Não se nega a importância e necessidade da negociação coletiva para solucionar conflitos de trabalho, conforme assegura e prestigia a Carta Constitucional brasileira de 1988, como consequência da liberdade sindical inscrita no seu artigo 8º. A importância da negociação coletiva é reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, in verbis:
“EMENTA: DIREITO DO TRABALHO. ACORDO COLETIVO. PLANO DE DISPENSA INCENTIVADA. VALIDADE E EFEITOS. 1. … 2. … 3. … 4. A Constituição de 1988, em seu artigo 7º, XXVI, prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção nº 98/1949 e na Convenção nº 154/1981 da Organização Internacional do Trabalho. O reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida. (…)” (RE 590.415, Plenário, 30/4/2015. Relator: ministro Roberto Barroso).
Não obstante sua importância e necessidade, a negociação coletiva encontra limites e temperamentos nas normas de caráter indisponível, que, por isso, não podem ser derrogadas ao talante das partes, isso porque o Direito do Trabalho tem por fundamento a proteção do trabalhador, visando contrabalancear o desequilíbrio econômico, social e político que há entre empregados e empregadores.
O negociado e o legislado
Com a Lei nº 13.467/17 sobreveio a possibilidade de condições negociadas entre patrões e empregados prevalecerem sobre as normais legais existentes, nos casos previstos nos incisos do artigo 611-A da CLT.
A nova alteração legal trouxe permissivo mais amplo para as negociações coletivas, com a prevalência do negociado sobre o legislado até em desfavor dos trabalhadores, mas precisa ser respeitada a adequação setorial negociada e o princípio da vedação ao retrocesso social, expresso em diversas convenções internacionais ratificadas pelo Brasil.
A negociação coletiva não pode regular matérias de ordem publica, de natureza indisponível, mas se for acima e para melhorar a condição dos trabalhadores, não haverá impedimento nem limites, pois estará de acordo com o princípio da norma mais favorável, que é o fundamento primordial da negociação coletiva, qual seja, atuar além da norma legal para melhorar a condição social dos trabalhadores, como preceitua o caput do artigo 7º da Constituição.
Neste ponto cabe ponderar e lembrar que o artigo 611-B da CLT elencou as matérias que não podem ser objeto de negociação coletiva, que versem sobre direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores, assegurados pela Constituição, destacando-se os incisos XXIII e XIV, que afirmam constituir objeto ilícito de CCT ou ACT a supressão ou a redução dos seguintes direitos, entre outros: proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos (inciso XXIII); medidas de proteção legal de criança e adolescentes (inciso XXIV).
Limite para a terceirização
Nessa linha e reconhecendo a validade de normas coletivas contrárias à lei, mas, para beneficiar os trabalhadores, decidiu a Justiça do Trabalho da 15ª Região (Proc. 0010445-48.2024.5.15.0049) manter a proibição de terceirização de atividades de um hospital, nos termos do que foi estabelecido pelas partes em acordo coletivo de trabalho, afirmando que:
“Quanto à validade da cláusula normativa que proíbe a terceirização, não assiste razão à parte ré. Afinal, em que pese a licitude da terceirização de atividades pelas empresas, conforme entendimento consagrado na Súmula 331 do C. TST, inexiste impedimento para que os sindicatos das categorias profissional e econômica, diante da garantia de negociação coletiva assegurada por meio do artigo 7º, XXVI, da Constituição da República e do artigo 611, caput, da CLT, possam deliberar no sentido de vedar a terceirização de todas ou de determinadas atividades do setor de atuação.
A referida normatização é perfeitamente válida, estando em conformidade com os requisitos estabelecidos no artigo 104 do CC, além de decorrer, de forma ampliada, da própria livre iniciativa, fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1º, IV, da CF/88) e da Ordem Econômica artigo 170, caput, da CF, o que afasta o argumento da reclamada no sentido de que a negociação deve ser livre e não pode ser coibida, inclusive por meio de norma coletiva.
Com relação aos termos dos instrumentos normativos firmados com os sindicatos das respectivas categorias, estes possuem força de Lei, havendo, portanto, de ser cumpridos na forma como ajustados. Destaca-se, inclusive, que após a edição da Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), a negociação coletiva passou a ter um status ainda mais relevante, dada a valorização do negociado sobre o legislado (art. 611-A da CLT)”.
É certo que a lei atual no Brasil permite, de forma ampla, a terceirização de atividades no meio trabalhista, mas nada impede que as partes, por meio da negociação coletiva, estabeleçam limites para uso do instituto, como demonstra o caso acima.