Brasileiros que precisam do auxílio-doença saem da perícia com data marcada para voltar ao trabalho, o que vem gerando problemas e uma pilha de processos judiciais
No Brasil existem 5,8 milhões de ações judiciais tramitando contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Apenas no Paraná, de acordo com estimativas do Sindicato Nacional dos Aposentados e Pensionistas da Força Sindical (Sindinap), são aproximadamente 150 mil processos. O INSS não confirma, mas estimativas apontam que entre 50% e 70% desses processos previdenciários são motivados por problemas com os auxílios, entre eles o auxílio-doença. A estimativa é do procurador federal e professor de Direito Previdenciário da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) Miguel Horvath Junior.
Segundo Horvath, nos últimos anos, o número de processos envolvendo benefícios aumentou muito. “De dois anos para cá, cresceu o número de processos envolvendo os benefícios. De cada dez análises, posso afirmar que sete tratam de algum auxílio”, afirma. Um dos motivos para o crescimento dos números de processos, segundo o procurador, autor do livro Direito Previdenciário, é o aumento da oferta gratuita de auxílio jurídico. Mas esse não é o principal fator: o grande número de ações tem sido gerado pela alta programada, quando o trabalhador sai da perícia com o prazo determinado para voltar ao trabalho.
As regras para a concessão desse benefício, utilizado anualmente por mais de 1,5 milhão de brasileiros, mudaram em 2005, com a instituição da alta programada. Antes, depois da primeira perícia, o benefício era cessado apenas quando o trabalhador passasse novamente pelo médico perito. A principal crítica à alta programada é o corte automático do benefício. Muitas vezes, o trabalhador não consegue marcar nova perícia antes do prazo vencer. Ou ele tenta voltar à empresa e não é aceito, por ainda ser considerado doente. Com isso, o resultado é uma verdadeira avalanche de ações.
“A alta programada foi criada para situações específicas, previsíveis, para quando um trabalhador quebra a perna, por exemplo. Mas, com o tempo, o INSS se aproveitou da situação e começou a aplicá-la em todas as situações, para todas as doenças, inclusive câncer e aids, em que o médico não tem como determinar o tempo de cura”, diz a presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Melissa Folmann.
De acordo ela, muitas pessoas, por causa da alta programada, acabam perdendo o benefício e, pior, o salário, o que acaba gerando uma corrida à Justiça. “Os trabalhadores solicitam a prorrogação do benefício, para isso precisam passar por uma nova perícia. E se o paciente perde essa consulta? Ele precisará remarcar e esperar 30, 40 ou 50 dias por uma nova perícia”, explica. “Enquanto isto, ela fica sem receber, porque não pode voltar ao trabalho.”
Na opinião do presidente da Central Única dos Trabalhadores no Paraná (CUT-PR), Roni Anderson Barbosa, a alta programada é uma grande dificuldade. “É um problema social. A perícia, normalmente, não é realizada por um médico especialista da área. Como este médico vai determinar quando aquele paciente ficará bom?”, indaga. “A especialidade de quem faz a perícia é de extrema importância. Existem várias sentenças judiciais condenando o INSS justamente por fazer a perícia com médicos não especialistas”, complementa Melissa Folmann. Procurado pela Gazeta do Povo, o presidente do INSS, Mauro Luciano Hauschild, não foi localizado para falar sobre o assunto.
Mudanças
As regras de concessão do auxílio-doença podem mudar. Atualmente, caso um trabalhador precise se ausentar do trabalho por mais de 15 dias, ele é obrigado a se submeter a uma perícia médica. Em 2009, uma decisão da Justiça Federal da Bahia determinou que o INSS não suspenda o pagamento do auxílio-doença se o trabalhador pedir a prorrogação do benefício. O INSS recorreu da decisão. O caso aguarda julgamento definitivo no Tribunal Regional Federal da 1.ª região, em Brasília. A decisão que sair será válida para todo o país. No Senado, um projeto de lei propõe o fim da alta programada.
Segundo Humberto Tommasi, advogado e diretor do Instituto Nacional de Ensino Jurídico Avançado (Ineja), é importante que o INSS volte a ter a mesma postura do passado. Enquanto isso não acontece, o advogado afirma que o segurado precisa se abastecer de exames. “Um dos principais motivos que leva o perito a negar o benefício é a precariedade dos exames. É importante que o segurado apresente a maior quantidade possível de laudos médicos, de clínicas particulares ou não. Isso agiliza o trabalho dos peritos e diminui a possibilidade de o benefício ser negado.”
Conheça seus direitos
Saiba mais sobre o auxílio-doença e quem procurar caso você se sinta prejudicado:
O que é
– É o beneficio concedido ao segurado impedido de trabalhar por mais de 15 dias consecutivos por causa de doença ou acidente. Para ter direito, o trabalhador tem de contribuir para a Previdência Social por, no mínimo, 12 meses. Para concessão de auxílio-doença é necessária a comprovação da incapacidade em exame realizado pela perícia médica da Previdência Social. O auxílio-doença deixa de ser pago quando o segurado recupera a capacidade e retorna ao trabalho ou quando o benefício se transforma em aposentadoria por invalidez.
Como entrar com a ação
– Quem se sentir prejudicado pode entrar com um processo. Para isso, deve procurar um advogado ou buscar uma das seguintes alternativas:
– Defensoria Pública da União no Paraná: atendimento apenas para pessoas que ganham até dez salários mínimos. Fica na Rua Voluntários da Pátria, 546, no Centro de Curitiba. Telefone (41) 3232-9797.
– Juizado Especial Federal Previdenciário: o atendimento é irrestrito. Fica na Rua Voluntários da Pátria, 532, no Centro da capital. Telefone: (41) 3219-7500.
Onde denunciar
– No Ministério Público Federal é possível fazer uma representação.
O segurado pode fazer a queixa pessoalmente (na Rua Marechal Deodoro, 933, no Centro de Curitiba) ou pela internet (no site www.prpr.mpf.gov.br, no ícone Fale Conosco).
Fonte: Gazeta do Povo