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Pejotização ameaça conquistas da CLT e fragiliza proteção social

Pejotização ameaça conquistas da CLT e fragiliza proteção social

Juristas e economistas apontam que o avanço da pejotização, intensificado após a Reforma Trabalhista de 2017, reduz direitos, enfraquece a Previdência e estimula fraudes nas relações de trabalho

Especialistas em Direito do Trabalho e economia voltam a criticar o avanço da chamada pejotização — prática em que empregados são transformados em PJ (pessoas jurídicas) para reduzir encargos trabalhistas.

Durante seminário do Cedes (Centro de Estudos e Debates Estratégicos) da Câmara dos Deputados, nesta terça-feira (28), eles defenderam medidas urgentes para conter o fenômeno, que ameaça a estrutura de proteção social e a arrecadação de fundos como o FGTS e a Previdência Social.

Segundo o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), o desafio é encontrar ponto de equilíbrio entre a flexibilidade econômica e a proteção ao trabalhador.

“O avanço tecnológico e a globalização ampliaram as possibilidades de inserção no mercado, mas impõem a necessidade de preservar um mínimo de segurança social”, afirmou Motta.

Trabalho por aplicativo
Ele lembrou que a Câmara analisa o PLP 108/21, do Senado, que atualiza os limites de renda para MEI (microempreendedores individuais), e criou comissão especial para discutir o trabalho por aplicativo — PLP 12/24 — do Poder Executivo.

E ainda PLP 152/25, do deputado Luiz Gastão (PSD-CE), que também propõe garantir direitos como remuneração mínima, contribuição para o INSS, e regras de jornada e de segurança.

O objetivo de ambos os projetos de lei é criar legislação que equilibre a inovação tecnológica com a proteção social e trabalhista desses profissionais.

Efeitos da contrarreforma de 2017

A pejotização ganhou força após a Reforma Trabalhista de 2017, que flexibilizou regras da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e ampliou brechas para contratações precárias.

Desde então, o número de pessoas jurídicas cresceu 56%, enquanto o de empregados formais aumentou apenas 10%, segundo estudo apresentado pelo professor Nelson Marconi, da FGV (Fundação Getulio Vargas), com base em dados do IBGE.

Para o deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA), presidente do Cedes, o fenômeno já causou perda de R$ 109 bilhões em arrecadação entre 2022 e julho de 2025. “Estamos diante de uma corrosão silenciosa do sistema previdenciário e do próprio conceito de trabalho protegido”, alertou.

Fraude disfarçada de empreendedorismo

O ministro do TST (Tribunal Superior do Trabalho), Augusto César de Carvalho, afirmou que a pejotização não se confunde com o MEI ou com o regime do Simples Nacional, mas se caracteriza como fraude quando há subordinação disfarçada.

“Quando o empregado vira empresa apenas para reduzir custos, estamos diante de um golpe contra a legislação trabalhista”, disse o magistrado.

Ele destacou a importância do PL 1.675/25, em tramitação no Senado, que busca coibir esse tipo de fraude.

O ministro também demonstrou preocupação com a análise do tema pelo STF (Supremo Tribunal Federal) — atualmente, todos os processos sobre pejotização estão suspensos por decisão do ministro Gilmar Mendes, até que o plenário da Corte fixe entendimento definitivo.

Risco de desmonte do sistema trabalhista

O procurador Paulo Vieira, do MPT (Ministério Público do Trabalho), alertou que a pejotização deixou de ser um fenômeno restrito a profissionais de alta renda e agora atinge trabalhadores comuns, inclusive de baixa qualificação.

“Se o STF liberar a pejotização de forma ampla, será o início do fim da proteção ao trabalho humano no Brasil”, advertiu.

DIAP

https://diap.org.br/index.php/noticias/noticias/92508-pejotizacao-ameaca-conquistas-da-clt-e-fragiliza-protecao-social

Pejotização ameaça conquistas da CLT e fragiliza proteção social

Semana de quatro dias: pesquisa da UFF analisa o experimento brasileiro que repensa a jornada de trabalho

Com as transformações profundas no mundo do trabalho, incluindo o debate público sobre o fim da escala 6×1 no Brasil, um experimento inédito vem desafiando o modelo tradicional de jornada: o 4 Day Week Brazil. Inspirado em iniciativas internacionais, o programa propõe que empresas adotem uma semana de quatro dias, com 100% do salário e 80% do tempo de trabalho, mantendo a produtividade integral.

Na Universidade Federal Fluminense (UFF), a pesquisa de mestrado em administração intitulada “Motivações, paradoxo e ressignificação do trabalho nas experiências brasileiras da semana de quatro dias”, conduzida por Alexssandro Moreira Tavares sob orientação do professor Bruno Chapadeiro Ribeiro, investigou como empresas brasileiras estão vivenciando essa mudança. O estudo foi realizado como parte de uma parceria entre a Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP) e a UFF, em acordo de cooperação técnica.

O experimento 4 Day Week Brazil já reúne dezenas de organizações que buscam equilibrar bem-estar, desempenho e testar se é possível reduzir o tempo de trabalho sem comprometer resultados. A experiência, conduzida em empresas de diversos setores, avalia se é viável reduzir a jornada e, ao mesmo tempo, preservar o desempenho.

“A iniciativa contribui para o debate sobre a revisão da jornada legal no Brasil. Sua adoção por organizações privadas demonstra que a discussão também passa a integrar as agendas de gestão. Diante das transformações nas formas de trabalhar e da atuação de movimentos sociais que contestam a lógica da disponibilidade infinita, a proposta da semana de quatro dias se insere em um movimento mais amplo de ressignificação do trabalho e do tempo livre”, comenta Tavares.

Mais do que uma mudança na agenda corporativa, o projeto coloca em foco o sentido do trabalho, a valorização do tempo livre e os limites da cultura da produtividade em um país ainda marcado por longas jornadas e pela escala 6×1. Nesse contexto, a iniciativa amplia o debate sobre o descanso como dimensão legítima da vida social e da organização do trabalho.

“Além disso, as iniciativas legislativas em tramitação no Congresso Nacional sobre o tema, podem impulsionar a redução da jornada de trabalho como uma resposta multifacetada aos desafios contemporâneos do mercado de trabalho. Isso reflete uma tendência global em direção a um equilíbrio melhor entre vida profissional e pessoal, e também uma medida para impulsionar a economia, aumentar a produtividade e combater o desemprego estrutural.”, complementa o pesquisador.

O experimento 4 Day Week Brazil: motivações, desafios e resultados da jornada de quatro dias

A partir de 21 entrevistas com gestores de empresas que testaram o modelo, a pesquisa de mestrado revelou que a adoção da semana de quatro dias combina objetivos organizacionais e preocupações com a qualidade de vida dos trabalhadores. Entre as principais motivações estão o aumento da produtividade, a valorização da saúde mental, a atração e retenção de talentos e o fortalecimento da imagem institucional.

Foto: Site 4 Day Week Brazil

Segundo Tavares, “a decisão de aderir ao 4 Day Week Brazil foi guiada por múltiplos fatores que articulam desempenho e bem-estar. As empresas aderentes ao programa buscaram equilibrar eficiência e qualidade de vida, sem abdicar da competitividade.”

Embora o projeto tenha sido concebido com abrangência nacional e amplamente divulgado em todo o território brasileiro, as organizações participantes do programa piloto ficaram concentradas na região Sudeste. O modelo apresentou maior adesão em organizações de pequeno e médio porte, com estruturas menos hierarquizadas, em áreas em que já predominam práticas orientadas a resultados e maior autonomia na gestão do tempo, que juntas corresponderam a mais de 47% das organizações participantes.

Muitas dessas empresas já adotavam modalidades flexíveis, como home office ou regime híbrido, o que facilitou a transição para a jornada reduzida. Esse perfil indica que o experimento se concentrou em organizações inovadoras e voltadas ao bem-estar, mais dispostas a testar novos formatos de trabalho. Em contraste, setores com forte controle da jornada — como indústria, comércio e serviços essenciais — enfrentam maiores obstáculos para implementar o modelo sem alterações estruturais profundas.

Os segmentos de tecnologia, consultoria, inovação, comunicação e mídia, juntos, corresponderam a quase metade das empresas participantes. Também houve presença de empresas de design, arquitetura e serviços especializados — todos integrantes da chamada “indústria criativa”, ou economia do conhecimento, em que flexibilidade e autonomia são valores centrais. Uma exceção foi uma empresa do ramo alimentício, que aplicou a redução apenas ao setor administrativo, devido ao alto custo de estender a medida às áreas operacionais.

Outro ponto observado foi o regime de contratação: parte das empresas utiliza vínculos via pessoa jurídica (PJ), por opção dos próprios trabalhadores, que buscam maior retorno financeiro. Ainda assim, algumas oferecem benefícios semelhantes aos do regime CLT, como previdência e férias remuneradas, o que reflete numa gestão flexível.

De modo geral, os gestores relataram ganhos em produtividade e engajamento, além de melhorias no clima organizacional. As entrevistas apontam que a redução da jornada está associada a menor estresse, melhor equilíbrio entre vida pessoal e profissional e valorização da saúde mental. Em alguns casos, o novo formato também reforçou a retenção de talentos e a atratividade da marca empregadora.

Para o pesquisador, “a redução da jornada foi interpretada não como um benefício isolado, mas como parte de uma estratégia de reorganização do trabalho. As empresas perceberam que é possível alcançar bons resultados, desde que haja gestão e confiança.”

Apesar dos avanços, entre os desafios externos estão a resistência de clientes e conselhos administrativos, além de barreiras culturais. Seguindo a predominância da pesquisa, nas regiões Sul e Sudeste ainda prevalece a ideia de que a busca por equilíbrio entre vida pessoal e profissional indica falta de comprometimento.

Também persistem dúvidas sobre os impactos econômicos e ideológicos da proposta. Internamente, os principais obstáculos envolvem reorganizar o trabalho para manter a produtividade em menos tempo, sem sobrecarga. A otimização das tarefas pode reduzir espaços de convivência, das trocas e alterar a dinâmica social no ambiente de trabalho. Um dos gestores resumiu o desafio: “Não se trata de trabalhar mais em quatro dias, mas de trabalhar melhor.”

Embora os resultados sejam amplamente positivos, o pesquisador ressalta que o modelo ainda opera sob a lógica da eficiência. “A maioria das empresas espera manter ou ampliar o desempenho sem aumentar custos, ou força de trabalho. Assim, a semana de quatro dias é vista como um benefício condicionado à produtividade, e não como uma ruptura com o produtivismo”, explica. Segundo Chapadeiro, orientador da pesquisa: “tal iniciativa está mais vinculado às políticas de benefícios típicas dos RHs do que atrelado à um direito social, o que denota uma fragilidade da iniciativa”.

Tavares acrescenta  que essa contradição é central: “O grande desafio é promover o bem-estar sem romper com a cultura da eficiência. O modelo nasceu como proposta de equilíbrio, mas ainda depende de resultados concretos para se legitimar nas empresas brasileiras.”

Mesmo assim, os dados apontam avanços consistentes em engajamento, motivação e satisfação profissional, sinais de que a reorganização do tempo de trabalho pode gerar valor tanto humano quanto econômico.

Valorização do tempo livre como desenvolvimento humano

A adesão de empresas privadas ao experimento 4 Day Week Brazil mostra que o debate sobre a jornada de trabalho, ainda que ancorado em lógicas gerenciais, começa a tensionar os limites da legislação vigente, resultado de contextos históricos e disputas políticas que moldaram as questões trabalhistas no país. O movimento indica uma abertura crescente das organizações para discutir o papel do tempo na vida dos trabalhadores.

“Diante das transformações nas formas de trabalhar e da atuação de movimentos sociais que contestam a lógica da disponibilidade infinita, a proposta da semana de quatro dias se insere em um movimento mais amplo de ressignificação do trabalho. Ela responde, ao mesmo tempo, às demandas contemporâneas por produtividade e competitividade, assim como demonstra que é possível reorganizar o tempo de trabalho e refletir sobre o lugar que ele ocupa na vida das pessoas”, explica Tavares.

Mais do que uma simples reorganização de jornada, a pesquisa aponta que a experiência integra uma revisão gradual do papel do trabalho na vida social, evocando ideais de equilíbrio entre esforço produtivo e qualidade de vida. A jornada de 44 horas semanais, estabelecida na etapa industrial do capitalismo, já não reflete as condições culturais e sociais atuais. Nesse cenário, ampliar o debate sobre o tempo livre torna-se parte fundamental da construção de novas formas de viver e produzir.

“A valorização do tempo livre pode ser entendida como parte de um projeto mais amplo de desenvolvimento humano, que inclui o direito ao lazer, à vida familiar e à participação social. Esses elementos sempre estiveram presentes nas lutas por justiça no mundo do trabalho”, ressalta o pesquisador.

Embora o estudo não tenha avaliado os impactos após a implementação, os resultados mostram que a simples decisão de adotar a semana reduzida já provocou reflexões profundas sobre o valor do tempo. “Para alguns gestores, a medida representou uma estratégia de gestão voltada a ganhos de desempenho, engajamento e retenção de talentos. Para outros, simbolizou uma oportunidade de humanizar o trabalho, reduzindo estresse, promovendo saúde mental e reconhecendo o tempo livre como dimensão legítima da vida. Essa ambiguidade evidencia que, mesmo em um paradigma ainda produtivista, a experiência abriu espaço para ressignificar o valor do tempo e questionar a centralidade absoluta do trabalho”, analisa o mestre Alexssandro Moreira Tavares.

Assim, mais do que uma política de gestão, o reconhecimento do descanso como direito social deve ser visto como parte de um processo civilizatório, que reposiciona o tempo como valor coletivo e promove maior equidade nas condições de vida. “Reconfigurar as relações laborais contemporâneas exige não apenas inovação organizacional, mas também o comprometimento do Estado em garantir aos trabalhadores o acesso ao tempo livre. Trata-se de ampliar o horizonte do desenvolvimento humano para além da produtividade”, ressalta o pesquisador.

O papel do Estado no debate sobre o aumentos dos dias de descanso como direito coletivo

De acordo com os resultados observados pelo pesquisador, torna-se evidente a necessidade de que o Estado assuma um papel ativo na reconfiguração das relações laborais, por meio de políticas públicas que estimulem a redução da jornada legal de trabalho.

“As transformações nas dinâmicas produtivas e as demandas sociais por mais equilíbrio entre vida profissional e pessoal indicam que essa agenda não pode depender apenas de iniciativas voluntárias do setor privado. A limitação das experiências atuais ao âmbito empresarial evidencia a ausência de um marco normativo capaz de induzir mudanças mais amplas e duradouras”, observa Tavares.

Ao tensionar a lógica da jornada 6×1, o experimento brasileiro mostra que discutir o tempo de trabalho é também discutir justiça social — e que o tempo livre pode, enfim, se afirmar como um direito coletivo.

Atualmente, tramitam no Congresso Nacional mais de 30 proposições legislativas relacionadas à redução da jornada, baseadas em justificativas que buscam alinhar o país às tendências globais. Em diversas nações europeias, cresce a adoção da semana de quatro dias como estratégia para melhorar a qualidade de vida, aumentar a produtividade e estimular a geração de empregos.

Essas propostas reforçam que há respaldo social e político para a discussão, cuja continuidade exige institucionalização e regulação pública. O desafio, segundo Tavares, é “fazer com que a iniciativa extrapole o campo das empresas inovadoras e se consolide como política de Estado”.

Para Chapadeiro, a pesquisa qualifica o debate a partir da discussão da redução da jornada laboral sem alterar também a organização do trabalho pode levar a uma intensificação do trabalho: “Se a carga de trabalho não for também reduzida, a pessoa que antes tinha cinco dias para uma entrega ou bater uma meta, passará a ter quatro. Reduz-se a jornada, porém intensifica-se o trabalho”. Caso a remuneração também não entre na pauta da discussão, o dia livre não será necessariamente associado a descanso, mas sim, a mais trabalho. “No dia de folga a pessoa pode acabar pegando bicos para complementar a renda insuficiente advinda do trabalho principal”.

Há uma dimensão de classe e suas interseccionalidades importante que evidencia a questão sobre a quem chegará e quem poderá fazer a semana de quatro dias: “Se caminhamos para o aumento da precarização dos vínculos de trabalho, com ampliação da informalidade e plataformização do trabalho que gera insegurança jurídica e instabilidade social, a pessoa que faz sua renda todos os dias a partir de suas entregas, poderá usufruir da jornada de quatro dias?”, acrescenta Chapadeiro.

Assim, os resultados da pesquisa podem contribuir para o avanço de políticas públicas e alimentar o debate promovido por movimentos sociais como o Vida Além do Trabalho (VAT), que defendem a redução da jornada como um direito e não um privilégio. “No contexto da pesquisa, embora empresas e movimentos desafiem o modelo vigente, suas estratégias são distintas. As organizações atuam dentro da lógica de mercado ao buscar produtividade, retenção de talentos e bem-estar. Já os movimentos sociais reivindicam transformações estruturais, por meio da legislação e da ação estatal. Portanto, a consolidação da semana reduzida como direito social depende de um marco normativo que amplie e sustente essas iniciativas de forma abrangente”, conclui Tavares.

Fonte: UFF
Texto: Fernanda Nunes

DM TEM DEBATE
https://www.dmtemdebate.com.br/semana-de-quatro-dias-pesquisa-da-uff-analisa-o-experimento-brasileiro-que-repensa-a-jornada-de-trabalho/

Pejotização ameaça conquistas da CLT e fragiliza proteção social

O “novo léxico” empresarial, a derrelição do trabalho e o Supremo Tribunal Federal

Da fraude da “empregabilidade” ao contorcionismo do “empreendedorismo”, estamos presenciando uma fase de profunda derrelição dos direitos e das condições de trabalho no Brasil.

Podemos recordar o engodo da falta de “empregabilidade” como pretexto para as demissões no passado recente. Quem perdia seu emprego recebia esta justificativa: não havia empregabilidade! Nem o dicionário do mestre Aurélio conhecia esta inusitada palavra, inventada pelo ideário desprezível dos CEOs.

Para eliminar trabalho, era preciso ter uma “explicação”. Esperar que as grandes corporações exibissem coágulos de sinceridade é como imaginar que no deserto do Saara se possa ter gelo o ano inteiro! É por isso que, mesmo quando trabalhadores e trabalhadoras faziam cursos de todo tipo, das especializações às pós-graduações, não tinha jeito: sem “empregabilidade”, uma hora vinha a demissão!

Mas a classe trabalhadora percebeu, algum tempo depois, que seu emprego estava de fato sendo eliminado pelos novos inventos tecnológicos, que são preferencialmente programados para eliminar trabalho vivo. Era preciso, então, “culpar” a classe trabalhadora e responsabilizá-la pelo desemprego, na passagem do taylorismo-fordismo para o toyotismo e sua empresa flexível e enxuta (lean production).

Adentramos, então, uma nova era de financeirização do capital (do arcabouço fiscal que tem a face de calabouço social) impondo a demolição do trabalho regulamentado. Fenômeno global, basta recordar o trabalho contingente e dos jovens que compreendem os cyber-refugiados no Japão, sem esquecer os imigrantes nos Estados Unidos, as maquiladoras no México, o “trabalho atípico” na Itália ou os recibos verdes em Portugal, só para dar alguns exemplos.

No Brasil, vimos esparramarem-se as “falsas” cooperativas, depois a terceirização, inicialmente das atividades-meio e depois das atividades-fim. Todas concebidas, moldadas e calibradas pelo mundo do capital, visando à sistemática corrosão dos direitos do trabalho, que dilapidou ainda mais as condições de trabalho e de remuneração da classe trabalhadora, intensificando os níveis de exploração e de precarização da força de trabalho, da qual cerca de 40% trabalha na informalidade.

Com o neoliberalismo entrelaçado à financeirização, impôs-se também a privatização dos serviços públicos, turbinada pelas novas tecnologias digitais. Os objetivos e os resultados se evidenciam: quanto mais trabalho morto, com algoritmos e inteligência artificial, melhor. Mas como é impossível a eliminação completa do trabalho humano – e este é o calcanhar de Aquiles do capital – urge devastá-lo e depauperá-lo ao limite, eliminando tudo que um dia significou algum direito real.

Para que tal empreitada fosse efetivada, o léxico do capital ganhou uma impulsão frenética: era preciso adulterar profundamente o sentido etimológico original das palavras pelo novo dicionário empresarial: trabalhadores(as) tornaram-se “parceiros(as)”, “colaboradores(as)”; assalariados(as) converteram-se em “empreendedores(as)”.

A cada nova onda corporativa, a enxurrada de adulterações ganhava mais lustre catártico: “líder”, “times”, “metas”, “gestão de pessoas”, “inovação”, “sinergia”, “resiliência”. Assim, proliferou-se o “novo” palavrório obrigatório da desmedida empresarial. Tudo cuidadosamente concebido para obliterar o assalariamento, como se vê na pejotização e no trabalho uberizado, de modo a recuperar modalidades de trabalhos vigentes nos séculos XVIII e XIX, agora recheadas com sabor algorítmico e digital e, “coincidentemente”, cada vez mais com menos direitos do trabalho.

O resultado é explosivo: mais informalidade, precarização, subemprego, desemprego, trabalho intermitente etc. A terceirização – que no fordismo se restringia à setores como limpeza, segurança, transporte, alimentação –, de exceção, vem se tornando regra (até mesmo no trabalho público) e se amplificando na era da IA, “abrindo a porteira” para formas de contratação como PJ, MEI, microtrabalhos, crowdwork, à margem da legislação protetora do trabalho.

Suas consequências são profundas: como as “metas” são interiorizadas cotidianamente na subjetividade da classe trabalhadora (em substituição ao também nefasto cronômetro taylorista), aflora um resultado assustador: aproximadamente 30% da força de trabalho ocupada no Brasil sofre de burnout, doença que se caracteriza “pelo esgotamento físico e mental relacionado ao trabalho” (conforme dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho – ANAMT), o que nos coloca em segundo lugar no ranking mundial desta doença, que tristemente singulariza nosso tempo.

Adoecimentos mentais, assédios, depressões, suicídios, então, não podem ser efetivamente compreendidos se não se considera a realidade do trabalho precarizado no Brasil atual. O exemplo do trabalho em plataformas é também desolador: na cidade de São Paulo, em média, mais de um entregador por aplicativo morre por dia por acidente de trabalho. E a pesquisa recém-divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 17 de outubro de 2025, mostra que a jornada de trabalho realizada pelos trabalhadores de plataformas vem se ampliando: em 2024 ela foi, em média, 5,5 h mais extensa que a dos demais trabalhadores. É essa a dura realidade do trabalho “moderno” no Brasil.

É nesse cipoal que o STF terá que refletir e decidir, seja ao tratar do Tema 1389, sobre a pejotização, seja ao julgar as demandas do IFood e da Uber que pretendem legitimar essa modalidade de trabalho uberizado e sem direitos no Brasil, desconsiderando tanto as decisões do TST, como o princípio protetor do trabalho que consta do artigo 7º da Constituição de 1988.[1]

Como procederá o Supremo? Será seu nome escrito em maiúsculo, como tem feito na luta contra o golpismo em nosso país, ou será escrito em minúsculo, tornando-se diretamente responsável por uma irreversível regressão na legislação protetora do trabalho no Brasil?


[1] Sobre os direitos dos trabalhadores em plataformas digitais, ver o recém-publicado Direitos de verdade: essa história também é sobre você. São Paulo: Boitempo, 2025, distribuição gratuita. Sobre as decisões de tribunais europeus e os processos de regulamentação no Brasil ver Trabalho em plataformas: regulamentação ou desregulamentação? São Paulo: Boitempo, 2024, distribuição gratuita. Ver também a campanha pública informativa do Ministério Público do Trabalho-15ª. Região, resultado de  Projeto conjunto com o Grupo Mundo do Trabalho e suas Metamorfoses, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, disponível em http://www.direitosdeverdade.com.

Ricardo Antunes é professor titular de sociologia na Unicamp e autor de livros publicados em 14 países, dentre os quais estão O privilégio da servidão, Os sentidos do trabalho e Adeus ao trabalho? Foi professor visitante na Universidade Ca’ Foscari em Veneza, na Universidade de Coimbra e Visiting Research Fellow na Universidade de Sussex. Recebeu recentemente o título de Doutor Honoris Causa na Universidade Nacional de Rosário na Argentina (junho de 2025)

DM TEM DEBATE

https://www.dmtemdebate.com.br/o-novo-lexico-empresarial-a-derrelicao-do-trabalho-e-o-supremo-tribunal-federal/

Pejotização ameaça conquistas da CLT e fragiliza proteção social

Isenção do IR até R$ 5 mil deve impulsionar economia e reduzir desigualdades

Especialistas apontam que a proposta do governo corrige distorções, amplia o consumo e torna o sistema tributário mais justo, embora ainda precise de ajustes

Equilíbrio entre justiça fiscal e estímulo econômico é o propósito do projeto de lei que isenta do IR (Imposto de Renda) quem ganha até R$ 5 mil mensais — PL 1.087/25 —, que foi amplamente defendido por especialistas na última audiência pública, dia 23, na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado.

Pesquisadores, representantes do governo e do setor privado avaliaram que a medida pode melhorar a distribuição de renda, reduzir desigualdades e fortalecer a competitividade da economia, mas pediram aperfeiçoamentos no texto.

O projeto, já aprovado na Câmara, também prevê redução gradual das alíquotas para rendas entre R$ 5 mil e R$ 7.350 e tributação de lucros e dividendos acima de R$ 50 mil, além de “imposto mínimo” de até 10% para rendas anuais superiores a R$ 600 mil.

Impacto positivo e abrangente

O relator da proposta na CAE, senador Renan Calheiros (MDB-AL), destacou que a isenção beneficiará 25 milhões de brasileiros, com impacto “inegavelmente positivo” na economia.

“Em alguns estados, o projeto alcançará mais de 95% da população”, afirmou o parlamentar.

Mais justiça no topo da renda

A subsecretária de Política Fiscal do Ministério da Fazenda, Débora Freire, defendeu o imposto mínimo sobre os mais ricos como forma de corrigir a regressividade do atual sistema.

“Os 0,7% mais ricos pagam uma alíquota efetiva menor que a classe média. Isso é vergonhoso e precisa ser corrigido”, afirmou.

Segundo ela, 14,5% da população será beneficiada pela redução do IR, custeada em grande parte pelo aumento da contribuição do 0,2% mais rico, responsável por 15% da renda nacional.

Medida “engenhosa” e fiscalmente viável

Para o economista Manoel Pires, da FGV e da UnB, o modelo criado pela Fazenda foi “engenhoso” por equilibrar alívio tributário e responsabilidade fiscal.

O impacto negativo estimado é de R$ 25 bilhões, enquanto as compensações podem render R$ 33 bilhões, o que resulta em superávit líquido de R$ 8,5 bilhões.

“O projeto estimula o consumo entre quem mais precisa, sem comprometer as contas públicas”, disse.

Ele alertou, contudo, que mudanças feitas na Câmara — como exceções ao imposto mínimo — podem enfraquecer o equilíbrio fiscal e precisam ser revistas no Senado.

Renda e consumo como motores do crescimento

Para o economista Sérgio Gobetti, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a proposta é um passo para modernizar o sistema tributário e aproximar o Brasil de modelos adotados em economias avançadas.

“O País tributa muito o consumo e pouco a renda. Esse projeto inverte essa lógica e ajuda a combater a concentração de riqueza”, afirmou.

Gobetti ressaltou que a tributação sobre dividendos não afeta investimentos e combate “mitos” de fuga de capitais ou empresários.

Críticas e ajustes necessários

Nem todos os debatedores apoiaram integralmente o texto. O presidente da OAB, Beto Simonetti, afirmou que a tributação de dividendos pode penalizar profissionais liberais, levando-os à informalidade.

Representando a CNC, Gilberto Alvarenga pediu revisão dos valores e regras de retenção, e argumentou que o texto pode gerar fluxo de caixa negativo para pequenas empresas.

Apesar das críticas, ambos reconheceram que a ampliação da faixa de isenção trará bem-estar social e incentivo ao consumo.

Tramitação

O projeto está sob a relatoria de Renan. Ele afirmou que o colegiado poderá aprovar o texto até o fim deste mês, início do próximo. E depois enviá-lo ao plenário. Por fim, encaminhá-lo à sanção presidencial.

DIAP

https://diap.org.br/index.php/noticias/noticias/92503-isencao-do-ir-ate-r-5-mil-deve-impulsionar-economia-e-reduzir-desigualdades

Pejotização ameaça conquistas da CLT e fragiliza proteção social

Câmara aprova licença menstrual de até dois dias para mulheres

A Câmara dos Deputados aprovou, em sessão realizada nesta terça-feira (28), projeto de lei que trata sobre a concessão de licença de até dois dias consecutivos por mês para mulheres que apresentem sintomas severos associados ao período menstrual. A proposição legislativa segue agora para a apreciação do Senado Federal.

A trabalhadora que desejar usufruir do afastamento remunerado deverá apresentar laudo médico que ateste as condições de saúde que a impossibilitem, ainda que temporariamente, de exercer suas funções laborais. A medida abrangerá as trabalhadoras com contrato formal de trabalho, as estagiárias e as empregadas domésticas.

O texto que obteve aprovação é a versão apresentada pela relatora, deputada Professora Marcivania (PCdoB-AP), para o projeto de lei 1.249/22, de autoria da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). A relatora promoveu a unificação da proposta original com outros textos apensados, incorporando sugestões das comissões de Defesa dos Direitos da Mulher e de Administração e Serviço Público.

“O substitutivo traz relevante contribuição à legislação trabalhista brasileira, historicamente concebida sob uma lógica masculina que pouco incorporou as especificidades das mulheres”, afirmou Professora Marcivania. Segundo a parlamentar, a proposta representa um instrumento de promoção da equidade e de prevenção em saúde ocupacional.

No projeto de lei original, a deputada Jandira Feghali havia proposto uma licença de até três dias para as trabalhadoras. “Cerca de 15% das mulheres enfrentam sintomas graves, com fortes dores na região inferior do abdômen e cólicas intensas, que chegam, muitas vezes, a prejudicar a rotina”, argumentou Jandira.

A proposta aprovada promove alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no que se refere às faltas justificadas; na Lei do Estágio, para assegurar o direito de afastamento às estagiárias; e na Lei Complementar 150/15, que regulamenta o contrato de trabalho doméstico, para incluir o direito às empregadas domésticas.

De acordo com o substitutivo, caberá ao Poder Executivo definir o prazo de validade do laudo médico, a forma de apresentação e a periodicidade de sua renovação, considerando as particularidades das atividades exercidas pela mulher.

CONGRESSO EM FOCO

https://www.congressoemfoco.com.br/noticia/113350/camara-aprova-licenca-menstrual-de-ate-dois-dias-para-mulheres

Pejotização ameaça conquistas da CLT e fragiliza proteção social

Jurista critica atuação do STF em regulação do trabalho plataformizado

“Não me parece que nós como sociedade demos este poder ao Poder Judiciário”, afirmou Luciano Benneti.

Em nova audiência pública da Comissão Especial sobre Regulamentação dos Trabalhadores por Aplicativos da Câmara dos Deputados, nesta terça-feira (28), o jurista Luciano Benneti criticou a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) na discussão sobre a regulamentação. “Não me parece que nós como sociedade demos este poder ao Poder Judiciário”, afirmou.

O presidente da Associação Brasileira de Liberdade Econômica (ABLE) e professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) foi convidado ao debate para expor perspectiva acadêmica. Benneti defendeu que a proposta avance na Câmara como via mais democrática.

“O Congresso deve avançar com o projeto de lei, porque é mais democrático que uma intervenção do Judiciário. No desenho dos Três Poderes, é o Legislativo que deveria fazer”, disse.

Consenso

Relator do projeto, o deputado Augusto Coutinho (Republicanos-PE) garantiu que este posicionamento é defendido pela comissão. Para Coutinho, somente o Legislativo está legitimado para conduzir a discussão.

“A gente tem se posicionado muito veemente nessa questão que não cabe ao Supremo Tribunal Federal definir, porque eles não estão legitimados para isso. Quem está legitimado é o Congresso Nacional e espero que eles não exacerbem dentro das suas funções para interferir no Poder Legislativo brasileiro.”

CONGRESSO EM FOCO