NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

OPINIÃO

Por Manuel Martin Pino Estrada

Antes de dar definição, salienta-se que a palavra “meta” na língua grega quer dizer “além” ou “depois de”, então, “meta” juntando com “universo” seria conforme o autor do presente artigo o significado de “além do universo”. Segundo Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, agora “Meta” no vídeo The Metaverse and How We’ll Build It Together — Connect 2021, o metaverso é “uma internet palpável, onde a pessoa está na experiência, não só olhando para ela. Ser capaz de fazer quase tudo que imaginar, reunir-se com amigos e família, trabalhar, aprender, brincar, comprar, criar, além de categorias inteiramente novas que não se encaixam na visão que temos de computadores ou celulares hoje”.

 

O metaverso tornará a colaboração e as interações mais autênticas e menos exaustivas. Os humanos são feitos para 3D e não para 2D, então o metaverso permitirá que os usuários deixem a fadiga do Zoom para trás de uma vez por todas. Será uma maneira totalmente nova de trabalhar, pois colaborar em um espaço 3D digital é mais intuitivo do que usar ferramentas 2D, especialmente quando os colegas estão geograficamente distantes [1].

 

O que é um avatar?

Segundo o dicionário da Real Academia Espanhola, “avatar”, na religião hindu quer dizer “encarnação terrestre de uma divindade, em especial Vishnu”. Também quer dizer “reencarnação”, “transformação”, porém, também, significa no âmbito da informática (conforme o próprio dicionário) “representação gráfica da identidade virtual de um usuário nos entornos digitais” [2].

 

Conforme o dicionário de língua portuguesa Michaelis, a palavra “avatar”, que dizer, “no hinduísmo, encarnação de uma divindade sob a forma de um homem ou de um animal, sobretudo do deus Vixnu, segunda pessoa da trindade indiana, cujos avatares mais cultuados pelos hindus são Krishna e Rama” ou “processo de transformação de uma coisa ou pessoa, na aparência, na forma, no caráter etc.; metamorfose, mutação, transfiguração” [3].

 

O dicionário da língua inglesa Cambrigde Dictionary define a palavra “avatar” sem considerar o deus Vixnu ou alguma divindade, ou alguma reencarnação ou similar, simplesmente diz que é “uma imagem que representa você em jogos online, salas de bate-papo, etc, e que você pode mover pela tela. Você pode conversar com outros avatares com suas palavras exibidas em uma bolha de desenho animado” (tradução livre) [4].

 

Segundo o autor do presente artigo, o avatar é o “eu” da pessoa dentro do metaverso, só que dentro dele existem vários ambientes virtuais e dentro destes, a pessoa olha para si mesma como um avatar mesmo, enxerga as suas mãos, o seu corpo, o seu entorno em três dimensões e se olha como um “boneco” virtual, por assim dizer e não mais como alguém de carne e osso, só que a pessoa, através do seu avatar pode se movimentar, levantar a mão, mexer os olhos, se aproximar dos avatares que estão nestes ambientes, salientando que são avatares de pessoas reais.

 

Então, sobre os avatares que estão no metaverso, são de pessoas reais, estão trajadas conforme a customização que fizeram antes de se cadastrarem nos aplicativos de metaverso, além disso, também na própria customização, a pessoa cria o seu próprio avatar conforme os seus traços físicos, isso acaba gerando uma identidade dentro do próprio metaverso, inclusive, dentro deste, a pessoa fala a sua língua, o seu sotaque, ou seja, dá para perceber se é mulher ou homem, se é uma pessoa jovem ou de mais idade.

 

O que diz a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)?

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) (Decreto nº 5452/1943) tem o artigo 75-B, especificamente o seu § 8 os artigos a seguir serão analisados tendo em vista as novas tecnologias que por analogia, pode ser aplicado no metaverso também.

 

“Art. 75-B. Considera-se teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não configure trabalho externo.

§ 8º. Ao contrato de trabalho do empregado admitido no Brasil que optar pela realização de teletrabalho fora do território nacional aplica-se a legislação brasileira, excetuadas as disposições constantes da Lei nº 7.064, de 6 de dezembro de 1982, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes.”

 

O presente artigo da CLT aborda essa questão, porém, traz uma redação muito flexível, que poderá causar um desvirtuamento na aplicação da norma, vez que faculta às próprias partes estipularem as regras a serem aplicáveis ao contrato de trabalho, ou seja, podendo ser brasileiras, por ser o empregado aqui contratado, ou podendo ser estrangeiras, por força do local da prestação de serviços.

 

O artigo 651 da CLT trata sobre a competência do foro da reclamação trabalhista, porém, segundo o autor do presente artigo, não se aplica no metaverso:

 

“Art. 651 – A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro.

§ 1º – Quando for parte de dissídio agente ou viajante comercial, a competência será da Junta da localidade em que a empresa tenha agência ou filial e a esta o empregado esteja subordinado e, na falta, será competente a Junta da localização em que o empregado tenha domicílio ou a localidade mais próxima.

§ 2º – A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento, estabelecida neste artigo, estende-se aos dissídios ocorridos em agência ou filial no estrangeiro, desde que o empregado seja brasileiro e não haja convenção internacional dispondo em contrário.

§ 3º – Em se tratando de empregador que promova realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, é assegurado ao empregado apresentar reclamação no foro da celebração do contrato ou no da prestação dos respectivos serviços [5].

 

Neste artigo não tem como ser aplicado no metaverso, afinal, o trabalhador brasileiro vai trabalhar no Brasil, mas existem milhões de trabalhadores que são nômades digitais, que hoje estão num país, amanhã num outro e assim por diante, então, não tem como aplicar o foro do lugar da prestação de serviço, mais ainda quando a empresa contratante não tem filial nenhuma no território brasileiro e mais ainda escolher o país por onde o obreiro trabalhou (parágrafos 1º e 2º). No caso do § 3º não tem como, afinal, o brasileiro é contratado por alguém do Canadá para trabalhar em Porto Alegre, como fica? Não se aplica.

 

O que diz a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB)?

Conforme o autor do presente trabalho a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) (Lei nº 12.376/2010) tem preceitos interessantes que podem se aplicar ao trabalho no metaverso de forma muito melhor em relação à CLT, como segue:

 

“Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.

§ 1º. Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.

§ 2º. A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente” [6].

 

O caput do presente artigo diz que as obrigações constituídas ou pactuadas num país, a lei deste será a que as regerá. No caso do § 1º, se a obrigação for executada no Brasil poderá ser assim admitindo-se as peculiaridades da lei estrangeira do país onde foi realizado o contrato. Referente ao § 2º fica mais claro, no sentido de que a obrigação a ser executada no Brasil será conforme a lei da residência do proponente do contrato (pode ser do Canadá ou Cazaquistão, por exemplo), ou seja, no metaverso, usando avatares, não haverá problema em identificar a legislação aplicável ao contrato de trabalho desde que se saiba de onde veio a proposta.

 

Tal dispositivo aplica-se aos casos em que os contratantes residem em países diferentes e assumiu maior importância com o recrudescimento dos contratos formados pela internet, mais ainda no metaverso, onde a pessoa sente que está num limbo jurídico. Denota-se que o legislador preferiu a uniformização de critérios, levando em conta o local em que o impulso inicial teve origem, ou seja, de quem surgiu a proposta de contrato de trabalho. Ressalve-se que, dentro da autonomia da vontade, podem as partes eleger o foro competente (foro de eleição) e a lei aplicável à espécie.

 

Saindo do metaverso pode ser aplicado o mesmo critério, por exemplo, Ana, brasileira da cidade de Brasília (DF) decide aproveitar as férias para viajar pelo mundo, começando por Seul, se hospedando no bairro nobre de Gangnam desta capital sul-coreana, depois vai para a cidade de Hanói, capital do Vietnã e justamente na cidade de Almaty, no Cazaquistão conhece Britney, uma canadense de Ottawa e acabam sentando juntas no avião e após uma breve conversa ela ficou muito interessada no trabalho da brasileira, que é analista de sistemas sênior, de repente, elas fazem escala no aeroporto da cidade de Tbilissi, capital da Geórgia e a canadense propõe um trabalho com salário em dólares americanos, a brasileira aceita e em pleno voo ela analisa o contrato de trabalho e acaba assinando sem saber ambas as duas em qual espaço aéreo de qual país estavam voando, só sabiam que iriam fazer conexão em Bratislava, capital da Eslováquia.

 

Neste caso, o artigo 9º, § 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro vai dar a solução, pois a obrigação resultante do contrato considera-se constituída no lugar em que residir o proponente, neste caso do exemplo é do Canadá, onde Britney reside e não qualquer das cidades dos países por onde elas passaram, neste caso, o artigo 651 da CLT não entraria em cogitação, apesar de tratar sobre o foro competente em relação ao lugar da prestação de serviços, salientando que a empresa que a Britney representa nem tem filial no Brasil.

 

A grande novidade do Código de Processo Civil diz respeito aos efeitos de uma cláusula de foro estrangeiro, deixando nesse caso de ser competente a autoridade judiciária brasileira:

 

“Art. 25. Não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento da ação quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, arguida pelo réu na contestação” [7].

 

Na hipótese de um contrato cuja cláusula tem o foro em Nova York e a mesma seja exclusiva, poderá o réu arguir a incompetência da justiça brasileira e exigir que a cobrança seja feita no foro de eleição contratual. No entanto, a prática dos contratos internacionais vem indicando que as cláusulas de foro costumam ser redigidas sob a forma não-exclusiva, exatamente para dar maior flexibilidade aos contratantes [8].


[1] META. The Metaverse and How We’ll Build It Together – Connect 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Uvufun6xer8&ab_channel=Meta Acesso em 1º out. 2022.

[2] REAL ACADEMIA ESPAÑOLA. Diccionario de la Lengua Española: edición del tricentenário. Disponível em: https://dle.rae.es/avatar?m=form Acesso em 8 out 2022.

[3] MICHAELIS. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=avatar Acesso em 8 out 2022.

[4] CAMBRIGDE DICTIONARY. Disponível em: https://dictionary.cambridge.org/us/dictionary/english/avatar acesso em 8 out 2022.

[5] BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452compilado.htm. Acesso em 19 out 2022.

[6] BRASIL. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro nº 12.376/2010. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm. Acesso em 10 out 2022.

[7] BRASIL. Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 19 out 2022.

[8] ARAÚJO, Nádia e; VARGAS, Daniela Trejos. REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICA – RSTJ, a. 27, (240): 23-209, outubro/dezembro 2015, pp. 116 – 119.


 é formado em Direito na Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professor de Direito na Faculdade do Baixo Parnaíba (FAP) em Chapadinha (MA).

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2022-out-30/martin-pino-contratos-trabalho-metaverso-legislacao