Adriana L. S. Lamounier Rodrigues e Luciane Webber Toss
A NR1, alterada em 2024, introduziu a identificação de riscos psicossociais, abordando assédio e violência no ambiente de trabalho, visando a saúde mental das mulheres.
A NR1 – Norma regulamentadora número 1 fixa diretrizes, requisitos e também procedimentos para gerenciamento e contenção de riscos ocupacionais. Ela foi alterada em agosto de 2024 para introduzir a identificação e tratamento de riscos psicossociais, incluindo estratégias para prevenir o assédio e a violência, incorporando essas ações no PGR – Programa de Gerenciamento de Riscos do empregador1.
A medida está mais do que justificada pelo dados emitidos no Relatório Mundial de Saúde, publicado pela OMS em junho de 2022, que aponta, até 2019, mais de um bilhão de pessoas com transtornos mentais2. Ainda, de acordo com o relatório, 264 milhões de pessoas sofrem depressão e ansiedade (a ansiedade acomete 9,3% da população brasileira).
No Brasil, o INSS, também divulgou os dados de causas de afastamentos no ano de 2022: 209.124 mil pessoas foram afastadas do trabalho por transtornos mentais, entre depressão, distúrbios emocionais e Alzheimer, enquanto em 2021 foram registrados 200.244 afastamentos.
De acordo com a pesquisa Esgotadas3, até 2019 (antes da pandemia), 7 a cada 10 pessoas diagnosticadas com depressão e ansiedade eram mulheres.
Elas atribuem seu adoecimento à falta de dinheiro, à sobrecarga de trabalho e à insatisfação com o trabalho (60% desejam mudar sua situação financeira e 30% querem mudanças no trabalho). Significa dizer que o adoecimento psíquico das mulheres não pode ser desvinculado do meio ambiente laboral onde o machismo, o racismo e a exclusão social e econômica tem um papel fundamental nesta realidade. Ou seja, a verificação da saúde mental no trabalho deve pressupor análise sob a perspectiva de gênero e suas interseccionalidades com raça.
Conforme a pesquisa do Instituto Cactus4, 1 a cada 5 mulheres brasileiras apresenta TMC – Transtornos Mentais Comuns que não são diagnosticados, como doenças psicossociais ou são tratadas como inconveniências cotidianas (seja pelo atendimento ambulatorial em postos de saúde, seja pelo serviço médico da empresa, seja pelo INSS, quando uma trabalhadora chega a este estágio de afastamento).
Significa dizer que estresse, irritabilidade, sonolência, fadiga, baixa auto estima, tristeza e insônia, sintomas apresentados por mulheres trabalhadoras, cotidianamente, são tratados como queixas que não preenchem critérios formais suficientes para um diagnóstico.
O Women’s Health Research Institute da Northwestern University5 aponta os transtornos alimentares, estresse pós-traumático, depressão (duas vezes mais do que em homens trabalhadores) e ansiedade como doenças comuns entre mulheres trabalhadoras que não são diagnosticadas e nem vinculadas ao meio ambiente de trabalho.
As alterações introduzidas pela NR1, que enfatizam o gerenciamento ativo e sistemático dos riscos ocupacionais, identificando e controlando os potenciais perigos para prevenir acidentes e doenças causadas pelas atividades relacionadas ao trabalho aliado ao monitoramento das violências cometidas contra as mulheres no local de trabalho podem mudar o quadro associado, tanto ao afastamento de mulheres do trabalho, quanto à contenção e prevenção da proliferação destes ‘transtornos mentais comuns’, que são resultado de disparidades e desigualdades no ambiente de trabalho.
E o novo item 1.5.3.3 ao estabelecer que a empresa deve adotar mecanismos para consultar os trabalhadores quanto à percepção de riscos ocupacionais, podendo para este fim ser adotadas as manifestações da CIPAA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio, coaduna-se com a nova roupagem da CIPA (inserida pela lei 14.457/22) que estabelece ser comissão de prevenção também de assédio.
Assédios esses, moral e sexual, que são praticados, no trabalho, predominantemente, em face das mulheres trabalhadoras, especialmente, mulheres negras. De acordo com pesquisa realizada pelo Think Eva e Linkedin (2020), quase metade das mulheres já sofreu algum assédio sexual no trabalho6, sendo a maioria mulheres negras (52%) e mulheres que recebem entre dois e seis salários mínimos (49%). E “do total de entrevistadas, 51,4% disseram conversar frequentemente sobre isso e 95,3% afirmam saber o que é assédio sexual no ambiente de trabalho”7. Esses dados coadunam-se com a estatística das doenças psíquicas enfrentadas pelas mulheres no ambiente de trabalho, uma vez que o trauma de um assédio sexual praticado por um chefe em face da trabalhadora, significa adoecimento mental e insalubridade a toda coletividade de mulheres no ambiente.
As violências e microviolências cometidas contra as mulheres no local de trabalho, além do assédio, inclui também desigualdade salarial, não promoção de mulheres, alterações de cargos pós licença gestante, por exemplo.
E, como o novo texto da NR1 passará a exigir a identificação de riscos psicossociais e os empregadores devem implementar planos de ação com medidas preventivas e corretivas, significa que uma serie de medidas devem ser tomadas.
Primeiramente para se estabelecer medidas preventivas e corretivas que combatam o assédio (um dos principais causadores do adoecimento mental), é necessário que as organizações vislumbrem um futuro antirracista, antissexista e mais igualitário para todas as mulheres8.
Dentre as medidas de reorganização do trabalho e promoção de um ambiente saudável de trabalho, com foco na melhoria das relações interpessoais e do bem-estar das mulheres trabalhadoras é possível pensar na prevenção efetiva de assédio (moral e sexual) no trabalho, com formação e fiscalização, na inclusão de médicas e enfermeiras especializadas em saúde da mulher nas equipes (SESMT), planos alimentares mais saudáveis nos refeitórios das empresas, serviço de creches para mães trabalhadoras, planos de carreira de inserção e promoção de mulheres a cargos de coordenação, gerenciamento e chefia.
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1 “1.5.3.3 A organização deve adotar mecanismos para consultar os trabalhadores quanto à percepção de riscos ocupacionais, podendo para este fim ser adotadas as manifestações da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio – CIPA, quando houver e b) comunicar aos trabalhadores sobre os riscos consolidados no inventário de riscos e as medidas de prevenção do plano de ação do PGR. 1.5.4.4.5.3 Para a probabilidade de ocorrência das lesões ou agravos à saúde decorrentes de fatores ergonômicos, incluindo os fatores de riscos psicossociais relacionados ao trabalho, a avaliação de risco deve considerar as exigências da atividade de trabalho e a eficácia das medidas de prevenção implementadas”.
2 World Health Organization . Transformin mental heath for all, 2022. Disponível em https://www.sbponline.org.br/arquivos/9789240049338-eng.pdf. Acesso em 17 fev 2025.
3 Laboratório Think Olga. Esgotadas, 2022 Disponível em https://lab.thinkolga.com/wp-content/uploads/2023/10/LAB-Esgotadas-4out-1.pdf. Acesso em 17 fev 2025.
4 Instituto Cactus e Instituto Veredas. Caminhos em Saúde Mental. São Paulo, 2021. DISPONÍVEL EM https://institutocactus. org.br/wp-content/uploads/2022/02/ livrodigital_caminhossaudemental_final.pdf Acesso 17 fev 2025.
5 World Health Organization. Preventing suicide. A global imperative. Geneva: World Health Organization; 2014. Disponível em https://iris.who.int/handle/10665/131056. Acesso em 17 fev 2025.
6 Rodrigues, Adriana Letícia Saraiva Lamounier; Carneiro, Bruna Salles. Coletivizar ações para proteger trabalhadoras: a atuação dos sindicatos em processos coletivos acerca de assédio no trabalho. In: Dione Almeida; Fabio Santana; Felipe Fernandes; Isabella Paranaguá; Larissa Matos; Silvia Felipe Marzagão. (Org.). Advogando Sob as Lentes de Gênero e Raça. 1aed.Leme/SP: Mizuno, 2023, v. , p. 115-123.
7 Think Eva. O ciclo do assédio sexual no ambiente de trabalho: Uma parceria Think Eva e LinkedIn. Reinventar o ambiente profissional inclui combater o assédio sexual. Texto: Semayat Oliveira. Revisão: Silmara Ferreira e Maíra Liguori. Pesquisa: Maíra Liguori, Mariana Cordeiro e Caroline Ferraz. Disponível em: < https://thinkeva.com.br/estudos/o-ciclo-do-assedio-sexual-no-ambiente-de-trabalho/?utm_source=LP+ASS%C3%89DIO&utm_medium=LP+ASS%C3%89DIO&utm_campaign=landing+page&utm_id=pesquisa+ass%C3%A9dio> Acesso em 10 fev. 2024.
8 Think Eva. O ciclo do assédio sexual no ambiente de trabalho: Uma parceria Think Eva e LinkedIn. Reinventar o ambiente profissional inclui combater o assédio sexual. Texto: Semayat Oliveira. Revisão: Silmara Ferreira e Maíra Liguori. Pesquisa: Maíra Liguori, Mariana Cordeiro e Caroline Ferraz. Disponível em: < https://thinkeva.com.br/estudos/o-ciclo-do-assedio-sexual-no-ambiente-de-trabalho/?utm_source=LP+ASS%C3%89DIO&utm_medium=LP+ASS%C3%89DIO&utm_campaign=landing+page&utm_id=pesquisa+ass%C3%A9dio> Acesso em 10 fev. 2024.
Adriana L. S. Lamounier Rodrigues
Advogada sócia do escritório Caldeira Brant Sociedade de Advocacia, com atuação especial em Direito Coletivo do Trabalho. Integrante do Corpo Docente da Escola Superior da ABRAT (Associação Brasileira da Advocacia Trabalhista). Diretora de Relações Institucionais da Comissão Estadual de Direito Sindical da OAB/MG. Professora de Direito do Trabalho em cursos de pós-graduação. Pós-Doutorado em Direito do Trabalho pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutora em Direito pela UFMG em cotutela com a Universidade Roma II Tor Vergata. Master em Direito do Trabalho pela Universidade Roma II Tor Vergata. Integrante do grupo de Pesquisa sobre Sindicalismo no Centro Universitário UDF e co-coordenadora do subgrupo Sindicalismo com perspectiva de gênero. Membra do IGT e da AMAT (Associação Mineira da Advocacia Trabalhista).
Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT
Luciane Webber Toss
Doutoranda em Direito e Mestra em Ciências Sociais pela UNISINOS, Especialista em Nuevos Rectos de Derecho Publico pela Universidad de Burgos (UBU, Burgos, Espanha) e em Derechos Humanos Laborales y Regulación del Trabajo en la Crisis, pela Universidad Castilla La Mancha (UCLM, Toledo, Espanha). É advogada trabalhista, assessora corporativa e consultora na área de gênero e direitos humanos. Integra os grupos de pesquisas Sindicalismo da UDF e Trabalho e Núcleo de Direitos Humanos da Unisinos e Capital: Retrocesso Social e Avanços Possíveis da UFGRS. Diretora da AJURD, conselheira da AGETRA e do MATI, integra o corpo docente da Escola da ABRAT. É membra da AAJ-Rama Brasil e da comissão feminista da ABRAT. Membra do IGT e da ABMCJ.