALHADOR entra bem na empresa e sai atrofiado”, diz Antônio*, que atuou por dois anos como operador de máquinas no frigorífico da Marfrig em Ji-Paraná, em Rondônia, até cair de uma altura de seis metros. Cinco anos depois do acidente, em 2023, ele ainda não conseguia andar mais de 200 metros sem sentir dor.
“Eu não dava conta do trabalho, deixava as peças caírem pela dor nos braços”, conta Marlene*, que trabalhou refilando carne na JBS em São Miguel do Guaporé, em Rondônia.
Ana*, ex-empregada da Marfrig na unidade de Bataguassu (MS) foi diagnosticada com tendinite depois de dez anos de serviço. “Eu sentia muita dor durante o trabalho, mas fui levando até não aguentar mais segurar um garfo. Hoje não dou conta de lavar nem um sapato”, revela.
A produção de carne é um dos pilares da economia brasileira. O país sedia três dos maiores produtores de proteína animal do planeta: JBS, Marfrig e Minerva. A cadeia produtiva completa da carne responde por 10% do PIB nacional. Mas essa pujança não se reflete em segurança e saúde para o trabalhador, segundo investigação do Programa de Pesquisa da Repórter Brasil, cuja íntegra está publicada em um relatório ‘Fábrica de acidentes’, desenvolvido em parceria com a organização dos Países Baixos SOMO. O relatório também está disponível em inglês neste link.
Em 2019, os empregados da indústria da carne no Brasil sofreram quatro vezes mais acidentes de trabalho e tiveram dez vezes mais doenças profissionais do que o trabalhador brasileiro médio. Comparada às estatísticas internacionais disponíveis, a incidência de acidentes não fatais e fatais nos frigoríficos brasileiros é elevada.
“É uma fábrica de acidentes e lesões”, confirma Marcos Cardoso dos Santos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação do Estado de Rondônia (Sintra Intra).
Setor pujante da economia brasileira, a produção de carne tem impactos relevantes sobre a saúde e a segurança dos trabalhadores (Fotos: Isabel Harari)
Quase 140 mil pessoas trabalham em frigoríficos de bovinos no Brasil, segundo dados publicados pela Relação Anual de Informações Sociais, do Ministério do Trabalho e Emprego. Além do abate em si, há setores como a desossa, o corte e a embalagem dos pedaços de carne – é um serviço que exige manuseio de objetos perfurocortantes como serras e facas, e muitas horas em ambientes com temperaturas extremas. Os movimentos são repetidos inúmeras vezes à medida em que as carcaças são carregadas ao longo da linha de produção por esteiras, e é preciso seguir o ritmo imposto pelas máquinas.
“Eu sentia muita dor na caixa do peito, não aguentava respirar. E também dor no ombro e nas mãos”, diz um trabalhador. “A faca ‘escapou’ e cortei a mão”, revela o outro. “Quem tem mais de quatro anos de firma, e usa faca, sempre tem dor”, reclama mais um. “Eu não aguentava puxar as peças da esteira. A enfermeira dava paracetamol, cataflan, e mandava de volta para o trabalho”, completa uma quarta pessoa – todas entrevistadas sob condição de anonimato.
A Repórter Brasil foi a campo e realizou 63 entrevistas com empregados e ex-empregados de frigoríficos para ouvir suas avaliações sobre o trabalho. A grande maioria (84%) dos entrevistados diz ter doenças relacionadas ao trabalho, e muitos deles (40%) sofreram acidentes de trabalho. Quase todos (93%) relatam desconforto térmico, a grande maioria (87%) faz horas extras, e menos da metade faz as pausas obrigatórias, sendo que há consenso entre especialistas de que esses fatores podem levar a mais acidentes e doenças.
“O ritmo de trabalho intenso, em ambiente confinado que combina diversos fatores de risco, leva ao adoecimento, a acidentes e a mortes”, confirma Leomar Daroncho, procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT).
Em nota, a Marfrig afirmou que cumpre todas as normas de segurança e medicina do trabalho, e que conta, em seu quadro de funcionários, “profissionais especialistas em fisioterapia e em ergonomia, médico do trabalho, enfermeiro, engenheiro e técnico do trabalho”. “As atividades dos colaboradores são realizadas dentro dos parâmetros normativos de segurança, ergonomia e saúde, sem a existência de ritmo intenso, estipulação de metas ou imposição de jornadas extenuantes de trabalho”, completa.
A JBS frisou que segue as normas previstas em legislações civis e trabalhistas que são “revisadas anualmente com base em indicadores de saúde e segurança, como rotatividade, absenteísmo e horas extras, assim como apontamentos feitos pelos funcionários”.
A Minerva também afirmou seguir medidas de saúde e segurança no trabalho. Em nota, disse que “busca ainda garantir um ambiente de trabalho de segurança e bem-estar, promovendo capacitação, iniciativas para a melhoria da qualidade de vida e seguindo um conjunto de diretrizes que englobam desde seu próprio Código de Ética – Guia de Conduta até as legislações trabalhistas de cada país em que atua”.
As manifestações na íntegra das empresas podem ser acessadas aqui.
Norma que reduziu riscos esteve ameaçada por Bolsonaro
As precárias condições de trabalho em frigoríficos não são novidade. Tanto que em abril de 2013, após mais de uma década de debates, o governo publicou a Norma Regulamentadora nº 36 do Ministério do Trabalho e Emprego, um texto técnico que regulamenta o trabalho nas plantas de abate. A NR-36, como é mais conhecida no meio, estabeleceu parâmetros de saúde e segurança para os trabalhadores do setor, na época muito criticado pelo ritmo intenso de produção imposto pelos empregadores.
“Foi uma luta de anos, demonstrando o quadro de severas consequências sobre a saúde e a vida de trabalhadores, mas resultou no consenso entre empregadores, trabalhadores e governo para a construção de balizas que protegessem, minimamente, os trabalhadores de frigoríficos”, recorda Daroncho, do MPT.
Teresa* e Leandro* trabalharam em um grande frigorífico no centro-oeste há mais de dez anos, antes da implementação da NR-36. Naquela época, contam, não existiam pausas ao longo da jornada e se fazia hora extra todos os dias. “O ritmo de trabalho era pauleira. Eu fazia o serviço de três pessoas”, relata o funcionário. A intensidade cobrou um preço: Teresa ainda sente dores nas costas e braços, e seu dedo da mão não dobra mais: “a vida da gente ficava muito presa lá dentro”, desabafa.
Trabalho em frigoríficos possui norma específica para garantir segurança e saúde dos empregados, mas dez anos depois, acidentes e afastamentos ainda são realidade (Fotos: Isabel Harari)
Os dados indicam um cenário melhor após a entrada em vigor da NR-36. Historicamente, a principal causa de afastamentos do trabalho no setor são doenças osteomusculares e de tecido conjuntivo – problemas como lesões nos músculos, tendões e articulações. Mas essas ocorrências caíram de 1,7 mil em 2012, para 923, em 2022. Já as fraturas, segundo motivo no ranking de afastamentos do INSS em frigoríficos, passaram de 1,3 mil para pouco mais de mil casos em dez anos.
“Não temos dúvida que a NR-36 evitou milhares de acidentes, mutilações e óbitos dentro dos frigoríficos”, disse o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Alimentação, Artur Bueno, em um evento que marcou os dez anos da normativa, realizado em 2023.
A celebração também refletia uma vitória mais recente: em janeiro de 2022, uma liminar freou um plano do governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL) de fazer mudanças na NR-36. O projeto de revisão da norma, que foi apoiado por entidades que representam os frigoríficos, previa, entre outros pontos, uma mudança no regime de pausas estabelecido pela norma regulamentadora – as empresas são obrigadas a conceder um descanso total de 60 minutos ao dia, distribuídos em seis pausas de dez minutos ou em três pausas de 20 minutos para a recuperação física dos trabalhadores.
Mais da metade dos frigoríficos foi autuada recentemente
No período de 2017 a 2020, de 1.437 plantas de abate auditadas no setor frigorífico, 64% foram autuadas por falta de atendimento aos requisitos da NR-36. “Ainda há necessidade de avançar, especialmente com relação às lesões por esforço repetitivo, o respeito às pausas e inibição da contaminação dos trabalhadores por vazamento de gases tóxicos como, amônia”, destaca Rogério Araújo, auditor fiscal do trabalho do Ministério Público do Trabalho (MTE).
Exemplo: um laudo pericial do Ministério Público do Trabalho (MPT) feito em novembro de 2022 após uma ação de fiscalização na unidade de Bataguassu (MS) da Marfrig – a mesma em que Ana* trabalhou – revela irregularidades em relação à ergonomia, disponibilização de Equipamentos de Proteção Individual e medidas de proteção para a manipulação dos maquinários no frigorífico. “A Marfrig de Bataguassu não vem adotando medidas suficientes de redução e/ou eliminação dos riscos”, conclui o texto.
Laudo do Ministério Público do Trabalho identificou problemas de ergonomia e EPIs na Marfrig de Bataguassu (MS) (Foto: Ministério Público do Trabalho)
Outra vistoria do MPT em 2019 já havia “constatado a presença de situações de risco grave e iminente, colocando em risco a integridade física, a saúde e a vida das pessoas”. O órgão levantou que entre 2018 e 2019 foram fornecidos mais de 1,5 mil atestados por doenças osteomusculares na unidade de Bataguassu, número considerado elevado frente aos 1,3 mil trabalhadores da unidade.
Em agosto de de 2023, o MPT também concluiu que a JBS apresenta “resistência em implementar medidas que afetem diretamente os custos e a produção das unidades frigoríficas” em Rondônia. Além disso, o órgão afirma que a empresa foi “incapaz de comprovar que mantém a temperatura dos ambientes de trabalho dentro dos limites de tolerância, realiza o controle adequado das pausas e possui parâmetros de produtividade compatíveis com a capacidade laboral de cada trabalhador”. A ação trabalhista, iniciada em 2010, determinou o pagamento de multa de R$ 552,2 mil pela empresa.
Vistoria do Ministério Público do Trabalho identificou irregularidades na planta da JBS em Vilhena (RO) (Foto: Ministério Público do Trabalho)
Parte dos prejuízos com o descumprimento de normas trabalhistas, como a NR-36, recaem sobre os cofres públicos. Em 2021, o governo federal desembolsou R$ 1,8 bilhão com auxílio doença por acidente de trabalho ocorridos no país, em todos os setores econômicos – as despesas acumuladas desde 2012 já bateram R$ 23,4 bilhões. “Acidente de trabalho é algo que precisa ser combatido, é algo interligado com o subdesenvolvimento da nação”, diz Alberto Balazeiro, do Tribunal Superior do Trabalho. “É preciso compreender que além do drama de uma família, que é irreparável, existe um drama geracional, social, de gravidade imensa”, completa.
Em relação às irregularidades encontradas em suas plantas em Vilhena e Porto Velho, a JBS disse que “o tema é anterior à publicação da NR dos Frigoríficos (NR36). Não há laudo que indique descumprimento das normas em vigência”. Já a Marfrig afirmou que “a maioria absoluta dos itens de segurança e de ergonomia foram considerados adequados pela fiscalização e que as melhorias sugeridas estão sendo colocadas em prática”. As respostas podem ser lidas na íntegra aqui.
*Nomes fictícios para preservar as identidades dos trabalhadores
Fonte: Repórter Brasil
Texto: Isabel Harari
Data original da publicação: 23/07/2024
Ao analisar o caso, 2ª turma do Tribunal destacou a transferência indevida de responsabilidades para funcionária.
Da Redação
2ª turma do TST manteve a decisão que condena a empresa varejista Lojas CEM, localizada em Várzea Paulista/SP, a pagar um adicional salarial de 5% a uma auxiliar de limpeza. A decisão se baseia no fato de a funcionária ser obrigada a chegar ao trabalho mais cedo do que o horário registrado em seu contrato para acompanhar a abertura da loja.
A auxiliar de limpeza, em sua reclamação trabalhista, alegou ser obrigada a iniciar suas atividades às 6h40 da manhã, embora só pudesse registrar sua entrada no sistema de ponto a partir das 7h. Segundo seu relato, a funcionária era instruída a se posicionar na esquina da loja antes da chegada do gerente, com o objetivo de observar o movimento e identificar qualquer atividade suspeita, além de acompanhar a entrada do gerente no estabelecimento.
Essa prática, de acordo com a reclamante, era justificada pelo empregador como uma medida de segurança para evitar possíveis sequestros ou assaltos. Diante disso, a trabalhadora pleiteou o pagamento de horas extras e um adicional salarial em virtude do acúmulo de funções.
A vara do Trabalho de Campo Limpo Paulista/SP, responsável por analisar o caso em primeira instância, deferiu o pedido de horas extras, determinando que a jornada de trabalho da funcionária se iniciava às 6h40. No entanto, a Vara do Trabalho não se manifestou sobre o pedido de adicional por acúmulo de funções. O caso foi então remetido ao TRT da 15ª região, que, em sua análise, considerou que a tarefa de garantir a segurança do gerente não era compatível com as atividades descritas no contrato de trabalho da auxiliar de limpeza.
Diante disso, o Tribunal condenou a empresa ao pagamento de um adicional de 5% sobre o salário base da trabalhadora, valor este que deveria incidir sobre outras verbas salariais.
A empresa Lojas CEM apresentou recurso ao TST contra a condenação imposta pelo TRT da 15ª região. A relatora do caso no TST, desembargadora convocada Margareth Rodrigues Costa, em seu voto, destacou que a responsabilidade pela abertura da loja era do gerente, mas que essa função foi indevidamente transferida para a auxiliar de limpeza.
Para a relatora, essa transferência de responsabilidade obrigou a funcionária a iniciar sua jornada de trabalho antes do horário previsto e a assumir riscos à sua segurança.
Não ficaram demonstradas condutas omissiva ou comissiva por parte da empresa que possam ter contribuído para o acidente.
Da Redação
Familiares de uma trabalhadora que foi vítima de acidente fatal a caminho do trabalho não serão indenizados por danos morais. Assim decidiu o TRT da 24ª região, ao manter sentença. Para o colegiado, não ficaram demonstradas condutas omissiva ou comissiva por parte da empresa que possam ter contribuído para o acidente.
Em junho de 2022, a trabalhadora conduzia um veículo da empresa na zona rural do município de Corumbá/MS, a caminho do trabalho, quando se envolveu em um acidente que a levou a óbito.
A empresa reconheceu a ocorrência do acidente de trajeto, mas contestou a culpabilidade, argumentando que a própria vítima, que dirigia o veículo, não seguiu as normas básicas de segurança.
A testemunha da empresa, membro da comissão de apuração do acidente, relatou que, após análise dos documentos relacionados ao sinistro e visita ao local, concluiu-se que a trabalhadora perdeu o controle do veículo ao fazer uma curva, colidindo com um caminhão. O funcionário também mencionou que as condições da rodovia não eram favoráveis, porém, a velocidade permitida na via era de 80 km/h e a condutora dirigia a 99 km/h, conforme rastreamento do veículo. Acrescentou ainda que o veículo era novo e havia passado por revisões.
De acordo com o boletim de ocorrência, a pista estava molhada no momento da colisão. A conclusão do boletim foi que o fator determinante do acidente foi a ocupação da faixa de sentido contrário.
Embora o acidente de trajeto seja equiparado a acidente de trabalho para fins previdenciários, conforme o artigo 21, inciso IV, alínea “d”, da lei 8.213/91, essa classificação não implica automaticamente a responsabilidade civil da empresa.
O relator do processo, desembargador Marcio Vasques Thibau de Almeida, afirmou que o acidente foi uma fatalidade causada por fatores externos e imprevisíveis.
“Não se questiona a dor e o sofrimento da família pela perda do ente querido. Mas o dever de indenização pressupõe a efetiva demonstração da culpa do empregador.”
O magistrado afirmou que as prova dos autos não dão conta de demonstrar conduta da ré, omissiva ou comissiva, que tenha contribuído para a ocorrência do acidente, “não havendo, assim, elementos que possibilitem atribuir-lhe a culpa pela morte da filha e irmã dos autores”.
Colegiado se baseou na lei Federal 11.738/08, que estabelece o piso salarial proporcional à carga horária.
Da Redação
A 5ª turma do TRT da 1ª região condenou o município de Itaperuna/RJ a pagar diferenças salariais a uma professora que, apesar de trabalhar 30 horas semanais, recebia pagamento equivalente a apenas 22 horas semanais. Para o colegiado, os valores recebidos pela mulher estavam em desacordo com a lei Federal 11.738/08.
De acordo com os autos, a mulher trabalha para o município como professora de primeiro grau desde agosto de 1995. A profissional afirma que ingressou com a ação judicial por não receber o piso salarial proporcional à sua carga horária de 30 horas semanais, conforme determina a lei Federal.
O juízo de origem indeferiu o pedido da professora, afirmando não ser razoável que a autora, “que até então sempre laborou 22 horas semanais, receba o pagamento de diferenças salariais com base na jornada de 30 horas que nunca praticou e que foi ora reconhecida em sentença”.
Em recurso, a relatora do caso, desembargadora Rosana Salim Villela Travesedo, destacou que o Estatuto do Magistério Municipal de Itaperuna/RJ estabelece a jornada de 30 horas semanais para todos os professores da rede pública municipal de ensino.
Ademais, a magistrada ressaltou que os registros de entrada e saída da funcionária, apresentados como prova documental, eram do tipo “marcação britânica,” o que os torna ineficazes como prova de convicção. Por isso, deu preferência à jornada de trabalho descrita na petição inicial.
“Dessarte, invalidados os controles de frequência e, à míngua de prova capaz de infirmar a tese obreira, tem-se por fidedigna a alegação de que a trabalhadora cumpria carga horária semanal de 30 horas, sendo que apenas 22 delas eram remuneradas de acordo com o valor do piso nacional do magistério.”
A magistrada ainda ressaltou que a lei Federal 11.738/08 visa garantir uma remuneração mínima aos professores da educação básica, proporcional à carga horária desempenhada.
Assim, o colegiado deferiu o pedido da professora e condenou o município a pagar as diferenças salariais devidas com base no piso nacional do magistério, referente à diferença de 8 horas semanais, considerando a carga horária de 30 horas.
O escritório Benvindo Advogados Associados atuou no caso.
Empresa de metais preciosos foi condenada a pagar indenização por danos materiais e morais a fundidor acometido por doença ocupacional decorrente de intoxicação por cádmio.
Da Redação
A 17ª turma do TRT da 2ªregião manteve decisão que condenou empresa de metais preciosos a indenizar ex-funcionário por danos materiais e morais. O trabalhador, que atuava como fundidor, desenvolveu uma doença ocupacional em decorrência da exposição prolongada ao cádmio, um metal pesado com alto potencial tóxico e cancerígeno.
A decisão judicial se baseou na constatação de que a empresa não cumpriu com as normas de saúde e segurança no ambiente de trabalho, expondo o funcionário a níveis inseguros de cádmio. A exposição resultou na contaminação do trabalhador e no desenvolvimento da doença.
A empresa recorreu da decisão de primeiro grau alegando que o trabalhador não estava totalmente incapacitado para o trabalho, uma vez que continuou a exercer outras atividades após a sua demissão. A empresa buscava reverter a condenação que a obrigava a pagar ao ex-funcionário uma pensão mensal equivalente a 100% do seu último salário, no valor de R$ 1,9 mil, até que ele completasse 72,8 anos de idade. À época do diagnóstico da contaminação o trabalhador tinha 24 anos.
A empresa também contestou a indenização por danos morais, fixada em R$ 98 mil, alegando ausência de culpa. No entanto, a perícia médica confirmou a existência de nexo causal entre a doença renal crônica e irreversível desenvolvida pelo trabalhador e a exposição ao cádmio.
O laudo pericial apontou que o trabalhador apresenta um risco elevado de desenvolver outras doenças, incluindo câncer de pulmão, além de um risco aumentado de morte prematura devido aos danos renais causados pela exposição ao metal tóxico. O documento também destacou a necessidade de acompanhamento médico contínuo e vitalício, além da incapacidade laboral permanente para a função de fundidor.
A juíza relatora do caso, Maria Cristina Christianini Trentini, considerou “devidamente caracterizada a doença ocupacional que aflige o reclamante, de modo que é cabível a atribuição da responsabilidade civil à reclamada”.
A magistrada explicou que a indenização por danos materiais é devida porque o trabalhador apresenta uma redução parcial e permanente da sua capacidade laboral. Ela ainda esclareceu que a legislação não exige que a vítima seja totalmente impedida de exercer qualquer atividade remunerada para que tenha direito à pensão, “pois o dever de indenizar decorre unicamente da perda ou da diminuição da capacidade laboral”.
Em relação aos danos morais, a juíza afirmou que a jurisprudência reconhece a sua existência em casos de doença ocupacional ou acidente de trabalho, sem a necessidade de comprovação de dano psicológico, “já que o nexo de causalidade entre a ação ou omissão do agente e o evento danoso (doença profissional) constituem os pressupostos da responsabilidade civil, neste particular”.
Uma temática que ganhou novos holofotes na área trabalhista, principalmente quando o processo já se encontrar em fase de execução, diz respeito aos critérios utilizados para a correção monetária e a aplicação de juros moratórios na Justiça do Trabalho. Isso porque, recentemente, foi promulgada a Lei 14.905, de 28 de junho de 2024 [1], que promoveu algumas alterações no Código Civil (Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002) para dispor sobre a problemática da atualização monetária e juros.
Taxa Referencial
De início, a Lei nº 8.177, de 1º de março de 1991 [2], no artigo 39, previa que “os débitos trabalhistas de qualquer natureza, quando não satisfeitos pelo empregador nas épocas próprias assim definidas em lei, acordo ou convenção coletiva, sentença normativa ou cláusula contratual sofrerão juros de mora equivalentes à TRD acumulada no período compreendido entre a data de vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento”.
Posteriormente, a Lei nº 8.660, de 28 de maio de 1993, estabeleceu novos critérios para a fixação da Taxa Referencial (TR), extinguindo a TRD. A esse respeito, com o advento da Lei 13.467/2017, a CLT foi alterada, de sorte que foi incluído o parágrafo 7º ao artigo 879 [3] para determinar que a atualização dos créditos fosse feita pela Taxa Referencial (TR).
Entrementes, nos últimos tempos, a Suprema Corte foi instada a se manifestar sobre a temática do índice de atualização monetária a ser utilizado no processo laboral, à vista das alterações trazidas pela reforma trabalhista.
Aliás, há tempos, sempre existiu na Justiça do Trabalho a discussão em torno da utilização da TR como critério de correção monetária dos créditos trabalhistas, afinal, era cediço que havia perda progressiva na real expressão econômica dos montantes inadimplidos, o que contrariava as disposições constitucionais relativas à proteção e defesa do valor social do trabalho.
Súmula 439 do TST x ADC 58 e 59 do STF
Particularmente sobre os danos morais, a Corte Superior Trabalhista, por meio da sua Súmula 439 [4], tem um antigo entendimento de que os juros incidem desde o ajuizamento da reclamatória, sendo a atualização monetária imposta a partir da deliberação do arbitramento ou de alteração do valor.
Spacca
E, mais recentemente, a partir deste novo arcabouço jurídico, o TST foi provocado a emitir juízo de valor sobre o assunto, de modo que, em razão deste julgamento, a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, nesta ConJur[5], razão pela qual agradecemos o contato.
Impende destacar que, a respeito dos índices de atualização, a Suprema Corte quando do julgamento da ADC 58 [6] e ADC 59 [7] fixou a seguinte tese:
“O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação, para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 879, § 7º, e ao art. 899, § 4º, da CLT, na redação dada pela Lei 13.467 de 2017, no sentido de considerar que à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e à correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho deverão ser aplicados, até que sobrevenha solução legislativa, os mesmos índices de correção monetária e de juros que vigentes para as condenações cíveis em geral, quais sejam a incidência do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, a incidência da taxa SELIC (art. 406 do Código Civil), nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio.”
Efeitos modulatórios
Cabe lembrar que foram fixados efeitos modulatórios na decisão do STF para o fim de:
serem considerados válidos, não ensejando rediscussão todos os pagamentos realizados utilizando a TR (IPCA-E ou qualquer outro índice), no tempo e modo oportunos e os juros de mora de 1% ao mês;
manutenção e execução das decisões transitadas em julgado que adotaram de forma expressa a TR ou o IPCA-E e os juros de 1% ao mês, em sua fundamentação ou dispositivo;
aplicação retroativa, da taxa Selic para os processos em curso que estejam sobrestados na fase de conhecimento
eficácia erga omnes e efeito vinculante, de sorte que serão atingidos os feitos já transitados em julgado, desde que sem qualquer manifestação expressa quanto aos índices de correção monetária e taxa de juros (omissão expressa ou simples consideração de seguir os critérios legais).
Lição de especialista
Nesse desiderato, oportunos são os ensinamentos de Rafael Guimarães, Ricardo Calcini e Richard Wilson Jamberg [8]:
De acordo com os itens 6 e 7 da ementa do julgado, estabeleceu-se o seguinte critério de atualização monetária dos créditos trabalhistas, já abrangendo os juros de mora: na fase que antecede a propositura da ação trabalhista (ou seja: do vencimento da obrigação até o dia anterior à distribuição da demanda), deve ser aplicado o IPCA-E/IBGE e, de forma cumulativa, juros de mora correspondentes à variação da TR, e após a distribuição da reclamação trabalhista, a atualização será feita pela taxa Selic. A questão da aplicação cumulativa do IPCA-E com a TR na fase extrajudicial é pouco divulgada, até porque não constou de forma expressa da súmula do voto, não se tratando de questão isolada na ementa do julgado, sendo tratada na fundamentação do voto condutor, conforme trecho abaixo destacado: (…). É certo que na prática tal questão não trará diferenças significativas, na medida em que, de setembro de 2017 a novembro de 2021, a TR manteve-se sem correção, e, em relação aos meses anteriores a 2017 e posteriores a novembro de 2021, seus índices foram muito baixos, de sorte que a maior parte dos julgados não serão impactados por tal cumulação, e os que forem, de um modo geral, terá pouca repercussão econômica.”
Portanto, em observância ao entendimento vinculativo do Supremo Tribunal Federal, para fins de atualização monetária deve ser aplicado o IPCA até o ajuizamento da reclamação trabalhista, e, após, a Taxa Selic.
Novo critério de atualização monetária e juros
É certo que a Lei 14.905, de 28 de junho de 2024, alterou a Lei 10.406, de 10 janeiro de 2002 (Código Civil), para dispor sobre uniformização das regras gerais aplicáveis à atualização monetária e juros nas relações contratuais e civis, nada falando, expressamente, acerca das relações trabalhistas.
Segundo a nova legislação, para fins de correção monetária, se aplicará o IPCA apurado e divulgado pelo IBGE, ou outro índice que vier a substituí-lo (atual redação do parágrafo único do artigo 389 do CC); e, para efeitos de juros moratórios, incidirá a taxa Selic, deduzindo-se, porém, a correção monetária (atuais redações do caput e parágrafo 1º do artigo 406 do CC).
Spacca
A metodologia de cálculo da taxa legal (Selic) e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central do Brasil. Caso a taxa legal apresente resultado negativo, este será considerado igual a 0 (zero) para efeito de cálculo dos juros no período de referência (atuais redações dos parágrafos 2º e 3º do artigo 406 do CC).
TST
Pouco antes da promulgação da nova lei, o TST foi provocado a emitir juízo de valor a respeito do índice a ser adotado em um caso [9] envolvendo danos morais e materiais, cuja polêmica foi decidida com supedâneo no entendimento consubstanciado na Súmula 439 da Corte e à luz do julgamento do Pretório Excelso. Nesse desiderato, a Turma curvou-se à convicção do STF, ajustando o pensamento contrário ao seu verbete sumular.
Em seu voto, o ministro relator ponderou:
“(…). Com a fixação do precedente vinculante exarado pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADC nº 58, que afastou o critério previsto no art. 883 da CLT como base jurídica para o cômputo de juros de mora na Justiça do Trabalho, tem-se que incidirá a taxa SELIC – que engloba juros e correção monetária, desde a data do ajuizamento da ação nesta Justiça Especializada, e não mais pelo critério cindido a que faz alusão a Súmula 439 do TST, se amoldando, assim, ao precedente vinculante do STF. Tal conclusão decorre da própria unificação havida entre a disciplina dos juros moratórios e da atualização monetária dos débitos trabalhistas, cuja taxa SELIC passou a ser utilizada de forma geral para ambos os aspectos (correção e juros de mora), tornando impraticável a dissociação de momentos para a incidência do índice no processo trabalhista. Ainda, o STF não fez distinção quanto à natureza dos créditos deferidos para aplicação da decisão vinculante proferida na ADC nº 58. Em recentes reclamações, a Suprema Corte tem definido não haver “diferenciação quanto à atualização monetária de créditos oriundos de condenação ao pagamento de indenização por dano moral e daqueles oriundos de condenação por dívidas trabalhistas comuns” (Reclamação nº 46.721, Rel. Ministro Gilmar Mendes, em decisão monocrática publicada no Dje em 27/07/2021).
Conclusão
Infere-se, assim, que, hodiernamente, na Justiça do Trabalho, não mais se diferencia o índice a ser aplicado para fins de correção monetária e juros moratórios, inclusive quanto à temática do dano moral, qual seja, incidirá a taxa Selic a partir da propositura da reclamatória trabalhista, ao passo que a nova Lei 14.905/2024 traz, de forma expressa, a diferenciação e momento de aplicação do IPCA e da taxa legal (Selic) nas relações contratuais e civis.
Entrementes, é salutar relembrar que, em março deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no REsp 1.795.982/SP, enfrentava debate histórico acerca da interpretação do artigo 406 do CC, que em sua antiga redação fixou a Taxa Selic para corrigir as dívidas civis. Após intenso debate com votação final em seis votos favoráveis e cinco votos contrários, o julgamento fora interrompido por pedido de vista relacionado a uma questão de ordem sobre a nulidade do julgamento. Contudo, com a edição da Lei 14.905/2024, é de se concluir que a referida discussão no âmbito do STJ, a princípio, estaria superada.
A par de todo o exposto, ao que parece, TST sinaliza que o entendimento da Sumula 439 se encontra superado pela decisão vinculante das ADCs 58 e 59 do STF, de modo que, doravante, resta saber se a nova Lei 14.905/2024 trará eventuais e futuros impactos também na área trabalhista.
[3] CLT, Art. 879 – Sendo ilíquida a sentença exeqüenda, ordenar-se-á, previamente, a sua liquidação, que poderá ser feita por cálculo, por arbitramento ou por artigos. (…). Art. 879 – Sendo ilíquida a sentença exeqüenda, ordenar-se-á, previamente, a sua liquidação, que poderá ser feita por cálculo, por arbitramento ou por artigos.
[4] TST, SUM 439 – DANOS MORAIS. JUROS DE MORA E ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. Nas condenações por dano moral, a atualização monetária é devida a partir da data da decisão de arbitramento ou de alteração do valor. Os juros incidem desde o ajuizamento da ação, nos termos do art. 883 da CLT.
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é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista, sócio fundador de Calcini Advogados, com atuação estratégica e especializada nos tribunais (TRTs, TST e STF), docente da pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do comitê técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.
é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (Ius Gentium Coninbrigae), da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).