Indenização por dano moral será e R$ 200 mil e limitação de 500 processos por advogado da empresa.
Da Redação
O juiz do Trabalho José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva, da 6ª vara do Trabalho de Ribeirão Preto/SP, condenou o Correios a indenizar um advogado diagnosticado com síndrome de burnout. A empresa terá de pagar R$ 200 mil por danos morais e distribuir os processos entre os advogados que não ultrapasse o quantitativo de 500 processos por profissional.
O caso
No caso, o advogado contou que foi admitido em junho de 2012 como analista de Correios Júnior – Advogado e, em meado de maio de 2021, após adoecimento, procurou tratamento psiquiátrico, tendo sido diagnosticado com síndrome de burnout e indicado afastamento do trabalho por 90 dias.
Segundo o trabalhador, quando retornou ao trabalhou foi submetido a um volume superior ao do período anterior ao afastamento e sofreu assédio moral. O advogado destacou que as tentativas de equacionar a quantidade de processos de modo a preservar sua saúde e capacidade mental não foram atendidas, pelo contrário, foi tratado com agressividade e cobranças extras de forma desmedida e exposto a todos os colegas de trabalho.
Por fim, o trabalhador argumentou que, em 2022, passou a cuidar de 800 processos durante duas semanas, quando em 2013 tocava 350 processos. Após conseguir liminarmente limitar a 500 processos, os restantes foram distribuídos a outros advogados, sobrecarregando a equipe e gerando mal estar.
Ao analisar o caso, o magistrado constatou perícia que concluiu que o trabalho contribuiu de forma alta e intensa para o agravamento do transtorno psíquico apresentado e das condições de saúde.
O magistrado ainda citou a audiência do trabalhador: “(…) desabafo do autor, em seu depoimento pessoal, carregado de fortes emoções que ainda são lembradas por este juiz, meses após a audiência trabalhista em que referido depoimento foi coletado”.
Para o juiz, além de não resolver o problema crônico dos seus advogados trabalhistas, a empresa aumentou o sofrimento deles, pois passaram a ter que cuidar também de processos de natureza cível.
“Se o ideal é no máximo 500 processos e a empresa, inclusive pela redistribuição de trabalho, repassa a alguns advogados 800 – ou mais – processos, isso implica num aumento descomunal de 60% na carga de trabalho dos advogados. Simples assim!”
Burnout
Na análise da prova dos autos, o magistrado ressaltou que já se poderia perceber que o trabalhador se encontra esgotado e exausto pela quantidade de trabalho e pela forma como foi se avolumando, e que a causa de seu esgotamento está diretamente relacionada a tudo isso.
O magistrado observou que o perito concluiu que “é possível que o autor volte a apresentar incapacidade, caso seja novamente responsável pelo quantitativo de processos anterior”.
Segundo o juiz, para se identificar as causas da síndrome de burnout é mesmo necessário realizar não somente a anamnese do trabalhador, mas principalmente a “anamnese” do seu ambiente laboral, como um todo, incluindo o quantitativo de serviços, as metas, as cobranças pelo seu atingimento, as relações interpessoais no ambiente laboral e, até mesmo, a jornada de trabalho.
“Se não houver causas extralaborativas importantes a contribuir para o surgimento da doença psíquica do trabalhador – excluídos, aí, fatores genéticos, algo muito abstrato -, e se houver a prova robusta de que fatores do ambiente de trabalho são decisivos para o esgotamento psíquico do trabalhador, não pode haver outra conclusão que não seja a de que esse trabalhador é, realmente, portador de síndrome de burnout.”
Diante disso, o juiz determinou que a empresa proceda à distribuição de processos entre os advogados que não ultrapasse o quantitativo de 500 processos, que pague indenização por dano moral em R$ 200 mil e pensão mensal temporária, no valor correspondente à remuneração da época, devida no período de afastamento previdenciário.
O fim do teto de 20 salários mínimos para a base de cálculo das contribuições parafiscais voltadas ao custeio do Sistema S (Sesi, Senai, Sesc e Senac) é uma derrota para o contribuinte brasileiro, especialmente as empresas com grandes folhas de pagamento.
Essas contribuições são pagas por força de lei, com alíquota definida de acordo com o ramo de atividade da contribuinte. Em regra, não se limitam às quatro entidades do chamado Sistema S.
Algumas contribuições são corporativas, pois são de interesse de categorias profissionais ou econômicas — Sesc, Senac, Sesi, Senai, Senar, Sest e Senat, por exemplo.
Outras, como as destinadas ao Sebrae, a Apex-Brasil e a ABDI, têm natureza jurídica de contribuição de intervenção no domínio econômico (Cide) e permitem o incentivo de determinado grupo de empresas em certas atividades econômicas.
O limite para essas contribuições é uma decorrência da forma como a Lei 6.950/1981 foi editada.
O artigo 4º indicou que a base de cálculo para a contribuição previdenciária — que nada tem a ver com as contribuições a entidades terceiras — teria como limite 20 vezes o valor do salário mínimo.
O parágrafo único, na sequência, estendeu esse teto para as contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros.
Mais tarde, o Decreto-Lei 2.318/1986, ao tratar especificamente das contribuições previdenciárias, revogou o teto de 20 salários mímimos para a base de cálculo.
Tamanho do impacto
Até a última quarta-feira (15/3), o STJ vinha entendendo que, apesar disso, o limite para as contribuições parafiscais seguia vigente. Por unanimidade de votos, a posição foi alterada.
A advogada Cinthia Benvenuto, sócia da Innocenti Advogados, ajudou a mensurar o impacto. Cada empresa calcula sua contribuição parafiscal de acordo com a alíquota definida por lei para o seu ramo de atividade. A média entre essas alíquotas é de 5,8%.
Tomando por base esse valor, uma empresa no início de 2024 pagaria sua contribuição tendo como base de cálculo 20 vezes o valor de R$ 1.412, que é o salário mínimo atualizado.
Ela pagaria, portanto, 5,8% de R$ 28.240. A contribuição total da empresa seria de R$ 1.637,92.
A partir de agora, essa mesma empresa pagará 5,8% sobre o valor de toda sua folha de pagamento. Quanto mais empregados ela tiver, maior será a contribuição, sem qualquer limite.
Se essa empresa tiver folha de pagamento de R$ 500 mil, a contribuição será 5,8% disso: R$ 29 mil. Nesse caso hipotético, o salto de contribuição é de mais de 17 vezes.
Até onde vai a tese?
A tese aprovada pela 1ª Seção do STJ faz referência direta às contribuições parafiscais devidas ao Sesi, Senai, Sesc e Senac. Durante o julgamento, o ministro Mauro Campbell chegou a propor uma extensão para as demais contribuições parafiscais.
Para Cinthia Benvenuto, não houve necessidade de entrar no mérito em relação a outras contribuições, já que a tese e a lógica desenvolvida no voto indicam que a posição é aplicada a todas elas.
“A ideia geral ficou bem colocada, que era de entender que o limite de 20 salários mínimos foi revogado. A revogação, então, pode ser estendida para todos os terceiros, não só para os casos envolvendo as integrantes do Sistema S”, explica.
Graziele Pereira, sócia do Greco, Canedo e Costa Advogados, cita um importante indício disso: a decisão mais recente favorável aos contribuintes no STJ trava de contribuições ao Salário-Educação, Divisão de Portos e Canais (DPC), Fundo Aeroviário (FAer) e Incra.
Ela foi tomada no REsp 1.570.980, julgado pela 1ª Turma do STJ em 2020. Ainda assim, ela adianta que o tema deve gerar mais discussões, algo que a proposta do ministro Mauro Campbell inicialmente buscou evitar.
“Não houve pronunciamento quanto às outras contribuições devidas a terceiros, o que deve motivar a apresentação de embargos de declaração”, afirma.
Mudança de jurisprudência
A mudança da jurisprudência e o alto impacto para os contribuintes representou uma forte quebra de expectativa, o que gerou críticas.
Rejiane Prado, do Barbosa Prado Advogados, aponta que o Judiciário vem abandonando uma função quase educacional de demonstrar que normas fundamentais não poderiam ser ignoradas com o simples propósito de arrecadação.
“O que vemos hoje é um Tribunal que, por alegações de danos irremediáveis aos cofres públicos, altera jurisprudência pacífica, contraria regras básicas de formação dos tributos e ignora previsões expressas em lei com o fim de ratificar cobrança ilegal e indevida”, diz.
“O julgamento improcedente da tese de limitação das contribuições ao Sistema S pelo STJ, com o devido respeito, é uma demonstração da insegura jurídica que vivemos no país”, acrescenta.
Quem dispõe da força de trabalho alheia para desenvolver uma atividade econômica tem o dever de garantir a integridade física de quem presta o serviço. Por isso, o empregador responde pelos danos sofridos pelo empregado no desempenho da sua atividade, presumindo-se que o evento danoso foi resultado das condições oferecidas para o trabalho.
Com esse entendimento, a 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a responsabilidade de uma empresa pelas diversas lesões sofridas por uma profissional de limpeza devido ao trabalho. Assim, a ré deverá pagar pensão mensal vitalícia e indenização por dano moral, que serão estipuladas nas instâncias anteriores.
A autora sofreu uma queda quando removia cera do piso de um shopping. Isso lhe causou uma lesão no punho.
Em outro momento, ela desenvolveu uma doença inflamatória em seus punhos e cotovelos, por recolher bandejas e limpar pisos dos sanitários de um shopping.
Por conta dessas lesões, ela teve redução parcial e permanente da capacidade de trabalho em 32,5% e ficou cinco anos afastada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Depois da reabilitação, a trabalhadora foi diagnosticada com síndrome do túnel do carpo, que causa dormência e formigamento na mão. Ela passou por cirurgia para tratar o problema, 20 dias após a demissão.
A 3ª Vara do Trabalho de Santo André (SP) concedeu pensão mensal vitalícia de R$ 414 e indenização por danos morais de R$ 30 mil. Também determinou o pagamento de valores relativos à estabilidade de um ano decorrentes de doença do trabalho.
Mas o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região excluiu a condenação. Os desembargadores entenderam que não houve prova da negligência da empresa, pois a ré concedia intervalos regulares para recuperação.
A Corte ainda destacou que, mesmo com o afastamento previdenciário, a doença evoluiu. Isso, segundo os magistrados, demonstraria que não havia como a empresa evitá-la.
No TST, a ministra Kátia Arruda, relatora do recurso da autora, explicou que o fato de a empresa conceder intervalos de recuperação não afasta sua responsabilidade pelos problemas de saúde relacionados ao serviço.
Ela lembrou que, em casos semelhantes de acidente do trabalho ou doença ocupacional, nos quais “se demonstram o dano e o nexo causal com as atividades desenvolvidas na empresa”, o TST “tem declarado a responsabilidade civil por culpa presumida do empregador”.
A magistrada ressaltou que o empregador pode provar o contrário. Mas, na sua visão, os procedimentos adotados pela empresa “não foram suficientes para impedir” a queda sofrida pela autora, a lesão em ambos os punhos e no cotovelo e o diagnóstico posterior de síndrome do túnel do carpo.
Para Arruda, isso “evidencia que o evento danoso decorreu das condições oferecidas para o trabalho”. Com informações da assessoria de imprensa do TST.
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RR 1002209-12.2017.5.02.0433
Ao aplicar por analogia a regra do Regime Jurídico Único dos servidores públicos federais (Lei 8.112/1990) que possibilita a redução de jornada de quem tem filho com deficiência sem a diminuição dos vencimentos, a 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que seja mantido o salário de uma empregada de um banco cuja jornada foi reduzida de oito para quatro horas por ser mãe de gêmeas autistas.
A bancária, moradora de Alegrete (RS), é empregada da instituição desde 2006 e exerce a função de supervisora administrativa, com carga horária de oito horas e remuneração mensal que inclui gratificação de função. Suas filhas foram diagnosticadas com transtorno do espectro autista (TEA) em 2014. A mulher havia requerido administrativamente a redução de 50% da jornada, mas a empresa negou o pedido.
Na ação trabalhista, ela reiterou a solicitação, argumentando que o transtorno autista das meninas é de moderado a severo em uma delas e severo na outra, e que ambas necessitam de tratamento com equipe multidisciplinar, de alto custo, com acompanhamento constante dos pais.
Vitórias parciais
O juízo de primeiro grau atendeu parcialmente ao pedido e determinou a redução da carga horária para quatro horas diárias, no turno da manhã, sem necessidade de compensação e sem redução salarial. No entanto, a sentença retirou a gratificação de função, por ser destinada a cargo de chefia com jornada de oito horas. Ao examinar o recurso da trabalhadora, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) decidiu incluir a gratificação na remuneração, mas reduziu proporcionalmente o salário e a gratificação.
O relator do recurso de revista da bancária, ministro Agra Belmonte, observou que a situação impõe ônus excessivo à trabalhadora. Além de exigir grande parte de seu tempo, o cuidado com as filhas também emprega boa parte de sua remuneração, pois as crianças precisam de acompanhamento médico, fonoaudiológico e psicopedagógico.
Na avaliação de Belmonte, se o servidor federal tem a prerrogativa de reduzir a jornada sem perda de remuneração, os empregados regidos pela CLT também devem ter direito semelhante. “Pessoas em situações análogas não podem ser tratadas de forma absolutamente desigual”, afirmou ele, sob pena de violação do princípio da igualdade previsto tanto na Constituição Federal quanto na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU (CDPD).
O relator lembrou ainda que o Supremo Tribunal Federal já estendeu essas regras aos servidores estaduais e municipais e que o empregador, no caso, é uma das maiores instituições bancárias do país, de modo que o ônus a ser suportado por ela é razoável diante do benefício social que a medida trará para as crianças com deficiência. A decisão foi unânime. Com informações da assessoria de imprensa do TST.
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RR 20253-08.2018.5.04.0821
No final de 2023, o Congresso aprovou a Lei nº 14.611/2023, visando a promover a igualdade salarial entre homens e mulheres. O objetivo da Lei de Igualdade Salarial vai além do combate à discriminação de gênero, pois estabelece mecanismos capazes de abarcar também outras formas de discriminação sedimentadas ao longo do tempo e que resultaram em privilégios de remuneração, promoção e lideranças masculinas e brancas.
É verdade que a igualdade entre homens e mulheres já está prevista na Constituição como um dos pilares da república. Também é verdade que a Consolidação das Leis Trabalhistas já prevê normas de proteção ao trabalho da mulher, inclusive para corrigir distorções e evitar discriminação de gênero. Ainda assim, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontou que, até 2022, mulheres recebiam em média 20% a menos que os homens em todo o mundo [1].
A Lei de Igualdade Salarial não apenas reitera esse objetivo, mas também introduz mecanismos práticos para alcançá-lo, como a exigência de publicação de relatórios de transparência.
A transparência salarial em políticas públicas voltadas a combater a discriminação de gênero no ambiente laboral não é exclusiva do Brasil: também está presente em diversos países da União Europeia, Chile e Canadá, por exemplo.
Em 2022, a OIT publicou um estudo detalhando as implicações de leis de transparência para empregados e empregadores, no qual analisou argumentos favoráveis e contrários, bem como os dados obtidos em países que já possuem medidas previstas em suas legislações internas.
Embora as medidas variem de país para país, a OIT identificou que leis de transparência salarial são um instrumento importante para reduzir a discrepância na remuneração entre homens e mulheres [2].
A forma como a Lei de Igualdade Salarial introduziu o mecanismo do relatório de transparência gerou, contudo, dúvidas para além da seara trabalhista devido à possível incidência de normas de direito concorrencial e proteção de dados pessoais.
O objetivo deste texto é contribuir para o debate e, dentro do possível, esclarecer alguns dos questionamentos no que diz respeito aos dados pessoais.
O artigo 5º da lei prevê a obrigatoriedade de empresas com mais de 100 empregados publicarem semestralmente relatórios de transparência salarial, com detalhes sobre critérios remuneratórios, sob pena de multa de até 3% sobre o valor da folha de pagamento, limitada a 100 salários-mínimos.
Serão duas formas de publicação: diretamente pelas empresas e por meio da plataforma digital do Poder Executivo federal. A primeira publicação ocorrerá entre 15 e 31 de março de 2024.
Divulgação do relatório
O detalhamento sobre a publicação do relatório de transparência consta do Decreto nº 11.795/2023, editado pelo Poder Executivo federal. Conforme seu artigo 2º, § 3º, o relatório deve ser “publicado nos sítios eletrônicos das próprias empresas, nas redes sociais ou em instrumentos similares, garantida a ampla divulgação para seus empregados, colaboradores e público em geral“.
Já a especificação de quais dados devem ser publicados está prevista na Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego nº 3.714/2023. Segundo o artigo 3º dessa portaria, o relatório será composto por duas seções. A primeira seção incluirá quatro grupos de dados, extraídos do eSocial: cadastro do empregador, número de empregados da empresa por estabelecimento, número total de trabalhadores separados por sexo, raça e etnia, com os respectivos valores do salário contratual e remuneração mensal e cargos ou ocupações disponíveis, conforme Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).
A segunda seção conterá dados obtidos do Portal Emprega Brasil. Nesta parte, serão informados: a presença ou ausência de um quadro de carreira e plano de cargos e salários, critérios remuneratórios para acesso e progressão ou ascensão dos empregados, existência de incentivo à contratação de mulheres, identificação de critérios adotados pelo empregador para promoção a cargos de chefia, de gerência e de direção e existência de iniciativas ou de programas, do empregador, que apoiem o compartilhamento de obrigações familiares.
A portaria enfatiza que o valor da remuneração, para fins de comparação, deve incluir todas as rubricas pagas ao empregado.
Como se vê, trata-se de um relatório robusto, que pode incluir informações particularmente sensíveis para algumas empresas, notadamente do ponto de vista concorrencial. O papel da proteção de dados, por outro lado, é significativamente mais restrito, o que foi reforçado recentemente pelo Ministério do Trabalho e Emprego. E isso porque dificilmente os dados contidos no relatório poderão ser classificados como “pessoais”.
Dados sensíveis x LGPD
Dado pessoal, vale lembrar, é somente a informação que permite identificar uma pessoa natural: nome, CPF, endereço, número de telefone, e-mail. Se esses dados puderem gerar algum tipo de discriminação, a LGPD os reputa “sensíveis”. É o caso da raça, etnia, orientação sexual, convicção religiosa e filiação sindical, por exemplo.
Essa delimitação já restringe o âmbito de aplicação da LGPD, que não afeta dados da pessoa jurídica, tampouco políticas internas e programas relacionados ao plano de carreira. Considerando a estrutura da portaria, apenas a primeira seção mostra-se apta a atrair uma possível aplicação da legislação de proteção de dados pessoais.
Como o relatório é um instrumento de combate à discriminação, alguns dados “sensíveis” também precisarão ser informados, como raça e etnia. A questão é que a mera indicação de raça ou etnia não necessariamente permite identificar uma pessoa natural — da mesma forma que a mera divulgação de cargo e remuneração pode não resultar em uma identificação. Por vezes, é somente a combinação de alguns dados que os torna pessoais.
Nesse sentido, a lei, o decreto e a portaria fazem referência à necessidade de que os dados reportados pelas empresas sejam “anonimizados”. A LGPD define a “anonimização” como a “utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis no momento do tratamento, por meio dos quais um dado perde a possibilidade de associação, direta ou indireta, a um indivíduo“.
A anonimização envolve o uso de técnicas que removem a possibilidade de identificar direta ou indiretamente o indivíduo, afastando, por isso, a incidência da LGPD. Se o processo de anonimização puder ser revertido, todavia, permitindo a identificação das pessoas a quem os dados dizem respeito, então a LGPD será aplicável, sujeitando a empresa à fiscalização e penalidades em caso de descumprimento.
Mas, ainda que o processo de anonimização seja revertido e os dados possam ser caracterizados como pessoais, é importante lembrar o motivo da sua divulgação: de um lado, o cumprimento de uma obrigação legal do empregador; de outro, a possibilidade de exercício de direitos (como a renegociação salarial, caso constatada uma disparidade) pelos titulares. Tais motivos são elencados pelo artigo 7º, incisos II e VI, e artigo 11, inciso II, alíneas ‘a’ e ‘d’, da LGPD, como hipóteses que autorizam o tratamento de dados pessoais.
É importante lembrar, nesse sentido, que a LGPD não impede a publicidade de dados pessoais, principalmente quando o tratamento dos dados tem por objetivo promover objetivos legítimos, como é o caso da igualdade de gênero no ambiente de trabalho.
O que a LGPD exigirá, caso venha a ser aplicável, é a correta delimitação da finalidade do tratamento, a adequação e a necessidade da divulgação dos dados (debatidas também durante a tramitação do Projeto de Lei nº 1085/2023), bem como a adoção de medidas para prevenir a ocorrência de danos e garantir a segurança dos titulares.
Uma certeza, porém, existe: a LGPD — caso se aplique, em caso de eventual impossibilidade de anonimização dos dados — não representa nenhum entrave ao cumprimento da Lei de Igualdade Salarial. Os objetivos da legislação podem ser compatibilizados com a autodeterminação informativa, inclusive para fomentar medidas práticas que sejam necessárias para reduzir — e com esperança — extinguir a disparidade salarial entre homens e mulheres.
A Lei 9.029, de 1995, proíbe práticas discriminatórias na seleção e nas relações de emprego, sejam as discriminações por idade ou outros fatores.
Com base nesse entendimento, a 11ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região manteve a condenação de uma empresa a pagar R$ 10 mil de indenização a uma candidata que não foi selecionada para vaga de emprego por ter 44 anos de idade na época dos fatos.
A candidata afirmou, no processo, que os trabalhadores com menos experiência tendem a aceitar remuneração menor do que os que têm currículos mais qualificados.
Em sua defesa, a empresa contra-argumentou que a limitação etária foi imposta a pedido do cliente, já que ela só foi responsável pela intermediação do processo seletivo.
A empresa sustentou que a função do trabalhador contratado seria verificar conteúdo de vídeos curtos produzidos por adolescentes e jovens adultos, e que “pessoas igualmente jovens” contam com “mesma linguagem, gostos e aspirações”.
Apesar dos argumentos da empresa, a 11ª Turma do TRT da 2ª Região manteve, por unanimidade, o julgamento da primeira instância.
No acórdão, o desembargador-relator Ricardo Verta Luduvice, mencionou a Lei 9.029/95, que proíbe a adoção de prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de idade, entre outros aspectos.
Na decisão, o magistrado pontua ainda que “o fato da reclamada ter agido como intermediadora da empresa contratante em nada lhe corrobora”.
Ele explica que a ré serviu como meio para perpetuação da ofensa à legislação vigente e à honra da trabalhadora, que teve a participação vedada mesmo possuindo os demais requisitos para pleitear a vaga.
Priscila Moreira, advogada da área trabalhista do Abe Advogados, destaca que o preconceito etário vem sendo combatido duramente pela Justiça do Trabalho.
“É importante registrar que as empresas podem ter problemas não apenas com reclamações trabalhistas, mas também em Ações Civis Públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho, condenações por danos morais coletivas, além de trazerem um prejuízo financeiro maior, podem abalar institucionalmente a imagem da empresa”, afirma”. Com informações da assessoria de imprensa do TRT-2.