LIMITES DA CAMPANHA
*Reportagem publicada no Anuário da Justiça Brasil 2024, lançado no Supremo Tribunal Federal. A versão impressa está à venda na Livraria ConJur (clique aqui). Acesse a versão digital pelo site do Anuário da Justiça (anuario.conjur.com.br).
Considerando que 2024 é ano de eleições municipais no Brasil, nenhuma das mais de 500 mil candidaturas esperadas para concorrer a cargos em 5.565 cidades por 29 partidos políticos poderá dizer que não sabe os limites do que poderá fazer na campanha, diante do que vem decidindo a Justiça Eleitoral brasileira.
Essa será provavelmente a mais bem regulamentada campanha da história política brasileira, para surpresa de ninguém. O Tribunal Superior Eleitoral vem há anos dando avisos do que pode ou não ser feito e construindo jurisprudência sólida. E quem avisa, amigo é. Em 2024, o momento é de aplicar todo esse conhecimento e fazer cumprir as promessas.
O momento histórico brasileiro propiciou esse cenário. Na última década, o Brasil viu surgir uma infundada desconfiança na urna eletrônica (2014, quando o PSDB contestou a eleição de Dilma Rousseff), teve eleições em meio a graves crises políticas (2016, na polarização pós-impeachment de Dilma), observou as milícias digitais agirem livremente frente a uma sociedade desavisada (2018, ano de disparos em massa e campanhas de desinformação) e passou pela digitalização acelerada das campanhas (2020, com a descoberta pelos políticos do poder de fogo das redes sociais).
O cenário das eleições de 2022 desenhou-se com essas tintas, ressaltadas por ameaças antidemocráticas que desembocariam nos atos de 8 de janeiro de 2023 em Brasília. A Justiça Eleitoral logo percebeu que seria necessário prevenir, não remediar, para evitar prejuízos que a experiência internacional tem mostrado, em países onde a democracia vem ruindo de dentro para fora pela ascensão de líderes autocratas legitimamente eleitos.
Assim, em fevereiro o TSE aprovou 12 resoluções que regerão as eleições municipais de 2024. As principais novidades tratam do uso de ferramentas tecnológicas nas campanhas. Os candidatos poderão recorrer a conteúdo criado por inteligência artificial, mas ele precisará ser rotulado, para informar o eleitor. E nada de deep fakes e afins, instrumentos de modificação de imagens e áudio para dar realismo a mensagens que, na realidade, jamais foram proferidas. O veto vale para manipulações grosseiras, como as que permearam as eleições argentinas em 2023, mas também para autobots que fazem ligações telefônicas fingindo ser determinado candidato.
As big techs também foram enquadradas. Como a regulamentação não avançou no Congresso, o TSE agiu por si próprio e impôs uma série de obrigações. Elas terão de adotar medidas para impedir a circulação de fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados, além de tomar providências imediatas para cessar o impulsionamento, a monetização e o acesso a esse tipo de conteúdo, sob pena de responsabilização civil e administrativa.
O X (Twitter nos bons tempos) sentiu o golpe, e em abril de 2024, o bilionário Elon Musk, dono da plataforma, desferiu uma campanha de ataques e fake news contra o Judiciário brasileiro, em especial o ministro Alexandre de Moraes presidente do TSE e relator dos inquéritos das fake news e das milícias digitais que correm no Supremo Tribunal Federal. Como resposta, Moraes enquadrou Musk nos inqué-ritos que preside.
As regras definidas pelo TSE para o pleito municipal de 2024 ajustam o contexto jurídico à realidade das eleições na era digital. Há um elemento de surpresa na regulamentação. Nenhuma dessas medidas foi discutida nas audiências públicas que o TSE fez em janeiro para tratar das resoluções. Ou seja, elas foram gestadas internamente e compiladas pela ministra Cármen Lúcia, relatora das instruções julgadas. Por outro lado, elas eram esperadas, já que membros do tribunal como o presidente Alexandre de Moraes vêm há anos cobrando abertamente alteração legislativa sobre o tema, diante de tamanho impacto na seara eleitoral.
Em 2023, Moraes afirmou que o TSE precisou inovar diante da quantidade absurda e criminosa de desinformação em circulação no Brasil, com o intuito de corroer internamente a democracia. A promessa de seguir avançando para coibir novas modalidades de fraude eleitoral vem sendo cumprida pela corte.
O TSE também atingiu as big techs em um tema menos institucional e mais prático: a corte proibiu candidatos e partidos de patrocinar conteúdo em sites de busca na internet que usem como palavra-chave o nome, sigla ou apelido de adversários, mesmo se a intenção for fazer propaganda positiva de si próprios. A medida contrariou a jurisprudência do próprio tribunal, que até então só tinha precedentes autorizando esse tipo de conduta.
A discussão ganhou força no TSE no julgamento de uma das ações de investigação judicial eleitoral (aije) das eleições de 2022, em que a conclusão foi de que a campanha de Lula não praticou abuso de poder econômico por meio da contratação de links patrocinados. O Google precisou enviar informações sobre o uso de sua plataforma ao TSE, o que acabou expondo indícios de abuso pelas campanhas presidenciais.
Para 2024, o TSE decidiu manter tudo que funcionou bem em 2022: a gratuidade do transporte público no dia das eleições, a regra que veta o trânsito de armas nos dias anteriores e posteriores à votação e a unificação nacional do horário de votação, com o objetivo de adiantar a apuração do resultado. O tribunal ainda melhorou o que foi muito contestado dois anos atrás: a expansão do uso do poder de polícia do juiz eleitoral.
Em 2022, isso serviu para aumentar o controle da corte sobre a propaganda eleitoral, alvo de extrema desinformação. O TSE acabou acusado de censura em alguns episódios. Para as eleições municipais, haverá mais transparência: juízes e tribunais eleitorais poderão usar do poder de polícia, mas com base em um repositório de decisões do TSE. E as campanhas terão instrumentos para contestar essas decisões e evitar abusos judiciais.
Os demais avisos feitos pelo TSE estão espalhados por sua jurisprudência. Especialmente nos casos julgados nas aijes presidenciais de 2022. Políticos e partidos hoje conhecem as consequências do uso de discursos populistas e desinformativos como estratégia de campanha, como fez Jair Bolsonaro. E enxergam melhor os limites entre a figura do chefe do Executivo e do candidato à reeleição – um aviso para os prefeitos em fim de primeiro mandato por todo o país e, mais do que isso, uma sugestão de autocontenção.
Também ficou esclarecido que a Justiça Eleitoral pode usar documentos novos para instruir ações de investigação judicial eleitoral, como fez com a “minuta do golpe” descoberta em janeiro de 2023, mas usada no processo que tratou de um episódio praticado por Bolsonaro em julho de 2022. E que, se for interessante acelerar o trâmite dessas mesmas ações, será possível reunir o julgamento delas até por critério de similitude jurídica. Inovações como essas mostram que, por mais um ano, o TSE não vai anuir com a “política do avestruz”: por puro formalismo, fingir que uma situação evidente de ilícito eleitoral possa não ter ocorrido. Nas palavras do ministro Alexandre de Moraes, “a Justiça pode ser cega, mas não é tola”.
Moraes, que foi instrumental na construção de todo esse arcabouço jurídico, não terá oportunidade de colocá-lo em prática para as eleições de 2024. Ele encerra seu período como membro do TSE em junho de 2024. A ministra Cármen Lúcia estará na presidência no período da votação. E não será a primeira vez: ela presidiu o TSE durante as eleições municipais de 2012. Possivelmente, o tribunal passará a ter composição menos alinhada. Os ministros Raul Araújo e Nunes Marques, que apresentam tendência de voto mais conservadora e foram voto vencido nas aijes presidenciais e em ações de temas afeitos, poderão ganhar companhia de outros novos integrantes.
Um dos temas em que não há divergência foi talvez o que recebeu avisos mais contundentes e claros: o da cota de gênero nas eleições. A jurisprudência do TSE vem sendo implacável na tentativa de fazer valer a regra do artigo 10º, parágrafo 3º, da Lei das Eleições. Partidos políticos têm a obrigação de registrar, no mínimo, 30% para cada gênero em suas listas para eleições proporcionais – para vereador, deputado estadual e deputado federal.
Desde 2016, o partido que usa de candidaturas fictícias para cumprir a cota de gênero é punido pela fraude com a cassação do registro da chapa inteira e a anulação de todos os votos recebidos. O resultado é esse mesmo se disso resultar a cassação de mulheres eleitas. Há aqui um ponto a ainda ser analisado pelo TSE: se também se aplica essa consequência quando, mesmo sem as candidaturas laranjas, a chapa acaba preenchendo o mínimo de 30% exigido pela lei. A corte ainda não se debruçou a fundo sobre esse tema.
De qualquer maneira, a intenção do TSE é sinalizar aos partidos que eles precisam ter candidaturas femininas viáveis em todas as fases do processo eleitoral. Por isso, o tribunal tem rejeitado alegações de “desistência tácita” feitas por candidatas-laranja, mesmo quando isso ocorre em função de problemas de saúde ou tragédias pessoais. Não basta dizer que quis concorrer, mas desistiu. É preciso mostrar que houve ao menos a intenção de disputar as eleições, inclusive com início de atos de campanha.
Assista à cerimônia de lançamento do Anuário da Justiça Brasil 2024:
ANUÁRIO DA JUSTIÇA BRASIL 2024
18ª Edição
ISSN: 2179981-4
Número de páginas: 276
Versão impressa: R$ 50, à venda na Livraria ConJur
Versão digital: disponível gratuitamente no app “Anuário da Justiça” ou pelo site anuario.conjur.com.br
O Anuário da Justiça Brasil 2024 contou com o apoio da Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP.
Anunciaram nesta edição do Anuário da Justiça Brasil:
Abdala Advogados
Advocacia Fernanda Hernandez
Antonio de Pádua Soubhie Nogueira Advocacia
Arruda Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica
Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia
Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça Advogados
Basilio Advogados
Bottini & Tamasauskas Advogados
Cançado e Barreto Advocacia S/S
Cecilia Mello Sociedade de Advogados
Cesa — Centro de Estudos das Sociedades de Advogados
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
Corrêa da Veiga Advogados
Costa & Marinho Advogados
Cury & Cury Sociedade de Advogados
Décio Freire Advogados
Dias de Souza Advogados
DMJUS
D’Urso & Borges Advogados Associados
FAAP
Feldens Advogados
Fidalgo Advogados
Fontes Tarso Ribeiro Advogados Associados
Fux Advogados
Gomes Coelho & Bordin Sociedades de Advogados
Hasson Sayeg, Novaes e Venturole Advogados
JBS S.A.
Justino de Oliveira Advogados
Laspro Advogados Associados
Leite, Tosto e Barros Advogados
Lollato, Lopes, Rangel, Ribeiro Advogados
Machado Meyer Advogados
Marcus Vinicius Furtado Coêlho Advocacia
Mauler Advogados
Mendes, Nagib e Luciano Fuck Advogados
Milaré Advogados
Moraes Pitombo Advogados
Multiplan
Nelio Machado Advogados
Nery Sociedade de Advogados
Oliveira Lima & Dall’Acqua Advogados
Ordem dos Advogados do Brasil — São Paulo
Original 123 Assessoria de Imprensa
Pardo Advogados Associados
Prevent Senior
Sergio Bermudes Advogados
Tavares & Krasovic Advogados
Tojal Renault Advogados
Warde Advogados