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Trabalho escravo pode barrar exportações de café do Brasil para EUA

Trabalho escravo pode barrar exportações de café do Brasil para EUA

UMA DENÚNCIA REGISTRADA nesta quinta-feira (25) na Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP, na sigla em inglês) pede a suspensão das importações de café com origem no Brasil realizadas pelas multinacionais Starbucks, Nestlé, Jacobs Douwe Egberts (JDE), Dunkin’, Illy e McDonald’s.

Segundo a denúncia, realizada pela organização Coffee Watch, o café comercializado pelas empresas no mercado americano está contaminado por casos de trabalho escravo. O documento cita quatro resgates de trabalhadores ocorridos entre 2023 e 2024 em fazendas de Minas Gerais que, de acordo com a instituição, fazem parte da cadeia de fornecedores das empresas mencionadas.

A denúncia da Coffee Watch ao CBP tem como base a Seção 307 da Lei Tarifária de 1930, uma lei federal americana que proíbe a importação de produtos feitos com trabalho escravo. O CBP é responsável pela regulação dos produtos que entram no país, podendo, a partir de denúncias, barrar a importação de determinados itens.

Os EUA já emitiram algumas ordens para impedir a entrada no país de mercadorias suspeitas de violar essa norma. Em 2021, por exemplo, o CBP proibiu a importação de algodão e tomate oriundos da região de Xinjiang, na China, com base em alegadas evidências de trabalhos forçados impostos à minoria étnica uigur que vive na região.

“Essas empresas mantêm conscientemente um sistema de trabalho forçado, tráfico de pessoas e trabalho infantil forçado, do qual continuarão se beneficiando até que sejam forçadas a interrompê-lo”, argumenta a Coffee Watch na denúncia.

Entre os indícios das violações listadas no documento estão reportagens e pesquisas publicadas pela Repórter Brasil, como o relatório “Por trás do café da Starbucks”, que mostra relações entre fazendas que ostentam o selo C.A.F.E. Practices, programa de aquisição ética de café da multinacional americana, e flagrantes de trabalho escravo. Também são citadas investigações publicadas pelas organizações OxfamDanwatch e Conectas que, de acordo com a denúncia, mostram as relações entre fornecedores das empresas citadas e a exploração do trabalho.

“Não estamos falando de casos isolados. Estamos falando de um padrão disseminado e sistemático que atravessa décadas – e que continua até hoje”, analisa Etelle Higonnet, fundadora da ONG Coffee Watch, em entrevista para a Repórter Brasil.

Os EUA são o principal destino do café exportado pelo Brasil. Em 2024, o país absorveu 16% das exportações nacionais, segundo dados divulgados pelo Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé).

Cooperados da Cooxupé

Na denúncia, a Coffee Watch lista cinco casos de trabalho escravo em fazendas de produtores mineiros. À época do resgate, segundo a organização, eles eram cooperados da Cooxupé (Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé). A Coffee Watch aponta que a Cooxupé é uma das fornecedoras de café das multinacionais denunciadas.

“Essas empresas compram grãos de café colhidos no Brasil ‘total ou parcialmente’ por meio de trabalho forçado e importam os grãos para os Estados Unidos”, diz trecho da petição, acessada pela Repórter Brasil. “Portanto, instamos a CBP a emitir uma Ordem de Liberação de Retenção (“WRO”) para todo o café e produtos de café importados pela Starbucks, Nestlé, JDE, Dunkin’, Illy e McDonald’s importados do Brasil para os Estados Unidos, especialmente os produtos da Cooxupé e das cinco fazendas de café mencionadas acima”, complementa outro trecho da denúncia.

Um dos flagrantes de trabalho escravo mencionados pela ONG ocorreu nos sítios Córrego do Jacu e Paquera, em Juruaia (MG). As duas áreas, de propriedade do cafeicultor Marcos Florio de Souza, foram inspecionadas no dia 17 de junho de 2024. No total, seis trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão, entre eles um adolescente de 16 anos.

À época do flagrante, a Repórter Brasil mostrou que o produtor era cooperado da Cooxupé, informação confirmada pela cooperativa. O produtor Marcos Florio de Souza foi incluído na mais recente atualização da Lista Suja do trabalho escravo, divulgada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em 9 de abril.

A reportagem tentou contato com Marcos de Souza, por meio de sua advogada, mas não houve um posicionamento até o fechamento desta reportagem.

Em nota, a Starbucks afirmou que “as alegações apresentadas não têm mérito” e irá “defender vigorosamente a marca”. A multinacional afirma que não compra café de todas as fazendas integradas à Cooxupé, que conta com mais de 19 mil cooperados, segundo a companhia. “A Starbucks adquire café de uma pequena fração dessas fazendas, e somente daquelas que foram verificadas por meio do nosso programa C.A.F.E. Practices – um dos mais rigorosos do setor, continuamente aprimorado desde sua criação, em 2004”, complementou a multinacional.

A Nestlé informou que, quando recebe alegações de descumprimento em seus padrões, trabalha junto aos fornecedores para investigar e tomar as medidas necessárias. A multinacional suíça afirmou também que “está comprometida em promover condições dignas de trabalho e em defender os direitos humanos em toda sua cadeia de suprimentos, trabalhando ativamente para prevenir violações trabalhistas”.

A companhia JDE respondeu que não recebeu nenhum café proveniente dos produtores mencionados na denúncia e listados na Lista Suja do trabalho escravo. Também disse que não divulga informações sobre fornecedores “para proteger a integridade do nosso negócio e da nossa rede de fornecimento”. A empresa informou que tem “um forte compromisso com a aquisição responsável e a preservação dos direitos humanos em toda a cadeia de suprimentos”.

A Cooxupé e as multinacionais Dunkin’, Illy e McDonald’s também foram procuradas, mas não responderam imediatamente aos questionamentos enviados pela reportagem. O espaço segue aberto para manifestações futuras.

Liberação condicionada a mudanças

Além da emissão de uma ordem de retenção de importação para todo o café e produtos de café importados pelas seis multinacionais, a ONG pede que a liberação das importações esteja condicionada à adequação das empresas a critérios de monitoramento das cadeias produtivas e à exigência de condições adequadas de trabalho entre seus fornecedores.

“O sistema atual de investigações do governo no Brasil não tem sido suficiente para dissuadir a indústria”, aponta Higonnet. “Consideramos que, para provocar uma mudança sistêmica e uma reforma profunda, seria necessário adotar uma nova abordagem, que responsabilizasse a indústria do café pela escravidão e pelo trabalho forçado no Brasil”, complementa.

Ação judicial

No mesmo dia da denúncia à CBP, a Starbucks foi alvo de uma ação ajuizada no Tribunal de Columbia, no estado da Carolina do Norte, pela ONG International Rights Advocates (IRAdvocates).

Na ação, a IRAdvocates representa oito trabalhadores, entre eles um adolescente, resgatados de condições análogas à escravidão entre 2023 e 2024 em fazendas de Minas Gerais. As propriedades, as mesmas citadas na denúncia da Coffee Watch, são também apontadas como pertencentes a cooperados da Cooxupé, fornecedora da Starbucks.

A ONG alega que os oito trabalhadores foram traficados e submetidos a trabalhos forçados nas propriedades e pede que a Starbucks os indenize.

NOTA DA REDAÇÃO: Este texto foi alterado dia 24/04 para incluir os posicionamentos enviados pelas empresas Starbucks, Nestlé e JDE.

DM TEM DEBATE
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Trabalho escravo pode barrar exportações de café do Brasil para EUA

Brasil já está preparado para adoção da escala 4×3, aponta estudo da Unicamp

O Brasil está preparado para reduzir a jornada de trabalho para 36 horas semanais, com adoção da escala 4×3 (quatro dias trabalhados e três de descanso). É o que revela estudo publicado pelo centro de pesquisa Transforma, da Universidade de Campinas (Unicamp), em parceria com o Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit).

A pesquisa combina dados socioeconômicos e entrevistas com lideranças sindicais. O documento afirma que a mudança traria avanços na qualidade de vida, redução da desigualdade de gênero e crescimento econômico.

“A diminuição da jornada sem redução salarial é um passo fundamental contra a exploração da classe trabalhadora”, diz o estudo. “É uma pauta histórica da luta popular e sindical pela dignidade no trabalho.”

Estudo aponta carga excessiva e desigualdade de gênero

Os dados revelam um cenário de sobrecarga. Em 2024, foram registrados 470 mil afastamentos por saúde mental, o maior número em dez anos. O total representa aumento de 68% em relação a 2023.

A jornada 6×1 está associada a altos níveis de insatisfação e rotatividade, especialmente nos setores de comércio e telemarketing. Cerca de 20,88 milhões de brasileiros — 20% da população ocupada — trabalham além do limite legal de 44 horas semanais. Homens negros representam 36,7% desse grupo.

Mulheres acumulam, em média, 11 horas de trabalho diário entre funções remuneradas e tarefas domésticas. A redução da jornada poderia equilibrar essa carga e ampliar a inclusão feminina no mercado formal.

Setores mais afetados e rotatividade alta

Os piores indicadores estão nos setores de transporte, comércio, telemarketing, alojamento e alimentação. Nestes últimos, 30% dos trabalhadores estão em sobrejornada.

No telemarketing, 72% dos profissionais são mulheres. Elas enfrentam metas abusivas e uma taxa de rotatividade de 55,7%.

A economista Marilane Teixeira, coautora do estudo, destaca: “Essa medida pode gerar novos postos de trabalho e reduzir o desemprego e a informalidade.”

Proposta tramita no Congresso

A PEC das 36 horas foi protocolada, em fevereiro de 2025, pela deputada Érika Hilton (PSOL-SP). A proposta altera a Constituição para limitar a jornada a 8 horas diárias e 36 semanais. A implementação será gradual, em até um ano.

A medida pode beneficiar diretamente 38,4 milhões de trabalhadores formais, cerca de 37% da força ativa. Haveria também impacto indireto sobre o setor informal.

“A jornada reduzida tem respaldo internacional e promove saúde ocupacional, geração de empregos e estabilidade”, afirma o relatório.

Produtividade e bem-estar podem caminhar juntos

O estudo, assinado por Marilane Teixeira, Clara Saliba, Carolina Lima e Lilia Bombo, afirma que a redução da jornada “não é apenas viável, mas essencial”. Empresas que adotaram modelos mais curtos mantiveram a produtividade e melhoraram o bem-estar dos funcionários.

“O mundo já debate isso, e o Brasil não pode ficar para trás”, conclui Saliba, coordenadora do Transforma-Unicamp.

Leia a íntegra do estudo.

DM TEM DEBATE
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Trabalho escravo pode barrar exportações de café do Brasil para EUA

Em cinco anos, Justiça do Trabalho julgou mais de 450 mil casos de assédio moral

Cobranças excessivas, comentários constrangedores, tratamento agressivo, ameaças de punição caso não se cumpra determinada tarefa ou negativa de oportunidades de trabalho e promoção. Esses são alguns exemplos de condutas que podem ser classificadas como assédio moral.

Entre 2020 e 2024, a Justiça do Trabalho, em todas as suas instâncias, recebeu 458.164 novas ações envolvendo pedidos de indenização por dano moral decorrente de assédio moral no trabalho. Entre 2023 e 2024, esse número cresceu 28%, passando de 91.049 para 116.739 processos. No âmbito do 1º e do 2º graus, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) concentrou a maior demanda, com 130.448 ações trabalhistas.

Conscientização

O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), ministro Aloysio Corrêa da Veiga, atribui o aumento das ações por assédio moral nos últimos anos à maior conscientização de trabalhadoras e trabalhadores sobre seus direitos. “Assédio moral não tem espaço nas relações de trabalho”, afirma. “É uma conduta que deve ser combatida com firmeza, sempre dentro dos limites da legalidade.”

Segundo o ministro, a Justiça do Trabalho tem papel central nesse processo. “Nosso compromisso é com a consolidação de ambientes pautados pelo respeito, a fim de assegurar a dignidade de todos os que integram o mundo do trabalho.”

Cartilha

Com o objetivo de fortalecer o combate às práticas de assédio por meio da conscientização, em 2024, o TST e o CSJT lançaram duas cartilhas para que trabalhadores, gestores e organizações saibam como enfrentar o assédio, a discriminação e a violência nos ambientes de trabalho.

O “Guia Prático para Um Ambiente de Trabalho + Positivo” exemplifica as condutas abusivas, seus potenciais prejuízos para as vítimas e orienta como proceder se você for vítima ou testemunha de um caso.

A cartilha “Liderança Responsável: Guia para Prevenir e Enfrentar o Assédio, a Violência e a Discriminação” orienta pessoas que ocupam cargos de liderança sobre medidas que contribuem para ambientes de trabalho seguros, inclusivos e respeitosos. O material explora comportamentos e condutas que afetam os indivíduos e comprometem a cultura e o desempenho organizacional, mas também mostra como identificar, prevenir e enfrentar esses desafios e promover a segurança emocional da equipe.

Política da Justiça do Trabalho para enfrentar a violência, o assédio e a discriminação

As cartilhas estão vinculadas à Política de Prevenção e Enfrentamento da Violência, Assédio e Discriminação da Justiça do Trabalho, estabelecida no Ato Conjunto 52/TST.CSJT.GP e na Resolução 360 do CSJT, que refletem o engajamento nas diretrizes de valorização humana, competência de discriminação e promoção da saúde no trabalho.

Segurança psicológica

Combater todas as formas de assédio no ambiente de trabalho é uma responsabilidade essencial das instituições, públicas ou privadas, comprometidas com o bem-estar de seus colaboradores e com a construção de uma cultura organizacional ética e respeitosa.

Fabíola Izaias, psicóloga do TST, ressalta que a segurança psicológica está vinculada, diretamente, ao fato de as pessoas poderem expressar o que sentem dentro do ambiente institucional. Segundo ela, essa expressão de opiniões só pode ser garantida em um ambiente isento de assédio.

“Esse ambiente sadio é um propulsor da saúde mental e um dos fatores que diminui consideravelmente os riscos psicossociais do trabalho”, explica. “Eliminar comportamentos assediadores é fundamental para garantir a segurança psicológica e consolidar uma imagem institucional de respeito e valorização do ser humano.”

O que é o assédio

No mundo do trabalho, o termo “assédio” refere-se a comportamentos e práticas inaceitáveis que podem causar dano físico, psicológico, sexual ou financeiro a alguém. Essas condutas, além de criarem um ambiente hostil, podem levar ao adoecimento mental dos colaboradores, com o desenvolvimento de  quadros de ansiedade, depressão e estresse.

O assédio moral é um processo contínuo e reiterado de práticas abusivas que, independentemente da intenção, atentam contra a integridade, a identidade e a dignidade humana. Ele se caracteriza por condutas como exigir o cumprimento de tarefas desnecessárias ou excessivas, discriminar, humilhar, constranger, isolar ou difamar a pessoa, desestabilizando-a emocional ou profissionalmente.

Já o assédio moral organizacional acontece quando a instituição, pública ou privada, é conivente com condutas abusivas reiteradas, amparadas por estratégias organizacionais ou métodos gerenciais desumanos, com o objetivo de obter engajamento intensivo dos colaboradores.

Recorde

Segundo dados divulgados pelo Ministério da Previdência Social, em 2014, quase 203 mil pessoas foram afastadas do trabalho no Brasil em razão de quadros depressivos, transtornos de ansiedade, reações a estresse grave e outras questões relacionadas à saúde mental.

Dez anos depois, os afastamentos em razão de transtornos mentais e comportamentais mais que duplicaram, passando para mais de 440 mil, um recorde da série histórica. Ainda em 2024, os auxílios-doença concedidos por transtornos de ansiedade atingiram o maior número em dez anos, com um aumento de 76%, consolidando-se, pelo quarto ano consecutivo, como a principal causa de afastamentos no Brasil.

Riscos psicossociais

A Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) passou por uma recente atualização. Um dos avanços mais significativos na nova redação é a inclusão explícita dos riscos psicossociais dentro do gerenciamento de riscos ocupacionais (GRO).

Essa mudança reconhece o impacto significativo das condições de trabalho na saúde mental dos empregados. Fatores como estresse, assédio e sobrecarga podem levar a quadros de ansiedade, depressão e síndrome de burnout, entre outras  doenças.

Fique atento

Saber como se configura o assédio moral pode ser uma forma de combater essa prática. Veja alguns exemplos:

– Sobrecarregar o profissional com novas tarefas ou excluí-lo das demandas que habitualmente executava, provocando a sensação de inutilidade e de incompetência;

– Impor punições vexatórias, como danças ou pagamento de prendas;

– Não levar em conta seus problemas de saúde;

– Ignorar a presença da pessoa assediada, dirigindo-se apenas aos demais colaboradores;

– Limitar o número de idas ao banheiro e monitorar o tempo de permanência;

– Impor condições e regras de trabalho personalizadas, diferentes das que são cobradas de outros profissionais.

Por outro lado, não se configura assédio moral, exigir que o trabalho seja realizado com eficiência e estimular o cumprimento de metas. No dia a dia, é natural que existam cobranças, críticas e avaliações sobre o trabalho e o comportamento profissional.

Como denunciar

Ser vítima de condutas de assédio é uma situação insustentável. Muitas vezes, as pessoas não sabem como agir por medo do que possa acontecer, mas é importante denunciar a situação.

A vítima pode comunicar o fato ao setor responsável (como ouvidoria ou área de compliance da organização), ao superior hierárquico do assediador ou ao departamento de recursos humanos.

Caso não tenha sucesso na denúncia, outra opção é recorrer ao sindicato profissional, à associação ou ao órgão representativo de classe.

Além disso, a vítima tem a possibilidade de ingressar com ação judicial de reparação de danos morais. Lembre-se de reunir provas e testemunhas.

Fonte: Tribunal Superior do Trabalho
Texto: Andrea Magalhães

DM TEM DEBATE
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Trabalho escravo pode barrar exportações de café do Brasil para EUA

“STF está tornando a CLT opcional para empregadores”. Entrevista com Cássio Casagrande

Segundo Cássio Casagrande, procurador do Ministério Público do Trabalho e professor da Universidade Federal Fluminense, decisões do Supremo chancelando a pejotização (contratação via pessoa jurídica), mesmo em casos de evidente fraude, têm tornado a CLT facultativa para os empregadores.

A entrevista é de Igor Ojeda, publicada por Repórter Brasil, 01-05-2025.

“Que patrão vai assinar a carteira de trabalho?”, pergunta Cássio Casagrande, procurador do MPT (Ministério Público do Trabalho), em entrevista à Repórter Brasil.

O questionamento é uma dura crítica a uma série de decisões dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), liderados por Gilmar Mendes, que nos últimos dois anos têm anulado o reconhecimento do vínculo empregatício em casos, tidos como fraudes pela Justiça do Trabalho, de profissionais contratados via “pejotização”.

Casagrande é enfático: as decisões do Supremo significam a “destruição do direito do trabalho”. “É muito grave, porque a consequência é que os trabalhadores não podem mais buscar a Justiça do Trabalho”, alerta o procurador do MPT, que também é professor de direito constitucional da UFF (Universidade Federal Fluminense) e doutor em ciência política.

Em 11 de abril, ele lançou, em coautoria com o também jurista Rodrigo Carelli, o livro “A Suprema Corte contra os trabalhadores — Como o STF está destruindo o direito do trabalho para proteger as grandes corporações” (Editora Venturoli).

“Pejotização” é o nome dado ao processo pelo qual uma empresa, em vez de contratar um trabalhador sob o regime da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), faz um contrato civil de prestação de serviços. Nesses moldes, o empregado constitui uma pessoa jurídica, como MEI (Microempreendedor Individual) ou pequena empresa.

No entendimento da Justiça do Trabalho, se o empregador utiliza essa alternativa com o objetivo de mascarar uma relação empregatícia típica, configura-se uma fraude trabalhista. No entanto, o STF tem adotado a tese de que qualquer contrato “pejotizado” é válido, pois seria equivalente a uma terceirização. Esse posicionamento, “um erro grave”, analisa o procurador do MPT, têm tornado “a CLT facultativa para os empregadores”.

Casagrande explica que foi o próprio Supremo que “abriu a porteira” para essa possibilidade ao julgar a constitucionalidade da terceirização da atividade-fim prevista na reforma trabalhista aprovada em 2017.

Na ocasião, diz, “o tribunal estabeleceu não somente que era possível terceirizar, como também realizar qualquer outra forma de organização produtiva do trabalho alternativa à CLT. O legislador havia apenas permitido a terceirização da atividade-fim. O Supremo deu um passo além disso”.

O resultado, esclarece o procurador, é que o STF passou a ser inundado por reclamações constitucionais propostas por empregadores contestando decisões da Justiça do Trabalho que determinaram a existência de fraude na contratação de trabalhadores pejotizados. “O Supremo virou a maior Vara do Trabalho do Brasil”, diz.

Casagrande afirma que dos 11 ministros da corte, 9 têm acolhido monocraticamente a tese da legalidade de qualquer tipo de pejotização – Edson Fachin e Flávio Dino são as exceções. Em 14 de abril, diante do alto volume de processos, o ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão de todas as ações no STF sobre o tema até que o tribunal decida sobre ele em plenário.

Uma possível confirmação da tese pelo colegiado do Supremo seria, na avaliação do procurador do MPT, uma “catástrofe”. Segundo ele, além dos impactos aos direitos trabalhistas, a liberação total da pejotização traria graves consequências para a arrecadação de impostos e a Previdência Social.

Eis a entrevista.

O livro que o senhor acabou de lançar em coautoria com o professor Rodrigo Carelli tem como subtítulo “Como o STF está destruindo o direito do trabalho para proteger as grandes corporações”. Poderia explicar essa afirmação?

Em 2017, o Congresso aprovou a reforma trabalhista. E a constitucionalidade de alguns de seus pontos foi questionada perante o Supremo Tribunal Federal, em especial, a questão da terceirização. Porque havia uma certa discussão na Justiça do Trabalho sobre quais seriam seus limites. A Justiça do Trabalho vinha entendendo que ela era possível, exceto em atividades-fins [a atividade principal de uma empresa].

Porém, a reforma trabalhista mudou esse entendimento e estabeleceu que seria possível terceirizar qualquer atividade da empresa, inclusive a principal. Isso foi levado ao Supremo, que decidiu que a lei é constitucional. E, ao julgar esse assunto, o tribunal estabeleceu não somente que era possível terceirizar, como também realizar qualquer outra forma de organização produtiva do trabalho alternativa à CLT. O legislador havia apenas permitido a terceirização da atividade-fim. O Supremo deu um passo além disso.

Então essa possibilidade não está contida na reforma trabalhista?

Não está. Foi o Supremo que colocou ali. E, quando fez isso, abriu a porteira. Porque aí algumas empresas, alegando que a pejotização é uma forma de terceirização, começaram a levar ao Supremo decisões da Justiça do Trabalho que reconheciam o vínculo de emprego com trabalhadores pejotizados. E o Supremo acolheu essa tese. No meu modo de ver e de vários outros juristas, isso é um erro grave, porque terceirização e pejotização são coisas completamente diferentes. Não estou dizendo que toda pejotização é fraudulenta, e mesmo a Justiça do Trabalho nunca agiu assim.

Mas aconteceu um desvirtuamento grande da pejotização no mercado de trabalho. Em vez de contratar pela CLT, a empresa contrata como PJ [pessoa jurídica]. Mas o trabalhador é empregado, bate o cartão de ponto, atua sob um comando hierárquico disciplinar. A CLT, no seu Artigo 9º, diz que os atos que tendem a mascarar uma relação de emprego são nulos de pleno direito. O Artigo 3º estabelece certos pressupostos fáticos: subordinação, trabalho contínuo, hierarquia etc. É assim que você vê se é contrato de trabalho ou não.

O Supremo simplesmente inverteu a lógica e decidiu que, se o trabalhador assinou um papel como PJ, a Justiça do Trabalho não pode anular. Vale o que está escrito. Eu até brinco no livro: é como no jogo do bicho. Vale o que está no papel, não importa a realidade. Se o trabalhador aceitou ser contratado como PJ, não pode mais questionar. Isso é um verdadeiro absurdo, é a verdadeira destruição do direito do trabalho, porque, se isso valer, que patrão vai assinar a carteira de trabalho? Acaba-se modificando o caráter da pedra fundamental do direito do trabalho, que é o chamado contrato-realidade, ou seja, o que importa é a realidade, não o rótulo que se dá.

Vamos lembrar que essas decisões do Supremo têm um impacto terrível sobre a Previdência Social, porque o pejotizado recolhe a própria cota previdenciária, que é menor do que a de outro trabalhador. E, no caso do contrato de trabalho, a empresa recolhe a previdência sobre a folha de pagamento. Quando contrata o PJ, não recolhe. Aí eu pergunto: quem é que vai sustentar a Previdência se todo mundo for pejotizado? Então, o Supremo está tomando essas decisões de forma inconsequente, sem medir os problemas que isso vai gerar.

O problema é que os ministros do STF estão decidindo monocraticamente, por critérios aleatórios. E é preocupante porque todos os direitos que dependem do contrato de trabalho ficam inviabilizados. Pense numa mulher trabalhadora que sofre assédio sexual. Se ela é pejotizada, como vai reclamar para o judiciário? Pessoa jurídica não sofre assédio sexual. É uma relação horizontal, e o assédio pressupõe uma relação vertical. E o mais absurdo do posicionamento do ministro Gilmar Mendes é que ele tem dito que a Justiça do Trabalho não tem competência para apreciar esses conflitos.

A Justiça do Trabalho não teria competência para julgar esses casos, segundo o ministro, porque seria um contrato civil, não um contrato de trabalho, é isso?

Sim. Mas, quando o trabalhador entra com uma ação trabalhista, não está entrando como pessoa jurídica, e sim como pessoa física, como trabalhador. Ele não é uma pessoa jurídica, ele tem a pessoa jurídica. Então, é claro que é competência da Justiça do Trabalho. Isso funciona assim há 80 anos, desde que a Justiça do Trabalho foi criada. Não houve fato novo algum para mudar. [Os ministros do STF] tiraram isso da cabeça deles.

Além de retirar da Justiça do Trabalho a competência para julgar, caso a caso, se há fraude ou não nos contratos pejotizados, essas decisões do Supremo têm o potencial de inclusive mudar a própria configuração do mundo do trabalho, não?

Essas decisões tornam a CLT facultativa para os empregadores. Ou seja, causam um impacto tremendo no mercado de trabalho, porque várias empresas vão substituir o celetista [contratado sob o regime da CLT] por PJ, porque o Supremo garante. Vale o escrito, não importa a realidade. Não existe mais a possibilidade de se discutir fraude trabalhista na Justiça do Trabalho. É uma decisão irresponsável do Supremo Tribunal Federal, que não pensa no impacto dessas decisões no mercado de trabalho, na Previdência Social e, inclusive, na própria fazenda. Porque o recolhimento de Imposto de Renda da pessoa jurídica é menor do que quando há contrato de trabalho. Se isso passar [no plenário do STF], será uma catástrofe.

É ruim, como falei, para as mulheres trabalhadoras, porque, além da questão do assédio, como se vai garantir a elas a licença-maternidade, estabilidade da mulher grávida, isonomia salarial? Outras minorias também serão afetadas.

Em 14 de abril, o ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão de todos os processos que discutem a pejotização até que o colegiado do STF decida sobre o assunto em um Tema de Repercussão Geral. A expectativa é que a decisão em plenário confirme a tese que os ministros vêm aplicando monocraticamente?

Tudo indica que sim. A perspectiva é ruim porque, dos 11 ministros, 9 estão acompanhando o Gilmar Mendes na admissão de forma ampla da prevalência do contrato sobre a realidade. Somente os ministros Edson Fachin e Flávio Dino estão contrários. Minha esperança é que os atores sociais exerçam alguma pressão, principalmente os sindicatos.

A gente sabe que o STF é sensível a esse tipo de articulação, não só das centrais sindicais, mas do próprio governo. O governo Lula também está dormindo no ponto, vamos falar bem claro. O ministro da Fazenda tem que acordar e ver que isso aí vai dar um rombo de bilhões na Previdência Social.

A própria Procuradoria Geral da Fazenda Nacional já mandou uma petição para o Supremo advertindo para as consequências fiscais se essa tese for aprovada. Inclusive para a própria justiça fiscal. Porque se o Supremo disser que trabalhador hipersuficiente pode ser contratado como PJ, somente o trabalhador miúdo vai pagar imposto sobre o salário. É o trabalhador da CLT que ganha dois, três salários mínimos. Aqueles que ganham R$ 20 mil ou mais vão pagar menos imposto. Ou seja, causaria um problema também de injustiça tributária. O cenário é catastrófico.

Por que 9 dos 11 ministros estão interpretando o tema dessa forma? Falta compreensão sobre o direito do trabalho ou há outros motivos?

São várias coisas. Primeiro, vamos falar claro: é lobby empresarial no Supremo. O que leva o Luís Roberto Barroso a falar em Roma, patrocinado pelo Esfera Brasil, que é uma entidade constituída por grandes empresas de São Paulo? Há uma pressão econômica sobre o Supremo. E também porque os grandes líderes do Supremo – Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Alexandre de MoraesCármen LúciaLuiz Fux – são de pensamento liberal radical na economia.

Há uma ideia errada, que a direita fala muito, de que a Suprema Corte é progressista. É uma ova. Pode ser progressista para questões morais, que também têm a ver com um pensamento liberal de que o Estado não deve se imiscuir nas relações privadas das pessoas, por exemplo, da comunidade homoafetiva. Mas, quando chega na questão econômica, o Supremo é liberal conservador, no sentido de prestigiar os interesses do patronato. E os ministros são antitrabalhadores, antissindicatos.

É possível considerar que tanto a reforma trabalhista e a liberação da terceirização da atividade-fim quanto os julgamentos do STF anulando decisões da Justiça do Trabalho fazem parte de um mesmo processo de desmonte dos direitos trabalhistas que vem se desenrolando nos últimos anos?

Exatamente. Tudo isso faz parte da onda conservadora no Brasil, na qual o judiciário também está surfando. E há também certo desequilíbrio de poderes, porque o Supremo está legislando, usurpando a competência do Poder Legislativo. Não existe nenhuma lei dizendo que o contrato prevalece sobre a realidade, e sim exatamente o contrário.

O que o Supremo está fazendo não existe em nenhum país civilizado do mundo. O princípio da primazia da realidade sobre o contrato existe em todos os países da Europa, da América Latina, dos Estados Unidos. Há, inclusive, a Recomendação 198 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) que diz que a legislação deve evitar que formas simuladas de contrato prevaleçam sobre a relação de fato.

Mas uma das justificativas para a reforma trabalhista era que a legislação trabalhista brasileira estava ultrapassada e precisava ser atualizada, e que inclusive era uma das mais rígidas do mundo.

Papo furado. A legislação trabalhista da Alemanha é muito mais rígida e complexa do que a brasileira. E é o país com maior produtividade da Europa. Nos Estados Unidos, qual é o estado que tem a legislação trabalhista mais rígida? A Califórnia, uma potência econômica.

Então, essa afirmação não faz sentido. E a ideia de que a CLT é muito antiga e ultrapassada ignora que ela já foi reformada várias vezes. Hoje, não tem sequer 15% do seu texto original. Então, é um discurso ideológico.

IHU – UNISINOS

https://www.ihu.unisinos.br/651422-stf-esta-tornando-a-clt-opcional-para-empregadores-entrevista-com-cassio-casagrande

Trabalho escravo pode barrar exportações de café do Brasil para EUA

Mais de 32 milhões de brasileiros são autônomos informais ou trabalham sem carteira

Número representa 31,7% dos trabalhadores brasileiros.

A reportagem é publicada por Agência Brasil, 01-05-2025.

Cerca de 32,5 milhões de trabalhadores brasileiros atuam como autônomos de modo informal (ou seja, sem CNPJ) ou são empregados sem carteira assinada no setor privado, segundos dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso representa 31,7% dos 102,5 milhões de empregados no país.

Esses números, referentes ao primeiro trimestre deste ano, não consideram os 4,3 milhões trabalhadores domésticos sem carteira assinada, os 2,8 milhões de trabalhadores do setor público sem carteira nem os 816 mil empregadores sem CNPJ.

Na comparação com o primeiro trimestre do ano passado, observam-se aumentos tanto no número absoluto de autônomos informais e trabalhadores de setor privado sem carteira (32,3 milhões) quanto na sua proporção em relação ao total da população ocupada (31,5%).

Em cinco anos, o contingente de trabalhadores nessas situações cresceu quase 10%, já que, no primeiro trimestre de 2020, eles somavam 29,7 milhões.

Os dados mostram a dimensão da precarização das relações de trabalho no país. O enfrentamento ao subemprego, à informalidade, à terceirização e ao trabalho intermitente é uma das reivindicações da Pauta da Classe Trabalhadora, um documento assinado conjuntamente por oito centrais sindicais e entregue na última terça-feira (29) ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.

Uma das faces da precarização das relações entre empresas e o trabalhador é a chamada “plataformização do trabalho”, ou seja, o uso de mão de obra por empresas de internet, sem que haja qualquer vínculo trabalhista entre eles.

Aplicativos

É o caso das plataformas de entrega e de transporte por aplicativo, que usam trabalhadores autônomos para executar o serviço contratado por um cliente. A aprovação de um projeto de lei complementar que regulamente os direitos trabalhistas, previdenciários e sindicais dos trabalhadores mediados por plataformas no transporte de pessoas é outra reivindicação da pauta entregue ao presidente Lula na terça-feira.

Nesta quinta-feira (1º), Dia do Trabalhador, manifestantes fazem um ato em São Paulo contra a precarização das relações de trabalho e o que eles chamam de “exploração das empresas de aplicativo”.

Os trabalhadores por conta própria sem CNPJ somam 19,1 milhões, segundo o IBGE, quase um em cada cinco pessoas ocupadas no país.

“A grande maioria dos entregadores, para não dizer todos, não tem um controle da jornada de trabalho. A empresa só paga pelo tempo que ele fica disponível [trabalhando] e, para fazer, em tese, o salário que um CLT faz em oito horas, ele tem que ficar 14 horas, 16 horas à disposição da empresa”, afirma o presidente da Federação Brasileira dos Motociclistas Profissionais (Febramoto), Gilberto Almeida.

O rendimento médio mensal de um empregado com carteira assinada (R$ 3.145) é, segundo o IBGE, 51% maior do que aquele do trabalhador por conta própria sem CNPJ (R$ 2.084).

“A plataformização do trabalho representou claramente uma precarização do trabalho. Comparando a ocupação de motoristas e entregadores antes e depois da introdução da das plataformas, você percebe justamente uma menor renda, mais horas trabalhadas e menor contribuição previdenciária, ou seja, essas ocupações eram menos precárias antes da introdução dessas plataformas de aplicativos”, destaca o técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Sandro Sacchet de Carvalho.

Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que representa empresas do setor, considera que o trabalho intermediado por plataformas de mobilidade e entregas “é uma realidade nova proporcionada pela tecnologia”. “Embora tenha características diferentes das relações trabalhistas tradicionais regidas pela CLT, não se configura como uma atividade profissional menos digna do que qualquer outra”, destaca nota divulgada pela entidade.

A associação destaca que há 2,2 milhões de pessoas trabalhando sob essa modalidade de emprego em todo o Brasil e que, segundo uma pesquisa do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), a maioria delas aponta a flexibilidade de horários como o principal atrativo da atividade em apps, seguida dos ganhos obtidos.

A Amobitec ressalta que, nesse modelo de relação de trabalho, os profissionais parceiros prestam serviço em condição similar ao de autônomos e defende a regulamentação dessas novas formas de trabalho.

“Há urgência em se avançar em uma regulamentação do trabalho por aplicativos para que, respeitando-se as características de autonomia e flexibilidade do modelo de negócio, os trabalhadores tenham acesso a benefícios previdenciários básicos, como auxílio-doença e aposentadoria. Cada vez mais um número maior de trabalhadores recorre às plataformas para obter renda”, diz o diretor executivo da Amobitec, André Porto.

A Ifood, uma das empresas que usam a mão de obra de trabalhadores autônomos intermediada por plataforma de tecnologia, afirma que “o trabalho baseado em aplicativos é uma fonte complementar de renda para grande parte dos entregadores”. “Segundo pesquisa Cebrap/Amobitec, com dados de 2022, quase a metade dos entregadores afirmou estar exercendo outra ocupação (48%), sendo 50% destes com carteira assinada, ou seja, já têm contrato de trabalho no modelo CLT”, informa a empresa por meio de nota.

Ainda de acordo com a empresa “os entregadores cadastrados no iFood são trabalhadores independentes que podem usar o aplicativo para gerar renda com autonomia e flexibilidade. Eles podem ligar e desligar o aplicativo a seu critério, a qualquer momento, decidir o local onde oferecerão seus serviços, rejeitar entregas que não considerem favoráveis, sem penalidade, e escolher a rota de entrega mais adequada. Os entregadores podem trabalhar para aplicativos concorrentes sem qualquer exclusividade e, como trabalhadores autônomos, devem arcar com os custos da atividade”.

O pesquisador do Ipea Sandro Carvalho explica que já havia uma tendência de aumento da precarização das relações de trabalho mesmo antes do surgimento dos aplicativos de celular. Há muitos empregados informais, por exemplo, em segmentos não relacionados a plataformas tecnológicas, como os setores da construção e de alojamento e alimentação.

“A precarização é uma tendência que vem sendo observada, com maior ou menor intensidade, desde os anos 90. A precarização do trabalho é justamente a institucionalização de formas de subemprego, tornar as formas precárias de trabalho cada vez mais oficiais. Isto é, transformar essas formas de trabalho em algo não ilegal”, explica Carvalho.

Pejotização

Nem todos os trabalhadores autônomos são informais. Muitos possuem CNPJ, apesar de representarem uma parcela bem menor dentro do universo daqueles que trabalham por conta própria.

De acordo com o IBGE, 6,8 milhões trabalham no país como pessoa jurídica (PJ). É o caso de muitos profissionais liberais que têm seus próprios escritórios ou consultórios, por exemplo.

”Trabalhadores altamente qualificados como médicos, advogados e até alguns jornalistas podem até preferir ser PJ, porque assim vão pagar menos imposto e eles podem obter, de forma privada, os benefícios associados a uma carteira de trabalho. Eles podem pagar uma previdência privada, pagar um seguro de saúde privado etc.”, afirma Carvalho.

O problema, segundo o pesquisador, é quando a “pejotização”, ou seja, a contratação de um empregado como PJ em vez de assinar sua carteira de trabalho, é usada pela empresa para cortar custos trabalhistas. Isso, em geral, ocorre com trabalhadores “não tão qualificados”, afirma Carvalho.

“A maioria dessa ‘pejotização’ representa uma perda de direitos associada à carteira de trabalho. Então ela gera um crescimento forte da insegurança do trabalhador no emprego. A pessoa pode ser demitida de forma mais fácil, sem direito às verbas indenizatórias, sem direito ao acesso ao seguro-desemprego. E fica mais difícil dizer quem é o responsável em caso de risco de acidente, porque você está tratando uma contratação de serviço. E isso não consegue ser compensado por um maior salário”, ressalta o pesquisador do Ipea.

Ele destaca que a reforma trabalhista, de 2017, facilitou a “pejotização”, ao permitir que trabalhadores autônomos tenham apenas um demandante, no caso o seu empregador.

“Fica difícil separar ou tentar determinar exatamente que um trabalhador autônomo na verdade tem um vínculo empregatício com determinada empresa, se você permitir, por exemplo, que trabalhadores autônomos tenham só uma pessoa que contrata o seu serviço.”

Entrevistada pela Agência Brasil em abril deste ano, a vice-coordenadora nacional da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT), Priscila Dibi Schvarcz, afirmou que a “pejotização” é uma fraude em relação ao emprego.

“[A prejotização] consiste em contratação de trabalhador subordinado por meio de pessoa jurídica, com o intuito de ocultar o vínculo empregatício por meio da formalização contratual autônoma. Trata-se, portanto, de um mecanismo voltado a mascarar vínculo empregatício por meio da formalização contratual autônoma”, afirma a procuradora.

A questão da “pejotização” está sendo analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em abril, o ministro do STF Gilmar Mendes decidiu suspender todos os processos relacionados a essa questão que estejam tramitando na Justiça, até que a Suprema Corte decida sobre o assunto.

Reivindicações

A Pauta da Classe Trabalhadora 2025, entregue nesta semana ao presidente Lula, traz outras 24 reivindicações, além das já citadas regulamentação dos trabalhos mediados por aplicativos e o enfrentamento à informalidade. Entre elas estão a recuperação do poder de compras de aposentados e pensionistas, valorização do salário mínimo, fortalecimento do FAT e do FGTS, redução da jornada de trabalho sem diminuição do salário e fim da escala 6×1.

Em seu perfil na rede social Instagram, o presidente Lula registrou o recebimento da pauta. “Nosso governo tem raízes nessa luta e estará sempre com as portas abertas para o diálogo com aqueles que fazem a roda da economia girar”, afirmou o presidente.

Apesar de o número de trabalhadores autônomos informais e daqueles sem carteira assinada no setor privado representar quase um terço da população ocupada no país, o IBGE vem registrando aumentos no total de empregos com carteira assinada no setor privado.

Dados divulgados nesta semana mostram que o total de trabalhadores com carteira assinada está em um patamar recorde. No primeiro trimestre deste ano, havia 39,4 milhões de empregados nessa situação, o maior volume para um trimestre desde 2012, quando a Pnad Contínua começou a ser realizada pelo IBGE.

IHU – UNISINOS
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Trabalho escravo pode barrar exportações de café do Brasil para EUA

A LGPD influencia diretamente as negociações coletivas de trabalho

Alexandra Del Amore de Carvalho e Helio Ferreira Moraes

LGPD avança no Brasil, impacta relações trabalhistas e firma a proteção de dados como direito fundamental inegociável nas normas coletivas.

Muita gente fala que a LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados1 não pegou, ou que não vai pegar! Essa parece uma visão pontual da cena social-jurídica brasileira, pois o aculturamento a uma nova legislação de tamanho espectro social, como a LGPD, é demorado, muitos fatores influenciam esse processo, desde a própria estruturação dos órgãos públicos de fiscalização e controle, a introspecção das empresas públicas e privadas de que precisam dar atenção ao tema, até o conhecimento das pessoas de seus direitos para que possam exigi-los.

Ao ampliarmos nosso horizonte de visão, tendo em mente toda a transformação digital que estamos imersos, visualizamos que não só a LGPD já pegou, como vai ser acompanhada por diversas outras leis e regulamentos complementares, em diversas áreas jurídicas, com o propósito de cada vez mais exigir a responsabilidade corporativa sobre os dados pessoais dos indivíduos.

Em algumas áreas, inclusive, as aplicações da LGPD têm se ampliado, na esfera trabalhista por exemplo, temos milhares de reclamações trabalhistas no Brasil que já incluem alguma questão envolvendo LGPD, mas para além disso a LGPD passou a influenciar até os limites de negociação dos acordos coletivos. Historicamente, as negociações coletivas desempenham papel importante na regulamentação das mais diversas categorias profissionais e constituem importante fonte de direitos do trabalhador. Fundada no princípio da adequação setorial negociada, tais instrumentos permitem que empregados e empregadores estabeleçam regras próprias para as relações de trabalho, levando em conta características únicas de cada setor.

Não à toa, que o arti. 7º, XXVI, da Constituição Federal estabelece o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho como instrumentos legítimos de produção normativa. Além disso, o STF, em julgamento do Tema 1.046 da repercussão geral2, tratou da constitucionalidade de acordos e convenções coletivas que limitam ou afastam direitos trabalhistas, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis. No caso, o STF estabeleceu que tais acordos são constitucionais, desde que observado princípio da adequação setorial negociada e o respeito ao patamar civilizatório mínimo de direitos trabalhistas.

Mas o que acontece quando o acordo negociado interfere na proteção do direito à intimidade e privacidade do trabalhador?

Recente decisão do TST3 debruçou-se sobre esse conflito ao analisar a legalidade da norma coletiva que obrigava o repasse de dados pessoais de empregados, tais como nome completo, número do CPF – Cadastro de Pessoa Física, telefone, e-mail, data de nascimento e nome da mãe, para uma empresa gestora de cartão de descontos. Na ação proposta pelo sindicato dos trabalhadores, defendia-se que as empresas seriam obrigadas a fornecer esses dados pessoais dos empregados porque a norma visava à concessão de benefícios.

A empresa insurgente, por outro lado, justificava a recusa em prover os dados pessoais pelo fato de que se tratava de informações sensíveis dos empregados, as quais são utilizadas amplamente por criminosos em operações de engenharia social para aplicar golpes, não havendo uma base legal que justificasse esse compartilhamento, incluindo a falta de consentimento expresso destes para o repasse dos dados à empresa gestora do benefício, o que atrai a proteção da LGPD.

Interessante notar, especialmente para aqueles que não acreditam que a LGPD já pegou, que o TST considerou que a cláusula em questão viola a LGPD, especificamente os artigos 7º, I, e 8º, que estabelecem que o tratamento de dados pessoais depende do consentimento do titular ou alguma outra base legal aplicável. No caso, os empregados não haviam autorizado expressamente o compartilhamento dos dados, e tampouco exista algum outro fundamento legal para esse compartilhamento, o que tornaria ilegal a obrigatoriedade do fornecimento. O TST ressaltou ainda que a privacidade e a proteção de dados são direitos fundamentais indisponíveis, não podendo ser objeto de negociação coletiva, na forma estabelecida pelo STF.

O precedente revela um importante balizador dos limites do negociado sobre o legislado. Encontramos muitas normas coletivas que avançam sobre direitos dos trabalhadores e que são validadas por juízes e Tribunais com base na repercussão geral julgada pelo STF, mas também é certo que algumas delas são anuladas sob este mesmo princípio, por extrapolarem os direitos indisponíveis. Mas quais são os fundamentos que definem o que pode ou não ser considerado direito indisponível? Estes fundamentos se mostram ainda difusos, sobretudo na jurisprudência, já que a própria definição de direito indisponível conta com conceitos mais diversos.

Não se pode ignorar que a proteção de dados é direito cuja proteção é regulamentada em legislação própria e que reflete uma tendência global da preocupação com a forma como as empresas tratam e utilizam os dados de clientes e colaboradores. Vale lembrar, ainda, que o Brasil tem avançado significativamente no campo da proteção dos direitos fundamentais à privacidade nos últimos anos. Além da LGPD, tivemos a importante decisão do STF4 em 2020 que proibiu o compartilhamento de dados das empresas de telecomunicações com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), suspendendo a eficácia da MP 954/20, por ausência de garantias suficientes para proteger os dados pessoais dos cidadãos, o que poderia levar a usos indevidos ou vazamentos dessas informações. No mesmo sentido, a emenda constitucional 115 em 2022 incluiu explicitamente o inciso LXXIX no art. 5º da Constituição Federal, que assegurou a proteção de dados pessoais como um direito fundamental.

Do ponto de vista das relações de trabalho, é interessante notar que a limitação veio justamente de direito fundamental mais amplo, que não abrange apenas aspectos das relações de trabalho e protege o próprio cerne da intimidade do indivíduo.

A reforma trabalhista5 iniciou uma tendência de se privilegiar a autonomia dos entes negociais para estabelecerem as normas de suas respectivas categorias, mas essa autonomia não pode ser excessiva, sem parâmetros objetivos a respeito de seus limites, que potencialize violações de outros direitos dos trabalhadores, como a proteção de dados.

A decisão do TST evidencia essa nova era de interseção entre áreas jurídicas, como regras para estabelecer a negociação coletiva e proteção de dados. Sindicatos e empregadores precisam se atentar aos limites impostos pela LGPD e da impossibilidade de dispor sobre os dados de seus colaboradores de forma inconsequente. A baliza do direito indisponível à privacidade reafirma a importância da proteção dos dados pessoais de trabalhadores, sendo garantia inegociável. A velocidade de implantação desse ecossistema da LGPD talvez não seja a desejada para garantir rapidamente uma sociedade mais responsável pela privacidade, ainda temos um longo percurso pela frente com diversas consolidações e aculturamento. Mas sem dúvida é um caminho sem volta, cada vez mais vamos ter essa intersecção multisetorial entre outros direitos e nossa privacidade, pois nossos dados pessoais estão em todas as áreas das organizações e valem cada vez mais nas mãos de criminosos digitais, empresas de marketing digital ou serviços de atuação B2C.

_______

1 Lei nº 13.709/2018.

2 ARE nº 1121633.

3 TST-Ag-AIRR – 1000888-31.2022.5.02.0088.

4 Acórdão 5898078

5 Lei nº 13.467/17.

Alexandra Del Amore de Carvalho
Advogada trabalhista no PK Pinhão e Koiffman Advogados.

PK Pinhão e Koiffman Advogados

Helio Ferreira Moraes
Coordenador da Comissão de Tecnologia do CCBC. Sócio do PK – Pinhão & Koiffman Advogados.

MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/depeso/429602/a-lgpd-influencia-diretamente-as-negociacoes-coletivas-de-trabalho