A 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho fixou em R$ 300 mil a indenização a ser paga por banco a um gerente de São Leopoldo (RS) que desenvolveu doença psiquiátrica grave após assaltos a agências próximas a seu local de trabalho e sequestros de colegas. Além de não receber treinamento para essas situações, o bancário era orientado, segundo testemunhas, a não fazer boletim de ocorrência.
Admitido em 2010, o gerente relatou na reclamação trabalhista que seu quadro depressivo grave foi desencadeado por dois fatores: medo de assaltos e sequestros e cobrança de metas inatingíveis. Segundo ele, a relação entre a doença e o trabalho foi demonstrada por atestados e pareceres médicos.
Gerente era orientado a não fazer BO
O pedido de reparação por dano moral foi rejeitado pelo juízo de primeiro grau, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) condenou o banco a pagar R$ 2,5 milhões de indenização. A fixação do valor se baseou na gravidade do caso, e no aspecto pedagógico e educativo da condenação.
De acordo com o TRT, o relatório da perícia confirmou a cobrança de metas excessivas, as ameaças de demissão e “uma onda de sequestros a familiares de funcionários graduados”. A psiquiatra do gerente e testemunhas confirmaram essas circunstâncias e disseram que, após o sequestro de empregados numa agência próxima, a orientação do banco era de não fazer boletim de ocorrência.
As testemunhas também afirmaram que os funcionários não eram treinados para situações de sequestro e assalto, e que outras duas colegas se afastaram por problemas psíquicos relacionados ao trabalho.
Ao recorrer ao TST, o banco sustentou que o valor da condenação era desproporcional à extensão do dano.
O relator do recurso de revista, ministro José Roberto Pimenta, considerou que o valor de R$ 2,5 milhões não atende aos princípios da razoabilidade ou da proporcionalidade e não é adequado à situação concreta tratada na ação. Considerando, entre outros fatores, os 20 anos de vínculo e as metas excessivas, o colegiado reduziu a indenização para R$ 300 mil. Com informações da assessoria de comunicação do TST.
Pensar o mundo do trabalho a partir das mudanças tecnológicas, da emergência ambiental e da justiça social. Esses são os pilares das demandas que as centrais sindicais brasileiras vão levar para a Cúpula Social do G20, prevista para o ocorrer entre os dias 14 e 16 de novembro, na região da Praça Mauá, no Rio de Janeiro.G20: sindicatos cobram trabalho justo e sustentável 1G20: sindicatos cobram trabalho justo e sustentável 2
Os dois primeiros dias de evento terão atividades autogestionadas, ou seja, organizadas pelas entidades da sociedade civil. A atividade promovida pelos sindicatos ocorre no dia 14, entre 13h30 e 16h. Ao fim do dia, será aprovado um texto chamado “Transições no mundo do trabalho: garantir empregos de qualidade e promover a redução das desigualdades”. Ele vai ser apresentado ao lado das propostas das outras entidades civis no dia 16, quando vai ser produzido um documento síntese da Cúpula Social.
O encontro das centrais sindicais tem como organizadoras: CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros), CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical, Intersindical, Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST), Pública, União Geral dos Trabalhadores (UGT) e Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
“Nos outros encontros do G20 que ocorreram pelo mundo, o debate ficou restrito aos chefes de Estado. Os movimentos sindical e social ficaram à margem, tentando fazer atividades paralelas para ser ouvidos. No G20 do Brasil, a sociedade está integrada, vai poder debater e apresentar suas propostas. Nós temos a expectativa de contribuir com um documento único e entregar ao presidente Lula, para que ele possa ler diante dos outros chefes de Estado. É uma oportunidade extraordinária de apresentar uma pauta ampla em relação a temas que são urgentes”, diz Sérgio Nobre, presidente nacional da CUT.
Futuro do trabalho no G20
O documento das centrais sindicais parte do entendimento de que os impactos climáticos globais intensificam o deslocamento de refugiados e aprofundam as disparidades sociais. Há preocupação com a perda de empregos devido ao estresse térmico, em setores como agricultura, construção civil, turismo e comércio de rua. Eles são considerados mais vulneráveis pela maior exposição ao calor ou frio excessivos, pela escassez hídrica, por enchentes, queimadas, e outras condições extremas.
Baseadas em informações da Organização Internacional do Trabalho (OIT), as centrais apoiam uma economia sustentável, com redução de emissões de gases de efeito estufa, que seja capaz de gerar inclusão social e criar até 60 milhões de empregos a mais do que a economia convencional.
Há também preocupação de que o crescimento da digitalização e do uso de inteligência artificial (IA) promovam mudanças no mercado de trabalho e acelerem a obsolescência profissional. A automação é um sinal de alarme principalmente em países com predomínio de empregos de baixa renda, porque pode aprofundar problemas de desemprego, precarização e desigualdades. As centrais destacam o aumento dos trabalhos com menos direitos, sem proteção social, com obstáculos à organização sindical, jornada de trabalho extensa e desregulamentada, instabilidade da renda e sobrecarga de tarefas.
“Nesse mundo mais sustentável que desejamos, é importante que a gente garanta que ninguém fique para trás. Nem os trabalhadores, nem comunidades tradicionais, nem as mulheres negras, juventude. Por isso, ele deve ter como eixo estrutural a redução das desigualdades. E, nesse sentido, a classe trabalhadora reivindica postos de trabalho ambientalmente sustentáveis, com condições de trabalho dignas, orientadas pelo conceito de trabalho decente da OIT”, diz Adriana Marcolino, socióloga e diretora técnica do Dieese.
Demandas ao G20
Para as centrais sindicais, o G20 é a oportunidade única de ampliar vozes e demandas dos trabalhadores. A expectativa é que o encontro dos chefes de estado aborde mais do que questões macroeconômicas, e inclua também temas sociais. Um dos caminhos defendidos é o de que seja possível reduzir as desigualdades que se manifestam mesmo entre os países do bloco, como diferentes legislações e condições trabalhistas.
“É importante que o debate leve em conta os interesses de todos. E busque parâmetros internacionais. A OIT tem um papel fundamental nessa discussão, para que possamos ter um modelo unitário de legislação trabalhista e espaço de produção. Hoje, temos regras diferentes de um lugar para o outro. Há alguns com ambientes insalubres de produção, sem jornadas de trabalho regulamentadas. Muitas vezes, uma multinacional sai de um país e vai para o outro, buscando aquilo que ela pode subverter na lei de outro país. A concorrência baseada nessa precarização prejudica os trabalhadores e o meio ambiente”, analisa João Carlos Gonçalves (Juruna), secretário-geral da Força Sindical.
Dessa forma, o documento que será apresentado na Cúpula Social do G20 pelas centrais sindicais brasileiras terá, ao menos, 20 demandas:
1 – Implementação de políticas de desenvolvimento econômico socialmente justo e ambientalmente sustentável, com redução das diferentes dimensões das desigualdades.
2 – Garantia de acesso público, universal e de qualidade à saúde, educação, aos serviços de cuidado e seguridade para as populações ao longo de toda a vida.
3 – Garantia de direitos trabalhistas, previdenciários e sindicais, revertendo processos de precarização do trabalho difundidos ao redor do mundo, revendo o estabelecimento de contratos de trabalho precários.
4 – Fortalecimento da liberdade de organização sindical e a negociação coletiva nos setores público e privado, combate de práticas antissindicais e garantia de autonomia dos trabalhadores na definição do sistema de financiamento sindical.
5 – Implementação da política de valorização salarial.
6 – Ampliação da adesão às Convenções da OIT, como a convenção 156, sobre a adoção de medidas para impedir que demandas familiares dificultem o acesso ao emprego e o crescimento profissional; criação de convenções que tratem das novas formas de trabalho mediadas pela digitalização e pelo uso da Inteligência Artificial.
7 – Ampliação das oportunidades orientadas pelos princípios do trabalho decente para mulheres, população negra, juventude, LGBTQIA+ e pessoas com deficiência, além de combater o trabalho escravo e erradicar o trabalho infantil.
8 – Atualização das regulações da jornada laboral de modo a limitar a fragmentação do tempo de trabalho por meio das novas tecnologias.
9 – Garantia de formação profissional permanente e de qualificação profissional para novos postos de trabalho em casos de empresas afetadas pela automação.
10 – Eliminação de processos produtivos prejudiciais à saúde dos trabalhadores garantindo saúde e segurança no trabalho.
11 – Garantia de proteção aos desempregados através de políticas como seguro-desemprego, formação profissional, intermediação de mão de obra e programas de transferência de renda.
12 – Instituição da renda básica universal como direito social, complementar aos direitos do trabalho.
13 – Implementação de tributação progressiva sobre renda e patrimônio e o aumento da tributação sobre grandes heranças e fortunas, lucros e dividendos para a criação de um fundo mundial para transição energética e o combate à pobreza e às desigualdades.
14 – Implementação de políticas de transição, recuperação e preservação ambiental que incluam a geração de trabalho decente e amparo para todas as comunidades afetadas.
15 – Garantia da valorização da agricultura familiar, da agroecologia, da economia circular e redução da poluição nas cidades e no campo.
16 – Implementação de investimentos em energia limpa, renovável e acessível, garantindo que a população tenha acesso a padrões de vida dignos e mobilidade.
17 – Ampliação dos investimentos em infraestrutura para uma produtividade ancorada em ciência e tecnologia e criação de empregos formais de qualidade e sustentáveis.
18 – Estabelecer infraestrutura econômica, social e ambiental para uma industrialização sustentável, revertendo o processo de reprimarização em países da periferia.
19 – Regulamentação do uso de tecnologias que impactam negativamente os postos e as condições de trabalho, de forma que as inovações sejam elementos de promoção e melhoria da vida em sociedade.
20 – Compartilhamento dos ganhos de produtividade advindos de avanços tecnológicos com os trabalhadores (por meio da redução da jornada de trabalho e da valorização dos salários) e com o Estado (arrecadação de tributos).
Quase 90% das trabalhadoras domésticas do município de São Paulo afirmam que já passaram por alguma situação envolvendo assédio no local de trabalho, seja ela moral, física ou sexual.
É o que aponta pesquisa produzida pelo sindicato da categoria (STDMSP) em parceria com o doutor em ciência política e pesquisador Jean François Mayer, da Concordia University, do Canadá.
De acordo com os dados do estudo, 87,6% das trabalhadoras contam terem sido vítimas de violência em algum momento de suas carreiras. A maioria (58,9%), no entanto, diz resolver sozinha – geralmente no confronto verbal – os casos de assédios envolvendo seus patrões ou patroas.
A pesquisa na categoria é inédita e por enquanto só está disponível a primeira etapa do estudo, onde foram entrevistadas 241 trabalhadoras.
A etapa seguinte terá uma abrangência maior, com 1.100 domésticas do município paulista, que está em fase de elaboração e trará um aprofundamento sobre os dados de agora.
Outro diferencial do estudo é que a equipe de pesquisadoras foi formada por trabalhadoras domésticas, que passaram por um processo de formação e empoderamento para conduzir as entrevistas entre seus pares.
“Foi um trabalho colaborativo desde a concepção até a tabulação da pesquisa. E ajudei o Sindicato nesse processo, acompanhando e dando treinamento às trabalhadoras que quiseram participar, pois sempre entendemos que ninguém melhor do que elas para falar sobre a situação do trabalho doméstico na cidade de São Paulo”, explica Jean, que utiliza um método de pesquisa etnográfica e de ação participativa.
A expectativa era criar um mapeamento que apontasse sobre a situação de vida, mundo do trabalho e os desafios enfrentados pela categoria no dia a dia.
Com os dados, o Sindicato espera construir um plano de lutas mais próximo dos anseios dessas trabalhadoras, além de qualificar as cláusulas da convenção coletiva (CCT) durante as negociações junto ao sindicato patronal.
“Essa pesquisa confirma, em dados, aquilo que ouvimos todos os dias durante os atendimentos realizados aqui no Sindicato. Além da precarização no trabalho, elas ainda enfrentam riscos, passam por humilhações e vivem diferentes tipos de violências. Agora temos um papel importante de buscar cláusulas de proteção na CCT e cobrar por maior fiscalização nas residências”, aponta Marli Silva, presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Munícipio de São Paulo (STMDSP).
A pesquisa também fez perguntas para identificar as perspectivas e o que planejam as trabalhadoras sobre os seus futuros. Para elas, o sonho de conquistar uma moradia própria está entre as prioridades (14,3%) ao lado de poder “ver a família bem” (14,3%). Em seguida, para 12,5%, existe o desejo de mudança de trabalho.
Em relação aos direitos, a maioria, 50,4%, diz possuir vínculo de trabalho com carteira assinada. Mas somente 31,2% são filiadas ao sindicato.
“Essa pesquisa mostra a grande precariedade econômica e social que afeta a vida das trabalhadoras domésticas. Mas também mostra que elas não permanecem passivas diante de abusos e opressão, utilizando-se de estratégias para resistir à violência no local de trabalho. Então é uma categoria que demonstra bastante força”, ressalta o pesquisador, que colabora com o Sindicato desde 2017.
Jean destaca que acompanhou o período de covid-19 no país, que afetou muitas trabalhadoras domésticas – inclusive a primeira morte no Brasil foi de uma trabalhadora que contraiu o vírus de seus patrões após eles voltarem de viagem.
Nesse período do coronavírus, conta Jean, as trabalhadoras perderam muitos direitos e, desde então, pouco conseguiram recuperar.
Para a presidenta do STMDSP, a luta por melhores condições na categoria nunca foi fácil.
“A lei que ampliou nossos direitos (PEC das Domésticas) tem somente 10 anos de aprovação e a conquista por uma convenção coletiva também é recente. Mas estamos em luta diariamente organizadas em sindicatos e na nossa federação, a Fenatrad, para termos garantido direitos, respeito e dignidade no trabalho”, finaliza Marli.
Com os avanços tecnológicos, o mercado de trabalho e o setor jurídico enfrentam a necessidade de adaptação e inovação para lidar com desafios e novas oportunidades.
A tecnologia tem deixado suas marcas em todos os setores, mudando a produtividade, as relações laborais e até mesmo redefinindo alguns cargos.
Automatização de processos, inteligência artificial e o uso de big data estão alterando a maneira como as empresas operam, permitindo análises mais rápidas e precisas, otimização de tarefas e um aumento notável na eficiência.
Além disso, a digitalização tem transformado o ambiente de trabalho, promovendo o home office e criando novas funções, como gestores de inovação, cientistas de dados e especialistas em cibersegurança, que antes não existiam.
Com isso, as atividades e habilidades exigidas dos profissionais estão em evolução, demandando uma adaptação contínua aos avanços.
Polarização no mercado de trabalho
De acordo com o blog do IBRE da FGV – Fundação Getúlio Vargas há uma tendência crescente de polarização no mercado de trabalho que reflete a reconfiguração tecnológica impulsionada pela automação e inteligência artificial. Funcionários de alta qualificação, especialmente aqueles que desempenham papéis não-rotineiros e criativos, estão experimentando um aumento de oportunidades e salários.
Por outro lado, aqueles de capacitação intermediária, que executam tarefas repetitivas ou que podem ser sistematizadas, estão vendo seus empregos desaparecerem ou seus rendimentos diminuírem. Essa alteração estrutural no ambiente profissional favorece os extremos da pirâmide de qualificação: os trabalhadores altamente capacitados e aqueles que realizam funções básicas e que ainda são difíceis de automatizar.
Nils Nilsson, um dos pioneiros da IA, já apontava que o objetivo desse sistema a longo prazo seria desenvolver máquinas que não apenas executem múltiplas atividades, mas que o façam de maneira mais eficaz do que as pessoas.
Embora essa visão ainda pareça distante em alguns setores, ela já está se tornando realidade em várias indústrias, como a manufatura, transporte, serviços financeiros e, cada vez mais, a área legal. Os dispositivos e algoritmos estão rapidamente se tornando capazes de analisar grandes volumes de dados, interpretar padrões complexos e até mesmo tomar decisões com base em critérios objetivos.
A diretora-gerente do FMI – Fundo Monetário Internacional, Kristalina Georgieva, previu que entre 40% e 60% dos empregos globais poderão ser afetados pelo sistema inteligente nas próximas décadas. Isso significa que um número substancial de ocupações, mesmo aquelas que tradicionalmente dependem de aptidões cognitivas, como o Direito, poderá ser impactado.
Ferramentas de automação jurídica, como sistemas de gestão de processos, redação de contratos e análise preditiva de litígios, já estão começando a alterar como advogados e juízes atuam. A perspectiva é que muitas das responsabilidades de rotina que envolvem pesquisa e análise de documentos poderão ser completamente mecanizadas.
Impactos da tecnologia no trabalho
Apesar das previsões alarmantes, um estudo recente do Laboratório de Ciências da Computação e Inteligência Artificial do MIT sugere que a alteração total de funções humanas por sistemas pode não acontecer tão rapidamente quanto se imagina.
O estudo analisou, por exemplo, a substituição de tarefas que envolvem visão computacional e concluiu que apenas 23% dos salários pagos por essas atividades poderiam ser sistematizadas de forma economicamente viável. Isso significa que, apesar da capacidade tecnológica, há barreiras financeiras e logísticas que retardam a adoção em larga escala desses mecanismos.
As modificações trazidas por esses avanços não são somente técnicas, mas também sociais e culturais, redefinindo como vivemos, trabalhamos e interagimos. As soluções digitais alteram a estrutura de mercados, influenciam o comportamento humano e têm o poder de transformar a dinâmica coletiva, criando novos caminhos, desafiando normas tradicionais e exacerbando desigualdades se não forem bem geridas.
Nesse sentido, com a tecnologia em evidência, o debate sobre suas consequências nas relações laborais tem se intensificado. Isso porque, a sua implementação no ambiente profissional deve vir acompanhada de uma adaptação nas políticas públicas e na legislação trabalhista. Assim, regulamentar os efeitos dessas mudanças, especialmente no que tange à proteção dos direitos dos colaboradores e à redistribuição equitativa dos benefícios, é um dos principais obstáculos do porvir.
A formulação de possíveis cenários é importante para a compreensão das implicações dessas modernizações, como a criação de uma estrutura legislativa sólida para assegurar que a automação e a IA não resultem em desproteção ou precarização do trabalho.
Além disso, as normas laborais precisam evoluir para assegurar que as vantagens trazidas sejam distribuídas de forma justa e que os funcionários afetados por reformas estruturais tenham o apoio necessário para se requalificar.
No entanto, a aceitação e o sucesso dessas normas dependem da participação ativa da comunidade em sua elaboração. O diálogo entre tecnólogos, formuladores de políticas, cientistas sociais e a população colaboram para que as soluções digitais atendam aos interesses coletivos e não beneficiem apenas uma parcela da sociedade.
Um processo colaborativo e transparente pode ajudar a construir um futuro mais justo e equitativo, onde as inovações sirvam ao bem comum e promovam um desenvolvimento inclusivo e sustentável, priorizando o bem-estar coletivo ao lado do avanço econômico.
Tecnologia como estratégia na advocacia
No campo legal, onde a demanda por eficiência e precisão é constante, o uso da inteligência artificial muitas vezes gera preocupações sobre a substituição de cargos humanos.
No entanto, a automação pode, na verdade, ser uma aliada dos profissionais do direito, possibilitando que se concentrem em funções que demandam mais estratégias. Ao sistematizar tarefas repetitivas, como o controle de prazos, a gestão de documentos e a comunicação com clientes, é possível aumentar a produtividade e ainda melhorar a organização do escritório de advocacia.
Por meio de ferramentas como o Taskscore, que monitora o desempenho da equipe e prioriza atividades, a plataforma garante que as operações diárias sejam realizadas de forma eficiente e sem erros. Essa automação ajuda a liberar os juristas de encargos burocráticos para que eles foquem em questões mais elaboradas, como a análise de casos e a criação de abordagens.
Além disso, o uso do software tem um impacto direto na qualidade de vida dos advogados. Ao proporcionar uma gestão mais organizada do fluxo de trabalho, ele contribui para evitar sobrecargas, reduzindo a necessidade de horas extras e minimizando o estresse. A plataforma oferece uma visão clara das funções pendentes, ajudando os colaboradores a manterem um equilíbrio entre suas vidas pessoais e profissionais.
A IA não precisa ser vista como uma ameaça, mas sim como uma facilitadora da atuação advocatícia. Ao delegar responsabilidades para ferramentas, os defensores podem aprimorar suas aptidões em áreas insubstituíveis, como a argumentação jurídica e a interação com clientes, onde o fator humano é essencial.
Humanizando o trabalho na era digital
O futuro moldado pela inteligência artificial e automação não é simplesmente sobre a substituição de funcionários, mas sim um conjunto de novas possibilidades e desafios. Em vez de ver a tecnologia como um risco, podemos encará-la como uma ferramenta para transformar o trabalho e a sociedade.
A questão não é apenas quem perderá empregos, mas como podemos usar essa revolução para criar um cenário mais inclusivo e voltado para o progresso. O caminho à frente exige mais do que adaptação técnica – requer uma redefinição dos valores que orientam nossas políticas e práticas laborais.
Se usados com responsabilidade, os avanços têm o potencial de redistribuir responsabilidades, possibilitando que as pessoas se concentrem em atividades mais criativas e intelectualmente gratificantes, enquanto as máquinas assumem tarefas rotineiras. Assim, as soluções digitais deixam de ser somente um meio para mais eficiência e passam a ser um instrumento de valorização do indivíduo.
Portanto, em vez de temer as mudanças, a questão que se coloca é mais profunda: como podemos garantir que a revolução digital sirva para humanizar o trabalho, elevar as habilidades e oferecer a todos um futuro mais justo e promissor? A resposta depende de como decidimos prosseguir- com inclusão, colaboração e atenção ao impacto social.
Eduardo Koetz
Eduardo Koetz é advogado, sócio-fundador da Koetz Advocacia e CEO do software jurídico ADVBOX . Especialista em tecnologia e gestão, ele também se destaca como palestrante em eventos jurídicos.
A sindicalização segue perdendo força entre os trabalhadores do país. Em 2023, apenas 8,4% dos 100,7 milhões de ocupados eram associados a sindicato, o equivalente a 8,4 milhões de pessoas. O número representa uma queda de 7,8%, ou de 713 mil pessoas, em relação ao ano anterior, quando havia 9,1 milhões de ocupados sindicalizados (9,2% do total), e chegou novamente ao menor patamar da série histórica, iniciada em 2012 (16,1%). Os dados divulgados hoje (21) fazem parte do módulo Características adicionais do mercado de trabalho da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua.
Em 2012, quando a população ocupada era formada por 89,7 milhões de pessoas, havia 14,4 milhões de sindicalizados, número que cresceu 1,4% no ano seguinte. Depois desse aumento e de uma variação positiva em 2015, a sindicalização enfrentou sucessivas quedas, com destaque para 2016, quando houve retração também no número de ocupados. Nos anos seguintes, mesmo com a recuperação do mercado de trabalho, o número de pessoas associadas a sindicados seguiu caindo, o que resultou na menor taxa de sindicalização da série histórica (8,4%) em 2023. A pesquisa mostra ainda que em 2023 a população ocupada atingiu sua maior estimativa, com acréscimo de 1,1% em relação a 2022 e de 12,3% ante a população de 2012.
“Entre 2012 e 2023, o percentual das pessoas associadas a sindicato dentro da população ocupada passou de 16,1% para 8,4%, uma queda de quase oito pontos percentuais (p.p.). Ao mesmo tempo, o nível de ocupação [percentual de pessoas ocupadas na população de 14 anos ou mais] caiu até 2017, no período em que o Brasil passou por uma crise econômica. A partir daí, o nível da ocupação voltou a se recuperar, mas a queda no percentual de sindicalizados se intensificou”, diz o analista da PNAD Contínua William Kratochwill.
Para os pesquisadores, um dos fatores que podem ter acelerado essa queda ao longo dos anos foi a implementação da reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), que tornou facultativa a contribuição sindical. Outro ponto seria a própria forma de inserção no mercado de trabalho.
“Nos últimos anos, há cada vez mais trabalhadores inseridos na ocupação de forma independente, seja na informalidade ou até mesmo por meio de contratos flexíveis, intensificados pela reforma trabalhista de 2017. Além disso, atividades que tradicionalmente registram maior cobertura sindical, como a indústria, vêm retraindo sua participação total no conjunto de trabalhadores e, portanto, no contingente de sindicalizados”, analisa a coordenadora de Pesquisas por Amostra de Domicílios do IBGE, Adriana Beringuy.
A pesquisadora também destaca a queda da sindicalização na administração pública, defesa, seguridade social, educação, saúde humana e serviços sociais. “Nessa atividade, tem sido crescente a participação de contratos temporários, principalmente no segmento da educação fundamental, provida pela administração municipal. Todos esses fatores, sejam os ligados às leis trabalhistas, à redução da ocupação na atividade industrial, nos serviços financeiros ou a mudanças nos arranjos contratuais do setor público, podem estar associados à queda da sindicalização dos trabalhadores ”, completa.
O grupamento de administração pública, defesa, seguridade social, educação, saúde humana e serviços sociais foi o terceiro que mais reduziu a sua taxa de sindicalização desde o início da série histórica da pesquisa, com queda de 10,1 pontos percentuais (de 24,5% para 14,4%). Nessa comparação, ficou atrás apenas dos setores de transporte, armazenagem e correio, com -12,9 p.p. (de 20,7% para 7,8%) e indústria geral, com -11,0 p.p. (de 21,3% para 10,3%).
Os pesquisadores analisam que a queda na taxa de sindicalização da atividade de transportes e armazenagem pode estar relacionada ao crescimento do trabalho informal nessa atividade, com o aumento de ocupados no transporte de passageiros, como, por exemplo, os motoristas por aplicativo.
A taxa de sindicalização também caiu na agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura, atividade que historicamente tem grande participação dos sindicatos de trabalhadores rurais, passando de 22,8%, em 2012, para 15,0%, em 2023.
Por outro lado, o comércio, setor que absorve 18,9% do total de ocupados do país, tem taxa de sindicalização de 5,1%, abaixo da média nacional (8,4%). De acordo com a publicação, esse resultado mostra que nem sempre essa associação acompanha o número de trabalhadores de uma atividade, mas guarda relação também com a forma como eles se organizam e com a atuação dos sindicatos nas relações trabalhistas.
Sindicalização de empregados com carteira e no setor público cai ante 2022
Na análise pela posição na ocupação e categoria do emprego, os empregados no setor público (18,3%) tinham a maior taxa de sindicalização, seguidos pelos trabalhadores familiares auxiliares (10,4%) e os trabalhadores com carteira assinada no setor privado (10,1%). Os pesquisadores relacionam o alto percentual dos trabalhadores familiares à concentração dessa categoria no setor agropecuário.
Por sua vez, as menores coberturas sindicais estavam entre os empregados no setor privado sem carteira assinada (3,7%) e os trabalhadores domésticos (2,0%).
Na comparação com o ano anterior, a taxa de sindicalização caiu em dois grupos que têm, ao longo da série histórica, maiores percentuais de trabalhadores sindicalizados: os empregados no setor privado com carteira de trabalho assinada, cuja taxa passou de 11,0% para 10,1%, e dos empregados no setor público (inclusive servidor estatutário e militar), de 19,9% para 18,3%. Para os pesquisadores, isso indica que a queda na sindicalização atinge todos os segmentos da ocupação, sejam públicos ou privados.
Taxa de sindicalização (%)
2012
2014
2019
2022
2023
Total
16,1
15,7
11,0
9,2
8,4
Grupamentos de atividades no trabalho principal
Agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura
22,8
23,1
18,9
16,5
15,0
Indústria geral
21,3
19,8
13,5
11,5
10,3
Construção
9,0
7,9
4,2
3,4
3,5
Comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas
10,5
10,0
7,4
5,6
5,1
Transporte, armazenagem e correio
20,7
20,8
11,8
8,2
7,8
Alojamento e alimentação
7,7
8,2
5,6
4,0
4,2
Informação, comunicação e atividades financeiras, imobiliárias, profissionais e administrativas
18,7
18,4
11,9
9,5
8,8
Administração pública, defesa e seguridade social, educação, saúde humana e serviços sociais
24,5
24,4
18,1
15,8
14,4
Outros serviços
6,0
6,2
4,7
3,0
3,2
Serviços domésticos
2,7
3,3
2,8
2,8
2,0
Posição na ocupação e categoria do emprego no trabalho principal
Empregado no setor privado com carteira de trabalho assinada
20,9
19,9
13,9
11
10,1
Empregado no setor privado sem carteira de trabalho assinada
5,3
5,3
4,3
3,5
3,7
Trabalhador doméstico
2,7
3,3
2,8
2,8
2
Empregado no setor público (inclusive servidor estatutário e militar)
28,1
29
22,1
19,9
18,3
Empregador
18,4
15,8
10,2
8,2
7,4
Conta própria
11,1
10,2
7,1
6,2
5
Trabalhador familiar auxiliar
14,4
14,6
11,5
10,3
10,4
Nordeste e Sul seguem com maiores taxas de sindicalização
Apesar de terem registrado as maiores quedas ante 2022, as regiões do país com maiores percentuais de sindicalizados continuam sendo Nordeste (9,5%) e Sul (9,4%). Foi a primeira vez, na série histórica da pesquisa, que esses percentuais ficaram abaixo de 10%. Essas duas regiões também se diferenciam por serem as únicas em que o percentual de mulheres sindicalizadas superava o de homens: 10,1% delas contra 9,1% deles no Nordeste e 9,5% delas contra 9,3% deles no Sul. No país, enquanto 8,5% dos homens ocupados eram associados a sindicatos, entre as mulheres essa proporção era de 8,2%.
Sindicalização cai mais entre os ocupados com nível superior
A pesquisa também investiga o nível de instrução dos trabalhadores sindicalizados. Do universo de 8,4 milhões de associados a sindicato, 37,3%, ou 3,1 milhões, concluíram o ensino superior e 36,1% (3,0 milhões) tinham ao menos concluído o ensino médio. A maior taxa de sindicalização era dos ocupados com superior completo (13,5%) e a menor, dos que tinham ensino fundamental completo e médio incompleto (5,4%).
Houve queda em todos os níveis de instrução na comparação com 2022. A maiores retrações foram registradas entre os trabalhadores que tinham superior completo (de 14,5% para 13,5%) e os sem instrução ou com fundamental incompleto (de 8,3% para 7,3%). Quando comparada ao início da série histórica, em 2012 (28,3%), a taxa de sindicalização no primeiro grupo caiu 14,8 pontos percentuais, a maior retração entre os grupos analisados.
“Essa queda significativa de pessoas sindicalizadas com nível superior mostra um descompasso com o avanço significativo do nível de instrução dos trabalhadores, que não é acompanhado pela expansão da associação a sindicato”, explica Beringuy.
Cerca de um terço dos empregadores e trabalhadores por conta própria tem CNPJ
Outro ponto abordado pela pesquisa foi o número de empregadores e trabalhadores por conta própria cujos empreendimentos estavam registrados no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). As duas categorias, somadas, registravam 29,9 milhões de trabalhadores, número que foi considerado estável em 2023 frente ao ano anterior. Cerca de um terço (33,0%) deles, ou 9,9 milhões, estava em negócios registrados no CNPJ, queda em relação ao ano anterior, quando eram 34,2% (10,3 milhões). Ainda assim, essa foi a segunda maior taxa da série histórica.
Os pesquisadores destacam que essa redução de cobertura foi impulsionada pelos trabalhadores por conta própria, já que a proporção de registrados nessa categoria passou de 26,3% para 24,9% em um ano. Já os empregadores mantiveram a estimativa estável em 80,9%. Destaca-se que, em 2023, o total de trabalhadores por conta própria no país somava 25,6 milhões, seis vezes mais do que o total de empregadores (4,3 milhões).
A cobertura do CNPJ entre essas categorias cresce à medida que avança o nível de instrução. Entre os trabalhadores por conta própria, a taxa era de 11,2% para os que não tinham instrução ou o fundamental completo e alcançava quase metade (48,4%) dos que haviam concluído o nível superior. Para os empregadores, esses percentuais eram expressivamente maiores, chegando a 91,5% dos que tinham superior completo.
“Isso mostra que o nível de instrução é importante para levar o trabalhador a se registrar no CNPJ, mas, entre os trabalhadores por conta própria, esse percentual ainda é bem inferior ao dos empregadores”, diz Kratochwill.
Há diferenças também quando os números são analisados por sexo. Cerca de 84,6% das empregadoras tinham registro no CNPJ, enquanto essa proporção era de 79,3% entre os homens. O percentual, no entanto, era muito inferior entre os trabalhadores por conta própria: 27,0% para as mulheres e 23,9% para os homens.
Serviços e comércio têm maior cobertura no CNPJ
A maior parte dos trabalhadores por conta própria, em empreendimento registrado no CNPJ, estava ocupada nos serviços (55,2%) e no comércio (24,9%), setores que registraram queda de cobertura do cadastro em relação ao ano anterior, passando de 33,0% para 30,9% e de 35,6% para 33,3%, respectivamente. Apesar da redução, essas atividades seguem com as maiores taxas nessa categoria de emprego.
Os serviços (42,1%) e o comércio (39,7%) também concentravam a maioria dos empregadores em empreendimento registrado no CNPJ e estavam entre os setores com maiores taxas de registro: 86,4% e 87,2%, respectivamente. A indústria foi uma das únicas atividades que avançou nessa cobertura, chegando à segunda maior taxa (86,7%), apesar de responder por apenas 9,1% dos ocupados dessa categoria.
Norte e Nordeste têm menores percentuais de registrados no CNPJ
Em 2023, as regiões com as menores proporções de trabalhadores por conta própria e empregadores registrados no CNPJ foram a Norte (17,3%) e a Nordeste (18,6%), que historicamente têm maiores participação do trabalho informal. Já os maiores percentuais estavam no Sul (45,2%) e no Sudeste (39,0%). Na comparação com o ano anterior, a única região que avançou foi a Norte (de 15,1% para 17,3%).
Região Sul tem a maior proporção de trabalhadores associados a cooperativas
Em 2023, dos 29,9 milhões de pessoas ocupadas como empregador ou trabalhador por conta própria no trabalho principal, apenas 4,4% (1,3 milhão de pessoas) eram associadas à cooperativa de trabalho ou produção. Trata-se do menor percentual da série histórica, o que mostra a baixa adesão dos trabalhadores a esse tipo de arranjo produtivo no Brasil.
A Região Sul (7,7%) registrou os maiores valores em todo o período, seguida pela Região Norte (5,0%) e a Nordeste (4,5%); enquanto Sudeste (3,3%) e Centro-Oeste (3,7%) apresentaram valores abaixo da média nacional.
Maior parte dos ocupados trabalhava em estabelecimento do próprio empreendimento
A pesquisa investigou ainda o local de exercício do trabalho. A categoria estabelecimento do próprio empreendimento teve alta em 2023, passando a registrar 59,1% (48,7 milhões de pessoas) dos trabalhadores, após apresentar queda entre 2015 (64,3%) e 2022 (57,9%). Outros 13,8% trabalhavam em local designado pelo empregador, patrão ou freguês; 9,0% em fazenda, sítio, granja, chácara etc; 4,8% em veículo automotor e 2,3% em via ou área pública. Já o domicílio de residência, que havia crescido de 3,6% para 8,5% entre 2012 e 2022, permaneceu estável em 2023, com 8,3%.
Mais sobre a pesquisa
A PNAD Contínua Características Adicionais do Mercado de Trabalho 2023 investiga um conjunto de informações sobre força de trabalho e aborda dados sobre associação a sindicato, associação às cooperativas de trabalho e produção, cobertura de CNPJ entre empregadores e trabalhadores por conta própria e local de exercício do trabalho, com diferenciações por sexo e nível de instrução. Os indicadores são apresentados para o conjunto do país, grandes regiões e unidades da federação. As tabelas estão disponíveis no Sidra. Acesse o material de apoio e a publicação completa para mais informações.
Fonte: IBGE
Texto: Umberlândia Cabral e Carmen Nery
Conquistar direitos para repartir de forma mais justa o resultado econômico do trabalho de todos e a renda nacional é a essência da luta sindical. Melhorar salários, reduzir a jornada de trabalho, garantir saúde, creches, formação, férias, pagamento de horas extras, entre outros benefícios, fazem parte da pauta sindical. Às vezes, é preciso parar. Parar de produzir! Parar de trabalhar! Ir à greve!
A Place de Grève, em Paris, fica junto ao rio Sena. O termo “greve” em francês originalmente significava uma área de cascalho ou areia às margens de um rio. A praça, situada perto da atual Prefeitura de Paris (Hôtel de Ville), tinha um terreno arenoso que inspirou o nome.
No século XVII, a praça tornou-se um ponto de encontro para trabalhadores desempregados que buscavam oportunidades, aguardando que comerciantes ou empreiteiros os contratassem para trabalhos temporários. Com o tempo, o termo “greve” passou a estar associado não apenas ao local, mas também ao ato de recusar o trabalho como forma de protesto. Quando os trabalhadores paravam de trabalhar, reuniam-se na praça. Ir à Place de Grève significava juntar-se naquele local e suspender o trabalho. Daí deriva o termo e conceito de “greve” no sentido moderno, ligado a paralisações e reivindicações de trabalhadores por melhores condições.
Nas relações de trabalho, as greves são um dos pilares fundamentais para a conquista e defesa de direitos trabalhistas. Historicamente, há dois séculos, elas têm sido utilizadas recorrentemente como uma forma legítima de resistência e mobilização coletiva, permitindo que trabalhadores pressionem por melhorias nas condições de trabalho, salários e benefícios.
A greve é um movimento de oposição e de pressão que busca reposicionar a relação de poder entre as empresas ou organizações empregadoras (públicas ou privadas) e os trabalhadores. Em um sistema de relações desigual, onde empregadores detêm maior poder econômico e político, a greve é uma maneira eficaz de forçar negociações e acordos em novas bases, ou de exigir que direitos e acordos sejam cumpridos.
A história demonstra que os direitos trabalhistas não surgiram de concessões voluntárias dos empregadores, mas sim de lutas prolongadas e organizadas.
As greves continuam sendo uma ferramenta essencial para a defesa dos direitos dos trabalhadores, como mostram os dados mais recentes divulgados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). Em 2023, o DIEESE registrou 1.132 greves no Brasil, um aumento de 6% em relação ao ano anterior. Essas paralisações revelam tanto a resistência diante das condições adversas quanto a busca por melhorias salariais e trabalhistas.
Segundo o DIEESE, em 2023, cerca de 67% das greves analisadas tiveram sucesso na conquista de direitos, com atendimento integral ou parcial das reivindicações. Isso demonstra que a greve é um mecanismo eficaz para a resolução de conflitos, além de incentivar empregadores e governos a dialogar e atender às demandas apresentadas nas pautas dos trabalhadores.
Entre as pautas mais recorrentes estão o reajuste salarial (40,3%), demandas relacionadas ao cumprimento do piso salarial (26,7%) e o pagamento de salários atrasados (21,7%). Além disso, houve reivindicações por melhores condições de trabalho (20,9%) e melhorias nos serviços públicos (17,4%). No setor público, destacaram-se as greves dos professores, que exigiram o cumprimento do piso salarial nacional.
Esses dados indicam que as greves permanecem essenciais na luta dos trabalhadores, especialmente em um contexto de flexibilização das leis trabalhistas e precarização das relações de trabalho. Diante das novas dinâmicas do mercado de trabalho, como a digitalização e a flexibilização, a mobilização coletiva continua sendo fundamental para garantir a dignidade e os direitos dos trabalhadores.
As greves e as negociações coletivas são elementos essenciais e estratégicos nos sistemas de relações de trabalho. A análise e reflexão sobre a relação entre greve e negociação coletiva estão reunidas na obra seminal de Carlindo Rodrigues de Oliveira, “Greve e Negociação Coletiva – Dimensões Complementares da Luta Sindical”.
O livro apresenta uma excelente sistematização e análise do sistema brasileiro de relações de trabalho, com foco nas negociações coletivas e no direito de greve, além de se posicionar no debate teórico e político sobre a relação entre prática sindical, greve e negociação coletiva.
Se o DIEESE nos mostra que as greves continuam presentes na vida sindical, Carlindo Rodrigues de Oliveira nos oferece ferramentas para sua análise, indicando que as greves são um meio legítimo e necessário para equilibrar as relações entre capital e trabalho, sendo essenciais para a eficiência e eficácia das negociações coletivas.
As greves buscam a abertura de negociações, como frequentemente ocorre no setor público, que ainda não tem esse direito garantido e regulado no Brasil. Outras vezes, a greve é para exigir que acordos sejam respeitados e que salários atrasados sejam pagos. Ampliar os direitos e melhorar os salários são objetivos propositivos que mobilizam a maior parte das no Brasil.
A greve também é uma forma de exercício da democracia no ambiente de trabalho, dando aos trabalhadores voz ativa na definição de suas condições laborais. Além de garantir direitos econômicos, a greve promove a participação política dos trabalhadores e fortalece a cidadania, contribuindo para uma sociedade mais justa.
Clemente Ganz Lúcioé sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, membro do CDESS – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República, membro do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, consultor e ex-diretor técnico do DIEESE (2004/2020).