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TRT-3 dá rescisão indireta a técnica impedida de trabalhar após acidente

TRT-3 dá rescisão indireta a técnica impedida de trabalhar após acidente

Indústria condenada

Indústria foi condenada a pagar verbas rescisórias como se fosse uma dispensa imotivada, destacando a responsabilidade do empregador em promover o retorno do empregado após a alta previdenciária.

Da Redação

3ª turma do TRT da 3ª região determinou a rescisão indireta do contrato de uma trabalhadora impedida pela empregadora de retomar suas atividades após o término de seu benefício previdenciário.

Com a decisão, uma indústria metalmecânica deverá arcar com as verbas rescisórias, como ocorre em casos de dispensa imotivada.

Justiça em BH reconhece rescisão indireta de contrato de trabalhadora impedida de voltar ao serviço após alta previdenciária.

O caso

A trabalhadora, que exercia o cargo de técnico de segurança do trabalho, sofreu fratura da tíbia esquerda em 1º/1/2021 e alegou tratar-se de acidente de trabalho, o que ocasionou sua incapacidade laborativa total e temporária, resultando na concessão de auxílio-doença de 11/2/2021 a 31/3/2021.

Após perícia do INSS, foi declarada apta ao trabalho, sem sequelas da fratura. A perícia confirmou que ela não apresentava limitações funcionais ou estéticas.

Em sua defesa, a empregadora negou os fatos alegados, afirmando que a trabalhadora não comunicou o fim do benefício previdenciário.

“Ela optou, por livre e espontânea vontade, em não retornar ao serviço e continuar buscando o benefício previdenciário, conforme comprova-se pela vasta documentação juntada, restando rechaçada a alegação autoral de que teria sido proibida de retornar por culpa da empresa”, sustentou a empresa.

Decisão

O juiz do Trabalho Gastão Fabiano Piazza Júnior, da 15ª vara do Trabalho de Belo HorizonteMG, decidiu que cabia à empresa promover o retorno da trabalhadora após o término do benefício.

“Isso porque, terminada a licença, surge para o empregador o dever de colocar o emprego à disposição e efetuar o pagamento dos salários e dos demais encargos trabalhistas. Caso assim não proceda, obviamente assume os riscos decorrentes do eventual indeferimento, por parte do INSS, dos pedidos de prorrogação ou restabelecimento do auxílio.”

Segundo o juiz, o término do benefício encerra a suspensão do contrato, nos termos do artigo 476 da CLT, restabelecendo as obrigações de ambas as partes.

Na sentença, ele destacou a ausência de provas de que a empresa cumpriu seu dever legal.

“Diversamente do sustentado na contestação, a empregadora sempre teve pleno conhecimento dos percalços enfrentados pela autora da ação pelo longo do período em que esteve afastada.”

Ele também observou que, após 13/9/2023, não foi apresentada prova de que a empresa tomou providências para reintegrá-la ao trabalho. O magistrado ainda pontuou que a única testemunha não soube esclarecer por que a empresa não aplicou penalidade por abandono de emprego.

“Após a alta previdenciária, a empresa deveria ter adotado as medidas pertinentes, de modo a restabelecer a prestação de serviços e, em caso de recusa da colaboradora, ter colocado termo ao contrato, por justa causa. Todavia, como visto, assim não procedeu. Optou por permanecer na cômoda situação de aguardar o deslinde de eventuais recursos, imputando à autora o limbo jurídico trabalhista-previdenciário”, ressaltou o magistrado.

Segundo o juiz, a trabalhadora ficou sem salários e sem o benefício.

“Tal atitude vai de encontro aos princípios constitucionais da dignidade do ser humano e valor social do trabalho e não pode contar com o beneplácito desta Justiça. Caberá à empresa, portanto, arcar com os ressarcimentos pertinentes.”

Diante da recusa de trabalho após a alta em 31/3/2021 e da falta de pagamento de salários entre 1º de abril de 2021 e 18 de outubro de 2023, a trabalhadora terá direito às indenizações requeridas.

“Por todo o exposto, e à míngua de recibos adunados que demonstrassem a efetiva quitação, defiro, também: pagamento do aviso prévio indenizado, assim como dos salários do interstício de afastamento, a saber, de 01/04/2021 a 18/10/2023, inclusive os 13os salários e férias acrescidas com 1/3 relativos ao período em questão.”

A empresa recorreu da sentença, mas, ao julgar o caso, a 3ª turma manteve a decisão de 1ª instância.

Os julgadores ressaltaram que a empregadora não cumpriu suas obrigações trabalhistas, rejeitando sua justificativa.

Conforme o relator, “a ausência de pagamento de salários no período constatado como ‘limbo previdenciário’ deve ser suportada pela empregadora. Isso ocorre porque o empregado não pode ficar sem pagamento de salários em tal interregno, mormente porque não deu causa a situação tão adversa e penosa”.

“Por isso, tenho por configurada a rescisão indireta, nos termos do artigo 483, ‘d’, da CLT, motivo pelo qual fica mantida a rescisão indireta reconhecida na sentença e a condenação ao pagamento das parcelas daí decorrentes.”

Processo: 0010878-27.2023.5.03.0015

Leia a decisão: https://www.migalhas.com.br/arquivos/2024/11/6AA5A6748148CE_Industriaecondenadapornaoreint.pdf

Com informações do TRT-3.

MIGALHAS

https://www.migalhas.com.br/quentes/419790/trt-3-da-rescisao-indireta-a-tecnica-impedida-de-laborar-apos-acidente

TRT-3 dá rescisão indireta a técnica impedida de trabalhar após acidente

Fim da escala 6X1 e o direito fundamental ao descanso

Rosa Maria Freitas

Redução da jornada é vista como essencial para qualidade de vida. Inspirada em Arendt e De Masi, a proposta visa um trabalho menos exaustivo e mais equilibrado.

Os trabalhadores brasileiros têm uma carga de trabalho de até 44 horas semanais. Isso significa a possibilidade de trabalhar 8 horas por dia de segunda a sexta e 4 horas aos sábados, já que a princípio o dia de descanso é de preferência o domingo, ou seja, de 6X1.

Tendência do capitalismo

Desde da primeira revolução industrial que a carga horária diminuiu paulatinamente e nós já estamos na quarta. Antes homens, mulheres e até crianças trabalhavam em escalas exaustivas de 12 horas ou mais e comprometiam sua saúde física e mental. O pouco tempo dedicado à família e às atividades políticas, técnicas e artísticas também sobrecarregam esse trabalhador.

Hannah Arendt já abordou o tema há mais de 70 anos no livro “A condição humana”, de 1958 Para ela, nós deveríamos usar nosso tempo com equilíbrio entre as três esferas: o labor, o trabalho e a ação. Labor para ela é o cuidado de si e da família, é o conjunto de atividades domésticas necessárias à saúde, qualidade de vida e descanso. O trabalho ou atividade fabril é o tempo dedicado à produção de bens e riquezas coletivas. Já a ação, a nossa participação no espaço público.

Exaustão com dias contados?

A vida do trabalhador da lógica capitalista é a dedicação exaustiva e extenuante ao trabalho, colocando em segundo plano o cuidado de si e da família e a participação na vida pública.

No início do século XX, o italiano Domenico de Masi lutou a vida inteira para difundir a ideia do ócio criativo. Nós seres humanos não devemos viver para o trabalho e o auxílio das máquinas podem livrar a sociedade do peso excessivo e brutal dos desgastes das atividades pesadas, rotineiras e repetitivas.

Mesmo, assim, os italianos ainda trabalhavam mais que os vizinhos alemães e outros europeus. Na última entrevista que assisti de De Masi ao ICL, ele falou sobre isso. Porém, a Alemanha tinha uma produtividade maior que a maioria dos países da União Europeia com carga horária bem menor, sendo a mais baixa do mundo.

Não é novidade no Brasil

O debate não é novo. O depurado Wolney Queiroz (Projeto 1091/19) já apresentou há muito tempo um projeto de lei para diminuir os impactos da automação. O Senador Paulo Paim (PL 4035/19) também sugeriu a sua regulação, já que uma das medidas para reduzir o desemprego é a redução da jornada.

O PL – Projeto de Lei 1.105/23 de Weverton (PDT) propõe a redução da jornada.

Antes disso, a PEC 231/95 também se debruçou sobre o tema, mas não teve sucesso. Mesmo na constitunte havia a proposta de redução para 40 horas semanais, mas foi vencida.

É bom comparar

A menor carga horária de trabalho no mundo é a Alemã com média de 25,94. A maior média de horas trabalhadas fica com o México com 43,4 e o Brasil está em quarto lugar entre as maiores médias com 39 horas.

Não acredito que ninguém teria a coragem de dizer que os alemães trabalham pouco ou que são preguiçosos, nem que o México é o país mais rico do mundo por ter a maior carga horária.

A gestão do trabalho deve priorizar por qualidade e não quantidade. O governo deve resguarda a saúde física e mental dos brasileiros trabalhadores.

O fato de reduzir a jornada para 2/5 ou 3/4 não acredito que vá prejudicar os empresários brasileiros, já se provou em.outros lugares que não se afeta a produtividade, como na Inglaterra que iniciou o teste por adesão, as empresas que experimentaram não viram redução de produtividade. No entanto, foram reduzidas as faltas e atrasos.

No mais, ao ter mais tempo livre poderá o trabalhador se dedicar a economia do cuidado, havendo menos gastos com babás, escolas e cuidadores em geral, mais tempo para aprimoramento pessoal, cuidados domésticos e atividade física.

A Proposta de Erika Hilton não é novidade nos corredores do Congresso, mas ‘parece’ que será aquela mais próxima de ser bem sucedida, já tendo o quantitativo de 191 adesões de deputados federais de várias orientações de direita e de esquerda.

Nova ideologia do trabalho

No mais a ideologia do trabalho mudou radicalmente nos últimos anos. Um dos hits de sucesso de Beyoncé é o Break My Soul, onde parte da melodia fala dos danos existenciais do trabalho: “Eles fazem eu me esforçar tanto, das nove da manhã até depois das cinco da tarde, forçando meus nervos, e é por isso que eu não consigo dormir à noite”.

Há vida além do trabalho – VAT., porem devemos ter cuidado para que não exista a redução dos salários.

Os jovens já não se interessam por esse trabalho tradicional, são uma nova juventude ligada às tecnologias informação e comunicação e sem grandes projetos pessoais ligados aos trabalhos tradicionais numa empresa ou ramo de atividade.

A tendência mundial de redução da jornada é decorrência da própria dinâmica da tecnologia e automação. E não temos como ignorar esse fato. O problema não é o trabalho, mas a absurda exploração e péssima qualidade de vida do trabalhador, em especial, os dos países com maior desigualdade social, como é nosso caso. Precisamos trabalhar menos e viver melhor.

Assim, antes da diva americana, Seu Jorge cantou:

“E sem dinheiro, vai dar um jeito, vai pro serviço

É compromisso, vai ter problema se ele faltar

Salário é pouco, não dá pra nada

Desempregado também não dá

E desse jeito a vida segue sem melhorar”.

Ao trabalhador brasileiro!

Rosa Maria Freitas

Doutora em Direito pelo PPGD/UFPE, professora universitária, Servidora pública, Escritório Rosa Freitas Advocacia em Direito público, palestrante e autora do livro Direito Eleitoral para Vereador.

MIGALHAS

https://www.migalhas.com.br/depeso/419921/fim-da-escala-6×1-e-o-direito-fundamental-ao-descanso

TRT-3 dá rescisão indireta a técnica impedida de trabalhar após acidente

Jornada de trabalho na escala 6×1: a insustentabilidade dos argumentos econômicos e uma agenda a favor dos trabalhadores e das trabalhadoras

A forte adesão à proposta de acabar a escala 6x1e reduzir a jornada é um grito de socorro contra a subordinação do tempo da vida somente ao trabalho, com escalas que desorganizam a vida, com baixos rendimentos e ausência de oportunidades de trabalho, escrevem em artigo Pietro BorsariEzequiela ScapiniJosé Dari Krein e Marcelo Manzano, todos pesquisadores e pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT) vinculado ao Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp).

Eis o artigo.

Na última semana a bandeira pelo fim da jornada de trabalho 6×1 retornou à agenda pública brasileira. A pauta, que tomou muito setores da esquerda de surpresa, tem atraído milhares de trabalhadores e trabalhadoras que veem suas vidas sufocadas pela jornada extenuante e por condições de trabalho cada vez mais precárias. Não são poucos os relatos nas redes sociais de sobrecarga e assédio no âmbito de trabalho e só a petição pública feita pelo Movimento Vida Além do Trabalho (VAT) já conta com mais de 2 milhões de assinaturas.

A forte adesão à proposta de acabar a jornada 6×1 e reduzir a jornada é um grito de socorro contra a subordinação do tempo da vida somente ao trabalho, com escalas que desorganizam a vida, com baixos rendimentos e ausência de oportunidades de trabalho. O grito é tão forte que sensibiliza grande parte da sociedade, especialmente, a juventude que busca ter horizontes mais promissores para a sua vida. A vida não é só trabalho. Pelo contrário, o trabalho precisa proporcionar as condições para as pessoas viverem ela em todas as suas dimensões.

Mesmo quem trabalha na jornada “padrão” 5×2 está cansado o suficiente para saber que deve ser desumano trabalhar seis dias e folgar um, que nem sempre coincide com o domingo. O fim de semana de dois dias é curto e passa rápido – mal se descansou e o final de domingo se apresenta angustiante com o retorno ao trabalho na manhã seguinte. Na 6×1 não há fim de semana, há um respiro breve entre outros seis dias de trabalho.

As pessoas querem viver além do trabalho

A onda de protestos na sociedade contra a jornada 6×1 expressa um descontentamento mais amplo das pessoas com o mundo do trabalho. O sentimento é que se trabalha muito, se recebe insatisfatoriamente e resta pouco tempo para o descanso, o ócio, o lazer, a sociabilidade com a família e os amigos, o estudo, o cuidado com a saúde física e mental, a vida sexual e outras tantas dimensões que compõem o ser humano para além do trabalho. Ecoa-se o grito desesperado de quem percebe que sua vida está toda em função do trabalho e da reprodução social, ao passo que as coisas que importam são postas em segundo plano.

Não há dúvida que o trabalho é um eixo estruturante da vida social. O problema não é trabalhar, mas somente trabalhar e entrar em uma dinâmica de luta pela sobrevivência que não lhe permite viver. Vale lembrar que a média salarial no Brasil, ainda que tenha tido um crescimento anual de 4%, é de R$ 3.222,00, segundo dados da PNAD (abril, 2024), e que 53 milhões de brasileiros necessitam uma ocupação ou uma ocupação melhor, somando desocupados, desalentados, pessoas sem condições de trabalhar mas que gostariam, trabalhadores sem carteira assinada ou que estão em busca de estratégias de sobrevivência. Ainda, possuir um trabalho formal não é garantia de que se tenha um trabalho não precário.

A juventude tem encontrado um mundo do trabalho que lhe parece insuportável, para o qual está levantando sua voz e dizendo: isso não é vida. Ainda que a atenção no último período tenha se dado aos chamados “jovens sem-sem” (sem estudo e sem trabalho), o que corresponde a 25% dos jovens brasileiros, há hoje 70% de jovens inseridos no mercado de trabalho. Não à toa o movimento VAT é encabeçado por jovens, a exemplo do seu principal expoente Rick Azevedo. A promessa de que a educação lhes salvaria tem resultado em frustração para muitos, apesar de ter níveis de escolaridade superiores aos de seus pais não tem garantido uma vida melhor.

Aproximadamente 15% dos jovens que se formaram no ensino superior conseguem emprego na sua área de formação (NUBE, 2020). Há ainda uma grande frustração com o que se encontra no mercado de trabalho, que não somente é incapaz de proporcionar recompensas financeiras satisfatórias como oferece ocupações em que as pessoas não se realizam.

Nesse sentido, mais que uma crítica pontual ao regime de jornada trabalho seis por um, há uma manifestação social latente sobre as relações com o trabalho e as condições em que se trabalha. O nível de adoecimento psíquico decorrente do trabalho é alarmante e atinge toda a classe trabalhadora. Só em 2022, segundo o INSS, mais de 209 mil pessoas foram afastadas do trabalho por transtornos mentais em nosso país. Reproduz-se uma sociedade adoentada, com jornadas exaustivas, assédios de diferentes natureza, pressões por resultados crescentes, insegurança financeira e a convivência com o medo permanente de perder o emprego.

Para a OIT (2022), houve um aumento significativo no número de pessoas com algum problema de saúde mental, com um total de 13% de pessoas em 2019 em nível mundial e, estima-se, que 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos devido a esse tipo de problema, custando ao redor de um trilhão de dólares à economia. Há uma relação direta entre jornadas extenuantes e adoecimento físico e mental do trabalhador.

Quanto à juventude, segundo o Dossiê da Fiocruz de 2024, Panorama da situação de saúde de jovens brasileiros, entre 2016 e 2022 , identificou-se que a taxa de acidente de trabalho foi maior entre os jovens em comparação com as demais faixas etárias – 219,78 casos para jovens de 20 a 24 anos, 209,44 no caso de jovens de 25 a 29 anos, ambos calculados por 100.000 habitantes -, indicando uma maior exposição dos jovens ao acidente de trabalho, tendo como causa primeira as circunstâncias relativas às condições de trabalho. Os grupos profissionais mais notificados entre os jovens foram os trabalhadores da produção de bens e serviços industriais e os inseridos nas atividades de serviço, vendedores do comércio em lojas e mercados.

Além disso, na última Conferência da Juventude em 2023, o tema da saúde mental foi o mais lembrado, recebendo 41% das propostas para resolução do problema. Não à toa, já que 8 a cada 10 jovens entre 15 e 29 anos apresentaram algum transtorno de saúde mental em 2022. Para a Fiocruz, o número de notificações de jovens com transtorno mental relativo ao trabalho é maior entre os jovens de 25 a 29 anos com prevalência do sexo feminino. As principais causas são estresse pós-traumático, transtornos de adaptação, transtorno misto ansioso e depressivo e ansiedade generalizada. Em síntese, é um quadro assustador para o futuro do país.

A jornada 6×1 é apenas parte do problema. Não obstante, seu enfrentamento tem o potencial de mobilizar pautas historicamente centrais das lutas dos movimentos dos trabalhadores. Revogar a jornada 6×1 parece um passo importante na direção da redução da jornada de trabalho em geral – nunca é demais lembrar que as 44 horas por semana (acrescidas das horas extras) foram instituídas há 36 anos na Constituição Federal de 1988 e que o Brasil está bastante defasado frente experiências bem-sucedidas de implementação de jornadas laborais abaixo das 40 horas semanais em diversos países, tais como as experiências recentes de instituição de jornadas de quatro dias na Islândia, na Alemanha, na França, na Inglaterra, na Bélgica, nos Emirados Árabes, entre outros [1].

Vale também lembrar que uma parte significativa dos trabalhadores brasileiros não tem acesso aos direitos do trabalho, muitas vezes trabalhando numa escala 7×0, isto é, sete dias de trabalho sem descanso, a exemplo de muitos trabalhadores informais, por conta própria e de empresas de plataformas digitais – atualmente cerca de 40% dos trabalhadores estão na informalidade, traço histórico da formação do nosso mercado de trabalho. Com um excedente estrutural de força de trabalho que se manteve durante o processo de industrialização e da expansão do assalariamento, o nosso passado escravocrata legou à população negra, especialmente às mulheres, os trabalhos mais precários, com os piores salários e as piores condições laborais. Em um mercado de trabalho heterogêneo e marcado pela desigualdade, a informalidade e a precariedade não são específicas de um ou outro momento, mas marcas estruturais que se acentuaram no período neoliberal.

O falacioso argumento econômico

Os principais argumentos daqueles que se posicionam contrariamente ao fim da jornada na escala 6×1 são de natureza econômica – o que por si só é um fato interessante, pois no campo da sociabilidade, da autonomia humana e da saúde física e mental não há margem para dúvida: a escala 6×1 é péssima. A síntese do argumento econômico é que eliminar a possibilidade de escala 6×1 teria por efeito a redução de empregos e o aumento de custos para os negócios e, portanto, aumento de preços para os consumidores e prejuízo para as empresas. Os defensores da manutenção atual fazem “terrorismo” ao dizer que a simples aprovação da proposta seria ruim para o conjunto da economia, com perda de competitividade (e falência) das empresas, gerando aumento do desemprego.

Trata-se de um argumento recorrente, utilizado em outros momentos históricos para alarmar a sociedade que a introdução de um direito ou proteção social quebraria a economia e o país – foi assim quando da implementação do 13º salário ou do salário mínimo. Para exemplificar, se o governo brasileiro tivesse ouvido os economistas hegemônicos (neoclássicos), a grande mídia e os setores empresariais, não teria instituído a política de valorização do salário mínimo em 2004 em diante. Os argumentos hegemônicos apontavam que a elevação do salário mínimo geraria inflação, desemprego, informalidade e um imenso déficit nas contas públicas. Todos sabemos que os resultados não foram os previstos, pelo contrário, é incontestável que o salário mínimo teve efeitos muito positivos sobre a economia e uma melhora do bem estar de muita gente.

O fato é que o custo do trabalho é baixo no Brasil e não representa uma ameaça à competitividade das empresas. Entre 2012 e 2019, o custo unitário do trabalho na indústria teve tendência de queda. Em 2019 a queda foi de 3,6%, sendo o terceiro país com maior redução, atrás da Argentina e da França em primeiro e segundo lugar. Segundo a Confederação das Indústrias (2020), o principal fator para a queda do custo do trabalho foi o aumento da produtividade, cujo crescimento médio foi de 2,9%, somado à queda do salário real em 1,3%.

Na comparação do salário mínimo no plano internacional, segundo levantamento da OCDE em 2021, considerando seus países integrantes mais Brasil e Rússia, o valor da hora trabalhada foi de US$5,2 para o Brasil, deixando o país na 30° posição, a frente somente do México, cujo valor/hora trabalho é de US$ 3,3. Em primeiro lugar com o melhor valor/hora trabalho está Luxemburgo com US$27,7, seguido de Holanda com US$26,2 e Austrália com US$25,2.

Por outro lado, o Brasil possui uma das mais altas jornadas anuais do mundo. Segundo levantamento da OCDE (2022), o Brasil ocupa a 4° posição de 46 países considerados, com uma média anual de 1936 horas trabalhadas. Em primeiro lugar está o México com 2128 horas, seguido de Costa Rica com 2073 horas e, em terceiro lugar, Colômbia com 1964 horas anuais. Recordar-se que, durante o discurso de posse da presidenta do México, Claudia Scheinbaum, em outubro de 2024, a nova mandatária apontou como promessa do governo a redução da jornada de trabalho de 48 horas semanais para 40 horas. Já os países com a menor média anual são Alemanha em primeiro lugar com 1349 horas anuais, seguido de Dinamarca com 1363 horas e Luxemburgo com 1382 horas.

O importante é enfatizar que a redução da jornada de trabalho é uma demanda elementar dos trabalhadores no capitalismo, uma vez que os ganhos de produtividade decorrentes dos avanços tecnológicos, de processos e de gestão permitem se produzir cada vez mais com menos trabalho. Reduzir a jornada de trabalho com preservação dos salários é uma forma de distribuir esses ganhos de produtividade construídos pela coletividade.

O fim da escala 6×1 e a adequação dos negócios à nova realidade

A benéfica extinção da jornada 6×1 produziria efeitos modestos e diferenciados entre as empresas, conforme o setor de atividade, a estrutura de mercado e o porte do negócio. Em todo caso, as empresas se adequariam à nova realidade e essa excrescência que pesa sobre os ombros de milhões de trabalhadores deixaria de ser prevista na lei.

Para a economia como um todo, nada mudaria significativamente. Embora a alteração dos custos das empresas e o repasse para os preços dependam de muitos fatores, qualquer impacto seria pontual – once and for all, isto é, caso ocorra um aumento de preços em determinados bens e serviço, esse aumento não se repetirá, pois no momento seguinte a legislação será a mesma e, portanto, os custos também.

A elevação dos custos somente ocorreria simultaneamente ao aumento do nível de emprego, na medida em que os negócios que utilizam a escala 6×1 decidam contratar novos trabalhadores para suprir a ausência de força de trabalho ocasionada pela transição para outras escalas, como a 5×2 ou até mesmo a 4×3. Vale notar que, se isso acontecer, haveria um duplo benefício social: menos trabalhadores em jornadas degradantes e o aumento dos postos de trabalho. Portanto, o aumento de custos, por um lado, poderia produzir efeitos compensatórios na economia como um todo em virtude do aumento da massa salarial – mais gente trabalhando e proporcionando maior dinamismo econômico.

Como indicado, o repasse de custos para os preços depende de muitos fatores e pode variar significativamente de acordo com o segmento de atividade, a concorrência e a estrutura de mercado. Em mercados muito competitivos, como bares e restaurantes em grandes centros urbanos, o movimento dos preços deverá acompanhar a dinâmica de acomodação das novas escalas de trabalho. Certamente uma parte dos estabelecimentos buscará absorver a mudança legal sem novas contratações de trabalhadores, sem que os custos sejam impactados nesse caso. E, outra parte, que considera lucrativo manter o mesmo padrão de funcionamento do estabelecimento, poderá ampliar as vagas, incorrendo em algum aumento de custos, mas que se justificaria pelo volume de vendas – caso contrário não haveria contratação adicional. Ao mesmo tempo, com mais tempo livre para as pessoas, as atividades de lazer e cultura podem aumentar, o que traria mais clientes. Por outro lado, em mercados dominados por redes de grandes empresas, como os supermercados e farmácias, os novos custos associados à eliminação da jornada 6×1 podem ser absorvidos por esses negócios, de modo a produzir diferentes combinações entre redução marginal da taxa de lucro e aumento marginal nos preços dos bens e serviços vendidos.

Esses seriam os efeitos econômicos mais gerais que poderiam ser esperados com o fim da jornada na escala 6×1. Mas a realidade pode variar entre indústria, comércio e serviço; entre pequena, média e grande empresa. A esse respeito, faremos alguns apontamentos, destacando que a mudança é benéfica em todos os sentidos para os trabalhadores e trabalhadoras, e em nada impactaria negativamente a vida social – ao contrário. Assim como pode ser benéfica para economia, com menor nível de absenteísmo, adoecimentos, ganhos de produtividade, com trabalhadores satisfeitos e descansados, maior nível de atividade, pois pode ampliar o consumo.

Os pequenos negócios

A realidade dos pequenos empreendimentos no país é penosa independentemente das possibilidades de jornada de trabalho. De acordo com levantamento do Sebrae a partir dos dados da Receita Federal do Brasil entre 2018 e 2021, 21,6% das microempresas encerraram seus negócios após cinco anos de atividade, sendo essa taxa de mortalidade ligeiramente menor para as empresas de pequeno porte (17%) [2]. Tais dados estão considerando somente os empreendimentos formalizados.

Segundo o Sebrae, aponta-se como justificativa o pouco preparo pessoal, dado que é pequeno o número de pessoas que passaram por algum tipo de capacitação; o planejamento deficiente do negócio, dado que 17% dizem não ter feito nenhum planejamento e 59% dizem ter feito para no máximo 6 meses; assim como uma gestão deficiente. Esses fatores se associam à baixa produtividade que caracteriza a dinâmica dos pequenos negócios no país, que operam com reduzida intensidade de capital (tecnologia, máquinas e equipamentos). Alterações nas possibilidades de jornada de trabalho dos empregados não seriam determinantes para modificar a realidade dos pequenos negócios.

Caso um negócio dependa integralmente da jornada 6×1 para se manter lucrativo, ou seja, necessite superexplorar seus trabalhadores para sobreviver, não é exatamente um negócio virtuoso. Cabe pensarmos se desejamos uma sociedade que ratifique nos termos da lei os negócios que impõem jornadas exaustivas aos seus trabalhadores para se manter operante. Mas esse não é o caso predominante. Em geral, ou o pequeno negócio já está na informalidade – isto é, não tem a totalidade de seus empregados com carteira assinada –, ou ele conseguiria reorganizar sua força de trabalho em torno de outros regimes de jornada. Assim, para os negócios que operam na informalidade (com escala 6×1, 7×0, sem direitos trabalhistas etc.), pouco mudaria com o fim da jornada legal 6×1 – eles continuariam superexplorando sua força de trabalho à revelia da lei.

Modificar a jornada de trabalho não é solução econômica para os problemas dos pequenos negócios, mas um avanço em torno de condições mais humanas de trabalho e de possibilidade de uma sociedade mais organizada, além de poder abrir novas oportunidades. Para enfrentar o problema econômico, o fundamental é construirmos um projeto político de desenvolvimento socioeconômico que ofereça melhores condições para aqueles que desejam empreender. Caberia, portanto, elaborar e aprofundar as políticas de democratização do acesso ao crédito, suporte e capacitação para a gestão de negócios, ampliação de programas de compras públicas no âmbito das prefeituras e, sobretudo, um projeto mais amplo de desenvolvimento econômico que coloque a estrutura produtiva do país em melhores condições de geração de postos de trabalho de qualidade, o que por sua vez reverberaria positivamente sobre os pequenos negócios. Os pequenos negócios dependem do nível de renda da sociedade, ou seja, de uma dinâmica econômica com crescimento, visto que salário é renda e esta se converte em consumo.

Médias e grandes empresas: o capital preocupado

Em momentos de questionamentos da exploração, os especialistas e representantes das grandes empresas buscam justificar a manutenção do status quo sob um argumento de perda de competitividade e uma posição oportunista de defesa dos pequenos negócios. Esse fato chama a atenção, pois é sempre em torno da defesa dos “vulneráveis” (pequenos negócios, trabalhadores e consumidores pobres, etc.) que se mobilizam os principais discursos do grande capital. No momento da competição econômica de mercado, os grandes negócios não se importam em quebrar os menores, mas quando os direitos trabalhistas são postos na mesa o que ocorre é uma manipulação oportunística na defesa dos mais vulneráveis.

Os grandes negócios operam com escala elevada, possuem estrutura de custos enxuta, têm poder de negociação com fornecedores, gozam de amplo acesso ao crédito (a despeito da elevadíssima taxa de juros no país), departamentos de contabilidade, marketing, tributos etc. que superam sobremaneira qualquer capacidade de competição dos pequenos negócios. Nos bairros, os pequenos mercadinhos, mercearias, frutarias, farmácias etc. não conseguem competir no preço com as grandes redes. Os que sobrevivem o fazem a duras penas, amparados por uma combinação de elementos que vão desde a clientela fiel ou o serviço diferenciado, até a sonegação de impostos e o não cumprimento das leis trabalhistas. Portanto, o fim da escala 6×1 não é o problema e a dinâmica da concorrência permaneceria a mesma. Melhorar a condição dos pequenos negócios está em outra esfera que não a da redução de direitos trabalhistas, como enfatizamos anteriormente.

Quem está verdadeiramente preocupado com a mudança são as grandes empresas, que operam na legalidade e teriam de se adequar imediatamente aos novos parâmetros de definição da jornada de trabalho. Para essas, todo avanço na legislação trabalhista que possa implicar em redução da lucratividade e de poder sobre a gestão da força de trabalho é um problema.

Apenas três grandes grupos de redes de farmácias detêm 40% do mercado no Brasil [3]: Grupo RD (Raia e Drogasil), Grupo Pague Menos (Pague Menos e Extrafarma) e Grupo DPSP (Pacheco e São Paulo). Em 2023, o faturamento do setor cresceu 13,5%, atingindo R$ 91,3 bilhões [4] , liderados pelas grandes redes. Resta pouca dúvida sobre a capacidade financeira dos grandes grupos em absorverem eventuais elevações dos custos com o trabalho decorrentes do fim da exploração ao nível percebido na jornada com escala 6×1. Não obstante, embora o lucro das grandes redes de farmácia possa absorver tais custos, a disputa com o capital nunca é fácil – somente com muita pressão e mobilização social este avanço poderá ser atingido.

O caso das grandes redes de supermercado não é muito diferente. De acordo com a Associação Brasileira de Supermercados, os quinze maiores supermercados faturaram mais de 348 bilhões de reais em 2023 [5]. A liderança do ranking é do Carrefour, que faturou R$115,4 bilhões (33% do total), seguido pelo Assaí Atacadista (R$72,7 bilhões) e Mateus Supermercados (R$30,2 bilhões). Juntos, as três redes foram responsáveis por 62,6% do faturamento das grandes redes, o que revela uma certa concentração de mercado no segmento econômico. Novamente, pergunta-se: o fim da escala 6×1 é inviável para esses grupos?

E o trabalhador?

Como visto, não há razões para crer que, por si só, o fim da jornada 6×1 reduziria os empregos, ao contrário, abre-se espaço para eventuais novas contratações que compensam o tempo de trabalho liberado em determinados negócios em que a conta da lucratividade faça sentido econômico e que tem funcionamento nos finais de semana.

Ora, no âmbito individual, caso a escala 6×1 seja abolida, pode haver uma parcela dos trabalhadores cuja renda variável sofreria uma eventual redução – o caso dos trabalhos que incluem comissões por vendas ou recebimento de gorjetas. É verdade que parte dos trabalhadores nessa situação buscaria compensar a redução do rendimento em outros postos de trabalho, sobretudo realizando bicos ou freelancers. Nesse caso, seu rendimento poderia ser preservado ou até mesmo elevado, a depender do trabalho eventual que o trabalhador encontrar.

No entanto, para outra parte dos trabalhadores migrar para uma jornada convencional 5×2 ou até 4×3 pode ser um alívio no sentido de devolver algum controle sobre seu próprio tempo de vida. As pessoas estão exaustas e não querem escolher entre trabalhar muito e não viver, ou trabalhar pouco e não receber o suficiente para gozar de uma vida digna. Elas querem exercer atividades que façam sentido para si e para a comunidade, com alguma autonomia sobre seu tempo, com remunerações compatíveis que lhes permitam uma vida que valha a pena viver. Certamente a existência da jornada 6×1 não contribui em nada nessa direção.

Em relação à dinâmica prática do consumo, a redução na jornada de trabalho não significa que bares, farmácias e supermercados terão necessariamente seu horário de funcionamento diminuído. E, caso isso ocorra pontualmente em determinados segmentos e localidades, observamos que diversos países operam com horários muito mais restritos de funcionamento de mercados e farmácias aos finais de semana, por exemplo, quando comparados com o Brasil. As pessoas deixam de consumir por isso? Não, simplesmente assumem essa condição como um dado – inclusive muito saudável para a estruturação dos tempos de trabalho e de não trabalho da sociedade – e se organizam da mesma forma que o fazem para levar os filhos de segunda à sexta na escola, frequentar cultos e igrejas aos sábados e domingos, entre outras tantas definições do tempo da vida social que organizam a vida dos indivíduos e da coletividade.

Insistimos que não se trata somente da questão econômica. Exagerando no argumento, o que seria mais lucrativo para os negócios do que reduzir a jornada 6×1? Aumentar para 7×0! Então por que isso não ocorre, já que seria mais lucrativo? Porque há limites físicos (capacidade do ser humano aguentar) e éticos (o quanto a sociedade tolera certos parâmetros de exploração). Acontece que a escala 6×1 está adoecendo os trabalhadores de forma mais acelerada que a jornada convencional 5×2, inclusive contribuindo para o aumento. O limite físico já está sendo rompido, porém os trabalhadores adoecidos pelo excesso de trabalho são, via de regra, rapidamente descartados e substituídos por outros, e assim a roda continua a girar.

O que tem sustentado até então a existência da escala 6×1 é o silenciamento da pauta e do sofrimento associado, amparado pela força do empresariado do comércio e de algumas atividades de serviço, que impuseram esse modelo de jornada em seu próprio proveito. Agora estamos assistindo a uma onda de contestação social da 6×1 – sua razoabilidade está sendo questionada pela sociedade. O resultado pode ser um grande marco para a renovação da agenda da classe trabalhadora em torno de pautas poderosas como a da redução da jornada de trabalho.

A necessidade de uma agenda a favor dos trabalhadores e das trabalhadoras

As mobilizações pelo fim da jornada 6×1 podem significar o início de um processo que aprofunde a realidade complexa e penosa do mundo do trabalho em que nos encontramos. Não só aprofundar como apresentar mudanças significativas na realidade de milhões de trabalhadores e trabalhadoras, apresentando uma agenda do trabalho que redefina as condições laborais, que abarque todos os trabalhadores sob o leque dos direitos trabalhistas e que ressignifique o que é trabalhar.

Por isso, a luta pela redução da jornada 6×1 é só um dos desafios que estão colocados, fazendo-se necessário também considerar ao menos dez pontos essenciais para a construção de uma agenda a favor dos trabalhadores e das trabalhadoras:

– primeiro, que o trabalho possui centralidade na vida das pessoas, ainda que ele tenha passado por reconfigurações e ressignificações profundas;

– segundo, que as perspectivas neoliberais para resolver o problema do emprego e do trabalho fracassaram. A diminuição e retirada dos direitos do trabalho, a exemplo da Reforma Trabalhista de 2017, e o incentivo ao empreendedorismo comprovadamente acentuaram a precariedade do trabalho;

– terceiro, que o crescimento econômico é necessário para geração de empregos. Contudo ele, por si só, não resolve o problema do trabalho;

– quarto, que os postos de trabalho sejam repensados, considerando sua articulação e existência a partir de demandas reais e concretas para atender as necessidades sociais e ambientais contemporâneas;

– quinto, que o Estado também seja fomentador e garantidor da geração de empregos, dado o problema estrutural tanto da falta de trabalho quanto da falta de trabalhos dignos;

– sexto, que a luta pelos direitos trabalhistas precisa vir articulada à luta de demais formas de discriminação, exclusão e opressão, considerando gênero e raça;

– sétimo, que a proteção social e a proteção trabalhista abranja todos os trabalhadores, independente da relação de trabalho estabelecida;

– oitavo, que as instituições públicas responsáveis pela regulação do trabalho sejam fortalecidas e não solapadas, como vem ocorrendo;

– nono, que a diminuição da jornada de trabalho venha acompanhada de condições mais dignas para os trabalhadores, garantindo tempo para o desenvolvimento de outras dimensões da vida fora do trabalho, fazendo com que o trabalho tenha real sentido e significado, assim como garantia salarial;

– décimo, que os ganhos de produtividade acumulados ao longo do tempo, fruto de inovações produzidas pelo conjunto dos atores sociais, seja melhor distribuído entre trabalhadores e capitalistas.

Por fim, que se possa viver além do trabalho. Como disse Antonio Candido, “a luta pela justiça social começa por uma reivindicação do tempo: eu quero aproveitar meu tempo de forma que eu me humanize”. A necessidade de uma agenda humanizadora a favor dos trabalhadores e das trabalhadoras há muito já está colocada.

Notas

1 – Como mostra Dal Rosso et al. no livro O futuro é a redução da jornada de trabalho (2022, p. 26): “[…] algumas experiências começam a chamar atenção, tais como na Finlândia (que está experimentando uma jornada de quatro dias por semana e há uma proposta da atual primeira-ministra de instituir no país uma jornada de seis horas diárias); experimentos, ainda que localizados, de redução da jornada de trabalho estão em curso na Bélgica, na Escócia, na Islândia, na Espanha, no Japão, nos Emirados Árabes, entre outros. Na Coréia do Sul, ainda que a jornada permaneça longa, houve uma redução de 6,3 horas por mês a partir de 2019. Na mesma perspectiva, a agenda da redução da jornada de trabalho ganhou visibilidade com a posição do IG Metal da Alemanha a favor da Jornada de Trabalho de 32 horas; o movimento “4dayworkweek” que iniciou na Nova Zelândia e rapidamente teve adesão de empresas nos EUA, Grã-Bretanha, Irlanda e logo depois em muitos outros países, inclusive no Brasil; na Grã- Bretanha, em 2019, o líder do Partido Trabalhista se posicionou favorável a semana de quatro dias sem perdas de salários e, como último destaque, em outubro de 2020, o Comitê Executivo da Confederação Europeia de Sindicatos (CES) sugeriu uma agenda coordenada de negociações para a redução da semana de trabalho sem redução dos salários e medidas para o controle do tempo de trabalho, qualidade de vida no trabalho e garantia de renda em caso de doença”.

2 – Os microempreendedores individuais (MEIs) são os que possuem a maior alta taxa de mortalidade empresarial, com 29% encerrando suas atividades em até cinco anos.

3 – Disponível aqui: https://medicinasa.com.br/redes-farmacias/

4- Disponível aqui: https://gironews.com/farma-cosmeticos/principais-redes-de-farmacias-faturaram-r-913-bilhoes-em-2023-rd-segue-no-topo-do-ranking/

5 – Disponível aqui: https://exame.com/negocios/quais-sao-os-15-maiores-supermercados-no-brasil-e-quanto-eles-faturam-veja-a-lista/

IHU – UNISINOS

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/646095-jornada-de-trabalho-na-escala-6×1-a-insustentabilidade-dos-argumentos-economicos-e-uma-agenda-a-favor-dos-trabalhadores-e-das-trabalhadoras

TRT-3 dá rescisão indireta a técnica impedida de trabalhar após acidente

Reformas trabalhista e previdenciária produzem fome

A concentração da pobreza nas grandes metrópoles é a concentração da fome nas grandes metrópoles”, alerta o geógrafo José Raimundo, que há cerca de 20 anos estuda a fome.

Mesmo com a experiência no tema, ele se surpreendeu com o resultado do 1º Inquérito sobre a situação alimentar no município de São Paulo, publicado em setembro. O documento aponta que mais da metade da população da capital paulista enfrenta algum grau de insegurança alimentar.

Isso significa que, na cidade mais rica do país, 5,8 milhões de pessoas têm dificuldade para ter acesso a uma alimentação saudável e variada. Enquanto 12,5% da população de São Paulo passa fome, a capital continua somando o maior Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil.

Coordenador da pesquisa que resultou no inquérito, Raimundo explica que uma pessoa em insegurança alimentar “está, pelo menos, preocupada em não ter recursos suficientes para se alimentar até o fim do mês”.

Considerando os casos graves, são cerca de 1,4 milhões de pessoas sem acesso a alimentos para garantir o sustento básico e necessário. Isso é o equivalente à população de Goiânia, e três vezes mais que a média nacional.

“A gente sempre se assusta com o quão desigual pode ser a nossa sociedade, porque o nosso imaginário nos faz crer que a fome está sempre longe”, diz.

A pesquisa, feita por domicílios, não considerou a população de rua nem moradores de áreas rurais, concentrando-se nas moradias da área urbana do município. “De todos os domicílios que estão em situação de fome, 72% então nas áreas mais periféricas”, explica o pesquisador. Dos 28% restantes, uma parte está no centro da cidade, onde 41 mil pessoas passam fome.

Segundo o inquérito, a informalidade, a instabilidade e o desemprego estão associados a maiores índices de insegurança alimentar. Os lares chefiados por trabalhadora doméstica ou por trabalhadores temporários ou que fazem bicos apresentaram os maiores índices de fome.

De acordo com a pesquisa, “em uma realidade em que quase a totalidade dos alimentos são adquiridos de forma monetária, quanto menor a renda domiciliar per capita, maior a probabilidade de o domicílio estar submetido a algum grau de insegurança alimentar”. 70% dos domicílios onde as pessoas passam fome no município têm renda domiciliar per capita de até meio salário mínimo.

“A informalidade no mercado de trabalho é algo que produz fome. Com dados anteriores, eu vinha indicando isso. A reforma trabalhista produz fome, a reforma previdenciária produz fome, essas reformas produzem fome”, avalia Raimundo, que alerta para o ciclo dessa dinâmica. “A pessoa que não tem certeza se vai ter o que comer, ela se submete com mais facilidade a trabalhos precários”, ressalta.

1º Inquérito sobre a Situação Alimentar é uma parceria entre o Comusan-SP (Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional), o Obsanpa (Observatório de Segurança Alimentar e Nutricional da Cidade de São Paulo) e pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidade Federal do ABC (UFABC).

Fonte: Brasil de Fato
Texto: Carolina Bataier

DM TEM DEBATE

Reformas trabalhista e previdenciária produzem fome

TRT-3 dá rescisão indireta a técnica impedida de trabalhar após acidente

Origem da PEC 6×1, que reacendeu debate sobre redução da jornada de trabalho

Categoria: Notícias

Fazia tempo, no Brasil, talvez desde 2010, que algum tema relevante e geral do mundo do trabalho fazia parte, positivamente, da pauta política nacional. Na última semana, finalmente, isso ocorreu. E pode iniciar discussão orgânica no Congresso, em particular, na Câmara dos Deputados.Eis que pauta cara e histórica da esquerda e do movimento sindical entrou na agenda do noticiário nacional e mobilizou as redes1, as ruas2 e o debate político nacional3 — a Escala 6×1 —, com a apresentação da PEC (proposta de emeda à Constituição), pela deputada Erika Hilton (PSol-SP), cujo objetivo é extinguir a jornada em que o trabalhador labuta 6 dias e descansa apenas 1.

A proposta (PEC) ultrapassou o número mínimo de assinaturas (171) para ser protocolada na Câmara dos Deputados e iniciar debates na Casa. Isso pode ocorrer nesta semana.

Conteúdo da PEC
No lugar da Escala 6×1, a deputada propõe, por meio da PEC, duração da jornada de trabalho de até 8 horas diárias e 36 semanais, com jornada de 4 dias por semana e 3 de descanso.

Movimento VAT
O movimento VAT (Vida Além do Trabalho) foi iniciado pelo influenciador digital, Rick Azevedo, 30 anos. Ele foi eleito vereador na cidade do Rio de Janeiro, pelo PSol. E é considerado fenômeno eleitoral no Rio.

Ele foi o vereador do PSol com menos investimentos e mais votos. O próprio partido se surpreendeu.

Do anonimato para a relevância
Para Rick, os 29,3 mil votos que recebeu vêm da força do VAT, que defende o fim da jornada de 6 dias de trabalho para 1 de folga (6×1), “dando voz a trabalhadores que muitas vezes não se veem representados por estruturas tradicionais”.

“O movimento sindical tem uma relevância histórica enorme, sendo responsável por muitas das conquistas que temos hoje”, diz Azevedo. “No entanto, acredito que ele precisa de uma atualização para se adaptar à realidade dos trabalhadores atuais, especialmente daqueles que estão em condições precarizadas ou em setores informais”, avalia.
_________________

1 Após viralizar nas redes sociais, protestos por fim da escala 6×1 passa por primeiro teste nas ruas – https://www.youtube.com/watch?v=wObXVZzJaGA – acesso em 17.11.24

2 Fim da escala 6×1: manifestantes fazem ato na Avenida Paulista – https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/11/15/fim-da-escala-6×1-manifestantes-fazem-ato-na-avenida-paulista.ghtml – acesso em 17.11.24

3 Proposta de redução da jornada de trabalho e fim da escala 6×1 gera debates no plenário da Câmara – https://www.camara.leg.br/noticias/1110526-proposta-de-reducao-da-jornada-de-trabalho-e-fim-da-escala-6×1-gera-debates-no-plenario-da-camara/ – acesso em 17.11.24

DIAP

https://diap.org.br/index.php/noticias/noticias/92041-origem-da-pec-6×1-que-reacendeu-debate-sobre-reducao-da-jornada-de-trabalho

TRT-3 dá rescisão indireta a técnica impedida de trabalhar após acidente

Por que os jovens se distanciaram dos sindicatos? Artigo de Clemente Ganz Lúcio

Não é “despolitização”. Eles desejam autonomia, mas também apoio ao trabalho hoje isolado e precário. Mobilizam-se de forma mais flexível e valorizam a diversidade. Assistência aos “plataformizados” e comunicação inovadora podem ser o começo para a renovação de bases.

O artigo é de Clemente Ganz Lúcio, Diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), publicado por Outras Palavras, 11-11-2024.

Eis o artigo.

sindicalização é uma ação contínua e essencial no trabalho de base dos dirigentes e ativistas sindicais. Os desafios para atrair e engajar trabalhadores de todas as idades são constantes, mas os jovens sempre representam uma barreira a ser enfrentada. Os debates indicam a necessidade de inovações nas estratégias que visam à filiação dos trabalhadores aos sindicatos, ampliando, assim, a representatividade, a proteção e o poder sindical. Estudos da OCDE indicam que a baixa taxa de adesão sindical entre os jovens é um fator importante na queda global da densidade sindical. De acordo com o levantamento, apenas 7% dos sindicalizados na área da OCDE são jovens e a adesão a sindicatos tende a seguir uma curva em “U” invertido, atingindo seu ponto mais alto em trabalhadores com cerca de 40 anos.

Para que um trabalhador decida se sindicalizar é fundamental que se sinta conectado ao sindicato e veja valor em sua atuação e, com o jovem, não é diferente. O que cabe considerar é quais são as características que marcam as atuais novas gerações que chegam para ingressar no mundo do trabalho remunerado. As transformações econômicas, sociais, políticas e culturais definem a visão de mundo e as novas gerações desenvolvem abordagens existenciais e de modo de vida que se diferem das gerações anteriores.

O desenvolvimento da relação com o sindicato passa pela presença constante e significativa dos dirigentes no ambiente de trabalho, pela apresentação dos benefícios que a filiação pode proporcionar e pela demonstração do impacto positivo que o sindicato pode ter nas condições de trabalho e de vida dos trabalhadores. Quando um sindicato é percebido como ativo e eficaz, capaz de melhorar salários, defender direitos e cuidar das condições de trabalho, ele se torna mais atrativo também para os jovens, que buscam suporte e segurança em suas trajetórias profissionais.

sindicato também tem o desafio de se apresentar como um espaço de encontro, de acesso e de promoção de atividades culturais e recreativas, de lazer, de momentos lúdicos, com sessões de cinema, teatro, atividades de literatura e de música, com atividades esportivas, entre outras possibilidades. Nesses espaços e momentos as pessoas se conhecem, relacionam-se, criam identidades e confiança.

Quem é jovem?

Segundo a OIT – Organização Internacional do Trabalho, jovem é a população na faixa etária de 15 a 24 anos. As políticas públicas no Brasil consideram juventude a população na faixa etária de 15 a 29 anos. É longa a extensão da faixa etária da juventude, compreendendo a possibilidade de identificar-se vários recortes que estarão associados a outras características como a inserção educacional, a formação profissional acumulada, a experiência em curso ou vivida de transição escola – trabalho, a necessidade ou urgência de um emprego e de renda etc. E a sua situação econômica, suas carências e necessidades, suas expectativas com o presente e o futuro.

A juventude é uma diversidade complexa de vivências, é um período de arriscar-se, de colocar-se no e para o mundo, de conquistar autonomia, de estabelecer relacionamentos. Vencer o desafio de agregar-se, relacionar-se, posicionar-se, estabelecer metas, tomar iniciativa, ser recebido e incluído. A juventude irrompe suas demandas, seus anseios, seus sonhos e esperanças e é com elas que o sindicato deve saber trabalhar.

Chegar ao mundo do trabalho é vencer barreiras que estão associadas à educação formal recebida, à qualificação profissional, à origem de classe, de gênero, de raça. Chegar para a procura do primeiro emprego em um mercado de trabalho aquecido é uma coisa, outra é chegar com o desemprego bombando. Procurar o primeiro emprego, ser demitido ou pedir demissão pela primeira vez gera expectativas, ansiedade e causa insegurança, algumas das questões que afligem os jovens.

Desafios para a sindicalização dos jovens

A dificuldade em sindicalizar os jovens sempre esteve relacionada ao menor tempo de vida laboral, à experiência de ingresso no mundo do trabalho, à falta de experiência e de cultura da ação coletiva e do seu valor. Além disso, muitos dos direitos trabalhistas e sociais conquistados ao longo das décadas acabam sendo vistos como “naturais” pelas novas gerações, que não vivenciaram a luta histórica que os garantiu. Nesse contexto, a formação e a comunicação sindical têm o papel de revelar a origem desses direitos e reforçar a importância de preservá-los e expandi-los.

Além do contexto histórico e de acesso à informação, há outros fatores que desmotivam a sindicalização entre os jovens. A crescente flexibilização do trabalho, com o aumento de contratos temporários e empregos informais, a alta rotatividade e a precariedade das condições laborais, dificultam a sindicalização de todos os trabalhadores. Muitos jovens são empregados em setores menos organizados sindicalmente, como serviços, comércio e trabalho informal, onde a rotatividade é alta e os direitos são mais frágeis. O medo da demissão e a insegurança podem afastá-los, mas de outro lado, seu ímpeto para enfrentar desafios e querer mudanças, podem atraí-los.

O trabalho em plataformas digitais, que cresceu enormemente entre os jovens, apresenta um obstáculo significativo para o sindicalismo. Muitos desses trabalhadores, como motoristas e entregadores, atuam sem vínculo formal e enfrentam dificuldades para se organizarem, devido à dispersão geográfica e ao isolamento característico desse modelo de trabalho. A OCDE destaca que o aumento do trabalho não padronizado representa um desafio adicional, pois esses trabalhadores têm menor probabilidade de serem sindicalizados do que os trabalhadores assalariados clássicos.

A visão dos jovens sobre os sindicatos

A percepção dos jovens em relação aos sindicatos é mista, embora de acordo com a OCDE, em 23 de 32 países analisados, a confiança dos jovens em sindicatos é superior à dos trabalhadores mais velhos, porém muitos ainda veem as entidades sindicais como distantes ou antiquadas. Ou seja, reconhecem a importância dos sindicatos, mas não se sentem representados.

É comum que os jovens valorizem a liberdade individual e a flexibilidade, o que às vezes entra em conflito com a visão dominante do sindicalismo, que enfatiza o coletivo e as ações coordenadas. Mesmo assim, os jovens demonstram interesse em participar de ações coletivas, como manifestações e arrecadações para causas sociais, o que aponta para uma base potencial para engajamento. É fundamental compreender que são muitas as portas de entrada para a vida sindical e a maior parte delas está relacionada às múltiplas atividades e oportunidades oferecidas em termos culturais, esportivos, de lazer e de espaços de encontro.

A literatura sobre a participação da juventude no movimento sindical destaca uma série de desafios e tendências que refletem a complexidade do mercado de trabalho atual e as mudanças nas expectativas dos jovens.

Percepções de distanciamento dos sindicatos

Uma parte da juventude vê os sindicatos como instituições distantes ou desconectadas das realidades e desafios do mercado de trabalho moderno. A literatura aponta que, para muitos jovens, a linguagem e as estratégias sindicais tradicionais parecem pouco atrativas e inadequadas para lidar com os novos tipos de trabalho, como o digital e o por plataformas. Esse descompasso entre expectativas e abordagem sindical é um dos principais motivos da baixa adesão. Por isso, é importante atuar em espaços educacionais para esclarecer e fomentar a sindicalização, especialmente para os jovens que estão ingressando no mercado de trabalho e desconhecem as alternativas de organização coletiva. É preciso compreender que é necessário construir uma forma específica de informar e formar os jovens. Esta precisa ser dinâmica, participativa, divertida e interativa. Outra atuação importante é oferecer um bom serviço de intermediação para o emprego, inclusive com apoio em termos de orientação profissional.

Preferência por formas de mobilização alternativas

Pesquisas indicam que os jovens tendem a preferir formas de mobilização mais flexíveis e descentralizadas, como movimentos sociais e ativismo digital. Eles demonstram um alto grau de engajamento em causas sociais, ambientais e de direitos civis, o que sugere uma disposição para a ação coletiva, mas em formatos que diferem do sindicalismo clássico. Neste caso, a inserção dos sindicatos em movimentos diversos, culturais, sociais e políticos, abre a possibilidade de conexão entre a diversidade de processos sociais que se conectam também com a vida sindical.

Individualismo versus coletivismo

A literatura destaca que existe um certo paradoxo pois, enquanto os jovens valorizam a liberdade e autonomia no ambiente de trabalho, muitos também reconhecem a importância do apoio coletivo. Pesquisas mostram que os jovens atualmente têm uma percepção de individualismo maior do que os jovens de gerações anteriores, mas ao mesmo tempo são inclinados a apoiar movimentos de justiça social e igualdade, o que pode ser uma base potencial para a sindicalização, desde que os sindicatos ajustem suas abordagens. Nesse mundo que fortalece o individualismo, cabe ao sindicato oferecer possibilidades múltiplas de encontros e ações conjuntas e coletivas oportunizadas pelas atividades culturais, recreativas, esportivas, comunitárias e de solidariedade.

A atração por um sindicalismo mais representativo e inclusivo

Estudos sugerem que os jovens se sentem mais atraídos por sindicatos que promovem a inclusão e a diversidade e que adotam uma postura progressista em questões de justiça social. Os sindicatos que integram pautas econômicas e sociais e oferecem um espaço de acolhimento para minorias têm mais sucesso em atrair jovens, que desejam ver representadas suas preocupações com temas como igualdade de gêneroantirracismo e direitos LGBTQIAPN+.

Sindicalização de trabalhadores em plataformas

A expansão do trabalho em plataformas, como transporte e entrega, traz novos desafios para o sindicalismo, pois esses trabalhadores muitas vezes não possuem vínculo empregatício formal e estão dispersos geograficamente. A literatura enfatiza que é necessário inovar nos modelos de organização sindical para alcançar esses trabalhadores, considerando que muitos deles são jovens que enfrentam um ambiente de trabalho isolado e precário. A oferta de serviços como assessoria jurídica, oportunidades de qualificação, orientação profissional e assistência saúde pode atrair os jovens que enfrentam condições de trabalho precárias. Abrir os sindicatos para trabalhadores autônomos e temporários, oferecendo serviços que os ajudem a se organizar, realizar manutenções e negociações com empresas plataformizadas, é uma estratégia importante para também alcançar um público jovem.

A necessidade de comunicação digital e inovadora

Os sindicatos que utilizam comunicação digital, como redes sociais e plataformas online, têm mais sucesso em alcançar jovens. A digitalização das atividades sindicais, incluindo campanhas, assembleias virtuais e canais de suporte online, pode criar um ambiente mais atraente e acessível para os jovens, facilitando o engajamento e a compreensão do papel dos sindicatos e desenvolvendo uma comunicação direta e transparente sobre os benefícios da filiação sindical.

Confiança em sindicatos e potencial de engajamento

Embora muitos jovens ainda vejam os sindicatos como pouco atrativos, existe confiança nas organizações sindicais, o que representa um potencial para engajá-los no movimento sindical, desde que este adote estratégias que se alinhem com suas demandas e expectativas.

A literatura destaca que, embora a sindicalização entre jovens enfrente desafios significativos, há um potencial inexplorado. Orientar o sindicalismo para responder às preocupações específicas dos jovens, oferecer um ambiente inclusivo e diversificado, e investir em formas inovadoras de comunicação e organização podem ser estratégias eficazes para revitalizar o movimento sindical e envolver uma nova geração de trabalhadores.

A sindicalização dos jovens é um desafio para o movimento sindical global. No entanto, as demandas dos jovens por segurança, dignidade e condições de trabalho justas são similares às dos trabalhadores de gerações anteriores, mesmo que as formas de engajamento sejam diferentes. Um sindicalismo que se adapte às necessidades e às perspectivas da juventude poderá renovar suas bases e fortalecer sua representatividade.

Os sindicatos têm a responsabilidade de construir um futuro que ofereça oportunidades justas para os jovens e promova uma cultura de solidariedade e apoio mútuo. Diante das pressões por maior individualismo e flexibilização crescente das relações de trabalho, é crucial que o movimento sindical se aproxime dos jovens para demonstrar que a união e a ação coletiva são as melhores ferramentas para a defesa e conquista de direitos.

Nota

[1] OCDE (2019), “Negotiating Our Way Up: Collective Bargaining in a Changing World of Work”, OECD Publishing, Paris, disponível aqui.

IHU UNISINOS

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/646036-por-que-os-jovens-se-distanciaram-dos-sindicatos-artigo-de-clemente-ganz-lucio