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Após acidente e AVC, pedreiro garante aposentadoria e auxílio-acidente

Após acidente e AVC, pedreiro garante aposentadoria e auxílio-acidente

Decisão reconheceu sequela indenizável e delimitou o período do auxílio-acidente antes da incapacidade permanente.

Da Redação

Pedreiro que sofreu acidente de trabalho e, depois, teve sequelas de AVC isquêmico teve reconhecido o direito a auxílio-acidente e aposentadoria por incapacidade permanente.

A decisão foi da juíza de Direito Maria Tereza Horbatiuk Hypolito, 1ª vara Cível de Patrocínio/MG, que admitiu acréscimo de 25% pela necessidade de assistência permanente de terceiros.

O caso

Um pedreiro sofreu acidente de trabalho em 2013 e, segundo a perícia judicial, caiu de altura, bateu o lado direito da cabeça e passou a apresentar perda auditiva profunda nesse ouvido. Em julho de 2013, foi submetido a cirurgia, mas o procedimento não reverteu o quadro, e a sequela se consolidou como permanente.

Apesar disso, ele seguiu trabalhando por anos. Em 2018, pediu benefício ao INSS, mas o órgão negou o requerimento após perícia administrativa apontar ausência de incapacidade. Já na ação judicial, a perícia concluiu que a sequela do acidente existia antes do pedido de 2018, o que levou a Justiça a reconhecer o direito ao auxílio-acidente desde aquela data.

O quadro clínico, porém, se agravou. Em 2023, ele sofreu AVC isquêmico e, conforme o laudo mais recente, passou a apresentar incapacidade total e permanente para o trabalho. A perícia também registrou necessidade de assistência permanente de terceiros para atividades básicas do dia a dia desde abril de 2024.

Ao analisar o mérito, a juíza destacou que a sequela se enquadra no decreto 3.048/99 e “justifica o empenho de maior esforço para o labor habitual”, acrescentando que, conforme entendimento consolidado, o auxílio-acidente é devido mesmo quando a redução da capacidade laboral é mínima.

Com base nisso, reconheceu o direito ao auxílio-acidente, fixando sua cessação na véspera do início do benefício por incapacidade permanente. A decisão também registrou que, no período reconhecido, o auxílio-acidente foi utilizado para manter a qualidade de segurado, nos termos do art. 15, I, da lei 8.213/91 (com redação anterior à lei 13.846/19, aplicada ao caso), até a data fixada para o início da incapacidade total.

Quanto à incapacidade, a juíza destacou que o laudo pericial mais recente foi “taxativo” ao apontar incapacidade total e permanente desde novembro de 2023, decorrente de sequelas de AVC isquêmico, caracterizando incapacidade de natureza omniprofissional.

A magistrada ressaltou que, embora condições prévias estivessem controladas em 2018, o AVC representou agravamento do quadro clínico geral e levou à incapacidade total, motivo pelo qual fixou a DIB da aposentadoria por incapacidade permanente em 2023.

A magistrada também registrou que a perícia concluiu pela necessidade de assistência permanente de terceiros para atividades da vida diária, reconhecendo o preenchimento dos critérios do art. 45 da lei 8.213/91 e do art. 45 do decreto 3.048/99.

Na fundamentação, pontuou que essa necessidade foi indicada desde abril de 2024, razão pela qual reconheceu o cabimento do acréscimo de 25% sobre a aposentadoria por incapacidade permanente.

O escritório Adrielli Cunha Advocacia atua pelo pedreiro.

Processo: 5001364-33.2019.8.13.0481
Leia a decisão: https://www.migalhas.com.br/arquivos/2025/12/E62CEA76C4C757_5001364-33.2019.8.13.0481_1056.pdf

MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/quentes/445838/apos-acidente-e-avc-pedreiro-garante-aposentadoria-e-auxilio-acidente

Após acidente e AVC, pedreiro garante aposentadoria e auxílio-acidente

STJ: Sindicato pode pedir indenização por matéria que teria ofendido a categoria

Relator reconheceu que a publicação fez uma citação direta aos policiais integrantes da seção do Rio de Janeiro, ao dizer que eles seriam os bandidos infiltrados no órgão.

Da Redação

A 3ª turma do STJ decidiu que o Sindicato dos Servidores do Departamento de Polícia Federal no Estado do RJ possui legitimidade para ajuizar ação de indenização por dano moral em razão de matéria jornalística que trouxe graves afirmações sobre a categoria profissional que representa.

Na publicação, uma autoridade entrevistada teria declarado que a seção da Polícia Federal no RJ “é tão infiltrada por bandidos como são a Polícia Militar e a Guarda Civil”, afirmação posteriormente desmentida. O sindicato ingressou com ação contra a empresa jornalística responsável pela reportagem e contra o jornalista autor do texto, buscando a retirada da matéria e o pagamento de indenização por danos morais.

O caso chegou ao STJ após o TJ/RJ extinguir o processo sem resolução do mérito, ao entender que o sindicato não teria legitimidade para propor a demanda. Segundo o TJ/RJ, a reportagem mencionava um órgão público, sem referência direta e específica aos servidores.

No recurso especial, o sindicato argumentou que pode figurar como autor, por deter legitimidade para representar os interesses individuais e coletivos da categoria. Sustentou que as declarações veiculadas depreciaram individual e coletivamente os policiais federais lotados no Rio de Janeiro.

O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, observou que a matéria fez referência direta aos policiais da seção do RJ ao afirmar que eles seriam os bandidos infiltrados no órgão. Segundo destacou, “a demanda foi proposta em defesa dos interesses dos servidores que integram a categoria e que estão lotados naquela unidade”.

O ministro considerou incorreta a conclusão de que a ação buscaria tutelar direitos da instituição Polícia Federal. Esclareceu que haveria ilegitimidade do sindicato apenas se a demanda fosse proposta em defesa da própria instituição.

Com base no artigo 8º, inciso III, da Constituição Federal, Cueva lembrou que “o ordenamento jurídico autoriza que o sindicato pleiteie, em nome próprio, direito alheio, qual seja, o direito dos integrantes da categoria que representa”.

O relator acrescentou que, conforme a jurisprudência do STJ, entidades sindicais podem atuar judicialmente na defesa de interesses coletivos ou individuais homogêneos sem autorização especial dos filiados, ainda que a atuação beneficie apenas parte deles – entendimento alinhado ao Tema 823 do STF.

O ministro também afirmou que, para reconhecer a legitimidade ativa do sindicato no caso, não é necessário reexaminar provas, providência vedada em recurso especial pela Súmula 7.

Processo: REsp 2.225.239
Leia o acórdão: https://www.migalhas.com.br/arquivos/2025/12/B3655E571155FB_fds2.pdf

MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/quentes/445418/stj-permite-acao-de-sindicato-por-publicacao-tida-como-ofensiva

Após acidente e AVC, pedreiro garante aposentadoria e auxílio-acidente

Construtora deverá indenizar em R$ 250 mil trabalhador soterrado em obra

Colegiado manteve condenação por desabamento de muro e reconheceu que obra com máquinas e intervenção em estruturas configura atividade de risco.

Da Redação

A 4ª Câmara do TRT-15 manteve a condenação de uma construtora por acidente de trabalho que deixou um empregado permanentemente incapacitado após desabamento de muro em obra pública, confirmando indenização por danos morais de R$ 250 mil, pensão mensal vitalícia e dano moral em ricochete de R$ 50 mil para a esposa e R$ 50 mil para a filha. O colegiado reconheceu a responsabilidade objetiva da empresa, por entender que a atividade envolvia risco.

Conforme consta dos autos, o trabalhador sofreu acidente típico quando atuava em obra localizada no Rodoanel da Avenida Mirassolândia, em São José do Rio Preto/SP. Na ocasião, o muro lateral do túnel de passagem de pedestres despencou e soterrou o empregado, que também sofreu afogamento em razão da forte enxurrada que corria no local.

A perícia médica confirmou que o acidente causou sequelas neurológicas e motoras permanentes, com especial comprometimento da atenção e da memória, o que impede a vítima de exercer qualquer atividade laborativa. Em 1ª instância, a sentença proferida na 1ª Vara do Trabalho de São José do Rio Preto/SP condenou a construtora a pagar pensão mensal vitalícia, indenização por danos morais, custeio de plano de saúde e despesas médicas, além de indenização por danos morais à esposa e à filha. A decisão de 1º grau, porém, havia julgado improcedente o pedido para incluir férias acrescidas de 1/3 no cálculo da pensão, ponto contra o qual o empregado recorreu.

A construtora, por sua vez, recorreu alegando não ter responsabilidade pela queda do muro, por afirmar que a estrutura não fazia parte da obra contratada pela Prefeitura de São José do Rio Preto, da qual era executante, sustentando que a contratação se limitava a reparos no túnel lateral ao muro que desabou. Também alegou culpa exclusiva do trabalhador, argumentando que ele teria se dirigido à área atingida por iniciativa própria, contrariando ordens.

Ao analisar o caso, a desembargadora Mari Angela Pelegrini, rejeitou os argumentos da defesa e destacou que incide a teoria da responsabilidade objetiva prevista no Código Civil, uma vez que a atividade desempenhada, obra de construção civil com uso de máquinas e intervenção em estruturas, é considerada atividade de risco, por envolver perigos maiores que os enfrentados pelo cidadão comum.

Nessa hipótese, a empresa responde pelo dano independentemente de culpa. O colegiado também considerou que as testemunhas confirmaram que o trabalhador estava no cumprimento de suas tarefas, puxando uma mangueira utilizada na pintura do túnel, e que o trajeto obrigatório até o local de trabalho incluía o trecho onde o muro desabou. Segundo o acórdão, nenhum depoimento reforçou a alegação de desobediência a orientações e, ainda, foi observado que não havia fiscalização efetiva das condições de segurança, com documentos indicando riscos estruturais no local.

Com isso, a 4ª Câmara manteve a pensão mensal vitalícia, o custeio de plano de saúde, medicamentos e terapias, além da indenização por danos morais ao trabalhador fixada em R$ 250 mil. Também foi confirmada a indenização por danos morais em ricochete à esposa e à filha, no valor de R$ 50 mil para cada uma, em razão do impacto emocional decorrente da brusca mudança na realidade do familiar vitimado. O colegiado reformou parcialmente a sentença para incluir as férias acrescidas de 1/3 no cálculo da pensão, a fim de garantir a reparação integral do dano.

Processo: 0010286-12.2021.5.15.0017
Leia a decisão: https://www.migalhas.com.br/arquivos/2025/12/01B1A3D15110AE_Documento_8b527dc.pdf

MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/quentes/445492/construtora-deve-indenizar-em-r-250-mil-trabalhador-soterrado-em-obra

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TJ/SP: Servidor humilhado por superior será indenizado por assédio moral

O caso envolve perseguição sistemática e humilhações sofridas pelo servidor em instituição de ensino.

Da Redação

A 13ª câmara de Direito Público do TJ/SP confirmou a sentença da 10ª vara da Fazenda Pública da Capital, determinando que uma instituição pública de ensino indenize um servidor que sofreu assédio moral.

A decisão judicial estabeleceu uma compensação de R$ 20 mil por danos morais, conforme a sentença proferida pela juíza Ana Carolina Gusmão de Souza Costa.

De acordo com os autos, o servidor, que atuava como diretor de serviços em uma escola, foi alvo de perseguição e humilhação sistemáticas após presidir a comissão eleitoral para a escolha do novo diretor da unidade.

Ele foi afastado de suas funções e submetido a transferências sucessivas, inclusive para atividades incompatíveis com sua formação, como o trabalho braçal na distribuição de merenda escolar.

O desembargador Djalma Lofrano Filho, relator do recurso, enfatizou que os elementos caracterizadores do assédio moral estavam presentes no caso, uma vez que o servidor foi submetido a situações com o claro objetivo de desqualificá-lo.

“A conduta do superior hierárquico especificamente em relação ao autor da demanda era intencional e habitual, causando degradação no ambiente de trabalho, além de impingir ao autor sofrimento psíquico decorrente da humilhação perante os seus colegas de trabalho. O dano moral é devido, pois o autor não passou por mero aborrecimento, mas suportou sofrimento, angústia e abalo psicológico”, afirmou o magistrado.

Os desembargadores Flora Maria Nesi Tossi Silva e Borelli Thomas também participaram do julgamento, que teve votação unânime.

Processo: 0002164-22.2013.8.26.0053
Leia aqui o acórdão: https://www.migalhas.com.br/arquivos/2025/12/F5F078F3AEC45A_tjsp-233.pdf

MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/quentes/445420/servidor-humilhado-por-superior-sera-indenizado-por-assedio-moral

Após acidente e AVC, pedreiro garante aposentadoria e auxílio-acidente

Descanso aos domingos: tema enfrentado por Rui Barbosa permanece atual

Atualidade do parecer de 1896, feito pela Águia de Haia, expõe a persistência do conflito entre produção e dignidade laboral.

Da Redação

Em novembro de 2025, o TST condenou a rede de lojas Pernambucanas por submeter empregados, no Paraná, ao trabalho dominical reiterado, sem a folga mensal obrigatória prevista na CLT.

Apesar do exemplo recente, o tema do descanso aos domingos é bastante antigo. Muitos e muitos anos antes de o legislador do governo getulista esboçar a limitação do labor dominical, Rui Barbosa escreveu as seguintes linhas:

“O Estado não tem o direito de trancar no domingo as portas à indústria. Os princípios, essencialmente morais e religiosos, que impõem esse repouso periódico ao labor humano, encontram em certas necessidades íntimas de nossa natureza a sua garantia e sanção.”

Mais de um século depois, o trecho soa como comentário preciso sobre o cenário que vem sendo combatido na Justiça do Trabalho.

Não à toa, hoje essa querela também aparece nas redes sociais, ainda que travestida de humor.

Recentemente, uma trend viralizou comparando a roupa de trabalho com a do fim de semana. No vídeo, trabalhadores surgem uniformizados e, com um giro de câmera, aparecem “transformados” em trajes sociais, maquiados, sorrindo.

A brincadeira, no entanto, assumiu outro tom quando alcançou quem não é agraciado semanalmente pelo chamado descanso remunerado.

Os que cumprem a já conhecida escala 6×1 (ou que simplesmente trabalham na maioria dos fins de semana) decidiram fazer a própria versão dos vídeos.

Na leitura menos glamourosa da trend, nada muda: a roupa é a mesma porque, aos finais de semana, continuam trabalhando.

Não se trata apenas de brincadeira – e tampouco de ossos do ofício.

É claro que, em muitos setores, o trabalho dominical é imprescindível, e, por isso, o empregador pode distribuir as folgas ao longo da semana. Ocorre que nem sempre se oferece ao menos um domingo mensal, como determina o art. 67 da legislação trabalhista.

O domingo é tão indispensável que a própria CLT o coloca em posição de destaque. Daí nasce a pergunta inevitável: por que justamente o domingo?

A resposta é bíblica, cultural, histórica e, de certo modo, civilizatória – razão pela qual Rui Barbosa também foi consultado e se debruçou sobre o tema com extraordinária precisão.

No princípio, era a religião

Rafael Venturini Trindade, mestre em Política Social, em artigo científico, afirma que o repouso semanal é uma instituição antiquíssima, “gêmea” da própria semana de sete dias, surgida de tradições religiosas milenares.

Na tradição hebraica, o shabbat não era apenas um intervalo laboral: era memória da criação, do descanso divino, e, mais adiante, um marcador identitário.

Entre os cristãos, contudo, a disputa sobre qual dia deveria ser consagrado ao repouso – se o sábado escriturístico ou o domingo eclesiástico – prolongou-se por séculos.

O estudioso recorda que a mudança de foco para o domingo foi marcada tanto por argumentos teológicos (a ressurreição de Cristo, celebrada no primeiro dia da semana) quanto por fatores políticos: Constantino, ao cristianizar o Império Romano, decretou em 321 d.C. que magistrados e trabalhadores urbanos deveriam descansar “no venerável dia do Sol”, o antigo dies solis, posteriormente rebatizado como dies domini.

Essa fusão entre rito e norma continuaria ao longo dos séculos.

Pelo medievo, corporações de ofício já incorporavam a obrigação do descanso dominical, e monarquias europeias utilizaram a legislação para reforçar a sacralidade institucional do dia, ainda que sob o pretexto de “moralização” social.

A secularização do domingo

Apesar da herança religiosa, o fundamento do descanso semanal expandiu-se.

A Revolução Industrial marca esse giro. O século XIX europeizado – máquinas incansáveis e jornadas intermináveis – recolocou o descanso no centro do debate social.

E o que antes era um rito litúrgico converteu-se, gradualmente, em questão biológica, social e econômica.

O professor de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP de Ribeirão Preto/SP, Jair Aparecido Cardoso, sublinha exatamente esse ponto: a industrialização levou à positivação do repouso semanal como necessidade humana, destinada a preservar a saúde física, a convivência familiar e o equilíbrio econômico das sociedades capitalistas emergentes.

Ao mesmo tempo, organismos internacionais surgiram para uniformizar a proteção ao descanso.

A OIT, logo em 1921, aprovou a convenção nº 14, determinando pelo menos 24 horas contínuas de repouso a cada sete dias – um marco civilizatório que o Brasil só ratificaria em 1957, apesar de já prever descanso semanal em constituições anteriores, como registra Rafael Venturini Trindade ao mapear essa evolução normativa do país desde 1934 até a Carta de 1988.

Assim, chega-se ao século XX com o descanso dominical amparado por múltiplas racionalidades: teológicas, morais, sanitárias, econômicas e, finalmente, sociais.

Já não se tratava apenas de santificar um dia; tratava-se de proteger um corpo – e uma sociedade – exaustos.

Cultura, política, religião e economia alinharam-se, cada uma a seu modo, para transformá-lo no dia “preferencial” de pausa.

Com a palavra, Rui

No final do século XIX, a Câmara Municipal de Cataguases/MG recorreu a Rui Barbosa em busca de orientação.

O tema, o repouso de trabalhadores aos domingos, estava no centro de um debate local sobre o fechamento obrigatório do comércio.

Em 18 de junho de 1896, ao responder à consulta, Rui fez muito mais do que analisar o caso concreto: produziu verdadeira teoria sobre o descanso semanal na história ocidental.

O jurista reconheceu, logo de início, que a proibição do trabalho aos domingos sempre dividiu sociedades e doutrinas.

Ao percorrer a experiência comparada de países como França, Bélgica, Inglaterra, Suíça e Estados Unidos, mostrou que diferentes ordenamentos jurídicos haviam enfrentado o tema de maneiras distintas.

Na França, lembrou, antigas ordenações que puniam o trabalho nos dias santos caíram em desuso e foram revogadas em 1880, revelando mudança de sensibilidade política.

Na Bélgica, a Constituição de 1831 chegou a assegurar que “ninguém pode ser constrangido a observar dias de repouso”, expressão típica do liberalismo do século XIX.

Ainda assim, destacou Rui, a realidade econômica e social das nações industrializadas acabou rompendo essa resistência. Inglaterra, Estados Unidos e Suíça, descritos por ele como “três países mais industriosos do mundo”, adotaram legislações robustas proibindo o trabalho dominical não por motivos religiosos, mas por razões civis, sociais e sanitárias.

Nos Estados Unidos, citou o jurista, a própria Suprema Corte afirmava que tais leis “não têm caráter religioso”: elas existem para proteger a saúde e a ordem social, evitar “a depauperação proveniente do trabalho ininterrupto” e resguardar a liberdade religiosa daqueles que desejam observar o domingo segundo sua fé.

É nesse ponto que Rui formulou uma das passagens centrais de seu parecer: o repouso semanal cumpre três funções essenciais:

tutela a liberdade religiosa, sem impor observância obrigatória a quem não a professa;
serve como providência moral e de ordem social; e
constitui preceito indispensável de higiene, apoiado em evidências científicas sobre a fadiga humana, como os estudos de Pettenkofer e Voigt, citados para demonstrar o déficit fisiológico acumulado após dias contínuos de labor.
Assim, Rui deslocou o descanso dominical do campo estritamente religioso para o terreno do direito civilizatório, fundamento da saúde pública e da dignidade do trabalhador.

A organização humana, diz ele textualmente, “impõe-lhe um dia de descanso em cada sete”, e a ciência confirma que esse intervalo “é indispensável” à recomposição física e mental – uma conclusão surpreendentemente moderna para fins do século XIX.

Ao final, respondeu às questões submetidas pela Câmara: afirmou não haver violação constitucional em leis que restrinjam a abertura do comércio aos domingos, desde que justificadas pelo interesse público e pela ordem urbana.

Ainda, invocou precedente norte-americano segundo o qual cabe ao poder municipal, nos limites da lei, vedar atividades em benefício da paz, da saúde e da moralidade públicas. Para ele, argumentos dessa natureza “resultam logicamente da natureza da função” administrativa dos municípios.

Com isso, Rui Barbosa consolidou uma ideia que ecoa até hoje: o descanso não é concessão graciosa, mas limite civilizatório à exploração humana, mecanismo destinado a impedir que a sociedade retroceda às formas de trabalho servil.

O domingo se tornou uma construção civilizatória cuidadosamente sedimentada para proteger a integridade física, psíquica e social do trabalhador.

Seja no shabbat hebraico, na prescrição imperial de Constantino, nas corporações medievais, nas convenções da OIT ou na pena de Rui Barbosa, a mensagem é a mesma: sem um tempo inviolável de repouso, não há trabalho digno.

Mais de um século separa Rui das trends de hoje. Ainda assim, ambos denunciam, a seu modo, o mesmo fenômeno: a precarização do tempo privado diante da lógica produtiva.

A brincadeira nas redes, quando despida de humor, apenas repete aquilo que o jurista baiano intuiu com clareza rara para sua época: os limites do labor não surgem por benevolência, mas por necessidade humana.

Por isso, quando a Justiça do Trabalho condena empregadores que insistem em ignorar esses limites, não está apenas aplicando a CLT. Está reafirmando uma tradição que atravessa religiões, impérios, economias e Constituições – a tradição de que todo corpo precisa parar.

E se hoje ainda discutimos o óbvio – o direito de descansar um domingo por mês – é porque a luta por esse limite mínimo é contínua.

Referências

CARDOSO, Jair Aparecido. O direito ao descanso como direito fundamental e como elemento de proteção ao direito existencial e ao meio ambiente do trabalho. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 52, n. 207, p. 7-26, jul./set. 2015. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/52/207/ril_v52_n207_p7.pdf. Acesso em: 5 dez. 2025.

TRINDADE, Rafael Venturini. O repouso semanal: entre o direito social e a imposição religiosa. Revista Labirinto, Porto Velho, ano XX, v. 32, n. 1, p. 146-166, jan./jun. 2020. Disponível em: https://periodicos.unir.br/index.php/LABIRINTO/article/view/5324. Acesso em: 5 dez. 2025.

MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/quentes/445812/descanso-aos-domingos-tema-enfrentado-por-rui-barbosa-permanece-atual