OPINIÃO
Em postagem na rede X, no último sábado (6/4), o empresário e atual dono do antigo Twitter, Elon Musk, questionou Alexandre de Moraes sobre possíveis casos de censura à liberdade de expressão por decisões do ministro do Supremo Tribunal Federal envolvendo a mídia do herdeiro sul-africano.
Como se sabe, o direito de liberdade de expressão é um dos cernes do Estado democrático de Direito, estando previsto em nossa Constituição, no artigo 5º, inciso IV, e também no caput do seu artigo 220.
Não se pretende aqui discutir todos os meandros das decisões do referido ministro em face do X, mas sim apontar, de maneira breve e crítica, os perigos dessa crítica vazia às decisões do ministro Alexandre.
Como é cediço, muitos influenciadores da internet confundem liberdade de expressão com direito irrestrito de se expressar. Não é preciso se alongar muito, para afirmar que em nosso sistema jurídico não existem direitos absolutos, nem mesmo aqueles mais caros e sensíveis, como é o caso da liberdade de expressão. Todo direito tem limite, inclusive a liberdade de expressão.
Ao se definir como um defensor absolutista (sic) do direito de liberdade de expressão, Elon Musk acaba por contradizer o sentido fundamental do Direito, que é o de otimizar e harmonizar os diversos direitos existentes no seio social.
Se de um lado há o direito de se expressar, há também do outro lado os direitos da sociedade em relação àquilo que se pretende comunicar. Não se pode, por exemplo, aceitar que a liberdade de expressão provoque a desinformação em matérias sensíveis como saúde pública, etc.
Quando se fala de Direito, nunca se pode perder de vista a máxima jurídica de que o direito de cada um começa onde o do outro termina.
Por conta disso, é intuitivo que inexiste qualquer país civilizado em que haja absoluto direito à liberdade de expressão, sendo este direito limitado por uma série de regulamentações, seja de cunho civil ou até mesmo criminal, como por exemplo a proibição de difamação.
Liberdade e censura
Confundir limites à liberdade de expressão com censura é muito comum e em alguns casos tênues é realmente difícil de distinguir. A liberdade de expressão é um dos direitos basilares numa democracia e zelar por ele é um dever de todos nós.
Todavia, não se pode aceitar que, sob o manto do sagrado direito à liberdade de expressão, cometam-se crimes ou mesmo se defenda um direito absoluto de disseminação irrestrita de informações falsas nas rede sociais.
Hodiernamente, é bastante conhecido o fenômeno das fake news, termo estrangeiro utilizado para apontar aqueles casos de notícias fabricadas que se espalham pela sociedade, sendo as redes sociais um ambiente frutífero para este tipo de atividade.
Não é preciso grandes elocubrações para reconhecer o potencial nocivo que tais atividades podem causar no seio social, as quais, muitas vezes, provocam prejuízos irreparáveis e concretos de diversas ordens para indivíduos e coletividades.
A defesa de uma liberdade absoluta do direito de expressão acaba por prejudicar a própria liberdade de expressão daqueles que mais necessitam dela se utilizar, uma vez que todo excesso no uso de qualquer direito pode acabar por provocar a restrição de seu alcance.
Não se quer aqui defender que não haja casos de tolhimento indevido da liberdade de expressão de indivíduos ou mesmo da imprensa brasileira praticado pelo Poder Judiciário brasileiro. Na verdade, um exame mais atento mostra que existem casos duvidosos, mormente, quando se trata de notícias que envolvem as próprias autoridades judiciárias.
Ora, ao afirmar que irá afastar restrições determinadas pelo Poder Judiciário brasileiro, o empreendedor Elon Musk coloca em xeque a própria soberania nacional.
Com efeito, o poder de ditar normas com eficácia máxima social é normalmente apontado como sendo da esfera estatal. Contudo, o século 21 tem trazido inovações nesse aspecto, sendo cada vez mais comum aceitarmos normas que regulam nossas vidas, mas que são ditadas de maneira praticamente unilateral por corporações privadas, sem qualquer intervenção do Estado.
Assim, vê-se cada vez mais as regulações normativas jurídicas estatais perdendo espaço para aquelas regulações corporativas privadas.
Questiona-se até onde tal fenômeno de despublicização das normas jurídicas vai chegar, sendo este caso de Elon Musk bastante emblemático.
Quem deve controlar
O que está em jogo, basicamente, é quem deve controlar e quais normas devem prevalecer nas redes sociais: aquelas normas determinadas na política interna da própria empresa, regulada e aplicada pela própria empresa privada ou o sistema jurídico nacional, cuja autoridade máxima, no caso brasileiro, são os ministros do STF.
Ao tratar o tema de maneira tão superficial e rasa, com frases de efeitos intimidatórias, típicas da infantilidade das discussões em rede social, corre-se o risco de reduzir o debate de liberdade de expressão e regulação das redes sociais a um oportunista uso político do tema, distorcendo a importância e complexidade da matéria.
No final, o resultado prático dessa discussão rasa é negar a soberania brasileira e fragilizar ainda mais suas instituições.
Ainda que seja óbvio, é preciso salientar que não há nenhuma garantia de que o interesse de Musk seja apenas e tão somente o de preservar a liberdade de expressão do povo brasileiro.
Ainda que ele ressalte que sua atitude tem como norte princípios, nem sempre é possível ver essa mesma preocupação em outros casos simbólicos.
Por maior que seja o culto de sua personalidade, por parte de alguns, não há qualquer legitimidade de sua pessoa para se posicionar acima da ordem jurídica brasileira, ainda que supostamente tenha as melhores intenções.
Não se pode deixar que a excessiva polarização — típicas das redes sociais e que andam cada vez mais intensas na seara política brasileira — ceguem as autoridades públicas sobre a necessidade de um debate sério e austero sobre a regulamentação das redes sociais.
É extremamente temeroso subordinar os sensíveis interesses nacionais que permeiam o tema (regulamentação de redes sociais) ao mero alvedrio de um indivíduo estrangeiro (ou corporações privadas estrangeiras).
Constituição
Desde muito tempo, são conhecidos os riscos de intervenções de estrangeiros nos meios de comunicação social. Daí porque a própria Constituição regula a concessão de tais meios.
Com a evolução da sociedade e de seus meios de comunicação, outras vulnerabilidades vão surgindo numa velocidade que, muitas vezes, o próprio Direito não consegue acompanhar, como é o caso das redes sociais.
Em geral, o Direito sempre está atrasado em relação às evoluções sociais e as diversas implicações do debate de liberdade à expressão nas redes sociais não fogem a essa regra.
É imperioso esclarecer que o objetivo de regular a comunicação pelas redes sociais não deve ser o de tolher a liberdade de expressão, mas aperfeiçoá-la, de modo a proteger também os elevados interesses nacionais e sociais que circundam a matéria.
Evidentemente que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose.
Portanto, é preciso estar atento também que, sob o pretexto de regular as redes sociais, faça-se menoscabo do direito constitucional de livre expressão.
Evidentemente, a introdução de qualquer excessivo tolhimento do direito de livre expressão por qualquer norma acabaria por suscitar o questionamento de sua constitucionalidade, tendo em vista que o direto de liberdade expressão é protegido por cláusula pétrea constitucional.
Cabe, assim, às diversas esferas da sociedade civil fiscalizar a regulamentação dessa área.
Mas é preciso sublinhar que, para salvaguardar o sagrado direito de liberdade de expressão, não há salvadores da pátria.
Nem mesmo o empreendedor celebridade Elon Musk pode substituir a sociedade nessa tarefa. Cabe ao povo brasileiro (e somente a ele) percorrer o longo, arenoso e difícil caminho de aperfeiçoamento de suas instituições.
Não há atalhos.
Ao dizer que não vai respeitar o Poder Judiciário brasileiro, ao se colocar como intérprete máximo de suas leis e até da vontade do povo brasileiro, parece que Elon Musk conhece a máxima de que “Deus é brasileiro” e deseja agora ocupar o seu lugar.