NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

REFLEXÕES TRABALHISTAS

Por Paulo Sergio João

O STF, em Plenário de 2/6/2022, ao tratar do tema da prevalência do negociado sobre o legislado ARE 1.121.633, com relatoria do ministro Gilmar Mendes, apreciando o Tema 1.046 da Repercussão Geral, deu provimento ao Recurso Extraordinário e, por unanimidade, fixou a seguinte tese:

 

 

“São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.

 

A intenção primeira dessa orientação vai no sentido de apaziguar as discussões em torno da aplicação do negociado coletivamente e dar às negociações coletivas segurança jurídica de sua prevalência, tendo como fundamento de que a boa-fé tenha sido respeitada pelas partes.

 

Todavia, as discussões que se travam em torno da interpretação da aplicação do teor do Tema 1.046 demonstram que, talvez, não tenha havido evolução tão apaziguadora.

 

Com efeito, já está claro que não basta a negociação coletiva pelo sindicato. Devem ser preenchidas as condições do negócio jurídico, previstas no artigo 8º, §3º, da CLT, introduzido pela Lei nº 13.467/17, considerando, neste sentido o disposto pelo artigo 106 do Código Civil.

 

Trata-se, portanto, da capacidade do agente, de regra que antecede qualquer conclusão das negociações, representado, no caso, pelo sindicato com poderes legítimos outorgado pela assembleia dos interessados, de modo inquestionável, somando-se ao objeto de negociação a condição de licitude e a forma tradicional em negociações coletivas.

 

Desta feita, a condição básica para que uma negociação coletiva não seja nula é que a assembleia dos trabalhadores seja efetivamente representativa a fim de outorgar ao sindicato a legitimidade no processo de negociação. Em palavras outras, somente poderá negociar se autorizado pela assembleia, fonte fundamental e essencial para o livre exercício da autonomia privada coletiva. Some-se que a capacidade de negociação não poderia ser exclusiva do sindicato, mas de qualquer entidade representativa dos trabalhadores interessados que tenha recebido a outorga da negociação por assembleia.

 

Portanto, este primeiro passo da aplicação do Tema 1.046 não esbarra em dúvidas.

 

No mesmo caminho, preenchida a condição da capacidade do agente, o campo de aplicação das normas coletivas negociadas, para o que se chamou de “adequação setorial negociada”, não traz dúvidas, podendo ser entre eles o setor da atividade econômica, setor de atividade empresarial, grupo de trabalhadores identificados.

 

Assim deve ser, pois o objetivo da norma coletiva é pactuar ajustes de interesses e da modulação da aplicação da lei se e quando possíveis limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas.

 

A dificuldade de compreensão, na limitação ou afastamento de direitos, sem vantagens compensatórias, se colocará frequente diante da identificação da natureza coletiva ou individual dos direitos trabalhistas que poderiam se submeter a limitações ou afastamentos.

 

Que direitos são estes? A seguir o fato motivador da repercussão geral que deu origem ao Tema 1.046, pagamento de horas “in itinere”, observa-se que são direitos não assegurados literalmente por lei e que permaneceriam numa zona cinzenta de interpretação de sua validade. Estariam excluídos, nessa linha de interpretação, direitos individuais concretos e previstos em lei e que seriam absolutamente indisponíveis por manifestação de vontade individual, hipótese em que o Judiciário Trabalhista poderia se servir da previsão legal do artigo 8º, §3º, da CLT, isto é, interferindo na validade da autonomia da vontade coletiva manifestada.

 

Um bom exemplo neste sentido é a decisão proferida pelo TRT de São Paulo, 2ª Região, na Ação Anulatória de Cláusula Coletiva, processo nº 1001826-96.2022.5.02.0000 (AACC), Seção de Dissídios Coletivos, ajuizada pelo MPT, contra norma coletiva negociada pelo Sindicato dos Empregados no Comércio Hoteleiro e Similares de São Paulo, Next Bar e Restaurante LTDA., em voto da lavra do desembargador Celso Ricardo Peel Furtado de Oliveira, considerando que as negociações coletivas no caso, ao cuidar da regulamentação da dispensa de empregadas e garantias de gestante violou garantia constitucional.

 

“É nula, de pleno direito, cláusula entabulada em Acordo Coletivo de Trabalho tendente a restringir o direito da trabalhadora à estabilidade prevista na alínea b, inciso II , do Artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, concernente à obrigação da empregada declarar, no ato da dispensa, seu estado gestacional ou a realizar exame de estado gravídico obrigatório, sob pena de consignação em termo rescisório, em afronta direta ainda aos ditames do inciso IV do artigo 373-A e inciso XV do artigo 611-B, ambos da CLT, em descompasso ainda aos termos da Orientação Jurisprudencial nº 30 da SDC do C. TST e inciso I da Súmula 244 do C. TST. Por último, a negociação coletiva encontra-se óbice nos direitos absolutamente indisponíveis, nos termos da Tese de Repercussão Geral 1046: São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis. O direito que se pretende negociar é absolutamente indisponível. Nulidade ex-tunc declarada.”

 

Afirma o acórdão que “No âmbito da negociação coletiva, a liberdade não é irrestrita, nem absoluta, pois encontra limites nos preceitos constitucionais e legais, sendo defeso às partes o estabelecimento de normas contrárias à Constituição Federal ou à lei, que se traduzam em absolutamente indisponíveis, nos termos da Tese de Repercussão Geral 1.046, o que se enquadra a questão central discutida nestes autos”.

 

Como se vê, o negociado encontra óbices claros quando violar direitos indisponíveis e neste caso valerá a interferência mínima do Judiciário, de acordo com o disposto no §3º do artigo 8º da CLT, e a arte das negociações está em identificar as situações de natureza coletiva que não impliquem violação de direitos indisponíveis.

 

 é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Getulio Vargas.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2022-out-07/reflexoes-trabalhistas-tema-1046-stf-limites-negociado-legislado