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Avaliação de Lula piora de janeiro para maio, mostra pesquisa CNT

Avaliação de Lula piora de janeiro para maio, mostra pesquisa CNT

Pesquisa divulgada nesta terça-feira (7) pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT) revelou uma queda na aprovação do governo do presidente Lula entre janeiro e maio deste ano. De acordo com o levantamento, 37% dos entrevistados avaliam o governo Lula de forma positiva, uma redução em relação aos 43% registrados em janeiro. Enquanto isso, 30% consideram o governo petista negativo, comparado a 28% em janeiro.

Os dados detalhados indicam que 12,7% classificam o governo Lula como ótimo; 24,8% como bom; 30,6% como regular; 8% como ruim; e 22,5% como péssimo. Outros 1,5% não souberam responder.

A pesquisa foi realizada entre os dias 1º e 5 de maio, com 2.002 entrevistas presenciais, e possui uma margem de erro de 2,2 pontos percentuais para mais ou para menos.

Avaliação do governo federal:

    • Ótimo: 12,6%
    • Bom: 24,8%
    • Regular: 30,6%
    • Ruim: 8%
    • Péssimo: 22,5%
    • Não sabe/não respondeu: 1,5%

A pesquisa entrevistou 2.002 pessoas presencialmente entre 1º e 5 de maio. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais para mais ou para menos.

Os índices de Lula, contudo, são melhores do que os do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), no mesmo período. Em maio de 2020, segundo ano do mandato anterior, 32% consideravam o governo ótimo ou bom, e 43% como ruim ou péssimo.

A aprovação pessoal também caiu em relação à pesquisa anterior, de janeiro deste ano, quando 55,2% aprovavam o presidente, e 39,6% desaprovavam.

  • Aprovam: 50,7%
  • Desaprovam: 43,7%
  • Não sabem ou não responderam: 5,6%

AUTORIA

Edson Sardinha

EDSON SARDINHA Diretor de redação. Formado em Jornalismo pela UFG, foi assessor de imprensa do governo de Goiás. É um dos autores da série de reportagens sobre a farra das passagens, vencedora do prêmio Embratel de Jornalismo Investigativo em 2009. Ganhou duas vezes o Prêmio Vladimir Herzog. Está no site desde sua criação, em 2004.

CONGRESSO EM FOCO
Avaliação de Lula piora de janeiro para maio, mostra pesquisa CNT

Presidencialismo de coalizão: eterno dilema?

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Por vezes considerado a razão dos problemas institucionais brasileiros, outrora entendido como a tábua de salvação para que o país não incorresse em paralisia decisória, o “presidencialismo de coalizão” não só está presente no léxico político do país diariamente como segue na berlinda. Detalhe: ainda hoje em dia são direcionados olhares contrastantes quanto ao seu efetivo funcionamento, garantia de estabilidade das decisões políticas e necessidade de se repensar o modelo adotado pós-1988.

Tudo isso tem um motivo extremamente razoável para ocorrer. Em pleno ano de 2024, no segundo ano de um governo que possui dois mandatos de ampla experiência política prévia, a pergunta que não quer calar é a seguinte: por que o presidente Lula, figura habilidosa, tem enfrentado tantas dificuldades de coordenação política junto ao Legislativo? Há ao menos duas grandes ordens de argumentos mobilizadas nas explicações.

Por um lado, há a identificação de alterações institucionais na dinâmica de relacionamento do Executivo em relação ao Legislativo, sobretudo em virtude da perda de controle sobre fatia de recursos orçamentários importantes por parte da presidência. É fato que isso se deve menos a Lula e, mais, ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, o qual escancarou o acesso ao orçamento para os parlamentares na forma de emendas do relator, popularmente conhecido como “orçamento secreto”.

Embora o Congresso já viesse avançando sobre o orçamento ainda antes, no governo Dilma Rousseff, com as chamadas emendas impositivas, é com Bolsonaro que a proporção da descoordenação se torna dramática e, agora, o governo Lula passa por grandes dificuldades quanto a saciar os apetites parlamentares. Cerca de um quinto do total de recursos livres do orçamento da União tem destinação dada pelos congressistas na forma de emendas parlamentares. Ou seja, a capacidade de controlar recursos importantes do orçamento passíveis de utilização como moedas de trocas políticas entre Executivo e Legislativo tem se perdido das mãos da presidência. Para alguns, a despeito disso, as “instituições continuam funcionando normalmente”, como se não houvesse qualquer desafio expressivo aqui no que diz respeito aos custos de governabilidade.

Por outro lado, toma-se como ponto de análise as dificuldades associadas a três fatores contextuais: 1) a configuração representativa do Congresso Nacional, mais distante das preferências políticas do Executivo, o que torna a tarefa do governo de construção da agenda política mais dificultosa perante uma oposição estridente e intensa em mobilização virtual e, uma coalizão, que caminha relativamente bem em assuntos econômicos, mas que impõem desafios de coordenação significativos em outras áreas; 2) o fator Arthur Lira (presidente da Câmara dos Deputados), visto como elemento dificultador do processo de articulação política do Executivo em relação ao Legislativo devido ao modo como atende a interesses parlamentares, conseguindo dificultar a vida do governo em diversos momentos; 3) relativo distanciamento das preocupações de Lula com uma série de temas da agenda doméstica frente a uma preocupação expressiva com a agenda internacional, resultando, inclusive, em maior distanciamento quanto ao trato político junto ao Legislativo. Para ilustrar esse fato, Lula teve 74% menos encontros com parlamentares do que o ex-presidente Bolsonaro considerando o mesmo tempo de mandato, segundo reportagem do Estado de S. Paulo (link para assinantes).

Seja pelo olhar mais amplo das mudanças institucionais, seja pelas condições políticas do contexto atual, ou por meio da combinação de ambos, o fato é que Lula tem sentido dificuldades para coordenar sua coalizão de governo. A distribuição de ministérios nas mãos e partidos aliados ainda se mostra insuficiente, o pagamento de emendas parlamentares em volume recorde também não surte o efeito esperado por muitos dos interlocutores e, de quebra, a negociação em torno de dezenas de vetos presidenciais pode vir a frustrar os objetivos da presidência em termos de preferência nos projetos.

O criador do conceito de “presidencialismo de coalizão” na literatura brasileira, Sérgio Abranches, em seu livro “Presidencialismo de coalizão: raízes e evolução do modelo político brasileiro” chama a atenção para um ponto crucial: o presidente, na condição análoga de um jogador de futebol, tem que ser simultaneamente, meio campista e atacante. Enquanto organiza as jogadas para conquistar os meios para se ganhar o jogo precisa, no limite, ganhar o próprio jogo. Sob pena de ter os resultados políticos almejados frustrados. A questão é que a coalizão se organiza pelo centro a fim de se governar e, o desafio do Congresso atual, parece ser justamente esse: qual centro? Pelo popular “centrão” já deu para perceber que o custo é elevadíssimo, a fidelidade baixa e, os desafios, inúmeros. No entanto, esses são os jogadores com os quais se pode contar e, diante dos expressivos desafios, lidar com velhas estratégias para condições novas tem sido o grande desafio. Talvez seja a hora de começar a mudar a estratégia do jogo.


O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.

AUTORIA

Coletivo Legis-Ativo

COLETIVO LEGIS-ATIVO Projeto do Movimento Voto Consciente que reúne voluntariamente 20 cientistas políticos, em paridade absoluta de gênero espalhados por todas as regiões do país. As ações do coletivo envolvem a produção de textos analíticos e a apresentação, em parceria com organizações diversas, de podcasts.

Bruno Souza da Silva

BRUNO SOUZA DA SILVA Doutorando, mestre e graduado em Ciências Sociais (Unesp/Araraquara). Pesquisador do Laboratório de Política e Governo (Unesp) e do Núcleo de Estudos sobre Política Local (NEPOL/UFJF). Foi professor de Política (Unesp/Araraquara) e da pós-graduação em Gestão Pública (FESP). Diretor do Movimento Voto Consciente e coordenador de programas de educação política no setor corporativo. Coordenador de aprendizagem (Ceproesc).

CONGRESSO EM FOCO
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Dos 34 parlamentares gaúchos, só uma destinou emendas para prevenção de desastres no estado

A deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS) foi a única, dentre os 34 parlamentares federais gaúchos, a direcionar emendas específicas do orçamento de 2024 para a prevenção de desastres no estado. Ela reservou R$ 1 milhão para o apoio à execução de estudos, planos, projetos e obras de prevenção e proteção à erosão costeira em áreas urbanizadas, a serem realizados pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, o órgão responsável pelas ações de Defesa Civil. No entanto, os valores ainda não foram empenhados.

Outros três parlamentares optaram por destinar recursos para uma ação do ministério que pode ter um impacto indireto na prevenção de desastres, denominada “Apoio a Projetos de Desenvolvimento Sustentável Local Integrado”. Márcio Biolchi (MDB) indicou R$ 3 milhões, Carlos Gomes (Republicanos), R$ 400 mil, e o senador Paulo Paim (PT), R$ 317,4 mil. Até o momento, nenhum desses valores foi empenhado. Fernanda Melchionna também direcionou R$ 2 milhões para essa mesma ação. As informações são do Blog da Andréia Sadi, do G1.

“A catástrofe que assola o Rio Grande do Sul não é um evento isolado. No ano passado e estado já havia passado por fortes chuvas e enchentes, que vitimaram 75 pessoas. Eu estive no Vale do Taquari, um dos locais mais atingidos, prestando solidariedade e ouvindo demandas. Por isso decidimos destinar essa emenda para as defesas civis municipais do Rio Grande do Sul. Só reforça a importância de as emendas seres destinadas para a real necessidade do povo”, disse Fernanda Melchionna em resposta ao Congresso em Foco.

O número de municípios do Rio Grande do Sul afetados pelas fortes chuvas chega a 388, o que representa 78,13% dos 497 do estado. O balanço aponta ainda 90 mortes confirmadas decorrentes dos temporais e outros quatro óbitos em investigação para confirmar se há relação com os eventos meteorológicos recentes. No momento, o número de desaparecidos chega a 132. No levantamento oficial, em todo o estado há 361 feridos.

Dados da ONG Contas Abertas revelam que a situação no Rio Grande do Sul não é única. Do montante de R$ 44 bilhões autorizados para emendas parlamentares em todo o Brasil em 2024, apenas R$ 59,2 milhões foram destinados a ações diretamente relacionadas à prevenção e recuperação de desastres, e apenas um pouco mais de R$ 1 milhão foi efetivamente empenhado até o momento.

Em Santa Catarina, estado também afetado por intensas chuvas, a deputada Ana Paula Lima (PT) destinou R$ 3 milhões e Gilson Marques (Novo), mais R$ 1,1 milhão para apoio à realização de estudos, projetos e obras dos entes federados para contenção ou amortecimento de cheias, inundações e erosões marinhas e fluviais. Além disso, foram indicados R$ 340 mil para a coordenação e fortalecimento do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil, porém, nenhum desses valores foi empenhado até o momento.

O governo anunciou sua intenção de acelerar o pagamento das emendas para o Rio Grande do Sul, incluindo as chamadas “emendas pix”, que não têm um destino específico e podem ser utilizadas pelos gestores conforme julgarem adequado.

Câmara aprova estado de calamidade pública para o RS. Projeto será votado nesta terça pelo Senado

CONGRESSO EM FOCO

Avaliação de Lula piora de janeiro para maio, mostra pesquisa CNT

A cultura do trabalho voluntário precisa ser permanente

Ações da sociedade civil fazem a diferença no socorro e amparo aos atingidos pelas enchentes e diante da falta de articulação das autoridades em momentos de crise humanitária.

A reportagem é de Silvia Marcuzzo, publicada por Extra Classe, 08-05-2024.

Em meio ao caos generalizado que se instalou com o avanço das enchentes trabalhadores voluntários colocaram em movimento iniciativas para ajudar as pessoas a superar esse momento em que absolutamente tudo está fora de ordem, no pior crise climática da história do Rio Grande do Sul. As ações de pessoas que deixam suas atividades de lado para ajudar o próximo estão por toda a parte. Noventa e nove vírgula nove por cento das pessoas estão ajudando, fazendo alguma coisa para melhorar a situação”, ilustra Natália Soares, presidente do Instituto ECOA. No 1% que não aparece na conta estão gente gananciosa, comerciantes que se aproveitam de uma situação de emergência para lucrar e assaltantes, acrescenta, lembrando que tem amigos que foram assaltados por falsos socorristas que entraram em ação pilotando jet-ski na área alagada do 4º Distrito de Porto Alegre.

Apesar dos aproveitadores, a solidariedade prevalece. As mais diversas ações de voluntários – de artistas a esportistas e celebridades, mas principalmente de gente do povo que não se contenta em ficar de braços cruzados – fazem a diferença por todo o estado. Nos grupos de whattsapp há muita oferta de espaços, de comida, de profissionais da área de saúde que se disponibilizam para atenuar o sofrimento das pessoas que tiveram que sair de casa às pressas. Nesse momento, há uma ausência nítida da falta de articulação das autoridades em lidar com o contexto. Então, as iniciativas da sociedade civil se revelam como essenciais para contornar os problemas. Junto com outras mulheres, Natália está reaproveitando tecidos de sombrinhas para fazer capas, sacos de dormir para pessoas que estão na rua.

Tânia Pires, fundadora do Centro de Inteligência Urbana (Ciupoa), localizado no Morro da Cruz, desde 2011, está envolvida com ações de voluntariado há 23 anos. Ela tem uma visão diferente do senso comum que prevalece na cobertura da imprensa. O foco do CIU Poa é atuar em frentes onde há interface com as mudanças climáticas, a partir de uma visão do local.

“É necessário que se faça tudo que está sendo feito. Mas não temos a cultura no Brasil do voluntário que, junto com ambientalistas, cientistas, trabalha pela prevenção”, analisa. Há uma grande diferença entre esse tipo de trabalho voluntário e aquele que age como bombeiro, o que ela chama de voluntário “pipoca”. “Quando o incêndio apaga, ele para”, diz, citando o exemplo da pandemia. “Quando as lojas abriram, foram todos consumir, deixaram de ser voluntários, contribuindo para agravar as consequências da pandemia, né?”.

Tânia entende que essa cultura do trabalho voluntário precisa ser fomentada, pois o momento exige que se trabalhe por uma causa, que também ajude no pós-desastre. “É preciso gente que saiba antecipar, se preparar, verificando o que está sendo feito para enfrentar um próximo desastre”.

Ela está falando de NUPDEC, sigla de Núcleo de Defesa e Proteção Civil. Segundo Tânia, a própria comunidade precisa cuidar, estar ciente dos riscos que corre. No entanto, ela revela que essa prática não existe em Porto Alegre. “Não existe Defesa Civil que atue com prevenção. Existem duas pessoas atrás de uma mesinha. Não existe recurso para isso. Pode ser que exista plano, mas adianta ter esse plano se não tem gente para executar?” indaga.

Trabalho voluntário

Na sexta-feira, 3 de maio, pior momento da tragédia ambiental que se abatia sobre o estado, a servidora pública Aline Müller, ao invés de se recolher na sua casa depois do expediente resolveu ir para a Usina do Gasômetro para ajudar a acolher as pessoas que estavam sendo resgatadas das ilhas de Porto Alegre. Depois de passar o final de semana organizando o local com a ajuda de uma amiga e de um grupo de skatistas para receber os resgatados, ela falou ao Extra Classe no domingo, depois das 20h.

“Foi desesperador, gente com hipotermia, nós sem banheiro, abaixo de chuva”, relatou. Com o passar do tempo, centenas de pessoas da comunidade se uniram para tentar dar conta do que estava acontecendo.

“Começamos organizar tudo, mesa, lona, começou a chegar roupa, muitas pessoas resgatadas, não tem como estimar quantos atendemos, mais de mil pessoas nos três dias. Na sexta, era tudo muito precário, tudo no improviso, recebíamos as pessoas no escuro”. Ela observa que depois que o prefeito Sebastião Melo e o governador Eduardo Leite chegaram para dar entrevistas é que foi instalado um gerador com luz.

De sexta a domingo, a alimentação foi à base de sanduíches. No domingo, um grupo chegou com fogareiro e fez comida. Ela acredita que mais de uma centena de pessoas se envolveram nos atendimentos. “Precisou de gente pra ficar nos três turnos, fiz de tudo, tudo que precisava fazer”.

Ela comenta que um rapaz de uns 17 ano chegou em estado de choque. Sem conseguir falar. Sem bateria no celular. “Nisso, achei um casal que auxiliou o moço, que não sabia para onde ir. Eles levaram o rapaz para casa deles”. Ela conta de depois de um tempo, os pais do jovem foram resgatados, mas a avó não quis sair de casa. Ficou no sótão, com seus animais de estimação.

“Se não fosse a solidariedade, o amor pelo próximo, nada teria acontecido”, constata Aline. A Usina acabou virando ponto de coleta de doações. “Agora estou abastecida, estava muito triste na quinta-feira, numa ansiedade só, vendo a destruição. Agora estou me sentindo viva. Mesmo com toda tristeza, ainda dá pra ter esperança”.

Reconstrução

Uma rede de solidariedade formada por mais de 4 mil voluntários atua desde o final de semana na reconstrução de Roca Sales e Muçum, municípios gaúchos devastados pelas cheias. Cadastrada por uma força-tarefa das prefeituras e do governo estadual, a mão de obra conta com voluntários de mais de 20 municípios gaúchos.

Em Roca Sales as equipes são deslocadas, com apoio da Brigada Militar, para um dos nove pontos mais críticos da cidade, locais que foram mapeados pelas forças de segurança do Estado e pelo Exército. No sábado, a força-tarefa voluntária recebeu o reforço de 30 eletricistas. Os quatro quilômetros de uma área urbana foi destruída pelas cheias.

“Estamos com um bom número de pessoas empenhadas no serviço de limpeza e serviços gerais. Na atual fase de reconstrução, a comunidade está precisando de serviços especializados, para ajudar nos pequenos reparos dos imóveis residenciais e comerciais”, afirma Patrícia Schwartz, diretora da escola infantil Arco-Íris, que coordena o grupo de voluntários.

Além do apoio logístico, a força-tarefa fornece alimentação gratuita ao grupo de voluntários. A distribuição das refeições parte de duas cozinhas comunitárias montadas em espaços da prefeitura, onde também são servidas refeições para as famílias desalojadas. A mão de obra solidária também conduz os locais de preparo dos alimentos.

O eletricista Ronaldo de Souza, 25 anos, morador de Lagos dos Três Cantos, a 175 quilômetros de Roca Sales, decidiu se juntar à mobilização solidária. Funcionário do ramo industrial, ele diz que a necessidade emergencial é de revisão da rede elétrica das residências. Com a enxurrada, há muitos moradores com tomadas e chuveiros elétricos comprometidos. “Os reparos elétricos são fundamentais para evitar episódios de curto-circuito, além de fornecer energia elétrica para o uso de máquinas e equipamentos de higiene, como máquina de lava-jato”, explica.

Cozinha solidária

Nesta terça-feira, 7, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) iniciou as atividades de uma cozinha solidária no assentamento Filhos de Sepé, em Viamão, para atender a população de Eldorado do Sul, um dos municípios da Região Metropolitana mais impactados pela enchente. O objetivo é produzir 1,5 mil marmitas para a população desabrigada pela enchente histórica que atinge o estado desde a última semana.

O movimento também iniciou uma campanha de solidariedade para arrecadar fundos para ações de apoio às famílias atingidas nos diversos municípios gaúchos.

Entre elas, estão cerca de 420 famílias do próprio MST que tiveram de sair às pressas de suas casas. A força das águas deixou submersos cinco assentamentos do movimento na Região Metropolitana de Porto Alegre.

IHU-UNISINOS

https://www.ihu.unisinos.br/639196-a-cultura-do-trabalho-voluntario-precisa-ser-permanente

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As veias abertas do trabalho escravo no Brasil. Uma chaga do século XXI. Artigo de Gabriel Vilardi

No ano em que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) comemora seus 40 anos de fundação, repensar as relações no campo é fundamental e inadiável. Esse modelo de exploração político-econômica da Casa Comum faliu há muito e o planeta já deu e continua dando inúmeros sinais de colapso. O caos e o estrago das inundações no Rio Grande do Sul são apenas o último grito angustiado da Pachamama.

O artigo é de Gabriel dos Anjos Vilardi, jesuíta, bacharel em Direito pela PUC-SP e bacharel em Filosofia pela FAJE. É mestrando no PPG em Direito da Unisinos e integra a equipe do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

Eis o artigo.

“A história não quer se repetir – o amanhã não quer ser outro nome do hoje -, mas a obrigamos a se converter em destino fatal quando nos negamos a aprender as lições que ela, senhora de muita paciência, nos ensina dia após dia”, adverte Eduardo Galeano (2021, p. 9). Mesmo após quase quatro séculos de escravidão no Brasil, desde a chegada do europeu colonizador até a abolição formal em 1888, pouco se conseguiu enfrentar dessa dolorosa história. O resultado é a presença da chaga da escravidão e seus muitos outros efeitos até os dias atuais.

Os “civilizados” não perderam tempo e logo no começo os indígenas já passaram a ser explorados com crueldade. Sua resistência a esse absurdo sistema de vida, ilógico para os Povos da Abya Yala que tem por princípio o Bem-Viver, lhes acarretou serem estereotipados – o que é reproduzido acriticamente ainda hoje – como preguiçosos ou ruins para o trabalho. Viver para o acúmulo desenfreado de bens desnecessários? Isso só podia ser coisa dos brancos!

Como alternativa, organizou-se o holocausto do tráfico de escravizados do continente africano, em que milhões foram arrancados violentamente de suas terras, culturas e espiritualidades para produzir a riqueza de uma pequena elite estrangeira e nacional. E mesmo diante de toda a brutalidade dos senhores de escravos, houve as mais variadas formas de insurgência, tais com os quilombos, as revoltas e o próprio candomblé – religião vítima de intolerância e muita perseguição. Já dizia o sempre atual Galeano, há mais de 50 anos:

“É a América Latina, a região das veias abertas. Do descobrimento aos nossos dias, tudo sempre se transformou em capital europeu ou, mais tarde, norte-americano, e como tal se acumulou e se acumula nos distantes centros do poder. Tudo: a terra, seus frutos e suas profundezas ricas em minerais, os homens e sua capacidade de trabalho e de consumo, os recursos naturais e os recursos humanos. O modo de produção e a estrutura de classes de cada lugar foram sucessivamente determinados, do exterior, por sua incorporação à engrenagem universal do capitalismo”.[1]

No último dia 22 de abril na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou o seu indispensável Caderno Conflitos no Campo Brasil 2023, publicação anual que compila pormenorizadamente os dados sobre a violência agrária. Qualquer estudioso sobre o tema ou militante político que se preocupe com a situação tem no relatório, produzido desde 1985, uma fonte autorizada e confiável, elaborado por uma entidade com décadas de experiência e comprometimento com os pequenos agricultores e camponeses.

Conforme os dados divulgados foram resgatados no país, no ano passado, 2.663 pessoas em 251 estabelecimentos rurais. Trata-se do maior número em 10 anos! Nesse sentido, vale reconhecer a preocupação do governo Lula com a recomposição da força de trabalho dos servidores responsáveis pela fiscalização. Após anos de descaso e esvaziamento das equipes, foi autorizada a contratação de 900 auditores fiscais do trabalho, no próximo Concurso Nacional Unificado.

Desde o tempo das capitanias hereditárias seguidas das sesmarias, o Brasil foi dividido entre as poucas e quase mesmas famílias até os presentes dias. Há muito que já se dizia que o maior problema do Nordeste não era a seca, mas a cerca. E isso pode ser estendido para todo o território nacional, em que a concentração fundiária é absurdamente altíssima. Mesmo com toda a tecnologia das últimas décadas, a vida do trabalhador rural pouco mudou nesses séculos de exploração. Por outro lado, os proprietários rurais ficaram cada vez mais ricos, como apontou o estudioso uruguaio:

“Da plantação colonial, subordinada às necessidades estrangeiras e, em muitos casos, com financiamento estrangeiro, provém em linha reta o latifúndio de nossos dias. Este é um dos gargalos de garrafa que estrangulam o desenvolvimento da América Latina e um dos primordiais fatores da marginalização e da pobreza das massas latino-americanas. O latifúndio atual, mecanizado em grau suficiente para multiplicar os excedentes de mão de obra, dispõe de abundantes reservas de braços baratos. Já não depende da importação de escravos africanos nem da encomienda indígena. Funciona com o pagamento de diárias irrisórias, a retribuição de serviços em espécies ou o trabalho gratuito em troca do usufruto de um pedacinho de terra; nutre-se da proliferação de minifúndios, resultado de sua própria expansão, e da contínua migração interna de legiões de trabalhadores que, empurrados pela fome, buscam as sucessivas safras.”[2]

Infelizmente, se consolidou um modelo agroexportador que investe na empobrecedora monocultura em detrimento da agricultura familiar. Essa sim produz os alimentos para a mesa das famílias brasileiras, apesar dos poucos incentivos oficiais, em termos comparativos. Enquanto o Plano Safra 2023/2024 alocou R$ 364,22 bilhões, o maior volume da história em recursos com juros subsidiados para o agronegócio, o Plano Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar recebeu R$ 77,7 bilhões, para atender 3,8 milhões de famílias responsáveis por 77% dos estabelecimentos rurais do país. Como alerta o clássico As veias abertas da América Latina:

“(…) a monocultura é uma prisão. A diversidade, ao contrário, liberta. A independência se restringe ao hino e à bandeira se não se fundamenta na soberania alimentar. Tão só a diversidade produtiva pode nos defender dos mortíferos golpes da cotação internacional, que oferece pão para hoje e fome para amanhã. A autodeterminação começa pela boca”.[3]

Coronéis e tradings transnacionais detêm enormes fazendas com 30, 50, 100 mil hectares, mas ainda assim alguns se indignam com as comunidades indígenas (com milhares de pessoas!) que pedem a demarcação de seus territórios coletivos. Diferentemente de inúmeros países da Europa e dos Estados Unidos, o Brasil nunca conseguiu realizar a sua reforma agrária. Quando houve uma proposta concreta, logo deram o golpe civil-militar de 1964. Em períodos de extremismos como o que o país vive, apenas mencionar o tema é o suficiente para ser acusado de comunismo ou outro absurdo qualquer. E assim se segue carregando o enorme passivo agrário

Entre as atividades rurais que mais usaram o trabalho análogo à escravidão estão as plantações de cana de açúcar com 618 pessoas resgatadas em 2023 e cerca de 10 mil desde 1995, com a criação dos grupos de fiscalização. Esse montante só é superado pela pecuária, que apesar de ter tido 156 trabalhadores libertados dessa condição no ano passado, historicamente lidera esse ranking. Como aponta o Caderno de Conflitos grandes empresas nacionais e multinacionais estão envolvidas nesses crimes:

“Em março de 2023, uma operação do governo federal resgatou 212 pessoas que plantavam cana-de-açúcar em fazendas da BP Bunge Bioenergia, joint-venture formada pela trading norte-americana Bunge e a BP, gigante britânica do setor de energia. Também em 2023 foi constatado o uso de mão de obra escrava em uma fazenda paulista fornecedora da usina produtora do Açúcar Caravelas, uma das mais conhecidas marcas do país. No ano anterior, outro caso fiscalizado pelas autoridades, desta vez em Minas Gerais, envolveu uma usina fornecedora da Coca-Cola e dos Postos Ipiranga”.[4]

A Emenda Constitucional 81/2014 estabeleceu, entre outras alterações do art. 243, a previsão de expropriação da propriedade rural e urbana onde for constatada a existência de trabalho análogo à escravidão. Foi um avanço depois de décadas de tentativas frustradas de aprovação, sempre barrada pelos representantes dos proprietários! Todavia, o dispositivo constitucional precisa ser regulamentado por uma lei e transcorridos dez anos nada avançou no Congresso Nacional. Cada dia de atraso no cumprimento da Constituição prejudica o enfrentamento ao trabalho escravo, uma vez que impede a utilização de um poderoso instrumento de coação a tais crimes.

De um Legislativo em que o latifúndio está sobrerepresentado pela poderosa bancada ruralista formada por 300 parlamentares, pouco se pode esperar. Afinal, trata-se de uma frente parlamentar comumente atrelada a interesses que vão da flexibilização da legislação ambiental, passando pelos ataques aos direitos dos Povos Indígenas e quilombolas até o enfraquecimento da proteção trabalhista. Se é verdade que uma parte considerável do agronegócio não compactua com a destruição do meio ambiente, a perseguição dos povos originários ou com o trabalho escravo, por que não pressionam seus representantes a agirem de uma forma mais republicana?

No ano em que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) comemora seus 40 anos de fundação, repensar as relações no campo é fundamental e inadiável. Esse modelo de exploração político-econômica da Casa Comum faliu há muito e o planeta já deu e continua dando inúmeros sinais de colapso. O caos e o estrago das inundações no Rio Grande do Sul são apenas o último grito angustiado da Pachamama.

“O passado é mudo? Ou continuamos sendo surdos?” provoca Eduardo Galeano (2021, p. 10). O país aprenderá com o recorde escandaloso de trabalhadores reduzidos à escravidão ou continuará buscando o lucro acima de tudo e de todos? Quando se realizará uma justa e ecológica reforma agrária no Brasil? Haverá real e suficiente vontade política dos governos municipais, estaduais e federal, com os imprescindíveis apoios dos Poderes Legislativos, para finalmente decretar emergência climática e adotar um robusto plano de transição para um novo tipo de economia, em que não haja exploração de pessoas nem a destruição suicida do meio ambiente? As veias da América Latina estão há muito abertas e o tempo de reação está se esgotando.

Notas

[1] GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Porto Alegre: L&PM, 2021. p. 18.

[2] Idem, p.78.

[3] Idem, p. 11.

[4] CAMPOS, André e BARROS, Carlos J. As cadeias produtivas do trabalho escravo em 2023. In: Conflitos no Campo – Brasil 2023. Disponível aqui. Acesso em: 02 maio de 2024.

IHU-UNISINOS

https://www.ihu.unisinos.br/639182-as-veias-abertas-do-trabalho-escravo-no-brasil-uma-chaga-do-seculo-xxi-artigo-de-gabriel-vilardi

Avaliação de Lula piora de janeiro para maio, mostra pesquisa CNT

Desindustrialização é subproduto da financeirização e da falta de um projeto de país soberano. Entrevista especial com Miguel Bruno e José Luis Fevereiro

Para os pesquisadores, a crença que o setor produtivo privado investirá na industrialização, à revelia de uma política macroeconômica que privilegie o setor produtivo de bens de valor agregado, é quimera

O princípio do declínio da indústria brasileira ocorre nos anos 1980 com a primeira fase do processo de financeirização da economia, na qual o investimento em ativos financeiros se torna mais atrativo que o setor produtivo. “A concentração bancária expande-se com os ganhos rentista-financeiros e torna o ambiente de negócios inadequado à continuidade do desenvolvimento industrial do país”, propõe o professor e pesquisador Miguel Bruno em entrevista por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

“O problema a partir da década de 1990 foi a lógica de ‘equilíbrio fiscal’ como meta principal da política econômica, associado a uma crença que o setor privado investiria na modernização do nosso parque industrial se submetido à concorrência internacional”, explica José Luis Fevereiro, em entrevista por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU. “A combinação entre uma burguesia industrial sem projeto nacional, apenas projeto de classe, e um estado com sua capacidade de investimento tolhido por pressupostos macroeconômicos equivocados acelerou a desindustrialização”, complementa.

Em períodos mais recentes, a reprimarização da economia agrava ainda mais a questão industrial. “O boom da commodities criou uma bolha de crescimento, deslocando o polo dinâmico da economia para o setor primário exportador, com consequências políticas estruturais. Temos uma bancada do agro, mas cadê a bancada da indústria?”, pondera Fevereiro. “Políticas industriais isoladas não são suficientes, é preciso retomar para o Estado a capacidade de fazer política econômica ativa e pró-crescimento econômico. É preciso ter metas de geração de emprego e de crescimento e não apenas de inflação”, sugere Bruno.

Miguel Bruno (Foto: Reprodução | Congresso Brasileiro de Economia)

Miguel Antonio Pinho Bruno é doutor em Economia das Instituições pela École des Hautes Études en Sciences Sociales – EHESS de Paris e doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. É também professor e pesquisador da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, das Faculdades de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e da Mackenzie Rio.

José Luis Fevereiro (Foto: Arquivo pessoal)

José Luis Fevereiro é economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Membro da direção nacional do PSOL desde 2007, foi secretário-geral do PT na cidade do Rio de Janeiro (1987-1988), onde presidiu o partido de 1988 a 1989. Foi secretário-geral do PT estadual de 1989 a 1993, membro da direção nacional de 1990 a 1995 e da sua executiva nacional de 1993 a 1995.

Confira a entrevista.

IHU – O Brasil vem desde os anos 1980 em um processo contínuo de desindustrialização. No âmbito do discurso político, isso coincide com a modificação da chamada “política de substituição de importações” pela expressão “política industrial”. O que isso significa e como a guinada neoliberal impacta, até o hoje, o setor?

Miguel Bruno – A recessão de 1981, provocada pelo próprio governo, inaugura a entrada da economia brasileira em um longo período de dificuldades macroeconômicas e estruturais. A década de 1980 foi marcada pelas tendências estagnacionistas do PIB e da renda nacional, alta inflação inercial e a crise da dívida externa decorrente da elevação abrupta das taxas de juros internacionais. Nesse contexto, o Estado brasileiro abandona seu papel fundamental de promotor do desenvolvimento nacional baseado na acumulação industrial de acordo com a política de substituição de importações. Mas é preciso acrescentar que foi na década de 1980 que ocorre a primeira fase do processo de financeirização da economia brasileira, baseado nos chamados ganhos inflacionários e na “ciranda financeira”. A concentração bancária expande-se com os ganhos rentista-financeiros e torna o ambiente de negócios inadequado à continuidade do desenvolvimento industrial do país. A demanda agregada foi bastante reduzida, levando à queda do investimento industrial e ao início da desindustrialização.

receituário neoliberal não defende a aplicação de políticas industriais, sobretudo aquelas que integram o modelo de substituição de importações, pois implicam protecionismo comercial e controle de capitais. Sob pressão dos organismos internacionais controlados pelos EUA, o Brasil adere açodada e acriticamente às políticas neoliberais de corte dos gastos sociais e do investimento público, abrindo sua economia sem uma estratégia nacional e soberana de desenvolvimento. Nesse sentido, aceitando acriticamente as políticas do consenso de Washington como única forma de adesão aos mercados globais de comércio e de fluxos de capitais, o governo brasileiro perde, nos anos 1990, uma oportunidade ímpar de reinserir o país na economia internacional como exportador de produtos de mais alta intensidade tecnológica e complexidade econômica, tal como fizeram Japão, os Tigres Asiáticos e agora a China.

O resultado disso pode ser constatado ao se observar a atual pauta de exportações brasileiras onde os produtos primários (commodities) representam mais de 70%. Trata-se de uma opção por um retorno ao passado primário exportador que marcou a Colônia, o Império e a Primeira República. Esta última ficou conhecida na literatura em História Econômica Brasileira como a “república dos fazendeiros do café”, mas a atual pode muito bem ser chamada de “república dos banqueiros e do agronegócio”. Em ambos os períodos da história brasileira encontramos um Estado nacional capturado e subordinado aos interesses desses setores, em detrimento dos demais setores da economia, em particular, o setor industrial. A desindustrialização é um subproduto dessa captura que se manifesta na ausência de políticas industriais, mas sobretudo de um autêntico projeto soberano de nação.

José Luis Fevereiro – O processo de industrialização do Brasil sempre foi impulsionado pelo Estado. O ciclo de substituição de importações de fato estava encerrado no final da década de 1980. Esse diagnóstico estava correto e o problema não se localiza aí. O problema a partir da década de 1990 foi a lógica de “equilíbrio fiscal “como meta principal da política econômica, associado a uma crença que o setor privado investiria na modernização do nosso parque industrial se submetido à concorrência internacional. A combinação entre uma burguesia industrial sem projeto nacional, apenas projeto de classe, e um estado com sua capacidade de investimento tolhido por pressupostos macroeconômicos equivocados acelerou a desindustrialização.

IHU – Em 1995, Fernando Henrique Cardoso fez uma de suas mais famosas frases: “A era Vargas acabou”. A sentença era a pá de cal na indústria estatal no Brasil e sintetizava a ideia de que o estado deveria ser regulador e fiscalizador, não investidor. Olhando em perspectiva e para o contexto industrial hoje, o que deu certo e o que deu errado nessa política?

Miguel Bruno – Em primeiro lugar, é preciso situar essa política de superação da “era Vargas” como uma estratégia que partiu do centro hegemônico (EUA e aliados) de alinhar o Brasil aos seus interesses geopolíticos e geoeconômicos. Que razão teriam para admitir um Brasil potência plenamente industrializado, competitivo e desenvolvido na América Latina, já que seu desenvolvimento implicaria repartir poder político e influência numa região que sempre fora considerada o “quintal” deles? O fato histórico e lamentável é que o governo FHC se caracterizou por sua submissão acrítica às imposições de Washington na medida em que iniciou os processos de desmonte do Estado nacional a partir da entrega a preços vis de empresas estatais estratégicas para o desenvolvimento brasileiro.

De um ponto de vista estrutural, o que deu errado inclui a forte queda da participação da indústria de transformação no PIB com o consequente avanço da reprimarização da economia e do setor serviços de baixa sofisticação. Não à toa, os ganhos de produtividade da economia brasileira são muito reduzidos face às necessidades de seu desenvolvimento.

De 1981 a 2022, a taxa média de crescimento da produtividade do trabalho situou-se em 0,1% a.a. sendo a desindustrialização em curso o principal responsável, pois o setor primário-exportador e o setor serviços são obviamente incapazes de ganhos maiores de produtividade. Observe-se que a taxa média de crescimento econômico do período desenvolvimentista, baseada na substituição de importações, foi de 7,5% a.a., de 1947 a 1980, mas desde 1981 a economia brasileira permanece numa tendência de apenas 2,2% a.a., com dados produzidos pelo IBGE. Uma taxa de crescimento econômico realmente muito baixa para um país ainda com renda média e com disparidades estruturais regionais e desigualdades sociais enormes.

Sobre o que deu certo, podemos citar o sucesso do Plano Real em controlar a inflação inercial, porém a um elevado custo financeiro para a população e para as empresas do setor produtivo, já que a alta inflação foi substituída por taxas de juros usurários que encarecem demasiadamente a oferta de crédito para as empresas e consumidores. Como se não bastasse, o regime de metas de inflação do Banco Central do Brasil ainda proporciona um argumento tecnicista para justificar o controle inflacionário com aumentos de juros sobre a dívida pública interna e com política fiscal constrangida pelo atual teto ajustável de gastos (o arcabouço fiscal do terceiro governo Lula) que substituiu o teto fixo anterior formulado no governo Temer.

Em suma, a experiência histórica dos países que se desenvolveram mostra que todos eles utilizaram os seus próprios Estados nacionais como instrumento para crescer e acumular riquezas, entendidas como capital industrialcientífico e tecnológico. Para se convencer desse fato, é preciso reconhecer que mercados e o setor privado não possuem objetivos sociais e desenvolvimento nacional ex ante. Empresas não são abertas para gerar emprego, pagar salários e impostos, muito menos para desenvolver um país, mas sim para gerarem lucros aos seus proprietários e acionistas. Os impactos sociais e sobre o desenvolvimento ocorrem ex post, isto é, como efeitos colaterais, como externalidades positivas, diriam os economistas.

Apenas o Estado pode e deve possuir objetivos estratégicos tanto para o desenvolvimento econômico quanto para a melhora sustentada das condições de vida de suas populações. Consequentemente, não se deve exigir nem esperar dos mercados e do setor privado da economia aquilo que eles não são capazes de entregar, porque está fora de seus objetivos mercantis empresariais. Assumir que o Estado deve encolher e resignar-se à apenas manter as instituições de segurança pública e do direito de propriedade não é apenas um argumento ideológico e descabido, é ingênuo porque completamente dissociado da história real dos países atualmente ditos avançados.

José Luis Fevereiro – Deu errado porque sem o Estado, o Brasil ficou fora dos novos setores de ponta da indústria. Nas décadas de 1940 a 1970, o Estado brasileiro cumpriu o papel de montar um setor industrial de base que o setor privado não se disporia a fazer. Na década de 1990, sem o Estado, não teve quem o fizesse. Tecnologia da informação, semicondutores, química fina, biotecnologia, indústria farmacêutica, de tudo isso o Brasil ficou de fora. O boom da commodities criou uma bolha de crescimento, deslocando o polo dinâmico da economia para o setor primário exportador, com consequências políticas estruturais. Temos uma bancada do agro, mas cadê a bancada da indústria?

IHU – Como superar hoje a encruzilhada da desindustrialização no Brasil? Se não a superarmos, para onde vamos?

Miguel Bruno – Para superar a desindustrialização em ritmo acelerado no Brasil, é preciso considerar o atual processo de financeirização da economia e a forma de inserção internacional subordinada aos interesses dos capitais rentistas de curto prazo e à divisão do trabalho e produção imposta pelo hegemon: os EUA e seus aliados internacionais que, lamentavelmente, contam com aliados internos que se beneficiam do modelo econômico imposto e das políticas neoliberais que com ele se articulam estruturalmente.

Políticas industriais isoladas não são suficientes, é preciso retomar para o Estado a capacidade de fazer política econômica ativa e pró-crescimento econômico. É preciso ter metas de geração de emprego e de crescimento e não apenas de inflação. Para isso, é necessário abandonar o uso do emprego e do crescimento como variáveis de ajuste para o controle da inflação de acordo com a lógica restrita e socialmente excludente dos regimes de metas de inflação.

Estado brasileiro perdeu o controle sobre a política monetária, que se encontra completamente sob as decisões unilaterais de um Banco Central monetarista e neoliberal tornado institucionalmente autônomo, que fixa as taxas de juros à revelia do governo eleito e das necessidades do desenvolvimento. Para completar o grau de captura e de submissão aos mercados financeiros e às elites rentistas proprietárias dos bancos, o atual governo Lula se autoimpôs a redução do controle sobre a política fiscal.

novo regime fiscal do ministro Haddad é um teto ajustável de gastos primários que se baseia numa abordagem equivocada, pois pré-keynesiana, de gestão das finanças públicas. Com certeza prejudicará o governo nas próximas eleições pela baixa performance macroeconômica que o país apresentará. Em vez de utilizar a política fiscal, os aumentos dos gastos públicos e o investimento do governo para acelerar o crescimento econômico, o governo fica à espera do aumento da arrecadação tributária decorrente da aceleração do crescimento que ele supõe, virá do setor privado, para somente depois aumentar seus gastos. Mas é preciso gastar antes para arrecadar depois. Este fato decorre do princípio keynesiano da demanda efetiva, deixado de lado apenas para agradar os setores rentistas da economia: todo gasto cria uma receita de igual montante que necessariamente atravessará a cadeia de tributos governamentais elevando a arrecadação.

O que se aprende pela teoria macroeconômica realmente pertinente é simplesmente descartado em detrimento da indústria e dos outros setores produtivos. Na prática, trata-se da vigência de uma macroeconomia antidesenvolvimento que submete o Estado nacional brasileiro e mantém o país na armadilha da renda média, num modelo econômico neoliberal e dependente. Este último, agora, sob nova gestão petista que o legitima em troca de margens estreitas de governabilidade e da rejeição de qualquer tentativa de construção de uma verdadeira estratégia nacional e soberana de desenvolvimento.

José Luis Fevereiro – Não sou otimista. Sabemos o que precisa ser feito, estão apontados alguns setores onde o Brasil tem vantagens comparativas para ser um grande player internacional como, por exemplo, a indústria farmacêutica, mas com a capacidade de investimento da União tolhida pelo Arcabouço Fiscal e por uma correlação de forças absolutamente desfavorável à retomada de um papel do setor público na área produtiva, os caminhos estão muito bloqueados.

IHU – Deseja acrescentar algo?

Miguel Bruno – Mantido esse modelo econômico que beneficia a apenas o setor financeiro e o exportador de commodities, a estratégia de neoindustrialização do ministro Alckmin tenderá ao fracasso. Para que seja bem-sucedida, é preciso retomar para o Estado nacional a sua autonomia decisória sobre as políticas fiscal e monetária de modo que o ambiente macroeconômico seja efetivamente adequado ao investimento industrial e às inovações científicas e tecnológicas. Um exemplo emblemático são os níveis em que se encontram as taxas reais de juros tanto para o financiamento do consumo quanto do investimento empresarial produtivo, apesar das pequenas reduções da taxa básica Selic. Em vista disso, podemos considerar que o Brasil hoje não possui um modelo autêntico de desenvolvimento e sim um modelo de maximização da renda financeira e dos lucros do agronegócio e dos produtores e exportadores das demais commodities metálicas e energéticas.

IHU-UNISINOS

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