Um telefonema da Vara de Infância de Brasília uniu os destinos do geógrafo Otaviano Eugênio Batista, 52 anos, e do menino João Carlos, 9. Solteiro, Otaviano queria encarar sozinho o desafio da paternidade.
Como a maioria das pessoas que procuram a adoção, o pedido era por um menino branco e com menos de dois anos. “É um garoto pardo, de oito anos”, disse a assistente social ao geógrafo.
O perfil não era exatamente o que ele procurava. Hesitou em conhecer o garoto, mas cedeu. A simpatia venceu os receios e, há um ano, os dois vivem juntos em um apartamento da Asa Norte.
Para desfrutar integralmente da paternidade, Otaviano esbarrou na falta de legislação específica para os pais adotivos. Queria o mesmo direito das mães adotivas solteiras, que têm quatro meses de licença.
Há duas semanas, ele conquistou o direito de ficar afastado do trabalho durante um mês. Mas está insatisfeito e quer mais tempo para o filho.
Esse é o primeiro caso de pai adotivo solteiro que consegue o benefício em Brasília. Em Pernambuco, um funcionário público conseguiu na Justiça o direito de ficar seis meses com o filho adotivo.
Otaviano é funcionário do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea) há 33 anos. No mesmo dia em que conseguiu a nova certidão de nascimento de João Carlos, o geógrafo protocolou o pedido de licença-paternidade.
A seção de Recursos Humanos pediu auxílio para o Departamento Jurídico, que elaborou um parecer favorável à concessão dos 120 dias. O documento foi submetido à votação dos conselheiros e eles concederam a licença ao pai adotivo.
Mas três dias depois, o conselho voltou atrás e admitiu, “expecionalmente, 30 dias consecutivos de licença-paternidade”, já que “não existe fundamento legal para conceder a licença-paternidade pelo prazo de 120 dias”.
O regime de Otaviano é a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ela garante à funcionária que adota uma criança ou adolescente quatro meses de licença-maternidade.
Mas não cita a possibilidade de a adoção ser feita por um homem. Dessa forma, a única legislação que discute licença-paternidade é a Constituição Federal, que prevê cinco dias de afastamento do trabalho.
“Esse prazo que a Constituição coloca é pensando que a mãe pegou os quatro meses, ela não prevê os casos de uma família só com pai”, explica o chefe da Procuradoria Jurídica do Confea, Roberto Machado.
Precedente
De acordo com Machado, como a CLT deu à mãe adotiva a licença, ela abre precedentes para o pai, uma vez que não existe nenhuma lei que resguarde o pai solteiro, adotante único ou viúvo.
Como a Constituição prevê a isonomia entre os sexos, não há motivo para um pai não ter os mesmos direitos de uma mãe.
“A licença-maternidade é um direito da criança, não só da mãe. A criança não pode ser prejudicada na ausência da mãe”, defende o procurador.
Para construir o parecer favorável ao afastamento de 120 dias de Otaviano, Machado usou o Estatuto da Criança e do Adolescente e o artigo 227 da Constituição, que obriga a proteção integral à saúde, educação e lazer do menor.
“Ainda mais no caso de uma adoção tardia, o pai precisa aprender a entender como a criança funciona, se precisa de remédios, se tem alergia”, comenta o procurador.
A licença de 30 dias para Otaviano ficar com João Carlos começou em 1º de setembro. “Mais ainda vou recorrer e conseguir o meu direito de 120 dias. Caso o conselho do Confea não aceite, vou entrar na Justiça”, disse o pai.
Cumplicidade
Todos os dias antes de dormir, João Carlos faz uma brincadeira com o pai: ele cita três países e o garoto aponta quais são as respectivas bandeiras e capitais. O jogo começou depois que Otaviano percebeu o gosto de João pela geografia.
“Por causa da Copa do Mundo, ele achava que o país mais importante era a África do Sul”, conta. Logo o geógrafo comprou um mapa-múndi e pregou na parede do quarto.
Além de descobrir os gostos do menino, Otaviano teve que aprender a lidar com outros aspectos da vida de João, como a dificuldade escolar, a conduta errada em diversas ocasiões e a falta de hábitos de higiene.
“Preciso de tempo para cuidar dele, conversar, educar. Nesses meses que estamos juntos, conseguimos muitos avanços. Por exemplo, ele melhorou na escola e está bem menos agressivo”, explica.
Para a psicóloga Soraya Pereira, presidente da ONG Aconchego, o momento de convívio entre pai e filho é essencial para o sucesso de uma adoção tardia.
“As duas histórias se encontraram agora e eles precisam adquirir cumplicidade. Afinal, é uma família que está se construindo. Esse tempo junto é precioso”, defende.
“Ainda que não haja uma lei dizendo especificamente que o pai adotivo solteiro tem direito a 120 dias de licença, a legislação precisa estar a serviço da Justiça, não da burocracia”, completa o procurador do Confea.
Decisão inédita
No último dia 22 de agosto, o Tribunal de Justiça de Pernambuco concedeu a primeira licença-paternidade de 180 dias para um servidor do Poder Judiciário de Pernambuco que adotou uma criança de quatro meses.
A decisão destaca a importância da convivência e alega que, quando um pai solteiro adota, ele é pai e mãe. Por isso, precisa se dedicar ao filho.
“Quando uma criança é adotada em idade tão delicada, precisa de atenção especial nos primeiros meses de convivência. Esse acompanhamento, afetivo e efetivo, vai ser determinante para toda a sua história”, diz a decisão. (Fonte: Correio Braziliense)