Nesse sentido, questiona-se: em caso de falecimento do trabalhador, quais direitos trabalhistas decorrentes do extinto contrato de trabalho devem ser pagos? Para quem esse pagamento deve ser feito em observância à legislação vigente? E, ainda, caso exista alguma dúvida sobre para quem pagar, existe algum mecanismo do qual o empregador poderá se valer para evitar a sua responsabilidade pelo não pagamento em tempo e modo?
Por certo, em razão das polêmicas envolvendo esse assunto sensível, principalmente em um momento em que ocorre a perda de um familiar, a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista eletrônica Consultor Jurídico [1], razão pela qual agradecemos o contato.
Legislação
Do ponto de vista normativo no Brasil, de um lado, a Lei nº 6.858, de 24 de novembro de 1980 [2], que dispõe sobre o pagamento aos dependentes ou sucessores, de valores não recebidos em vida pelos respectivos titulares, prevê em seu artigo 1º que:
“Os valores devidos pelos empregadores aos empregados e os montantes das contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de Participação PIS-Pasep, não recebidos em vida pelos respectivos titulares, serão pagos, em quotas iguais, aos dependentes habilitados perante a Previdência Social ou na forma da legislação específica dos servidores civis e militares, e, na sua falta, aos sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial, independentemente de inventário ou arrolamento.”
Lado outro, o Decreto 85.845/1981 [3], que regulamenta a referida lei, traz em seu artigo 2º [4] os requisitos para que seja declarada a condição de dependente junto a Previdência Social. Já o Código Civil [5], em seu artigo 1.784 e seguintes, trata do direito das sucessões.
À vista disso, verifica-se que, em caso de falecimento do trabalhador, o pagamento das suas verbas rescisórias deverá ser realizado aos seus dependentes, devidamente habilitados perante o INSS, e, na falta deles, aos seus sucessores na forma da lei civil.
Ação de consignação em pagamento
Entrementes, é cediço que nem sempre é possível sanar imediatamente a identificação do dependente e/ou sucessor, seja em razão da dificuldade de contactar um familiar, seja até mesmo por existir dúvidas de quem realmente é a pessoa correta que deverá receber tais valores. Além disso, pode ocorrer de o credor criar embaraços para o recebimento do crédito.
Nesse sentido, um dos caminhos que comumente é seguido pelas empresas para a satisfação do crédito do trabalhador falecido é a propositura da ação de consignação em pagamento, sendo aqui oportunos os ensinamentos de Henrique Correa e Elisson Miessa [6]:
“Ao devedor é conferido o direito de quitar sua obrigação. Desse modo, quando o pagamento não puder ser efetuado em razão de resistência do credor ou obstáculo alheio à vontade do devedor, o ordenamento admite a consignação em pagamento para que sejam evitadas as consequências prejudiciais de mora. Trata-se, portanto, de forma de extinção da obrigação.
A CLT não prevê a ação de consignação em pagamento, razão pela qual aplicamos as diretrizes dos arts. 539 e seguintes do CPC, por força do artigo 769 da CLT. A consignação de pagamento pode ser: extrajudicial e judicial. (…). Quanto a consignação em pagamento judicial , trata-se de rito especial, sendo cabível nas hipóteses do artigo 335 do CC, a saber: 1) se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na forma devida; 2) se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos; 3) se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil; 4) se ocorrer dúvida sobre quem deva a legitimamente receber o objeto de pagamento; 5) se pender litigio sobre o objeto de pagamento”.
Multa por atraso no pagamento das verbas rescisórias e o posicionamento do Poder Judiciário
Para além da própria dúvida quanto ao procedimento a ser adotado para evitar o pagamento equivocado, por certo há controvérsias acerca do prazo para o respectivo pagamento, nos termos do artigo 477, § 6º da CLT [7].
Segundo a legislação celetária, é de 10 dias corridos o interregno para o adimplemento das verbas rescisórias, a contar do término do contrato, sob pena de pagamento de multa equivalente a último salário do trabalhador [8].
Recentemente, esta questão foi levada ao Poder Judiciário, de modo que os julgadores do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais da 3ª Região [9] reformaram uma sentença que havia condenado determinada empresa ao pagamento da multa prevista no §8º do artigo 477 da CLT, justamente por não ter conseguido identificar corretamente os herdeiros.
Em sentido oposto, o Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul da 4ª Região [10] entendeu ser devida a aplicação da multa pelo atraso no pagamento das verbas rescisórias a dependentes do empregado falecido, reformando a decisão que havia julgado improcedente o pedido por inexistir previsão de aplicação de multa nesta hipótese. Para o desembargador relator, a lei não discrimina nenhuma forma de extinção do contrato de trabalho, de modo que o prazo ali estabelecido, de 10 dias corridos, deveria ser observado, independentemente da modalidade da dissolução contratual.
Noutro giro, o Tribunal Superior do Trabalho também foi provocado a emitir juízo de valor sobre a temática, cujo entendimento majoritário, exarado pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais [11] da corte, é no sentido de que o prazo para o pagamento das verbas rescisórias não se aplica em caso de falecimento do empregado, notadamente por constituir uma forma abrupta e imprevisível de dissolução do contrato de trabalho [12].
Conclusão
Portanto, na ocorrência do evento morte do trabalhador, que acarretará a extinção do contrato individual de trabalho, os seus dependentes ou sucessores irão receber, via de regra, as seguintes verbas rescisórias: 1) saldo de salário; 2) férias proporcionais e vencidas; 3) 13º salário proporcional; e 4) FGTS. Vale dizer, as verbas rescisórias se equiparam aqui àquelas devidas em caso de pedido de demissão do trabalhador [13].
Em arremate, dada a natureza personalíssima do vínculo de emprego, a rescisão contratual deve coincidir com a data do óbito, mesmo que o empregador tome conhecimento da morte em momento posterior [14], a fim de evitar futuros prejuízos e atrasos no recebimento de benefícios junto ao INSS, se houver. A propósito, é imprescindível que a empresa possua sempre os dados atualizados de seus empregados, inclusive quanto aos seus herdeiros e dependentes, evitando quaisquer problemas futuros, em especial quanto ao pagamento equivocado àqueles que não são legitimados para o recebimento, afinal, como diz o ditado popular, “quem paga mal, paga duas vezes”.
[1] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.
[2] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6858.htm. Acesso em 8.4.2025.
[3] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D85845.htm. Acesso em 8.4.2025.
[4] Art. 2º A condição de dependente habilitado será declarada em documento fornecido pela instituição de Previdência ou se for o caso, pelo órgão encarregado, na forma da legislação própria, do processamento do benefício por morte.
Parágrafo Único. Da declaração constarão, obrigatoriamente, o nome completo, a filiação, a data de nascimento de cada um dos interessados e o respectivo grau de parentesco ou relação de dependência com o falecido.
[5] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em 8.4.2025.
[6] Direito e Processo do Trabalho. 3ª edição. São Paulo. Editora Juspodivum. Página 1.560/1.561.
[7] CLT, Art. 477. Na extinção do contrato de trabalho, o empregador deverá proceder à anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, comunicar a dispensa aos órgãos competentes e realizar o pagamento das verbas rescisórias no prazo e na forma estabelecidos neste artigo. (…). § 6o A entrega ao empregado de documentos que comprovem a comunicação da extinção contratual aos órgãos competentes bem como o pagamento dos valores constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação deverão ser efetuados até dez dias contados a partir do término do contrato.
[8] CLT, Art. 477, § 8º – A inobservância do disposto no § 6º deste artigo sujeitará o infrator à multa de 160 BTN, por trabalhador, bem assim ao pagamento da multa a favor do empregado, em valor equivalente ao seu salário, devidamente corrigido pelo índice de variação do BTN, salvo quando, comprovadamente, o trabalhador der causa à mora.
[9] Disponível em https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/trt-mg-afasta-multa-do-artigo-477-da-clt-em-caso-de-falecimento-de-empregado. Acesso em 8.4.2025.
[10] Disponível em https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/577094. Acesso em 8.4.2025.
[11] E-RR-241-79.2019.5.10.0009, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 12/05/2023.
[12] E-RR-152000-72.2005.5.01.0481, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Joao Oreste Dalazen, DEJT 20/11/2015.
[13] Disponível em https://www.conjur.com.br/2025-jan-30/verbas-rescisorias-quais-sao-as-parcelas-e-as-formas-de-extincao-do-contrato-de-trabalho/. Acesso em .8.4.2025.
[14] Disponível em https://www.gov.br/esocial/pt-br/noticias/desligamento-em-caso-de-falecimento-de-empregado. Acesso em 8.4.2025.