NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

Tema 1.389-STF: sugestão de critérios objetivos para definição de vínculo empregatício

Tema 1.389-STF: sugestão de critérios objetivos para definição de vínculo empregatício

A forma mais fácil de se constatar uma relação de emprego de fato, em que há a utilização fraudulenta de negócios jurídicos dotados de natureza civilista e baseados em silogismos por parte do empresariado, se dá pela investigação das responsabilidades, das obrigações e dos compromissos da classe trabalhadora com base na verdade fática do serviço prestado aos tomadores.

Não há relação jurídico-civilista que se confirme, quando as nomenclaturas não correspondem aos fatos e impingem algo que as relações sociolaborais (ou até mesmo a legislação) coíbem face aos impedimentos comportamentais que jamais podem ser invocados para dar guarida à fraude e à sonegação de direitos trabalhistas, beneficiando única e exclusivamente o infrator.

As empregadoras de um modo geral sabem muito bem que a intermediação de mão de obra para com empresas interpostas lhe é vedada, entretanto, para economizar com verbas trabalhistas e securitárias, aquelas preferem se arriscar na seara da pejotização e criam subterfúgios para que seus empregados montem CNPJs e tornem seus lucros ainda maiores.

É isso que fez com que muitas empresa, com o advento da reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017), se aventurassem na celebração de contratos de prestação de serviços para com empresas criadas por pessoas que deveriam ser empregados (Consolidação das Leis do Trabalho) e que servem como intermediadoras de mão de obra de atividade-fim.

Em todo o caso, certos de que “não há bem que dure para sempre, nem mal que nunca se acabe”, tem-se que a procura pela aplicação de todas as garantias inerentes ao Direito do Trabalho, a começar pelos princípios da proteção, da primazia da realidade sobre a forma e do não retrocesso social, nos dias de hoje, seja uma luta premente e, por assim dizer, a única forma de eliminar de uma vez por todas as práticas ilegais de contratação de empregados por meio do conceito anacrônico e indulgente da pejotização.

O advento da reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017), imposta como medida de contenção de uma suposta recessão econômica, ao arrepio do debate necessário entre a classe trabalhadora implicada e o empresariado, no entanto, fez — e ainda faz – ponderar se as características da relação de emprego podem ser definidas pela legislação infraconstitucional — e se, por essa razão, estariam à disposição do legislador para serem redefinidas a critério das necessidades da economia e do mercado. Mais do que isso, se a CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452/43, pode ser objeto de alteração por lei ordinária. E isso, em tese, inclui o que dispõem os artigos 2º e 3º daquele diploma, que, desse modo, poderiam ser modificados, derrogados ou mesmo revogados como resultado da atividade legislativa infraconstitucional.

O conceito de relação de emprego, entretanto, é guardado pela própria Constituição, no artigo 7º, I, e sobre ele se sustenta todo o sistema de garantias sociais de natureza trabalhista, inclusive os elencados nos demais incisos daquele dispositivo. A legislação infraconstitucional não pode extinguir direito previsto no art. 7º da Constituição, o que, pela mesma lógica, se torna vedado manipular o âmbito semântico da locução “relação de emprego”, insculpida no texto constitucional, de modo a inviabilizar ou restringir a aplicação daquelas garantias.

A partir do momento em que esse conceito (“relação de emprego”) é incorporado ao texto da Constituição, já não se pode ter o seu sentido alterado pela legislação infraconstitucional, porque isso tem repercussão no sistema de garantias trabalhistas constitucionais sobre ele erigido. Há, portanto, um conceito constitucional de relação de emprego, indisponível à redefinição pelo legislador infraconstitucional face à aplicação do princípio do não retrocesso social.

Logo, a permissão de terceirização da atividade-fim, e, neste cenário, de extensão da liberação irrestrita da pejotização a partir do acréscimo dos artigos 4-A e 5-C, na Lei nº 6.079/74, frutos da reforma trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467), verificou-se uma afronta ao princípio implícito da vedação de retrocesso social, posto que essa modificação significou um retrocesso, um passo atrás do legislador na sua, permanente, missão de concretizar o direito social, devendo ser, portanto, declarada inconstitucional tal modificação legislativa.

Mais afrontas a princípios

E não é só isso. Os julgamentos do Recurso Extraordinário nº 958.252/MG, em que foi aprovada tese de Repercussão Geral para o Tema nº 725, assim como da ADPF nº 324, por parte do Supremo Tribunal Federal, apesar de terem sido permeados por considerações axiológicas, de ordem socioeconômica, tanto da parte dos ministros que formaram maioria como da parte dos que ficaram vencidos, acabaram por ferir, também, o princípio da vedação de retrocesso social e ambos os precedentes jurisdicionais devem ser tidos como inconstitucionais.

Isso porque o Direito do Trabalho não reside na periferia do sistema, à mercê das sobras dos sucessos econômicos do país, ao contrário, ocupa posição central na conciliação do conflito entre as classes, fomentada pelo artigo 1º, IV, da Constituição. Posição esta que assume o papel de marco civilizatório, impondo as condições mínimas a que o trabalhador pode ficar sujeito, em torno das quais seu trabalho pode ser empregado na exploração de uma atividade econômica por outrem.

Com efeito, quando do julgamento do Tema nº 1.389 por parte do Supremo Tribunal Federal, é fundamental se ter em mente que a relação de emprego constitui-se na presença das suas características intrínsecas independentemente de ajuste prévio, e, nessas condições, supera mesmo a formalização de ajustes de outra natureza. A celebração de um contrato de prestação de serviços (seja ele, de trabalhador autônomo, de “terceirização”, de franquia, entre outros) não inibe o exame das características que dão lugar ao reconhecimento do trabalho subordinado a merecer a proteção oferecida pela legislação trabalhista.

No que concerne às características que permitem reconhecer a relação de emprego tácito, há consenso, tanto na doutrina como na jurisprudência, em torno dos parâmetros da pessoalidade, da não eventualidade, da remuneração e da subordinação, predicados estes inferidos dos artigos 2º e 3º da CLT, que definem as posições do empregado e do empregador nessa espécie de relação de trabalho.

Constatadas, enfim, essas características em determinada relação de trabalho, em especial a subordinação, por qualquer de suas dimensões – inclusive pela integração da atividade do trabalhador na atividade-fim da empresa, portanto –, pouco importa que não haja ajuste escrito entre as partes, porque o contrato de emprego admite a forma tácita, como explicita o artigo 442, da CLT.

Além disso, deve-se ter em mente que essa forma se impõe mesmo em detrimento da confecção de instrumento escrito pelo qual se pretenda atribuir-lhe outra natureza, já que do seu reconhecimento depende a aplicação de todas as garantias inerentes ao Direito do Trabalho, a começar pelo princípio do não retrocesso social e, por fim, pelo princípio da primazia da realidade sobre a forma.

Essa concepção, de que a relação de emprego não pode ser reduzida, extinta ou flexibilizada, ou ainda, que a mesma pode ser reconhecida de forma tácita ou mesmo a despeito de ajuste em sentido contrário, sequer foi desafiada pelos votos que formaram a maioria nos vv. acórdãos do RE nº 958.252/MG (Tema nº 725) e da ADPF nº 324, e tampouco foram ali redefinidas as características que informam a existência de uma relação de emprego. Ato falho este que não pode ser repetido quando houver o julgamento do Tema nº 1.389 (Supremo Tribunal Federal).

Logo, a tese de Repercussão Geral para o Tema nº 1.389 não pode desprezar o conceito de relação de emprego, que foi incorporado ao texto da constituição federal por meio de seu artigo 7º, eis que vedado manipular o seu âmbito semântico, de forma a inviabilizar ou restringir a aplicação das garantias presentes na norma magna, sob pena de ser tida tal decisão como inconstitucional face à aplicação do princípio do não retrocesso social.

Isso porque a Constituição de 1988 consagrou a vedação de retrocesso social com um princípio constitucional de finalidade negativa, cujo objetivo de tal princípio é, por assim dizer, o de assegurar o nível – até então obtido – de concretização dos direitos fundamentais sociais e tornar permanente a sua respectiva materialização, impedindo que os poderes constituídos pratiquem qualquer ato que aniquilem, diminuam ou flexibilizem direitos fundamentais sociais (como é o caso do conceito de relação de emprego).

O Direito do Trabalho surgiu para proteger o hipossuficiente na relação entre capital e trabalho, e mesmo com toda a evolução social, econômica e tecnológica vivida desde então, não há como se entender que atualmente haja um equilíbrio natural entre as partes que torne desnecessária tal proteção jurídica. O desenvolvimento econômico não tem o condão de trazer esse equilíbrio, tampouco de garanti-lo, e as novas relações de trabalho não afastam os direitos trabalhistas consolidados pela Constituição, assentados no conceito da relação de emprego ali pressuposto, e que, por isso mesmo, é indisponível à manipulação tanto pelo legislador infraconstitucional quanto pelo Poder Judiciário.

O reconhecimento da relação de emprego entre o trabalhador e a empresa que se beneficia do seu trabalho e a rede de proteção proporcionada pela Constituição não dependem, portanto, da ilegalidade do contrato firmado entre a empresa tomadora dos serviços e a empresa contratada para prestá-los, conquanto os efeitos desse contrato possam ser obliterados pela caracterização de relação de emprego diretamente entre o trabalhador e o tomador do trabalho.

Logo, se a Tese de Repercussão Geral para o Tema nº 1.389 visem impedir o reconhecimento de relação de emprego, mesmo que haja a presença dos requisitos da subordinação, da pessoalidade, da onerosidade e da não eventualidade, esta estará dotada de inconstitucionalidade face à aplicação ao caso do princípio do não retrocesso social, posto que as disposições dos artigos 2º e 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho, alcançaram um patamar de conceituação constitucional da relação de emprego, de tal forma que os mesmos são compreendidos como uma complementação, indissociável, da norma constitucional disposta no inciso I, do artigo 7º, da Constituição.

Diante desse cenário proposto, em que os poderes constituídos são impedidos de praticar qualquer ato que aniquilem, diminuam ou flexibilizem direitos fundamentais sociais, inclusive aqueles afeitos ao conceito de relação de emprego, sugere-se a adoção dos critérios objetivos para definição de vínculo Empregatício nos casos de contratação de empregados por meio de pejotização:

1) Ordinários (requisitos CLT): etapa 1:

a) Pessoalidade

b) Onerosidade

c) Não Eventualidade

d) Subordinação

Caso haja a constatação dos quatro requisitos presentes na etapa 1 concomitantemente, deve haver o reconhecimento do vínculo empregatício. Se for duvidosa tal constatação, devem ser afastados todos os requisitos dispostos nas etapas 2 a 4 para reconhecimento da validade da “pejotização”, a saber:

2) Ordinários (requisitos CLT): etapa 2:

a) Controle de jornada

b) Pagamento de direitos trabalhistas (férias, 13º salário, vales refeição, alimentação, entre outros)

c) Custos administrativos (contador, material para operação, computadores, etc.) arcados pelo tomador

d) Obrigação de prestar serviços apenas na sede do contratante

e) Existência de quadro hierárquico com delimitação de cargos e funções

3) Extraordinários (reforma trabalhista): etapa 03:

a) CNPJ do prestador com objeto social com permissão à prestação de serviços na atividade-fim do contratante

b) CNPJ do tomador com atividade-fim do contratante constante de seu objeto social

c) Não impedimento legal ao contratante para receber os serviços do objeto social constante do CNPJ do prestador

d) Existência de opção de contratação pelos sistemas CLT e PJ (com a escolha sujeita à vontade do contratado)

e) Possibilidade de prestação de serviços a outros contratantes

f) Emissão de notas fiscais não sequenciais

g) Possibilidade de contratação de empregado ou equipe de trabalho (múltiplos empregados) pelo prestador

4) Extraordinários (reforma trabalhista): etapa 4:

a) Formação acadêmica (ensino superior ou acima)

b) Remuneração média mensal do prestador ser superior a dez salários mínimos nacionais

c) Remuneração média anual do prestador (PJ) não ser inferior à mesma média do empregado (CLT) (ou seja, deve haver a apuração de todas as vantagens contidas na CLT e em convenção e acordo coletivos, e esta deve ser inferior ao quanto recebido como PJ)

  • é sócio fundador da Pagni Advogados Associados, especialista no setor trabalhista, graduado e especializado em direitos sociais pela Faculdade de Direito da USP, tendo sido ainda professor assistente na disciplina de Direito Social na Faculdade de Economia e Administração da USP, no curso de especialização de Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da USP e no curso de graduação na disciplina de Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da USP.

CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-out-16/tema-1-389-do-stf-sugestao-de-criterios-objetivos-para-definicao-de-vinculo-empregaticio/

Tema 1.389-STF: sugestão de critérios objetivos para definição de vínculo empregatício

TST cita falta de transparência e anula cláusula de banco de horas em acordo coletivo

A Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho manteve a invalidade da cláusula de banco de horas prevista em acordo firmado em 2020 por empresas de transporte coletivo de Belo Horizonte.

Para o colegiado, o modelo viola a Constituição por não garantir transparência nem participação efetiva dos trabalhadores no controle da jornada.

Cláusula de banco de horas em acordo de empresas de transporte fere a Constituição

A ação foi proposta pelo Ministério Público do Trabalho, que pediu a anulação de cláusulas firmadas por diversas empresas do setor.

Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) julgou inválido o dispositivo sobre banco de horas, levando as empresas a recorrer ao TST.

Segundo o TRT-3, a compensação de jornada só pode ser considerada válida se houver critérios claros de controle e fornecimento mensal dos saldos de horas. Na prática, a ausência de demonstrativos criava risco de dupla penalização: os trabalhadores já sofriam redução salarial pela flexibilização da jornada e ainda ficavam sem acesso às informações para conferir o banco de horas.

O TRT-3 também ressaltou que a prestação habitual de horas extras descaracteriza o sistema compensatório e afeta diretamente a saúde, o lazer e a convivência familiar dos trabalhadores.

Limite ultrapassado

Relator do recurso, o ministro Agra Belmonte confirmou os fundamentos do TRT-3, classificando o modelo como um banco de horas “às escuras”.

Embora a Constituição permita a compensação de jornada por negociação coletiva, ele considerou inadmissível um sistema que desobriga o empregador de apresentar demonstrativos mensais e abre espaço para extrapolar a limitação constitucional da jornada.

O ministro lembrou que acordos e convenções coletivas devem ser prestigiados, mas encontram limites quando direitos fundamentais estão em jogo. Para o colegiado, o banco de horas só é legítimo se garantir participação efetiva dos trabalhadores e acesso transparente às informações. A decisão foi unânime. Com informações da assessoria de imprensa do TST.

Processo 0011425-20.2020.5.03.0000

CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-out-15/tst-cita-falta-de-transparencia-e-anula-clausula-de-banco-de-horas-em-acordo-coletivo/

Tema 1.389-STF: sugestão de critérios objetivos para definição de vínculo empregatício

“Dois pesos, duas medidas”: Desafios da NR-1 e a saúde mental do trabalhador

Carlos Eduardo Carrusca Vieira

A atualização da NR-1 exige a proteção da saúde mental. Contudo, até que ponto as empresas estão dispostas a frear decisões rentáveis em nome do bem-estar do trabalhador?

O presidente e o diretor de finanças de uma organização convocam reunião com os gestores de cada um dos departamentos. Anunciam robustas mudanças organizacionais com o objetivo de melhorar a posição da empresa no mercado, a sua produtividade e o rendimento do seu capital. Os negócios vão bem, mas é necessário aperfeiçoar. Então, por que não?

Com base na análise dos dados contábeis e no escrutínio das planilhas, anunciam a necessidade de redução de pessoal. Mantras corporativos são evocados: “é preciso fazer mais com menos gente”, “é importante ter resiliência”. Além disso, é possível imaginar o seguinte diálogo:

– Vamos enfrentar a insatisfação dos colaboradores – alguns afirmam.

– Mas as pessoas se adaptam com o tempo – outros dizem.

– E, afinal, qual é o papel de vocês como líderes? – pergunta o diretor de finanças.

– Exatamente – responde o senhor presidente.

O diretor de finanças prossegue:

– Contribuir para que o plano de reestruturação seja levado a cabo, com o mínimo desgaste para a empresa – essa frase recebe apoio do Marketing e Branding e do Departamento Jurídico.

– Aliás, o pessoal do RH pode cuidar disso – ressalta o presidente, dirigindo-se ao gestor do RH. Você poderia fazer um planejamento de palestras voltadas para a saúde mental dos colaboradores. Observem: temos Janeiro Branco, Setembro Amarelo e a SIPAT para abordar a importância do autocuidado com a saúde mental. É bom estabelecer essa “nova cultura da prevenção”, mudar o mindset – acrescenta.

Reunião encerrada. Registre-se e cumpra-se.

Essa caricatura da reunião corporativa permitiria, obviamente, variações no enredo. No entanto, a preponderância do critério econômico sobre a saúde mental, a despolitização da luta pela saúde e a posição impotente do setor de recursos humanos em relação às finanças permaneceriam, em inúmeros casos, muito próximas, senão idênticas.

De longa data, na verdade, observa-se sistematicamente a conversão das disfunções, das patologias e dos vícios organizacionais, geradores de sofrimento e de adoecimento psíquico, em questões individuais. Problemas do mundo material e social são transformados, assim, em problemas individuais. “Crise do trabalho” torna-se “crise individual de saúde mental”, ocultando as raízes dessa temática.

As falácias, largamente disseminadas na sociedade e no mundo corporativo, despolitizam a luta pela saúde e reduzem o adoecimento a aspectos individuais, sobretudo, ao subtraírem do quadro da inteligibilidade do processo de saúde-doença a exigência de compreender as tensões entre capital-trabalho, as relações de poder e as contradições sociais experimentadas pelos trabalhadores. Sem essas discussões, a nova cultura organizacional conduz a medidas superficiais de abordagem da saúde mental relacionada ao trabalho.

Entre essas medidas, verifica-se a tentativa de rastrear sintomas psicológicos que indiquem fragilidades emocionais dos trabalhadores, os quais se tornam tanto mais descartáveis para uma organização quanto mais se observem suas incapacidades de suportar condições adoecedoras (metas inatingíveis, recursos escassos junto a exigências crescentes, jornadas extenuantes, assédios moral e sexual, excessivas e rigorosas vigilâncias, entre outros).

Para atacar os graves problemas de saúde relacionados ao trabalho, muitos programas corporativos de QVT – Qualidade de Vida no Trabalho limitam-se a oferecer mindfulness, palestras motivacionais, dias de embelezamento, atividades físicas, ambientes descontraídos e descolados. Evitam, contudo, discutir o essencial: os reais desafios, os paradoxos e as contradições da realidade laboral nas organizações. Intervenções paliativas, como as citadas, não costumam resultar em melhoria das condições laborais e da saúde dos trabalhadores. E não são inofensivas, pois ampliam a pressão sobre o trabalhador, transformado no único responsável pela própria saúde mental. As organizações reafirmam, desse modo, a ideia de que “muito já é feito pelos funcionários”.

Nesse cenário, a cultura da prevenção ao adoecimento e da promoção da saúde é reduzida a um discurso com ações pouco efetivas sobre a raiz dos problemas. Insiste-se, assim, em debater a crise da saúde mental, sem pautar a discussão sobre a crise social do trabalho, que tem resultado em diversas patologias laborais.

Em face disso, no âmbito corporativo, o RH segue, geralmente, a reboque das decisões gerenciais, tomadas em outras instâncias e com base em critérios econômico-financeiros que não são, necessariamente, compatíveis com a proteção da saúde dos trabalhadores. Quando se trata de discutir e de agir sobre as condições laborais causadoras de agravos à saúde mental, o RH opera, frequentemente, de maneira reativa. Sem real poder de transformar a realidade organizacional e o cotidiano laboral, por maior que possa ser a coragem individual de seus profissionais, o RH permanece constrangido por outras instâncias, ditas mais importantes e racionais, que cuidam dos negócios. A racionalidade gerencialista, porém, não incorpora em seu horizonte de atuação a proteção da saúde mental e os custos humanos que suas decisões acarretam para as pessoas. De outro lado, o RH acumula dados relativos ao sofrimento, que se refletem em licenças médicas, absenteísmos, rotatividades e que evidenciam o ônus financeiro da desumanização.

Em tal contexto, marcado pela notória incidência de transtornos mentais e comportamentais associados ao trabalho, a NR-1 – Norma Regulamentadora 1 é atualizada e impõe a necessidade de cuidar da saúde mental dos trabalhadores; do nosso ponto de vista, isso exige cuidar do trabalho. Em sua recente atualização, essa norma incorpora a obrigatoriedade de prevenir os riscos psicossociais relacionados ao trabalho que possam impactar a saúde mental dos trabalhadores. A NR-1 demanda que as organizações identifiquem, avaliem e controlem os fatores de risco, incluídos os riscos psicossociais, por meio do GRO – Gerenciamento de Riscos Ocupacionais. Estaria remediada a situação crítica da saúde mental relacionada ao trabalho? Certamente não.

A compreensão do que está em jogo nos contextos corporativos ressalta que a implementação dessa norma será um desafio. Mais ainda, evidencia que a proteção da saúde mental, exigida pela NR-1, encontra-se em uma encruzilhada marcada por contradições estruturais. Afinal, entre dois pesos e duas medidas, qual lugar restará para construir medidas efetivas de proteção da saúde mental – que permanece subordinada ao critério econômico, de maior peso para as organizações?

Profissionais das corporações e consultores têm repetido que, em razão da NR-1, as organizações terão de estabelecer uma nova cultura. Será preciso, conforme o jargão corporativo, mudar o mindset. Nesse sentido, indagam se as organizações estão preparadas para implementar a NR-1 e para produzir uma nova cultura. Ocorre que, em várias situações, essa nova cultura resume-se a reiterar antigas fórmulas e práticas, ou seja, a programas de qualidade de vida que abandonam os dramas do trabalho e que não integram a participação dos trabalhadores, reais conhecedores dos desafios e dos paradoxos da realidade.

Por tudo isso, é preciso lembrar: cuidar do trabalho, com o objetivo de cuidar da saúde mental, não equivale a preencher formulários e a elaborar diagnósticos de fragilidades individuais. Também não se reduz às palestras motivacionais, ao mindfulness ou às palestras do Janeiro Branco e do Setembro Amarelo. O cuidado dissimulado, conhecido como wellbeing washing, não logra transformar as condições laborais das quais decorrem os problemas de saúde mental relacionados ao trabalho, tais como quadros de ansiedade, de depressão, de estresse pós-traumático e de esgotamento profissional.

A saúde não se estabelece por decreto, nem por respostas protocolares. Na verdade, implica ações efetivas, com a participação incontornável dos coletivos profissionais, a fim de compreender os desafios e os problemas experimentados no trabalho real, bem como de construir soluções em face das contradições materializadas no âmbito laboral. Dessa maneira, para além das perguntas já feitas, outras parecem importantes para dar a real dimensão dos obstáculos impostos pela implementação da NR-1.

Desafios práticos irão se apresentar, sobretudo em relação aos pesos e às medidas de determinados critérios que presidem as tomadas de decisão. No binômio composto por produtividade-saúde, sabe-se que o ponto de vista econômico, em detrimento da saúde, pesa mais. Nesse sentido, a tarefa de proteger a saúde mental não pode ser simplesmente transferida ou realizada pelo RH. Por mais corajosos que sejam esses profissionais, eles continuam, com frequência, sem poder para decidir sobre aspectos (econômicos) que realmente impactam a saúde mental.

Para pensar em mudanças, seria indispensável que as organizações, por meio das suas políticas contábil e de gestão de RH, incorporassem a saúde mental não apenas como horizonte e cultura, de forma abstrata, mas como critério inegociável. Não temos nenhuma ingenuidade, ao contrário, temos clareza das restrições impostas a isso em uma economia que se orienta justamente pelo imperativo da valorização do valor. De qualquer modo, façamos um exercício de reflexão: se a saúde mental fosse assumida nas organizações como critério inegociável, o que tal escolha significaria na prática?

Ter a saúde como critério inegociável implicaria impor limites à obsessão pela maximização dos resultados econômicos, ou seja, à gestão do “custe o que custar”. Significaria ainda que uma decisão econômica potencialmente rentável poderia ser impedida se causasse impactos sobre a saúde. Então, a pergunta não seria simplesmente: as organizações estão prontas para implementar a NR-1? A pergunta é: as organizações estão preparadas para frear decisões mais rentáveis ou mais econômicas que possam impactar gravemente a saúde mental dos trabalhadores?

Nessa linha de raciocínio, exemplificamos um pouco mais: as empresas estão aptas a dar um passo atrás nas tentações de reduzir o quadro de pessoal, isto é, de produzir “mais, com menos” e, assim, a proteger a saúde dos trabalhadores? Estão dispostas a reduzir jornadas de trabalho extenuantes, sem depauperar a renda dos funcionários? Estão prontas para ampliar os recursos humanos, tecnológicos e materiais à disposição dos trabalhadores, porque isso pode resultar em prevenção ao adoecimento? Ou continuarão a reduzir a infraestrutura e os recursos humanos aos limites mínimos ou ainda menores, ignorando os impactos nocivos para a saúde? Seguirão o lema do “adapte-se quem quiser, ou peça para sair”, ou vão defender a adaptação do trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, como preconiza a NR-17? Vão parar de dizer por decreto o que é a saúde para os trabalhadores e de impor programas de QVT com pouca utilidade para transformar o trabalho? Irão escutar os funcionários, entender o que os adoece e mata, antes de propor ações? Estão dispostas a mudar efetivamente o papel do RH, tão relegado ao papel de ministrar cuidados paliativos?

Os impasses e as dificuldades são evidentes, pois no sistema econômico atual a economia e a saúde não caminham de mãos dadas. A saúde, o tempo e a energia vital dos trabalhadores são consumidos e sacrificados em nome da rentabilidade financeira de poucos. O desgaste, o sofrimento e o esgotamento profissional são distribuídos para muitos, como expressões sociais do antagonismo entre dois pesos e duas medidas.

No plano jurídico, de um lado, impõem-se balizas à ação predatória do capital, de outro, alimenta-se a insaciável serpente com a modernização das relações de trabalho, que já se fantasiou de reforma trabalhista e hoje se apresenta com diferentes roupagens (pejotização, empreendedorismo, colaboradores, parceiros), aprofundando a precarização laboral.

No fundo, vale destacar, sabemos que não está em jogo apenas a aplicação de normas, mas o projeto de sociedade que desejamos e que defendemos. Contudo, por ora, voltemos nossa atenção ao momento presente e à questão essencial para iniciar um real debate sobre a proteção da saúde mental: quais decisões de baixo custo e de alta rentabilidade, potencialmente nocivas, as organizações estão dispostas a frear em nome da saúde mental de seus trabalhadores?

Carlos Eduardo Carrusca Vieira
Pós-doutor em Psicologia pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da PUC Minas. Doutor e Mestre em Psicologia pela UFMG. Professor do Programa de Pós-graduação em Psicologia da PUC Minas.

MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/depeso/442251/dois-pesos-duas-medidas–nr-1-e-a-saude-mental-do-trabalhador

Tema 1.389-STF: sugestão de critérios objetivos para definição de vínculo empregatício

Escala 6×1 e o ciclo interminável da exaustão

Maioria nesta rotina são mulheres negras do setor de comércio. Escala é fator central de exaustão mental e física, distanciamento familiar e isolamento social. Sem tempo de cuidar da saúde, aumenta risco de hipermedicalização. Leia 2º texto de série sobre redução da jornada.

O artigo é de Flávia Manuella Uchoa de Oliveira, Clarice Rodrigues Pinheiro, Rafael Macharete, Gabriel Sant’Anna, Mary Zhang e Lucas de Oliveira, publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU em parceria com o Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp.

Eis o artigo.

Introdução

O controle do tempo é elemento fundamental na contradição capital-trabalho. Na disputa política pelo tempo, a redução da jornada de trabalho tornou-se uma pauta histórica dos movimentos de trabalhadoras e trabalhadores (Dal Rosso, 2021). No Brasil, um fenômeno recente surge como imprescindível para a discussão dessa pauta. Em setembro de 2023, o movimento “Vida Além do Trabalho – Pelo fim da escala 6×1” (VAT) trouxe ao debate público a reivindicação pelo fim da escala 6×1, na qual trabalha-se seis dias e tem-se somente um dia de folga.

Ao longo de 2024, esse movimento tomou forma através de ações semanais de panfletagem; passeatas e do abaixo-assinado para o fim da escala, que contava com quase três milhões de assinaturas em maio de 2025. A pauta do movimento tornou-se também a espinha dorsal do texto de uma proposta de Emenda à Constituição (PEC) [1] – ainda em debate – que estabelece a duração do trabalho em até oito horas diárias e 36 horas semanais, com jornada de quatro dias por semana e três de descanso, sem redução salarial.

Em 2024, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do estado de São Paulo afirmou não poder comentar sobre o movimento e sua pauta “por falta de estudos sobre o tema” (Declercq, 2024). No último 1º de Maio, o pronunciamento do atual Presidente da República indicou a necessidade de aprofundar o debate sobre a redução da jornada de trabalho, com a menção de Lula diretamente à escala 6×1. Nota-se nesses pronunciamentos o argumento de que existem poucos estudos sobre essa jornada e seus impactos para a vida das trabalhadoras e trabalhadores, bem como para a economia do país.

Diante disso, a motivação deste artigo é fornecer dados, argumentos e referências que auxiliem e fortaleçam as mobilizações para a redução da jornada de trabalho e para o fim da escala 6×1. Para tanto, as seguintes perguntas foram formuladas: quem está submetida(o) à escala 6×1 no mercado de trabalho brasileiro? Que lugares essas pessoas ocupam nesse mercado? Em quais setores econômicos elas estão? Qual a realidade do trabalho nessa escala? Quais são os seus impactos na saúde e na vida de trabalhadoras e trabalhadores?

O texto está estruturado em três seções, além dessa introdução e das considerações finais. A primeira seção apresenta a metodologia, detalhando a elaboração do questionário, sua aplicação e formas de análise, bem como os cuidados éticos tomados nesse percurso. Em seguida, são apresentados e discutidos os resultados encontrados, pontuando os impactos da escala 6×1 na saúde e na vida pessoal, familiar e social do trabalhador.

Metodologia

A elaboração aqui desenvolvida é fruto de um esforço de construção junto ao “Movimento Vida Além do Trabalho – Pelo fim da escala 6×1” (VAT), inspirado no que Lacaz (1994), ao citar Chaia, nomeia como um processo de articulação e intermediação que produz junto e com as(os) trabalhadoras(es) o conhecimento para orientar as mobilizações.

Surgido na cidade do Rio de Janeiro, o VAT tem conseguido mobilizar e estabelecer uma determinada compreensão sobre o trabalho na escala 6×1 entre as(os) trabalhadoras(es). A força de mobilização do movimento torna palpável “a totalidade contraditória” do capitalismo (Bhattacharya, 2022). Isto é, a partir da escala 6×1 – temática que envolve concretamente multidões de trabalhadoras(es), diversas(os) entre si e colocadas(os) em distintas atividades, com acessos desiguais à proteção e à seguridade social –, foi possível unir experiências diferentes sem homogeneizá-las para pensar a produção de mais-valor pela espoliação do tempo de vida.

Em março de 2024 – a partir de uma ação de extensão na Universidade Federal Fluminense, em cooperação com a Universidade de Pernambuco –, foi realizada uma roda de conversa aberta à comunidade acadêmica, com Ricardo Azevedo, líder do VAT. Essa ação deu início ao processo de escrita de projetos de Iniciação Científica (IC) e de Mestrado com o objetivo de compreender quem são as(os) trabalhadoras(es) submetidas(os) à escala 6×1 e quais os impactos sentidos por elas(es), em decorrência dessa prática, na sua saúde física e mental, e na sua vida familiar. Essas primeiras atividades de extensão e pesquisa foram as bases do atual projeto “Impactos da escala 6×1 na vida das(os) trabalhadoras(es)”.

Em 19 de maio de 2025, a equipe de pesquisa esteve na Câmara dos Vereadores da cidade do Rio de Janeiro – a convite do VAT e do agora vereador eleito Ricardo Azevedo – junto a outras(os) trabalhadoras(es) para apresentação e discussão dos resultados alcançados pelo projeto. Esse encontro teve como objetivo o fortalecimento da Frente Parlamentar de Saúde Mental do Trabalhador Carioca (Resolução Mesa Diretora nº 12903 de 2025), aberta pelo mandato de Azevedo. Este artigo apresenta parte das discussões realizadas nessa oportunidade junto ao movimento e às(aos) trabalhadoras(es).

No projeto “Impactos da escala 6×1 na vida das(os) trabalhadoras(es)”, a estratégia metodológica é de natureza exploratória, com abordagem mista, combinando métodos quantitativos e qualitativos. A aplicação de questionário [2] no formato virtual foi o instrumento escolhido. O questionário possui três blocos de perguntas: o primeiro voltado à relação de trabalho, com o levantamento de informações como o tempo de trabalho na escala 6×1, tipo de contrato de trabalho, horas trabalhadas por dia, cargo (de acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações – CBO) e setor econômico (de acordo com a Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE) em que as(os) trabalhadoras(es) atuam; o segundo bloco refere-se às informações socioeconômicas; e por fim, o terceiro bloco, composto por quatro questões.

Essas quatro questões utilizam o formato de resposta em escalas Likert [3]. A primeira questão pede que a (o) participante indique de que forma a escala 6×1 impacta negativamente sua vida pessoal e familiar como, por exemplo, se não impacta ou impacta extremamente. Duas outras questões pedem o nível de concordância do entrevistado com as seguintes afirmações: “a escala 6×1 afetou minha saúde física” e “a escala 6×1 afetou a minha saúde mental”. A quarta e última questão é aberta para que as(os) trabalhadoras(es) descrevam como a escala afeta suas vidas.

A aplicação do questionário teve a colaboração do VAT, por meio dos grupos de mensagem criados pelo movimento e que reúnem trabalhadoras(es) de todo Brasil. O instrumento ainda está em circulação para que se componha um pequeno painel ilustrativo do fenômeno, com objetivo de explorar possíveis impactos da escala na saúde e na vida de trabalhadoras e trabalhadores, sem pretensão de se fazer inferências ou extrapolar padrões observáveis e conclusões para toda a população em análise. Esse painel conta com 496 respostas válidas, tendo como critérios de inclusão a maioridade e a confirmação de que a(o) participante trabalha em escala 6×1. Nesse sentido, as(os) participantes foram selecionadas(os) por conveniência, pelo acesso que tivemos aos grupos de mensagem do VAT. Argumentamos que essa estratégia é adequada como etapa inicial ou preliminar do estudo, todavia, introduz um viés significativo nas respostas, não sendo possível, a partir delas, derivar generalizações.

Para a análise dos dados, foram utilizadas estatísticas descritivas, consideradas suficientes para o objetivo de caracterizar as(os) trabalhadoras(es). Para a pergunta aberta, seguiu-se a análise temática (Braun e Clarke, 2008), uma técnica para a identificação de padrões ou temas em dados qualitativos, pela qual determinamos categorias de análise à luz dos referenciais teóricos da Teoria do Desgaste e do Desgaste Mental relacionado ao Trabalho (Seligmann-Silva, 2011; Laurell e Noriega, 2021). Cabe indicar que o projeto foi aprovado em Comitê de Ética (nº CAAE: 84904324.2.0000.8160) e que segue a recomendação do uso do Termo de Consentimento Livre e Esclare-cido (TCLE), nos quais estão explicados os possíveis riscos e benefícios aos participantes da pesquisa.

Apresentação e discussões dos resultados

Os resultados deste projeto estão disponíveis ao público em um painel virtualiv, pelo qual se pode acompanhar a atualização dos resultados. Nesta apresentação, estruturada em duas subseções, são analisadas as características demográficas e socioeconômicas das(os) participantes e dos lugares que ocupam no mercado de trabalho; e, os impactos dessa escala percebidos na saúde e na vida pessoal, familiar e social das(os) mesmas(os).

Quem são e onde estão as(os) trabalhadoras(es) em escala 6×1 nesta pesquisa?

Os resultados parciais mostram uma maioria de respondentes do sexo feminino, pretas e pardas, jovens e adultas, sudestinas – moradoras dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo – solteiras e sem filhos. Esse perfil demográfico predominante surge como viés estatístico, resultante provavelmente da maior representatividade de mulheres e de moradores do RJ e de SP, vinculados ao VAT. Com nível médio de escolaridade, elas possuem renda mensal de aproximadamente R$ 2.000,00 e estão ocupadas, principalmente, em cargos de atendimento ao público nos setores do comércio e serviços, há mais de cinco anos. Os contratos de trabalho a que estão submetidas são por tempo indeterminado e a carga horária é de 8 horas ou mais.

Descreve-se com mais detalhes, a seguir, a distribuição das informações demográficas e socioeconômicas das(os) participantes, com destaque para sexo, raça, idade, escolaridade e renda.

Dentre as 496 pessoas que responderam ao questionário, 60% são do sexo feminino e 40% do sexo masculino. Na autodeclaração de cor ou raça, 47% são brancas, 34% são pardas, 16% são pretas, 1% amarelas e 1% indígenas. A maioria tem entre 20 e 29 anos, 47% das participantes, 29% têm entre 30 e 39 anos, 17% têm mais de 40 anos e 3% têm até 19 anos. O nível de escolaridade das participantes mostra que 10% não chegaram a concluir o Ensino Médio, enquanto 51% possuem Ensino Médio Completo. Outros 33% estão cursando o Ensino Superior ou já concluíram. Os que estão cursando ou já concluíram cursos de Pós-Graduação correspondem a 6%. O rendimento mensal para 7% das trabalhadoras é de até R$ 1.000,00. Correspondem a 61% do total aquelas que possuem renda entre R$ 1.000,00 e 2.000,00, 29% ganham entre R$2.000,00 e 5.000,00 e 3% ganham acima de R$5.000,00.

Para compreender a relação de trabalho em que essas trabalhadoras estão inseridas, são analisados também o tempo de trabalho nessa escala, o tipo de contrato, a quantidade de horas trabalhadas, a ocupação que exercem e o setor em que estão colocadas. Como mostram os resultados, a escala 6×1 é a realidade de trabalho há mais de três anos para 57% das trabalhadoras. Outras 43% delas estão neste regime há menos de três anos. Aquelas que estão em contrato de trabalho por tempo indeterminado correspondem a 82%, sendo que outras 8% estão em contratos por tempo determinado, o que inclui aquelas em período de experiência. Correspondem a 2% as que estão colocadas em trabalho autônomo ou eventual, ao passo que, 5% declararam não possuir contrato de trabalho. A quantidade de horas de trabalho é 8 horas diárias ou mais para 70% das trabalhadoras, sendo que outras 30% têm menos que 8 horas diárias de trabalho.

As ocupações das participantes são diversas, com destaque para os cargos de operadora de caixa, vendedora de comércio varejista, atendente de lojas e mercados e atendente de lanchonete que correspondem a 30% das ocupações que as trabalhadoras exercem. Há também a presença de ocupações como recepcionista de hotel, assistente administrativo, repositora de mercadorias, fiscal de loja, farmacêutica, cozinheira geral, teleoperadora e operadora de telemarketing receptivo, cargos que correspondem a 19% das ocupações que as trabalhadoras exercem. A maioria das trabalhadoras está inserida no setor do comércio, que corresponde a 44% das respostas. Os setores de alimentação, hotéis e similares e telecomunicações também têm destaque por corresponderem a 27% das respostas.

Os impactos da escala 6×1 na saúde e na vida pessoal, familiar e social

A realidade de trabalho nessa escala 6×1 é descrita pelas(os) trabalhadoras(es) como determinante para a degradação de sua saúde, tanto física quanto mental, e de sua vida pessoal, com o isolamento familiar e social. Aquelas(es) que concordam e concordam completamente com a afirmação de que a escala 6×1 prejudica a saúde física correspondem a 97%; aquelas(es) que concordam e concordam completamente com a afirmação de que a escala 6×1 prejudica sua saúde mental correspondem a 94%. As(os) que consideram que a escala impacta muito ou extremamente a sua vida pessoal chega aos 94%.

Observam-se algumas diferenças nas respostas, segundo o sexo e o nível de escolaridade das(os) participantes que, embora pequenas, mostram como as mulheres e aqueles com menor nível de escolaridade percebem os impactos dessa escala com maior intensidade. Com relação ao sexo, o grau de concordância revela que as mulheres são mais incisivas sobre o impacto dessa escala em sua saúde física e mental: 70% delas concordam totalmente com a afirmação de que a escala 6×1 tem prejudicado a sua saúde física, enquanto 62% dos homens concordam totalmente com essa afirmação. A percepção dos prejuízos na saúde mental aparece mais próxima entre mulheres e homens, com 79% delas e 76% deles com total concordância com a afirmação de que a escala 6×1 tem prejudicado a sua saúde mental. A vida familiar e social também mostra uma pequena diferença entre os sexos, com 65% das mulheres e 58% dos homens indicando que a escala tem impactado extremamente sua vida pessoal e familiar.

Como hipóteses para essas diferenças entre os sexos, temos o peso da dupla jornada das mulheres. No Brasil, elas trabalham o dobro de horas que os homens nas atividades domésticas e de cuidados de pessoas (IBGE, 2023). A dupla jornada destaca como a organização própria do sistema capitalista desvaloriza, em termos materiais e simbólicos, as atividades de reprodução da vida, a maioria das quais são tarefas atribuídas às mulheres (Ferguson, 2020).

Os resultados dos impactos dessa escala quando recortados por escolaridade apontam para uma concordância geral, com trabalhadoras e trabalhadores de diferentes níveis de escolaridade afirmando os prejuízos em sua saúde e vida pessoal, familiar e social. Pequenas diferenças são apontadas no nível de concordância de que a escala tem prejudicado a saúde física. Quanto maior a escolaridade, observa-se um pequeno recuo na concordância com o prejuízo da escala 6×1 na saúde física: se considerados as(os) participantes que possuem até o Ensino Médio e que estão cursando o Ensino Superior, tem-se que mais de 70% concordam completamente com o prejuízo da escala em sua saúde física.

Se analisadas(os) apenas participantes com Ensino Superior ou Pós-Graduação, essa concordância completa se mantém em 59%. Hipóteses para essas diferenças devem ser elaboradas com cautela pela variedade de atividades exercidas pelas participantes. Isso demanda uma análise mais aprofundada sobre as ocupações das participantes e os seus impactos na saúde, algo que não pode ser feito no espaço deste artigo, mas que serão tratadas em publicações futuras.

Para a análise das respostas à pergunta aberta, os dados foram sistematizados em três categorias que caracterizam a rotina na escala: a exaustão física e mental, relatada no extremo cansaço e na irritabilidade; a sobrecarga física e mental, exposta nos relatos como a constante administração do pouco tempo fora do trabalho e da sobrecarga do corpo pelas horas de trabalho; e o isolamento, com o estreitamento afetivo e de horizonte, em relatos que indicam desânimo e impossibilidade de planejar o futuro. Essas categorias se entrelaçam no relato de uma trabalhadora do comércio, mulher preta, que afirma: “vivo apenas para trabalhar”. O Quadro 1 busca classificar os relatos das(os) trabalhadoras(es) nessas categorias:

Créditos: Outras Palavras

Dentre os prejuízos descritos, a impossibilidade de participar da vida familiar é um aspecto recorrente, assim como a inexistência de uma vida social em que seja possível o lazer e o desenvolvimento de relações de amizade e amorosas. Ressalta-se que as participantes mães apontam para a falta de redes de apoio e para a impossibilidade de acompanharem o desenvolvimento de seus filhos. A vida pessoal parece ser impactada pela falta de tempo para os estudos, para qualificação e para que alcancem algum nível de especialização, o que é visto pelas(os) participantes como a impossibilidade de crescimento profissional e de renda.

A falta de tempo para cuidar da saúde é apontada como parte dos impactos dessa escala. Por não conseguirem agendar consultas médicas nem contar com a liberação de algumas horas no trabalho, as(os) participantes apontam para a falta de prevenção e, por vezes, de tratamentos médicos. Os transtornos mentais também são recorrentes nas descrições dos impactos da escala 6×1. As(os) participantes relacionam transtornos de ansiedade e depressão com a rotina exaustiva e a falta de tempo para o descanso e para outras atividades.

A falta de tempo para o cuidado da saúde e os transtornos mentais relacionados ao trabalho parecem estar atrelados à medicamentalização. As(os) trabalhadoras(es) indicam o uso recorrente de medicamentos para suportar a rotina nessa escala. É comum o uso de analgésicos para dores no corpo, especialmente nos membros inferiores e nas costas; e de medicamentos ansiolíticos e antidepressivos como forma de suportar o dia a dia de exaustão mental e isolamento social.

Ressalta-se, ainda, que o deslocamento para o trabalho é compreendido como parte da rotina exaustiva nessa escala, que alonga as horas diárias dedicadas ao trabalho. O deslocamento pelas grandes cidades, com longos percursos de ida e vinda ao local de trabalho, com congestionamentos e superlotações dos transportes públicos são parte da descrição da rotina da maioria das(os) participantes. O dia de folga é visto como a possibilidade de recomposição das forças físicas e psíquicas, ao mesmo tempo em que é o único tempo disponível para a realização de trabalho doméstico e de organização da vida pessoal. Por isso, o lazer é preterido para que o repouso e a reorganização sejam possíveis nesse único dia.

Nesse cenário, a realidade de trabalho na escala 6×1 favorece o desgaste das trabalhadoras e trabalhadores, no sentido da perda das suas capacidades (potenciais e efetivas) de seu corpo e de seu psiquismo (Laurell e Noriega, 2021). Conforme Seligmann-Silva (2011, p. 135), essa perda implica uma “deformação”, isto é, uma “uma transformação negativa” pela qual as(os) trabalhadoras(es) perdem “um estado anterior mais satisfatório e valorizado” de suas capacidades físicas e psíquicas. A escala 6×1, como parte da organização do trabalho no capitalismo dependente e periférico (Marques, 2013), superexplora as trabalhadoras e os trabalhadores, sem a possibilidade de recomposição de suas forças.

Considerações finais

Este artigo apresenta os resultados parciais do projeto de pesquisa em desenvolvimento voltado a compreender quem são as trabalhadoras e trabalhadores em escala 6×1 e quais os impactos que percebem em sua saúde e vida pessoal, familiar e social. Até o momento, os resultados apontam para uma realidade de trabalho adoecedora, que desgasta física e mentalmente as(os) trabalhadoras(es), exaurindo suas forças e isolando-as(os) da convivência familiar e social.

A reivindicação da redução da jornada de trabalho volta à raiz da questão: abordar a totalidade da contradição capital-trabalho, identificada e informada na diversidade dos corpos das(os) trabalhadoras(es). O reconhecimento dessa relação contraditória indica as prioridades e urgências das pautas para as lutas. O fim da escala 6×1, a luta pela saúde como direito de todas(os), o acesso a transporte público de qualidade, de instituições de cuidados das crianças são exemplos de pautas táticas, urgentes no dia a dia das(os) trabalhadoras(es), mirando não apenas a reorganização das atividades de trabalho, mas a estratégia de reorganização das relações sociais como um todo. O VAT e a luta pela redução da jornada de trabalho nos lembram de que toda luta por justiça social no capitalismo será também uma luta pelo tempo.

Nesse sentido, o projeto busca fortalecer os argumentos a favor do fim da escala 6×1, ressaltando sua luta por Justiça Social. A limitação do instrumento utilizado e dos dados levantados para que se caracterize a diversidade de realidades de trabalho nessa escala são reconhecidos. Por isso, como próximos passos, deve-se refinar o instrumento, ampliar a base de dados e realizar análises mais detalhadas que considerem categorias e setores, bem como uma atualização da análise qualitativa.

Referências

ALLEN, I. E.; SEAMAN, C. A. Likert Scales and Data Analyses. Quality Progress, 2007. Disponível aqui.

DECLERCQ, M. “Vida Além do Trabalho”: movimento nascido no TikTok luta contra escala 6×1. 2024. Disponível aqui.

BHATTACHARYA, T. (Ed.). Teoria da reprodução social: remapear a classe, recentralizar a opressão. São Paulo: Elefante, 2022.

BRAUN, V.; CLARKE, V. Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, v. 3, n. 2, pp. 77–101, 2008.

DAL ROSSO, S. Incontroláveis tempos de trabalho. In: ALVES, G. (Eds.). Trabalho e Valor: O novo (e precário) mundo do trabalho no século XXI. Marília: Projeto Editorial Praxis, 2021.

FERGUSON, S. J. Women and work: Feminism, labour, and social reproduction. London: Pluto Press, 2020.

IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua: Outras formas de trabalho 2022. 2023. Disponível aqui.

LACAZ, F. A. C. Reforma Sanitária e saúde do trabalhador. Saúde e Sociedade, v. 3, p. 41-59, 1994.

LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde. São Paulo: Hucitec, 2021.

MARQUES, P. Dependência e superexploração do trabalho no capitalismo contemporâneo. São Paulo: IPEA, 2013.

SELIGMANN-SILVA, E. Trabalho e desgaste mental: O direito de ser dono de si mesmo. São Paulo: Cortez Editora, 2011.

Notas

[1] Texto da PEC disponível aqui.

[2] O questionário pode ser acessado aqui.

[3] As escalas Likert são um formato de resposta comum de avaliação em pesquisas. Elas classificam a qualidade de alta a baixa ou de melhor a pior usando cinco ou sete níveis de respostas (Seaman, 2007).

[4] Painei de pesquisa disponível aqui.

IHU – UNISINOS

https://www.ihu.unisinos.br/658522-escala-6-1-e-o-ciclo-interminavel-da-exaustao

Tema 1.389-STF: sugestão de critérios objetivos para definição de vínculo empregatício

Governo inicia pagamento de lote extra de RS 1,5 bi do abono salarial; veja se tem direito

Aproximadamente 1,6 milhão de trabalhadores que recebem até dois salários mínimos vão receber um dinheiro extra devido à inconsistência de dados enviados por seus empregadores. O pagamento do lote extra de R$ 1,5 bilhão do abono salarial do Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) começa nesta quarta-feira (15 /10) pelo governo federal.

Os pagamentos variam de R$ 126,50 a R$ 1.518,00, de acordo com o número de meses trabalhados em 2023, ano-base para o cálculo do benefício. A medida irá favorecer os trabalhadores que ficaram de fora do calendário regular por falhas ou atrasos no envio de informações pelos empregadores à Relação Anual de Informações Sociais (Rais) ou ao e-Social. O saque pode ser feito até 29 de dezembro de 2025. Para ter direito ao benefício, eles precisam ter trabalhado com carteira assinada, no mínimo, por 30 dias.

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) informou que o lote extraordinário foi autorizado pela Resolução Codefat nº 1.013/2025, que permitiu a correção dos dados pelas empresas até 20 de junho.

Para consultar se tem direito a receber, basta entrar no aplicativo Carteira de Trabalho Digital com o seu CPF e senha do gov.br, na aba de “Benefícios”, e selecionar “Abono Salarial”; ou ligar na Central Alô Trabalho — atendimento gratuito. Para trabalhadores da iniciativa privada, a consulta é feita por meio dos aplicativos Caixa Trabalhador e Caixa Tem.

Quem acredita ter direito a receber, mas não foi incluído no lote, pode registrar recurso diretamente no aplicativo Carteira de Trabalho Digital.

O pagamento, para aqueles que recebem PIS (trabalhadores de iniciativa privada), pode ser feito pelo crédito automático, para quem tem conta na Caixa Econômica Federal; pela poupança Social Digital acessada pelo Caixa Tem, pelo saque com Cartão Cidadão em terminais, lotéricas e correspondentes Caixa Aqui; ou via saque presencial nas agências da Caixa com documento de identificação.

Para quem recebe Pasep (servidores públicos e trabalhadores de estatais), o pagamento pode ser feito através do crédito em conta corrente no Banco do Brasil (BB), de transferência via TED ou Pix para outras instituições ou pelo saque presencial nas agências do BB.

Empregados domésticos, trabalhadores rurais e urbanos contratados por pessoa física e empregados de pessoa física equiparados à jurídica não têm direito ao abono.

CORREIO BRAZILIENSE
https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2025/10/7270985-governo-inicia-pagamento-de-lote-extra-de-rs-15-bi-do-abono-salarial.html