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Em vitória de Lula, Senado aprova isenção do IR para quem ganha até dois salários mínimos

Em vitória de Lula, Senado aprova isenção do IR para quem ganha até dois salários mínimos

O Senado aprovou nesta terça-feira (16) a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até dois salários mínimos, ou seja, R$ 2.824 por mês. O projeto de lei atualiza a faixa de isenção do Imposto de Renda como forma de valorização do salário mínimo.

A aprovação foi feita em votação simbólica. Como o texto não foi alterado pelos senadores, segue direto para sanção presidencial.

O texto teve como relator o líder do Governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP). Randolfe manteve o mesmo conteúdo que foi aprovado na Câmara em março, rejeitando tentativas da oposição de alterar o texto e elevar a faixa de isenção.

O senador Carlos Viana (Podemos-MG) fez um destaque para aumentar a isenção para quem ganha até R$ 4.236, assim como já tinha feito na Comissão de Assuntos Econômicos. Lá ele também havia sido derrotado. A emenda foi rejeitada novamente em plenário. Isso porque altas na isenção, no entanto, precisam considerar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), indicando como o governo vai compensar os valores que deixará de arrecadar.

O governo diz que com a isenção o impacto da isenção chegaria a R$ 113 bilhões somente em 2024, segundo o líder do Governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA). E, atualmente, o governo não poderia arcar com um montante desse dentro da lei fiscal e da meta de controle das contas públicas.

“Infelizmente, vivemos em um país de discrepância social muito grande e, efetivamente, a tabela do Imposto de Renda atinge pessoas que não dá para dizer que tem uma renda. Tem um salário e vive desse salário”, disse Wagner. “Mas a LRF nos diz que se você faz renúncia fiscal ou despesa, você tem que apontar fonte nova para sustentação. Então, o presidente Lula fez um compromisso, e eu tenho certeza que será cumprido, de R$ 5 mil até o final de seu governo. Temos ainda dois anos e nove meses até o final do governo e dois anos fiscais pela frente onde ele poderá fazer chegar até lá”.

O líder do Governo também lembrou que durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) não houve correção da tabela do IR, assim como no governo de Michel Temer (MDB). Para ele, se a tabela tivesse sido corrigida todo ano, a faixa de isenção já estaria maior.

Correção da tabela do IR

A iniciativa do projeto é do governo Lula (PT), a partir do líder do Governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), e serve para atualizar o valor da isenção para os próximos anos. Para o IR de 2024 já houve a atualização por meio de medida provisória. O aumento da faixa de isenção do IR foi uma das bandeiras eleitorais de Lula.

O projeto basicamente corrige a tabela do Imposto de Renda para isentar do IR os valores até R$ 2.259,20. Para chegar ao valor de dois salários mínimos, o projeto também garante o desconto de 25% sobre o valor, chegando a até R$ 2.824 isentos do imposto. O salário mínimo atual é de R$ 1.412.

De acordo com Randolfe, a importância do projeto se dá por ser uma forma de “efetivar a política de valorização permanente do salário mínimo“. Isso porque ao se corrigir a tabela do IR para dois salários mínimos, os brasileiros não pagaram imposto sobre a remuneração básica e não afetará o valor final que fica com os brasileiros todo mês.

“Trata-se de medida focalizada que atenderá mais de 8 milhões de trabalhadores brasileiros com carteira assinada que recebem um salário mínimo”, diz o relatório de Randolfe.

“De fato, a opção pelo reajuste menor da faixa desonerada do IRPF juntamente com o desconto simplificado privilegia apenas quem recebe rendimentos menos expressivos e garante a progressividade tributária ao evitar que as camadas mais ricas da população se beneficiem da simples ampliação do patamar isento a níveis mais elevados”.

AUTORIA

Gabriella Soares

GABRIELLA SOARES Jornalista formada pela Unesp, com experiência na cobertura de política e economia desde 2019. Já passou pelas áreas de edição e reportagem. Trabalhou no Poder360 e foi trainee da Folha de S.Paulo.

CONGRESSO EM FOCO
Em vitória de Lula, Senado aprova isenção do IR para quem ganha até dois salários mínimos

Brasil quer emplacar taxação de super-ricos no mundo

Governo defende criação de mecanismos internacionais de cooperação tributária e uso de imposto sobre os bilionários para financiar medidas contra pobreza e crise climática.

A reportagem é publicada por DW Brasil, 17-04-2024.

Nada é certo nesta vida, a não ser a morte e os impostos, disse Benjamin Franklin (1706-1790), um dos “pais fundadores” dos Estados Unidos. Essa máxima é citada pelo economista americano Joseph Stiglitz no último relatório do Observatório Fiscal da União Europeia sobre evasão fiscal. Ele emenda: “Os bilionários podem não ter alcançado a imortalidade, mas certamente se tornaram mais espertos em evitar os impostos”.

A taxação de super-ricos e o aumento da tributação de multinacionais será uma das propostas levadas pelo governo brasileiro para a reunião de ministros das Finanças e presidentes dos Bancos Centrais dos países do G20, que acontece nesta semana em Washington, EUA. Segundo o Ministério da Fazenda, o ministro Fernando Haddad apresentará nesta quarta-feira (17/04) a ideia, ao lado de representantes do Quênia e do Fundo Monetário Internacional (FMI).

A proposta é a de criar mecanismos internacionais de cooperação tributária e usar um imposto sobre os bilionários para financiar medidas contra a pobreza e as consequências da crise climática. O tema ganhou destaque na reunião do G20 realizada em São Paulo, em fevereiro. O Brasil assumiu a presidência anual do grupo em dezembro de 2023 e estabeleceu entre as prioridades da sua gestão o combate à pobreza e à desigualdade e o desenvolvimento sustentável.

A autora da proposta, Esther Duflo, vencedora do Nobel de Economia de 2019, falará como convidada do governo brasileiro. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, a economista francesa afirmou que cobrar “2% sobre a fortuna dos super-ricos e aumentar a tributação das multinacionais arrecadaria 500 bilhões de dólares por ano, que poderiam ser aplicados em favor dos mais pobres do planeta, maiores vítimas da emergência climática”.

Em 2023, para corrigir distorções internas sobre a tributação de super-ricos, o governo brasileiro publicou uma medida provisória para taxar em 15% rendimentos de fundos exclusivos – investimentos destinados apenas a milionários – e sancionou um projeto de lei para tributar offshores, empresas abertas fora do país de residência, geralmente paraísos fiscais, onde a tributação é reduzida ou inexistente. A previsão inicial do governo é de arrecadar cerca de R$ 20 bilhões neste ano com as medidas.

Sistemas tributários regressivos

O Observatório Fiscal da União Europeia pontua que a globalização abriu, nas últimas décadas, muitas possibilidades de evasão fiscal, exploradas pelas multinacionais e pessoas ricas em todo o mundo. Essa disparidade ameaça o funcionamento da democracia, aprofunda as desigualdades e enfraquece a confiança nas instituições.

O último relatório da instituição, divulgado em outubro de 2023, mostra que os sistemas tributários na maior parte dos países são regressivos, ou seja, os mais ricos pagam uma pequena fração de suas receitas em impostos em comparação com quem ganha menos. No caso dos bilionários, a taxa de imposto efetiva varia de 0 a 0,5% de sua riqueza.

Pelos cálculos da instituição, se fosse cobrado um imposto de 2% sobre a fortuna de cerca de 3.000 bilionários no mundo, seria possível arrecadar 250 bilhões de dólares por ano. Em contrapartida, países em desenvolvimento precisam de 500 bilhões de dólares por ano para combater os efeitos das mudanças climáticas.

Há entre os super-ricos quem defenda uma maior tributação. Em janeiro, durante o Fórum Econômico Mundial de Davos, um grupo de mais de 250 bilionários e milionários divulgou uma carta pedindo que a elite política global aumente os impostos sobre suas fortunas, com o intuito combater as desigualdades e possibilitar melhoras nos serviços públicos às populações em todo o mundo.

“Estamos surpresos que vocês fracassaram em responder a uma simples pergunta que fazemos há três anos: quando vocês vão taxar a riqueza extrema? Se os representantes eleitos nas principais economias do mundo não adotarem medidas para lidar com o aumento dramático da desigualdade econômica, as consequências continuarão a ser catastróficas para a sociedade”, destaca o texto.

Entre os signatários da carta, estão ricos de 17 países. O único brasileiro na lista é João Paulo Pacífico, fundador do grupo de investimentos Gaia.

Já a iniciativa europeia Tributar os Ricos recolhe assinaturas para que a Comissão Europeia crie um imposto europeu sobre grandes fortunas. Os organizadores do projeto, entre eles o economista Thomas Piketty e a herdeira da multinacional BASF, Marlene Engelhorn, defendem que os recursos arrecadados com essa nova contribuição sejam destinados à luta contra as mudanças climáticas e as desigualdades.

IHU-UNISINOS

https://www.ihu.unisinos.br/638582-brasil-quer-emplacar-taxacao-de-super-ricos-no-mundo

Em vitória de Lula, Senado aprova isenção do IR para quem ganha até dois salários mínimos

MST, 40 anos. O que mudou na luta pela terra

“o MST apontou que a existência do agronegócio – e seus vínculos com o Estado – inviabilizavam uma reforma agrária clássica, nos marcos capitalistas, de apenas distribuição ou democratização do acesso à terra. Neste contexto, o MST é provocado a redefinir suas ações estratégicas e seu programa agrário, formulando um novo conceito: a Reforma Agrária Popular”.

Esta é a primeira de três partes do Dossiê Tricontinental sobre a organização política do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, e foi reproduzida por Outras Palavras, 16-04-2024.

Eis o texto.

Em setembro de 1982, 30 trabalhadores rurais e 22 agentes pastorais reuniram-se em Goiânia, na região central do Brasil, em um encontro organizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), um braço da Igreja Católica inspirado pela Teologia da Libertação. Estas poucas lideranças representavam as primeiras ações camponesas após 18 anos de repressão da luta camponesa pela ditadura empresarial-militar, que governou o país por 21 anos (1964-1985).

O cenário era esperançoso. A ditadura definhava diante do fracasso econômico e da retomada de lutas de massas no país, especialmente de um novo movimento sindical que produziria novas lideranças e resultaria na fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), uma vigorosa central sindical sem paralelos na história do Brasil. Contextos semelhantes se observavam em todo o continente latino-americano e caribenho, quando outras ditaduras militares, também alinhadas aos Estados Unidos, agonizavam, enquanto a luta na Nicarágua e em El Salvador despertava as mesmas inspirações que a Revolução Cubana em anos anteriores.

Os camponeses eram ainda uma força dispersa em ações locais num país de proporções continentais, e enfrentavam, além da repressão política, as consequências de uma modernização forçada da agricultura baseada em alta mecanização, uso intensivo de agrotóxicos e subsídios para grandes propriedades rurais, que estimulava o êxodo rural. Ainda assim, desde 1979, surgiam algumas ocupações de grandes propriedades de terra em alguns estados, de forma isolada. Muitas delas contaram com a contribuição e a participação da CPT. A reunião em Goiânia discutia o futuro destas ações e, ao final, indicou a necessidade de construir um movimento nacional e autônomo de camponeses para lutar pela reforma agrária. Foram necessários ainda dois anos até que estas articulações resultassem na fundação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Brasil (MST), em 1984. Este primeiro encontro contou com a presença de 92 lideranças.

Doze anos depois, em 1996, o MST já estava organizado em todas as regiões do país, havia conquistado terra para milhares de famílias, os assentamentos de reforma agrária recebiam o apoio e solidariedade de outras organizações de esquerda brasileiras e internacionais, mas ainda não era considerado uma força relevante na luta política, sendo desconhecido da maior parte da população urbana do país. Naquele ano, no entanto, milhares de camponeses marchavam em direção a Belém, capital do estado do Pará, na região amazônica, exigindo uma audiência com o então governador da época. Porém, durante a caminhada, em Eldorado dos Carajás, eles foram cercados por forças policiais e pistoleiros contratados por grandes empresas da região. À frente dos marchantes estava Oziel Alves, um jovem de 19 anos, com a responsabilidade de manter o ânimo de seus companheiros com palavras de ordem e de motivação. Oziel foi uma das lideranças identificadas pelos policiais e separado do grupo. Antes de ser executado de joelhos, os policiais pediram que ele repetisse, diante das armas, o que dizia há poucos minutos no microfone. Oziel não teve dúvidas, e suas últimas palavras foram: “Viva o MST!”.

Oziel foi um dos 19 mortos no que ficou conhecido como “Massacre de Eldorado dos Carajás”. Os dias seguintes aos assassinatos foram registrados pelo fotógrafo de renome internacional Sebastião Salgado, ganhando repercussão mundial. As imagens, acompanhadas da música do cantor e compositor Chico Buarque de Hollanda, e das palavras do escritor José Saramago, atravessaram o globo em uma exposição chamada Terra.

Mas não foi a tragédia que tornou o MST reconhecido como força política, e sim sua resposta à repressão. No ano seguinte, diante da impunidade dos governos e da paralisia da reforma agrária, o MST decidiu iniciar uma marcha no mês de fevereiro, com 1.300 pessoas, partindo de três pontos do país, e programada para chegar em Brasília, capital federal, no dia 17 de abril, exatamente um ano depois do Massacre de Eldorado dos Carajás. Na época, o Ministro do Desenvolvimento Agrário dizia que a marcha jamais chegaria a Brasília. Entretanto, no dia previsto, os Sem Terra entraram na capital acompanhados por 100 mil pessoas, no que se tornou o maior ato político contra o governo neoliberal do então presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC). A demonstração de força e organização colocou o MST entre os principais protagonistas da luta política no Brasil desde então. [1]

Em 2005, o MST realizou uma nova marcha nacional. Agora, o presidente da República era Luiz Inácio Lula da Silva, um antigo aliado e apoiador da luta pela reforma agrária. A marcha pretendia sensibilizar o governo para as mudanças causadas pela financeirização na agricultura e reivindicar um novo Plano Nacional de Reforma Agrária [2]. Desta vez foram 15 mil marchantes, uma pequena cidade em movimento que erguia suas barracas em um novo lugar do trajeto a cada dia, com cozinhas para alimentar todos os marchantes, banheiros, estrutura para as crianças que acompanhavam seus pais e suas mães e estudos após os dias de caminhada. Para garantir a organização das fileiras, uma rádio transmissora itinerante acompanhava a marcha e era ouvida por 15 mil aparelhos de rádios carregados pelos camponeses. Depois da Marcha, o Exército brasileiro convidou o MST para uma palestra na Escola Superior de Guerra para entender como um movimento popular possuía aquele grau de organização [3].

Ao longo destas quatro décadas de existência, completadas no ano de 2024, o MST alcançou algumas vitórias significativas: 450 mil famílias conquistaram terras, transformadas em assentamentos da reforma agrária. Nestes assentamentos, o trabalho pode ser individual ou cooperativo; um dos resultados foi a criação de 185 cooperativas de produção, de comercialização e prestação de serviços e 1900 associações de camponeses. Parte do produzido nos assentamentos é beneficiado em 120 agroindústrias próprias. Nos acampamentos, há ainda 65 mil famílias organizadas que lutam pela terra [4].

A longevidade do MST é carregada de significados. Em toda a história brasileira, nenhum movimento social camponês conseguiu sobreviver por sequer uma década diante do poder político, econômico e militar dos grandes proprietários de terra. Existem inúmeros componentes para a resiliência do MST, entre eles, a solidariedade internacional e nacional recebida. Há também dimensões produzidas na luta que mereceriam aprofundamento, como a proposta pedagógica da Educação no Movimento, a Formação Política, a organização das mulheres, a produção agroecológica e a organização de cooperativas.

Entre tantas dimensões, o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social escolheu as formas de organização e de luta do MST como tema deste dossiê. Efetivamente, a força de um movimento popular vem da quantidade de pessoas que organiza e do seu método de organização. Esta é uma das principais explicações de como o Movimento Sem Terra resiste e cresce diante de uma correlação de forças tão desigual. E esta experiência, sem pretensões de oferecer fórmulas, mas compreendidas no contexto da luta brasileira, pode contribuir com as reflexões e organizações de outros movimentos populares e camponeses pelo mundo.

A questão agrária no Brasil

O Brasil foi fundado e organizado a partir do século XVI, como uma empresa capitalista, baseada na grande propriedade da terra, no trabalho escravo e na monocultura para exportação. O empreendimento colonial português provocou uma violenta ruptura – pela pólvora e pela cruz – com o modo de vida das sociedades indígenas, introduzindo um conceito que não fazia o menor sentido para estas comunidades: a propriedade dos bens comuns da natureza [5].

Em 1850, diante do iminente fim da escravidão, dos movimentos abolicionistas e rebeliões da população escravizada, o então império brasileiro instituiu a primeira Lei de Terras para impedir que os libertos tivessem acesso à maior fonte de riquezas do país. Por esta Lei, a terra passou a ser também Mercadoria. Mais do que isso, este modelo chamado de Plantation – o latifúndio monocultor para exportação baseado na superexploração do trabalho – será a única constante na história brasileira, independente da soberania (colônia portuguesa ou nação independente), do regime (monarquia ou República) e do sistema de governo (parlamentarista ou presidencial).

E, evidentemente, diante desta contradição, a questão agrária esteve no centro das rebeliões, revoltas e movimentos populares da história do país, desde a resistência indígena, as rebeliões contra a escravidão e comunidades quilombolas aos primeiros movimentos camponeses e sindicais. Também é ilustrativo o papel do Estado na defesa dos interesses de latifundiários e na repressão aos pobres. Enquanto as populações indígenas e escravizadas eram perseguidas e combatidas por milícias particulares, o próprio Exército brasileiro tratou de combater e eliminar os movimentos de Canudos (1897), uma comunidade autogestionada de 25 mil camponeses, e Contestado (1916), uma revolta armada de agricultores para impedir que suas terras fossem tomadas por uma empresa ferroviária estadunidense, e das organizações que lutavam por reforma agrária antes do golpe empresarial-militar de 1964, como as Ligas Camponesas.

Como consequência, o Brasil do século XXI permanece ostentando o posto de segunda maior concentração de terras do planeta, título que defendeu durante todo o século passado, com 42,5% das propriedades sob controle de menos de 1% dos proprietários (DIEESE, 2011). Do outro lado, 4,5 milhões de camponeses são considerados sem-terras [6].

O inimigo de classe dos sem terras é o latifundiário, o grande proprietário de terras e as empresas transnacionais que se apropriam das terras para a produção de commodities. Porém, parte da pressão do movimento popular precisa ser direcionada também ao Estado. A atual Constituição brasileira foi aprovada em 1988, após o fim da ditadura empresarial militar, e como foi construída em um momento de ascensão das lutas de massas populares, incorporou muitos aspectos progressistas em sua redação, inclusive para a reforma agrária. O artigo 184 da Constituição Federal estabelece que as propriedades agrícolas precisam cumprir também uma função social – devem ser produtivas, respeitar os direitos trabalhistas e ambientais. Caso não cumpram estes critérios, podem ser desapropriadas para a reforma agrária pelo Estado, responsável por indenizar o proprietário e assentar as famílias sem terras nestas áreas, que passam a ser propriedade pública.

A natureza do latifúndio, porém, se transformou nas últimas décadas para o modelo agrícola chamado Agronegócio. A grande propriedade improdutiva e arcaica, utilizada como mecanismo de especulação, foi sendo incorporada por volumosos investimentos de capital financeiro internacional, controlando toda a cadeia produtiva rural – desde as sementes à comercialização dos produtos agroindustrializados. Em 2016, 20 grupos estrangeiros controlavam 2,7 milhões de hectares no Brasil (MARTINS, 2020). Este controle acentuou a monocultura para exportação, agora convertida em commodities, produtos primários comercializados em larga escala, com um padrão único global e utilizado como ativo financeiro e especulativo, negociado nas Bolsas de Valores. No Brasil, a produção de apenas cinco culturas – soja, milho, algodão, cana-de-açúcar e a pecuária bovina – ocupavam, em 2021, 86% de toda área agrícola e representam 94% de todo volume e 86% do valor da produção. [7] O agronegócio apoia-se ainda no uso intensivo de agrotóxicos, o que tornou o país no maior consumidor de venenos agrícolas do mundo, com um consumo recorde de 130 mil toneladas em 2023. [8]

Este poder econômico se expressa também no poder político. O agronegócio ocupou cargos ministeriais em todos os governos brasileiros das últimas três décadas. No Congresso Nacional, a Bancada Ruralista, articulação suprapartidária dos parlamentares em defesa dos interesses do setor, reúne 324 deputados federais (61% da Câmara) e 50 senadores (35% do Senado). [9] Força suficiente para impor leis de desregulamentação ambiental e territorial e para submeter o MST a investigações em quatro Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) em duas décadas. Nenhuma outra organização popular na história do Brasil sofreu tantas tentativas de criminalização pelo Parlamento. A primeira delas foi criada no primeiro governo do presidente Lula para obrigar o Poder Executivo a recuar nas relações com o Movimento e impedir a destinação de recursos públicos para a reforma agrária, além de criminalizar a luta pela terra. A última delas, em 2023, tinha objetivos semelhantes, novamente para pressionar um novo governo de Lula, mas teve um efeito reverso. Os parlamentares que conduziam a comissão eram parte do núcleo mais radical do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. O MST, por sua vez, havia ampliado seu reconhecimento público desde as ações de solidariedade na pandemia de covid-19. Desta forma, a CPI não conseguiu apoio político ou midiático, fortaleceu a solidariedade ao Movimento e sequer conseguiu aprovar um relatório final.

Por fim, a hegemonia do agronegócio na sociedade brasileira combina ainda os métodos sofisticados de uma poderosa indústria cultural, da televisão à música, com os métodos arcaicos de violência e repressão. Segundo a pesquisa anual da CPT sobre Violência no Campo, em 2022 foram registradas 2.018 ocorrências de conflitos sociais no campo e 47 assassinatos ligados a questões fundiárias ou ambientais [10].

Em 1995, em seu Terceiro Congresso Nacional, o MST aprovou pela primeira vez seu Programa de Reforma Agrária, em que apresentava sua leitura da luta de classes no campo brasileiro e um conjunto de propostas para transformar a estrutura fundiária brasileira e as condições da vida rural. Em 2015, o Programa foi atualizado com uma importante mudança teórica e estrutural: enquanto os partidos e universidades compreendiam equivocadamente a natureza, e até mesmo saudavam o papel do agronegócio no Brasil, a militância do MST construiu coletivamente uma interpretação que o definia como a presença do capital financeiro transnacional no campo para a produção de commodities. Mais do que isso, o MST apontou que a existência do agronegócio – e seus vínculos com o Estado – inviabilizavam uma reforma agrária clássica, nos marcos capitalistas, de apenas distribuição ou democratização do acesso à terra.

Neste contexto, o MST é provocado a redefinir suas ações estratégicas e seu programa agrário, formulando um novo conceito: a Reforma Agrária Popular. Além da distribuição das áreas para os camponeses, a Reforma Agrária Popular incorpora a necessidade de produzir alimentos saudáveis a toda população, com mudança da matriz tecnológica para a agroecologia e a preservação dos bens comuns da natureza. Esta mudança implica ainda em maior aliança com os trabalhadores urbanos, os maiores beneficiários do acesso a alimentos saudáveis e baratos, pois a Reforma Agrária ultrapassa os interesses dos camponeses para ser apresentada como uma política para toda sociedade, seja pela soberania alimentar, como alternativa de geração de emprego e renda e de combate à catástrofe ambiental.

Notas

[1] Disponível no link.

[2] O Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária foi anunciado pelo primeiro governo civil após a ditadura empresarial-militar em 1985, jamais executado.

[3] Disponível no link.

[4] Disponível no link.

[5] Antes dos portugueses, viviam cerca de 5 milhões de pessoas, divididas em comunidades aldeãs, com domínio comunitário do território, dedicados à caça, pesca, coleta e horticultura. Ver MAESTRI (2005)

[6] Para uma análise mais detalhada da questão agrária no Brasil, ver o nosso Dossiê n.º 27: Disponível no link.

[7] MST. Programa de Reforma Agrária Popular. 2024.

[8] Disponível no link.

[9] Disponível no link.

[10] Disponível no link.

IHU-UNISINOS

https://www.ihu.unisinos.br/638578-mst-40-anos-o-que-mudou-na-luta-pela-terra

Em vitória de Lula, Senado aprova isenção do IR para quem ganha até dois salários mínimos

“Desigualdade no Brasil prejudica também quem não é pobre”. Entrevista com Pedro Fernando Nery

Economista lança livro sobre as desigualdades extremas do país e como todos perdem nesse cenário. Em tom otimista, ele vê parte da burocracia e da classe política buscando formas para enfrentar o problema.

A reportagem é de Edison Veiga, publicada por DW Brasil, 16-04-2024.

“Temos toda a riqueza e toda a pobreza no mundo no Brasil. Esse é o tamanho de nossa desigualdade”. Essa frase está no livro Extremos – Um Mapa para Entender as Desigualdades no Brasil, que o economista Pedro Fernando Nery lançou nesta terça-feira (16/04). De cunho ensaístico, a obra apresenta diversas facetas extremamente desiguais do país, como o lugar mais desenvolvido (o bairro de Pinheiros, em São Paulo) e o menos desenvolvido (o município de Ipixuna, no Amazonas), e as rendas altas do Distrito Federal em contraposição à pobreza do Maranhão.

Servidor federal que atualmente ocupa o posto de diretor de assuntos econômicos e sociais da Vice-Presidência da República, Nery também é professor no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) e já foi consultor legislativo do Senado. A proximidade com as altas esferas do poder faz dele um analista privilegiado. “Acho que dá para trazer uma mensagem de otimismo: vejo muita gente comprometida com a questão da desigualdade, não apenas dentro da burocracia estatal, mas na própria classe política”, diz.

No livro, ele defende a necessidade de amplas reformas para atenuar o problema das desigualdades, elencando como prioritárias a tributária, a administrativa e a previdenciária. “O Brasil tributa muito mal, mas gasta mal também”, avalia o economista.

“Desigualdade significa desperdício”, afirma Nery. “A ideia de que a desigualdade se manifesta de diferentes formas já é bem conhecida, mas uma mensagem importante que quero trazer com meu livro é que a desigualdade prejudica também quem está em cima, também quem não é pobre. Porque ela prejudica o crescimento econômico.”

Pedro Fernando Nery: “O Brasil tributa muito mal, mas gasta mal também”. (Foto: Cicero Bezerra | Companhia das Letras / Divulgação)

Eis a entrevista.

Ao apresentar um panorama das desigualdades brasileiras, você advoga pela necessidade de reformas. Pensando nas três principais delas, como uma reforma tributária precisaria ser feita para diminuir as desigualdades?

Não existe nenhuma justificativa razoável para que os mais ricos paguem menos impostos do que o restante da população. O que a gente está falando não é nem necessariamente uma situação em que os mais ricos paguem mais do que os outros, mas pelo menos que paguem igual [aos outros] ou mais do que pagam hoje. Nossa Constituição, ao determinar que todo mundo é igual perante a lei, exige que o Imposto de Renda seja progressivo, quer dizer, que se cobre mais de quem ganha mais. Na verdade estamos distantes disso. Reformar a tributação de renda se trata somente de fazer cumprir a Constituição. E isso não é um tema novo: o Imposto de Renda é um tema do século 19. Isso não deveria ser polêmico. O próprio ministro [da Economia no governo de Jair BolsonaroPaulo Guedes, no governo anterior, chegou a sintetizar que o Brasil é um país desigual porque a gente tributa errado. Quer dizer: não é possível nem ver em qualquer ponto do espectro político uma defesa aberta do sistema atual.

E a reforma administrativa, como melhorar esse cenário?

O Brasil tributa muito mal, mas gasta mal também. A evidência é que o Estado até desconcentra a desigualdade de renda, mas desconcentra pouco quando a gente olha a comparação com outros países ou o nosso nível de carga tributária. No gasto público, a gente mobiliza uma quantidade enorme de recursos, via tributação, sem que haja uma distribuição efetiva de renda. Então, uma reforma administrativa deve ser pensada nesse sentido, tanto a fim de melhorar os serviços públicos que são essenciais para os mais pobres, como educação e saúde, quanto também de desconcentrar a renda, por exemplo combatendo supersalários e outros excessos.

Por fim, e a reforma da Previdência?

A reforma que já foi feita em 2019 atendeu em parte à situação da desigualdade em relação a esse tema, à medida que não se gasta mais tanto com a parte mais rica do país e há espaço para gastar mais com partes mais pobres. A reforma afeta mais áreas prósperas, como partes do Rio Grande do Sul, enquanto o gasto assistencial, como Bolsa Família, chega melhor em partes mais pobres, no Rio Grande do Norte, por exemplo. Esses são dois extremos no que diz respeito à apropriação do gasto público. E é plausível que esse tema continue com a gente por um bom tempo, por um bom motivo: a elevação da expectativa de vida dos idosos. No mundo todo há uma preocupação com esse processo, porque ele pode absorver uma quantidade crescente de recursos públicos que poderiam estar indo para famílias mais pobres, como as famílias com crianças que têm inserção mínima no mercado de trabalho. A Previdência, em um país como o Brasil, é um tipo de benefício mais voltado para famílias com inserção melhor no mercado de trabalho, menos vulneráveis, tipicamente mais brancas e mais bem posicionadas na distribuição de renda.

Você atua próximo à cúpula do poder no Brasil. Como tem percebido a recepção a essas ideias pelas autoridades que “têm a caneta na mão” para fazer alguma coisa?

Tenho experiência como servidor federal e acho que dá para trazer uma mensagem de otimismo: vejo muita gente comprometida com a questão da desigualdade, não apenas dentro da burocracia estatal, mas na própria classe política. Acho que muito do que não funciona bem no Brasil vem da letargia, de algum erro, de incompetências do passado, e não necessariamente de lobby e forças ocultas agindo para manter o status quo. Existe muita vontade de acertar. É claro que o processo decisório é muito congestionado e existem muitas demandas e exigências, mas reitero que a vontade de acertar existe. Existe espaço para ação e o engajamento não é só dentro do Estado, mas fora dele. Muita coisa melhora no Brasil com gente bem-intencionada.

Nos primeiros governos de Lula e nos de Dilma houve críticas por eles não terem atuado de forma decisiva na redução da desigualdade por meio de reformas tributárias, apesar de sua orientação à esquerda. Isso mudou no atual governo?

É verdade, embora seja também verdade que não havia [naquele período] tanta clareza sobre o problema da concentração de renda no topo, porque ainda havia naquele período muita opacidade em relação aos dados do Imposto de Renda. Seja como for, vejo que neste século a gente observou uma queda da desigualdade muito importante, tanto no consumo quanto no acesso a serviços como educação e saúde. Agora, incluir o pobre no orçamento e o rico no Imposto de Renda é um compromisso claro do presidente Lula no novo governo.

E como estão os ânimos do Congresso quanto a esse tema?

Alguns analistas têm dúvidas de que a atual composição do Parlamento permita isso [avançar em reformas]. Mas a tributação da renda já foi discutida no governo Bolsonaro, ainda que de forma insatisfatória, e esse Congresso já aprovou mudanças neste novo governo, nos fundos fechados, nas offshores, na questão dos juros sobre o capital próprio. São medidas que incluem o rico no Imposto de Renda. Claro que fica faltando uma reforma mais ampla, incluindo lucros e dividendos, mas o próprio Congresso já aprovou a determinação para que o governo envie uma proposta de tributação da renda… Então acho que existe espaço para buscar uma construção, sim, e a mobilização da sociedade importa. Espero que, com meu livro, eu consiga trazer uma mensagem não só de inconformismo para uma realidade tão dura, mas também de otimismo diante das possibilidades de mudança.

É corrente o discurso de que a desigualdade é o maior problema do país. De que forma essa questão, histórica e estrutural, acaba impactando em todas as áreas?

Desigualdade significa desperdício. A ideia de que a desigualdade se manifesta de diferentes formas já é bem conhecida, mas uma mensagem importante que quero trazer com meu livro é que a desigualdade prejudica também quem está em cima, também quem não é pobre. Porque ela prejudica o crescimento econômico. Quando os recursos da sociedade estão desorganizados, como no Brasil, todo mundo perde.

A gente pode imaginar uma menina inteligente, que tem vocação para ser uma pessoa determinada, aguerrida, mas que nasce em uma família pobre. Ela vai ter uma primeira infância exposta a violência, a estresse, a doenças, a desnutrição, sem desenvolver todo o potencial do seu cérebro. Vai ter dificuldades para estudar, seja porque o sistema educacional não é o ideal, seja porque o transporte público é ruim, ou porque ela mora em uma habitação precária. Se ela tivesse nascido em uma família rica ou de classe média, poderia se tornar, por exemplo, uma grande médica. Por conta de todas as dificuldades que a vida lhe impôs ela não conseguiu chegar nem perto disso. E todos perdem. Todos poderiam ser pacientes de uma grande profissional. E a gente poderia fazer o mesmo exercício para uma cientista, uma inventora, uma programadora, uma artista. Se a gente aplica esse raciocínio a milhões de crianças, fica claro como nós perdemos. Essas pessoas que não se desenvolvem como deveriam poderiam estar nos ajudando em diversos problemas. Isso é a desigualdade afetando o PIB.

IHU-UNISINOS

https://www.ihu.unisinos.br/638554-desigualdade-no-brasil-prejudica-tambem-quem-nao-e-pobre-entrevista-com-pedro-fernando-nery

Em vitória de Lula, Senado aprova isenção do IR para quem ganha até dois salários mínimos

Assédio eleitoral no ambiente de trabalho – Dano moral coletivo

Orlando José de Almeida

Discussões sobre atos ofensivos por empregadores, especialmente manifestações políticas, ganham destaque na Justiça do Trabalho. Um caso recente julgado pelo TST envolveu ação coletiva de um sindicato contra empresas por posicionamento político.

As discussões envolvendo a prática de determinados atos pelos empregadores e se os mesmos são considerados ofensivos, cada vez se tornam mais comuns, merecendo destaque para aqueles levados à apreciação da Justiça do Trabalho.

Nesse contexto, algumas controvérsias, relativamente às manifestações com cunho político tem chamado a atenção, como é a hipótese daquelas que deram origem ao julgamento proferido pela 2ª turma do TST, nos autos 10460-31.2016.5.15.0038, cujo acórdão foi publicado no dia 18/3 do ano em curso.

Logo de plano, vale enfatizar que a Constituição Federal estabelece no art. 5º, inciso X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.  E o art. 186, do Código Civil, consagra que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

No caso em análise, foi ajuizada uma Ação Coletiva por Sindicato contra algumas empresas, vinculadas entre si, sendo que em sentença da lavra do MM juiz da 5ª vara do Trabalho de Campinas, foi reconhecido que apesar do “esforço da preposta da primeira reclamada em dizer “que não era protesto contra o governo”, tenho que tal postura reflete uma lamentável tentativa de distorcer o óbvio. Todas as reportagens colacionadas à inicial mostram que a rede das rés “se posicionou a favor das manifestações contra o governo federal e a corrupção”, no entanto, foi reconhecido que “a adoção de tal viés político pela empresa, naquele momento específico de crise, não foi ilegal”.

Posteriormente, o TRT da 15ª região, ao apreciar o Recurso que fora manejado, asseverou que “o conjunto probatório constante nos autos, em especial os documentos de ID 3a7c1df e 207c3f8, revela que, de fato, houve manifestação de cunho político das empresas a favor das manifestações contra o Governo Federal e a corrupção” e, adiante, destacou trecho da decisão de primeiro grau, onde foi indicado que “é absolutamente legítimo o posicionamento político institucional, inclusive como mote de ações de divulgação e marketing” e, consequentemente, foi confirmada a decisão prolatada na origem.

Por outro lado, os ministros da 2ª turma do TST, de forma unânime, conheceram do Recurso de Revista interposto pelo Sindicato e derem provimento ao apelo para condenar as Rés, solidariamente, ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no importe de R$ 300.000,00, a ser revertida ao FAT.

Na ementa do acórdão consta que “a figura do assédio eleitoral no ambiente de trabalho pode ser definida como o abuso de poder patronal, por meio de coação, intimidação, ameaça ou constrangimento, com o objetivo de influenciar ou mesmo impedir o voto dos trabalhadores. Assim, a interferência do empregador na liberdade de orientação política do empregado contraria a configuração do Estado Democrático de Direito de que trata o art. 1.º da Constituição Federal, que tem como fundamentos, entre outros, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político (incisos III e V), configurando prática de ato ilícito trabalhista”, sendo que na sequência restou afirmando que “no caso concreto, ao contrário do que entenderam as instâncias ordinárias, a campanha ostensiva de cunho político-partidário por parte das rés no ambiente de trabalho implicou abuso do poder diretivo empresarial. O fato de não restar “comprovada qualquer imposição de convicções políticas por parte dos reclamados aos trabalhadores” não é suficiente a afastar a ingerência das rés sobre o direito de escolha dos empregados. Por certo, a conduta do empregador, ainda que não tenha obrigado os empregados a usarem broches, acessórios e/ou cartazes, impôs a eles a participação na campanha, cerceando-lhes o direito à livre manifestação de pensamento e ideologia política. O poder diretivo do empregador não contempla a imposição de convicções políticas. É preciso reconhecer nos dias atuais práticas, nem sempre deliberadas, que remontam ao “voto de cabresto”, tão comum na chamada República Velha, para rechaçá-las de forma veemente e conferir efetividade à democracia e ao sistema eleitoral brasileiro. Ao entender que “é absolutamente legítimo o posicionamento político institucional, inclusive como mote de ações de divulgação e marketing”, o Tribunal Regional adota entendimento que vai de encontro às políticas públicas voltadas à erradicação de práticas antidemocráticas.”

Além de outras normas, quando do julgamento, foram analisados os incisos VI e VIII, do art. 5º, da Constituição.

Os citados dispositivos consagram que é “inviolável a liberdade de consciência” e que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”.

Os julgadores chamaram a atenção para o fato de que a Convenção 111, da OIT – Organização Internacional do Trabalho, define em seu art. 1º, o termo “discriminação” como “toda distinção, exclusão ou preferência, com base em raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social, que tenha por efeito anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou de tratamento no emprego ou profissão”.

Não menos relevante é a lembrança do disposto no acordo de Cooperação Técnica celebrado em 16/5/23 entre o TSE e o Ministério Público do Trabalho. No instrumento o assédio eleitoral é definido como “qualquer ato que represente uma conduta abusiva por parte das empregadoras e dos empregadores que atente contra a dignidade do trabalhador, submetendo-o a constrangimentos e humilhações, com a finalidade de obter o engajamento objetivo da vítima em relação a determinadas práticas ou comportamentos de natureza política durante o pleito eleitoral, caracterizando ilegítima interferência nas orientações pessoais, políticas, filosóficas ou eleitorais das trabalhadoras e dos trabalhadores”.

O que pode ser observado, notadamente a partir do mencionado processo, que a matéria é controvertida e certamente suscitará outros questionamentos e divergentes posicionamentos.

O certo é que para configurar o dano moral coletivo, a conduta antijurídica deve ultrapassar os limites do individualismo, atingindo determinado grupo de pessoas, gerando o dever de reparação.

Apesar da profundidade da análise realizada na fundamentação, ao que nos parece,  houve considerável rigor no julgamento prolatado pela C. Turma do TST, ao reconhecer como ilícitas as condutas das empresas Reclamadas.

É que, como bem pontuado pelo julgador em primeiro grau, “partindo da premissa de que vivemos em um Estado Democrático de Direito, onde as pessoas jurídicas também têm direitos fundamentais atrelados à liberdade de expressão (art. 5º, e inciso IX da CRFB), é absolutamente legítimo o posicionamento político institucional, inclusive como mote de ações de divulgação e marketing. A livre iniciativa, como fundamento da república (art. 1º, IV da CRFB), ratifica esta possibilidade.”

E, prosseguiu aduzindo que “é natural, também, que tais direitos fundamentais das rés encontrem limites e restrições, principalmente naquilo em que pode colidir com outros direitos fundamentais, por exemplo, dos empregados que lhes são vinculados. Neste ponto, as empresas estariam abusando de suas liberdades, se impusessem aos seus empregados o uso obrigatório de emblemas partidários (em broches ou uniformes), ou mesmo a panfletagem partidária perante clientes. Nada disso, contudo, foi comprovado nos autos.”

O direito à liberdade de expressão, consagrado na Constituição da República – art. 5º, inciso   IX -, pode e deve ser manifestado, desde que de forma razoável, naturalmente sem constrangimento, ofensa ou com a intenção de direcionar o posicionamento político de cada indivíduo, tal como ponderado na sentença originária.

Mas para minimizar o risco de dissabores, como os acima citados, levados à apreciação do Judiciário, recomendamos a adoção de condutas ou regulamentos claros nas organizações, de modo a inibir a interferência na orientação política dos empregados, evitando-se atitudes que podem caracterizar o denominado assédio eleitoral no ambiente de trabalho.

Orlando José de Almeida
Sócio do escritório Homero Costa Advogados.

Migalhas: https://www.migalhas.com.br/depeso/405633/assedio-eleitoral-no-ambiente-de-trabalho–dano-moral-coletivo

Em vitória de Lula, Senado aprova isenção do IR para quem ganha até dois salários mínimos

Negociado sobre o legislado – Tema 1.046 do STF e sua aplicação pelo TST

Douglas Uenohara

O artigo discute o uso do Tema 1.046 do STF na preferência do negociado sobre o legislado pela mais alta corte trabalhista do Brasil, com mais de 50 mil processos suspensos. Essa temática é crucial, dada a complexidade das negociações coletivas e a insegurança jurídica resultante.

O presente artigo aborda, em breves linhas, como a mais alta corte trabalhista do país tem aplicado o Tema 1.046 do STF na análise de controvérsias que envolvem a prevalência do negociado sobre o legislado. Segundo dados do CNJ, havia 50.346 processos suspensos quando da fixação do Tema 1.046 pelo STF, ocorrido em junho/22.

Embora esse número seja expressivo, ele não reflete a extrema relevância dessa temática. Basta tomar por base a informação de que o Brasil possui mais de 100 milhões de trabalhadores ocupados, os quais são representados por um dos mais de 10 mil sindicatos profissionais existentes no país.

Como regra, cada um dos sindicatos profissionais negocia Convenções Coletivas de Trabalho com sindicatos patronais ou Acordos Coletivos de Trabalho com empregadores estabelecendo regras e condições específicas, não previstas na legislação trabalhista vigente.

Nesse contexto, forma-se um enorme conglomerado normativo que regula a relação mantida entre empregados e empregadores e que, não raras vezes, quando levado à análise pelo Poder Judiciário, gera provimentos judiciais distintos para uma mesma situação jurídica. Por conseguinte, perpetua-se um cenário de insegurança jurídica para todas as partes envolvidas na negociação coletiva (empregados, empregadores e sindicatos).

Feitos esses esclarecimentos preliminares, passamos à análise do tema que consagrou a prevalência do negociado sobre o legislado em matéria trabalhista. Eis o seu teor:

“São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis.”

Referida manifestação do STF parece corroborar, de forma reiterada (com o perdão do pleonasmo), a relevância da autonomia negocial coletiva no âmbito do Direito do Trabalho.

Diga-se corroborar, pois referido instituto já se encontrava presente na Constituição Federal, mais especificamente nos arts. 7º, VI, XIII, XIV e XXVI que, em linhas gerais, conferem à negociação coletiva o poder de decidir as melhores condições aos

trabalhadores, em cada caso concreto, ainda que isso resulte em contrariedade à regra geral aplicável.

E, diga-se de forma reiterada, pois a Reforma Trabalhista (lei 13.467/17) já havia introduzido o art. 611-A à CLT, o qual fixa a prevalência das normas coletivas sobre a lei. Parece, assim, que coube ao STF ratificar (como se necessário fosse) a mens legis no sentido de privilegiar a autonomia negocial coletiva.

Parece, também, não ser exagero afirmar que a fixação do Tema 1.046 não foi apenas paradigmática, mas necessária e extremamente positiva às relações de trabalho. Paradigmática, porquanto fixou os direitos absolutamente indisponíveis como limite das negociações coletivas que restringem ou afastam direitos trabalhistas, e afastou a necessidade de indicação de vantagens compensatórias no âmbito da negociação coletiva.

Necessária, na medida em que seus efeitos são vinculantes (já que proferida em sede de repercussão geral), mitigando a insegurança jurídica e a desconfiança por parte de empregadores na celebração de normas coletivas ao reduzir a subjetividade do julgador acerca da legalidade da negociação coletiva, em cada caso concreto.

Positiva, pois consagra a importância da negociação e da autonomia privada coletiva, há muito instituída pelo legislador constituinte, estimulando e fomentando a discussão entre os principais partícipes nas relações trabalhistas (empregados, empregadores e entidades sindicais).

Dito isso, e passados quase dois anos da edição do Tema 1.046, passamos a abordar, sucintamente, como o TST tem aplicado referido tema em matérias cuja negociação coletiva não costumava prevalecer.

Deixamos, assim, de adentrar em discussões relevantes, como o conceito de direito absolutamente indisponível, a acurácia dos exemplos trazidos no voto do Relator no ARE 1121633 e a ausência de modulação dos efeitos da decisão, para nos concentrar nas principais matérias recentemente avaliadas pelo TST, que refletem uma mudança de posicionamento do Tribunal em razão da aplicação do Tema 1.046, e podem fomentar a adoção de ações específicas por empregadores:

1. Entendimentos sumulados pelo TST:

§ Súmula 451 do TST – Pagamento proporcional de PLR

A Súmula 451 dispõe que o empregado cujo contrato de trabalho foi rescindido antes do pagamento da PLR tem direito ao seu recebimento, de forma proporcional, e que a exclusão desse direito do trabalhador mediante acordo coletivo ou política interna viola o princípio da isonomia.

Com base nessa súmula, o TST anulava cláusulas de programas de PLR, ainda que aprovados via norma coletiva, que excluíam da elegibilidade ao recebimento da PLR empregados com contrato de trabalho rescindindo no curso de seu período de apuração.

O que se observa após a decisão do STF é que o TST tem se inclinado no sentido de reconhecer a superação do entendimento da súmula 451, assegurando, por conseguinte, a prevalência das normas coletivas (acordo ou convenção coletiva) que excluem do rol de elegíveis à PLR os empregados desligados antes da data prevista para o seu pagamento.

Assim, a instituição, em norma coletiva, de regra limitando a elegibilidade à PLR somente aos empregados com contrato de trabalho vigente na data de pagamento da parcela confere mais segurança às empresas após a edição do Tema 1.046, especialmente em razão dos impactos financeiros oriundos da anulação desse tipo de cláusula.

Vale destacar que a segurança mencionada decorre apenas da negociação de PLR via norma coletiva, e não de programa de PLR instituído por comissão paritária. Isso porque, nesta última hipótese, a PLR não estará amparada em Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho, afastando-se, como consequência, da aplicação do Tema 1.046.

Ademais, a segurança da norma coletiva dependerá da fixação de regras claras sobre o direito (ou não) do empregado desligado ao recebimento da parcela.

§ Súmula 423 do TST – Jornada de trabalho superior a 8 horas em turnos ininterruptos de revezamento

A redação da Súmula 423 do TST, editada antes do Tema 1.046, limita a jornada regular máxima em turnos ininterruptos de revezamento em 8 horas de trabalho, desde que autorizada em norma coletiva, e em 6 horas diárias quando ausente negociação coletiva.

Vale lembrar que a jurisprudência trabalhista também sedimentou entendimento que amplia o conceito de turnos ininterruptos, bastando para a sua configuração que o empregado se ative em apenas dois turnos (diurno e noturno), e não havendo a necessidade de funcionamento ininterrupto da empresa.

Contudo, decisões recentes proferidas pelo TST têm afastado a aplicação desse entendimento e validado jornadas superiores a 8 horas, em turnos ininterruptos, fixadas em acordo ou convenção coletiva de trabalho. Por se tratar de tema afeto à jornada de trabalho (ou seja, cuja recorrência é diária e sucessiva e que atinge uma coletividade de trabalhadores), nunca é demais destacar que a anulação desse tipo de jornada tem potencial de impacto financeiro e prático extremamente nocivo aos empregadores.

Por isso, as decisões que conferem validade às negociações coletivas em jornadas superiores a 8 horas em turnos ininterruptos devem ser celebradas.

Evidentemente, essa validade depende da adequada atuação pelo sindicato profissional que, no exercício constitucional de representação dos trabalhadores, deve realizar detida análise acerca da razoabilidade das jornadas propostas e das contrapartidas ofertadas pelas empresas, com intuito de celebrar norma coletiva que favoreça o interesse de todas as partes, o que é inerente ao próprio processo de negociação coletiva.

2. Jornada de trabalho

§Jornada 12 x 36 em ambiente insalubre sem autorização prévia do MTE

Antes da Reforma Trabalhista (lei 13.467/17), em vigor desde 11.11.2017, a adoção da jornada 12 x 36 em ambiente insalubre demandava autorização prévia do MTE.

Nessa linha, o entendimento predominante dos Tribunais Trabalhistas era de que a obrigatoriedade de obtenção da referida autorização não poderia ser afastada por norma coletiva. Contudo, esse entendimento tem sido superado no TST, que passou a permitir a substituição da autorização da autoridade ministerial pela negociação com o sindicato profissional.

Nesse cenário, o sindicato profissional assume o papel da autoridade governamental na avaliação das condições de saúde mais adequadas aos seus representados.

Reforça-se, com isso, a importância da atuação dos sindicatos profissionais no exercício da defesa dos trabalhadores tal como lhes foi outorgado pela Carta Magna.

§Compensação de jornada – jornada de 12 horas não seguida por 36 horas de descanso

O entendimento até então predominante no TST consignava a invalidade de norma coletiva que permite o desempenho, pelo empregado, de jornada de 12 horas em escalas 4 x 2 e 2 x 2. Isto é, jornadas nas quais o turno de 12 horas de trabalho não sempre é seguido de 36 horas de descanso.

Em decisões recentes, no entanto, o TST tem reconhecido a prevalência das normas coletivas que autorizam a adoção da jornada de 12 horas não seguidas de 36 horas de descanso, validando, assim, as escalas em 4 x 2 e 2 x 2 em jornada de 12 horas de trabalho.

Privilegia-se, assim, um período maior de descanso aos trabalhadores (dois dias seguidos), o que, usualmente, é uma demanda dos próprios empregados que se ativam em jornada 12 X 36.

§Banco de horas – desconto de horas negativas

O desconto salarial decorrente de horas negativas na liquidação do banco de horas ou quando da rescisão contratual sempre se tratou de tema controverso nos Tribunais Trabalhistas.

Entretanto, é possível notar que o TST tem validado a incidência desse desconto quando expressamente previsto em norma coletiva, justamente por não se tratar de direito indisponível dos trabalhadores.

Embora pareça se tratar de tema ordinário, a validação dessa prática pelo TST desestimula o acúmulo de saldo negativo de horas de trabalho pelos empregados e confere aos empregadores a segurança jurídica esperada para a imposição dos descontos salariais, caso necessário.

Há diversas outras matérias em que o tema 1.046 tem sido aplicado pelo STF e que valem acompanhamento como a delimitação de cargos isentos do controle de jornada, as horas in itinere e os minutos que antecedem e sucedem a jornada de trabalho, para citar alguns.

É possível, assim, que haja uma revisão da jurisprudência consolidada nos Tribunais Trabalhistas, inclusive mediante a readequação de Súmulas e Orientações Jurisprudenciais vigentes.

Espera-se, também, um maior incentivo às negociações coletivas e a ocupação de posição de destaque pelas entidades sindicais em decorrência da maior flexibilidade e relevância conferida aos ajustes entabulados por meio de acordos e convenções coletivas.

Destaca-se, ainda, a possibilidade de análise no âmbito contencioso judicial em busca de oportunidades de discussões em processos em curso (fase de conhecimento, recursal ou de execução) ou, eventualmente já encerrados por meio de Ação Rescisória.

Na esfera contenciosa administrativa, podem ser avaliadas ações revisionais para readequação de obrigações assumidas perante o MPT em TACs – Termos de Ajustamento de Conduta e ações anulatórias contra autuações lavradas pelo MTE, conforme as particularidades de cada caso.

A principal expectativa, assim, e por fim, é de que a aplicação recorrente do Tema 1.046 pelo TST, tal como tem ocorrido, restabeleça a confiança da sociedade na eficácia das normas coletivas, na segurança jurídica das negociações estabelecidas com entidades sindicais, e contribua para a tão necessária redução de litígios.

Douglas Uenohara
Sócio de área do Pipek Advogados.

Pipek Advogados

Migalhas: https://www.migalhas.com.br/depeso/405661/negociado-sobre-o-legislado–tema-1-046-do-stf-e-sua-aplicacao-tst