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Benefícios de Prestação Continuada e o duplo fardo feminino. Artigo de Amanda Fernandes e Tadeu Alencar Arrais

Benefícios de Prestação Continuada e o duplo fardo feminino. Artigo de Amanda Fernandes e Tadeu Alencar Arrais

“As alterações no BPC foram incluídas em um projeto que prevê um amplo pacote de desonerações fiscais. É a inequívoca contrapartida dos pobres para com os ricos”, escrevem Amanda Fernandes e Tadeu Alencar Arrais, publicado por A terra é redonda.

Amanda Fernandes é professora da rede pública de educação.

Tadeu Alencar Arrais é professor titular do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Eis o artigo.

“Nosso feminismo precisa enfrentar a pobreza. A pobreza no Brasil é feminina e negra. O feminismo das 99% é anticapitalista”
(Talíria Petrone, Prefácio, Feminismo para os 99% – um manifesto. p. 13).

A interpretação de normas requer, quase sempre, muita atenção. É fácil se perder no emaranhado de artigos e parágrafos que escondem uma variada gama de intenções. Isso não acontece, dado a simplicidade da mensagem, com o Projeto de Lei 1847-2024.

Notícia divulgada pela Câmara dos Deputados, no dia 12/09/2024, não deixa dúvidas sobre sua intenção: “O Projeto de Lei 1847/24 aprovado pela Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (12) propõe medidas de combate a irregularidades em benefícios sociais e previdenciários para bancar a desoneração regressiva da folha de pagamentos de 17 setores da economia”. (Agência Câmara de Notícias, 2024)

As alterações no Benefícios de Prestação Continuada foram incluídas em um projeto que prevê um amplo pacote de desonerações fiscais. É a inequívoca contrapartida dos pobres para com os ricos. O capítulo VI tem o título “Medidas de combate à fraude e abusos no gasto público”.

O Artigo 29 altera a Lei número 8.742, de 7 de dezembro de 1993, apresenta as seguinte:

12-A. Ao requerente do Benefício de Prestação Continuada, ou ao responsável legal, será solicitado registro biométrico, nos cadastros da Carteira de Identidade Nacional – CIN, do título eleitoral ou da Carteira Nacional de Habilitação – CNH.

Parágrafo único. Na impossibilidade do registro biométrico do requerente, ele será obrigatório ao responsável legal.” (NR)

“Art. 21-B. Os beneficiários do Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social – BPC quando não estiverem inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – Cadastro Único ou quando estiverem com o cadastro desatualizado há mais de 48 meses deverão regularizar a situação nos seguintes prazos contados a partir da efetiva notificação bancária ou por outros canais de atendimento:

I – 45 dias para municípios de pequeno porte; e

II – 90 dias para municípios de médio e grande porte ou metrópole, com população acima de 50 mil habitantes.

Uma questão precede a análise preliminar dos impactos do Projeto de Lei 1847/24. Trata-se da motivação. O Governo Federal tem divulgado, com regularidade, a intenção de cortar despesas para responder às determinações do ajuste fiscal. Os números apresentados, em relação ao Benefício de Prestação Continuada, não nasceram de um exercício mágico, muito embora o Governo Federal não tenha se preocupado com explicações mais detalhadas. Apontam, com frequência, a economia de aproximadamente seis bilhões de reais com a “revisão” de algo como 600 mil Benefícios de Prestação Continuada. A mídia aderiu, com poucas exceções, à narrativa punitiva.

Foto: Reprodução | A Terra é redonda

Segundo informações do MDS (2024), em setembro de 2024, dos 6.117.973 benefícios ativos do Benefício de Prestação Continuada, 5.605.551 encontravam-se inscritos no Cad-Único, total equivalente a 91% dos benefícios emitidos. Ao que tudo indica, na falta de uma comunicação mais precisa, serão esses 512.422 beneficiários os alvos preferenciais do “pente fino”, o que corresponderia ao total de R$ 723.523.864 mensais ou R$ 8.683.478.368 anuais.

Parte do rombo fiscal provocado pelas novas e renovadas desonerações fiscais serão cobertos pelas revisões, eufemismo para corte, nos recursos do BPC. Essa informação, no entanto, ainda é abstrata, especialmente quando não consideramos, primeiro, sua manifestação material do território e, segundo, a qualificação do tipo de benefício, especialmente a partir das concessões por gênero.

Figura 2. Brasil, municípios com emissão de Benefícios de Prestação Continuada sem cadastramento do Cad-Único Fonte: INSS (2024), MDS (2024) (Foto: Reprodução | A Terra é redonda)

Na Figura 2 estão localizados o total de benefícios emitidos, por município, que não estão inscritos no Cad-Único. É preciso lembrar que o Benefícios de Prestação Continuada nasceu e se materializou no território nacional antes do Cad-Único. Há um hiato entre a Constituição de 1988 (Brasil, 1988), a LOAS, de 1993 (Brasil, 1993) e o início da exigência de cadastro no Cad-Único, ocorrido a partir de 2016. Uma parte considerável dessas pessoas, portanto, no momento da concessão dos benefícios, não deixaram de cumprir as exigências estipuladas na legislação. Não há, a priori, nem fraude nem abuso por parte dos beneficiários não cadastrados no Cad-Único.

A primeira exigência que comparece no texto é a biometria. Trata-se uma operação, para pessoas acostumadas em lidar com as tecnologias, aparentemente simples. Preocupa, no entanto, não apenas a disponibilidade de dispositivos técnicos, mas também a localização e o acesso à internet. O acesso à informação em um país de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, com condições ecológicas e econômicos que impõe limites para a reprodução da vida, deveria ser considerado. O fosso, revelado pela exigência, entre um público caracterizado pelo pouco letramento e as exigências do universo tecnológico da internet, foi desprezado. A exigência recairá, com frequência, para o responsável legal.

Já para quem não estiver cadastrado ou para aqueles com cadastro desatualizado há mais de 48 meses, a regularização impôs um prazo distinto. São 45 dias para municípios de pequeno porte e 90 dias para municípios de médio e grande porte com população acima de 50 mil. Será mais ou menos assim. Quem reside em São Paulo, com 11.451.999 habitantes (IBGE, 2022), terá do dobro de tempo, 90 dias, para se cadastrar e/ou atualizar o cadastramento, enquanto quem reside em Barcelos (AM), município com 18.834 habitantes, terá apenas 45 dias.

O território brasileiro possui 54 municípios com área superior a 20 mil quilômetros quadrados. Altamira (PA), Barcelos (AM) e São Gabriel da Cachoeira (AM), possuem, respectivamente, 159.599.328 Km2, 122.461,086 Km2 e 109.181.240 Km2. Não é tão simples, em dezenas desses municípios, acessar as áreas urbanas que concentram os serviços púbicos e os meios técnicos como disposição da banda larga. Este é o caso, como indicado na Figura 3, do Estado do Amazonas, que vive, em função da estiagem, um colapso nos sistemas de circulação de pessoas, mercadorias e informações. Assusta que os fiscalistas de plantão não se importem em considerar a complexidade de nossa geografia.

Figura 3. Estado do Amazonas, Benefícios de Prestação Continuada emitidos, por município, em 2023 Fonte: INSS (2024), IBGE (2024) (Foto: Reprodução | A Terra é redonda)

Realidade distinta é aquela dos 675 municípios brasileiros que concentram 75,36% dos beneficiários não cadastrados, uma fração significativa em ambientes metropolitanos, que receberam 45 dias a mais que os primeiros. Esse regra não considera a forma de estruturação da rede urbana brasileira. É comum, nas regiões metropolitanas brasileiras, a presença de municípios abaixo de 20 mil habitantes, mas que apresentam, devido a integração espacial e funcional, maior possibilidade de acessos aos serviços e, fundamentalmente, agências do INSS.

Esse não é o caso dos municípios abaixo de 50 mil habitantes, difusamente distribuídos no território nacional. O ônus da prova ou, dito de outro modo, a responsabilização pelo recadastramento no Cad-Único e, portanto, a segurança da permanência recairá, sempre, sobre beneficiário. O Governo Federal parece desconhecer o expediente da busca ativa, o que significaria acionar a complexa burocracia, no sentido positivo, da Assistência Social, especialmente na escala municipal. Mas a lógica reproduzida, como de costume, é punir aqueles com menor acesso à informação.

No arranjo original da LOAS (1993), a partir de uma leitura mais sensível às demandas do território, o Legislador previu essas demandas:

§ 7º Na hipótese de não existirem serviços credenciados no Município de residência do beneficiário, fica assegurado o seu encaminhamento ao Município mais próximo que contar com tal estrutura.

A localização territorial é mais preocupante, ainda, quando pensamos na questão do gênero. As beneficiárias e as responsáveis legais habitam os mais diferentes sítios, como os povoados localizados no semiárido ou nos barrancos dos rios amazônicos, as faixas de fronteira seca, as comunidades quilombolas e as periferias metropolitanas. A questão não se localiza, apenas, na maior emissão, do ponto de vista global, dos benefícios para mulheres. No caso dos benefícios para deficientes, o público masculino foi superior em 304.315 benefícios em relação ao feminino.

É oportuno lembrar que a Lei Número 12.470, de 2011, que alterou a LOAS, assim define, para fins de concessão do Benefícios de Prestação Continuada, às pessoas com deficiência:

§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

É oportuno assinalar que, em relação à concessão para a modalidade Portador de Deficiência, muito embora predomine o gênero masculino, são as mulheres, em parte considerável, as responsáveis pelos cuidados diários em uma variada gama de situações que só tem em comum, em cada latitude desse país, a dedicação e o sofrimento diário. Nesse caso o perfil dos beneficiário importa. Reportagem do site UOL (22/07/2024), intitulada “Autismo e judicialização são 60% da alta do BPC para pessoa com deficiência”, com base em acesso a dados inéditos do INSS, resume a evolução das concessões:

Autismo é condição nº 1 do BPC

autismo é, hoje, a condição de saúde que mais gera concessão do BPC pelo INSS. Em seguida, estão retardo mental leve ou moderado, esquizofrenia, cegueira e TDAH.

A cada 100 novos benefícios para autistas em 2024, foram 11 para cegueira — a deficiência física mais comum no BPC. A proporção de outras condições mentais é de 21 para retardo mental leve ou moderado, 15 para esquizofrenia e 10 para TDAH.

O autismo no BPC é maior do que os números mostram, porque também está embutido em grande parte das decisões judiciais. Mas não é possível dimensionar, pois não há dados do CID (Classificação Internacional de Doenças) nos benefícios concedidos por ordem da Justiça.

Brasil, total de Benefícios de Prestação Continuada, por grupos de idade, emitidos a partir da data de 2022 Fonte: Data-Prev (2022) (Foto: Reprodução | A Terra é redonda)

A maior parte das concessões relacionadas ao autismo são para crianças e adolescentes, o que coloca no radar a questão da longevidade dos benefícios. O perfil etário dos beneficiários, como indicado na Figura, é bastante distinto. O grupo etário até 19 anos, para Portadores de Deficiência, concentrou 42,4% dos beneficiários, sendo 45,85% formado por beneficiários do sexo feminino. Diferente é o perfil dos beneficiários da modalidade idoso que concentrou, na faixa de 65 a 69 anos, 91,44% do benefícios emitidos em 2022. É possível, a partir dos dados do perfil etário, analisar a longevidade dos benefícios. Essa talvez seja um dos caminhos para compreender a expansão, nos últimos anos, dos benefícios para a modalidade portador de deficiência.

Não é preciso, diante das evidências empíricas, comprovar o fato de que, às mulheres, recai, como em uma espécie de pecado original, a responsabilização pelo cuidado e portadores de deficiência. As mães, frequentemente solo, são as responsáveis pelo cuidado das crianças e idosos acometidos por doenças que, em variados graus, tornam as pessoas incapazes de realizar atividades diárias para reprodução de suas vidas. Recairá, portanto, à essas mulheres, a responsabilização e o sentimento de derrota pela suspensão ou cassação dos benefícios.

 Figura 6: Taxa de realização de tarefas de cuidados de moradores do domicílio ou parentes não moradores, por sexo e grupo de idade Fonte: PANDC (2022) (Foto: Reprodução | A Terra é redonda)

A Figura 6 informa, a partir de dados da PNAD, as taxas de realização de tarefas de cuidados de moradores de domicílios ou parentes não moradores, por sexo e grupo de idade. Trata-se da razão entre o número de pessoas, por gênero, responsáveis pelos cuidados domiciliares e o total de pessoas de 14 anos ou mais. A diferença, em desfavor das mulheres, é registrada em todos os grupos de idade, sendo maior no grupo de 14 a 24 anos, podendo indicar questões importantes em relação à responsabilização de cuidados por parte de adolescentes e jovens, o que também prejudica o desempenho escolar das jovens e adolescentes e imobiliza a força de trabalho feminina jovem e adulta.

Não é incomum que as mulheres, como forma de adicionar algum rendimento para ajudar com os custos diários, especialmente quando o cuidado é destinado às pessoas portadoras de deficiência, inserirem-se no mercado de trabalho informal, a exemplo da revenda de cosméticos.

(Foto: Reprodução | A Terra é redonda)

Mas ainda reside, quando consideramos as horas dedicadas aos afazeres domésticos e aos cuidados de pessoas, uma questão regional e de raça. Os dados apontam que as mulheres dedicam-se aos afazeres 9,6 horas semanais a mais que os homens. No Nordeste Brasileiro, como deduz-se da Figura 7, estão as maiores desvantagens para as mulheres. No caso das mulheres negras essa diferença é maior, o que denota uma situação de desigualdade, associando, como recorrente em nossa história, gênero e raça. O sobretrabalho da mulher, com duplas jornadas, é fato reconhecido em nossa história econômica e social. Essas assimetrias, especialmente nas frações mais vulneráveis, se reproduzem no universo de concessão do Benefício de Prestação Continuada.

Não é sem propósito que o anuncio de revisão de benefícios sociais apareça, com mais frequência, nos momentos de ajuste fiscal. Não é preciso recordar que vivemos sobre a égide do Novo Arcabouço Fiscal. No jogo de forças e representatividade política, portanto, é mais fácil que a vara punitiva seja direcionada para o lado mais vulnerável. É mais fácil que a vara punitiva direcione-se para mulheres que destinam o benefício de um Salário Mínimo para a alimentação familiar do que para as jovens madames pensionistas que se ocupam a gastar suas fartas pensões no Shopping Dolphin Mall, em Miami.

Difícil, mesmo, é reconhecer que cada um dos mais de seis milhões de Benefícios de Prestação Continuada emitidos mensalmente traduza o violento encontro de raça, classe e, fundamentalmente, gênero. A responsabilização delas, na esfera da política pública punitiva, é tão covarde quanto a responsabilização individual, no âmbito privado, que atribui para elas a centralidade no cuidado de idosos e doentes.

Referências:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Saraiva, 1988.

BRASIL. Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011. Altera a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 1, 7 jul. 2011.

BRASIL. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 7 dez. 1993.

BRASIL. Portaria Interministerial MDS/MPS nº 27, de 25 de julho de 2024. Dispõe sobre o processo de inscrição e atualização cadastral para manutenção do Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social – BPC para os beneficiários não inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, ou que estiverem com o cadastro desatualizado, nos termos e prazos estipulados nesta Portaria. Diário Oficial da União, Brasília, 25 jul. 2024.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Texto aprovado pela Câmara prevê medidas de combate a irregularidades em benefícios sociais e previdenciários. Agência Câmara de Notícias, 12 set. 2024.

CARTA CAPITAL. Governo quer economizar R$ 17 bilhões com Previdência e BPC em 2025Carta Capital, 28 ago. 2024.

DATAPREV. Infologo – AEPS. Plataforma de dados históricos da Previdência Social. Disponível em: https://www3.dataprev.gov.br/infologo/GCON/PU02/PU02.php

IBGE. PNAD – Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar Contínua Anual. Sistema IBGE de Recuperação Automática – SIDRA.

MDS. Ministério do Desenvolvimento Social. Plataforma VISDATA. Secretaria de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único (SAGICAD). Brasília, DF: MDS, 2022.

SAID, Flávia; ANDRADE, Mariana. Governo estima economia de R$ 6,4 bi em 2025 com revisão do BPCMetrópoles, 28 ago. 2024.

BRASIL. Renúncias Fiscais. Portal da Transparência.

SENADO FEDERAL. Projeto de Lei n° 1847, de 2024. Senado Federal, 2024.

ROSSI, Amanda. Autismo e judicialização são 60% da alta do BPC para pessoa com deficiênciaUOL, São Paulo, 22 jul. 2024.

GARCIA, Alexandre Novais. Governo faz pente-fino no BPC e publica novas regras para evitar fraudesUOL, São Paulo, 26 jul. 2024.

INSS. Instituto Nacional Do Seguro Social. Ministério da Previdência Social. Estatísticas da Previdência Social.

PETRONE, Talíria. Prefácio. Feminismo para os 99% – um manifesto. Arruzza, C.; Bhattacharya, T. ; Fraser, N. São Paulo, Boitempo, 2019.

Nota:

[1] Este artigo resume a segunda parte dos argumentos do relatório Em defesa do BPC – a gestão da miséria como verniz da austeridade fiscal, publicado pelo Observatório do Estado Social Brasileiro em decorrência da aprovação do Projeto de Lei Número 1847/24, que versa sobre desonerações e medidas de combate à fraude nos Benefícios de Prestação Continuada. Disponível neste link.

Leia mais

IHU – UNISINOS

https://www.ihu.unisinos.br/645158-beneficios-de-prestacao-continuada-e-o-duplo-fardo-feminino-artigo-de-amanda-fernandes-e-tadeu-alencar-arrais

Benefícios de Prestação Continuada e o duplo fardo feminino. Artigo de Amanda Fernandes e Tadeu Alencar Arrais

Discriminação: Carteiro alcoólatra será reintegrado e terá indenização

Dispensa discriminatória

Colegiado determinou a reintegração do trabalhador e a indenização de R$ 20,7 mil por danos morais, reconhecendo o alcoolismo como uma condição que gera estigma.

Da Redação

A Justiça do Trabalho declarou a nulidade da demissão por justa causa aplicada a um carteiro acometido por alcoolismo, determinando sua reintegração ao quadro de funcionários da EBCT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. A decisão, proferida pela 5ª turma do TRT da 4ª região, reconheceu a natureza discriminatória da dispensa e condenou a empresa ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20,7 mil.

O caso teve início com uma denúncia formalizada pela ex-esposa do carteiro, acusando-o de reter malotes e violar correspondências. Em novembro de 2016, a EBCT instaurou um processo administrativo disciplinar para apurar as acusações. No entanto, o processo foi arquivado em julho de 2017, em virtude de um pedido de demissão feito pelo trabalhador.

Posteriormente, o carteiro ingressou com uma ação trabalhista, alegando que o pedido de demissão havia sido realizado em um momento de confusão mental, decorrente do tratamento contra o alcoolismo. A Justiça reconheceu a nulidade do pedido e determinou a reintegração do carteiro, que retornou ao trabalho em julho de 2018.

Contudo, aproximadamente um ano após a reintegração, a EBCT reabriu a investigação da denúncia feita pela ex-esposa. A empresa concluiu que o carteiro havia cometido incontinência de conduta, mau procedimento e insubordinação, enquadrando sua conduta nas alíneas ‘b’ e ‘h’ do art. 482 da CLT. Em julho de 2019, o carteiro foi demitido por justa causa.

Carteiro alcoolista despedido por justa causa obtém reintegração e indenização por dispensa discriminatória.(Imagem: AdobeStock)

A Justiça de primeira instância considerou a demora da EBCT em reativar o PAD uma afronta ao princípio da imediatidade, que rege a aplicação da justa causa. A juíza Milena Ody, da 3ª vara do Trabalho de Caxias do Sul, entendeu que a empresa havia concedido perdão tácito ao empregado e declarou a nulidade da dispensa.

Além disso, a magistrada determinou a reintegração do carteiro, o pagamento dos salários e demais parcelas do período entre a demissão e a reintegração, além de indenização por danos morais, em razão da natureza discriminatória da dispensa.

O TRT da 4ª região, ao analisar o recurso da empresa, manteve a decisão de primeira instância. O desembargador Cláudio Antônio Cassou Barbosa, relator do caso na 5ª turma, destacou que a gravidade da falta imputada ao carteiro não foi comprovada.

Além disso, o magistrado ressaltou que o alcoolismo é uma doença que pode gerar estigma e preconceito, impondo restrições e limitações laborais ao trabalhador. Para o desembargador, a empresa utilizou-se da condição de saúde do carteiro para justificar a sua demissão, configurando ato discriminatório.

A decisão do TRT da 4ª região se baseou na lei 9.029/95, que proíbe práticas discriminatórias no acesso e manutenção da relação de trabalho, e na Súmula 443 do TST, que presume discriminatória a dispensa de empregado portador de doença grave que suscite estigma ou preconceito.

O Tribunal omitiu o número do processo.

Informações: TRT-4.

MIGALHAS

https://www.migalhas.com.br/quentes/418253/discriminacao-carteiro-alcoolatra-sera-reintegrado-e-tera-indenizacao

Benefícios de Prestação Continuada e o duplo fardo feminino. Artigo de Amanda Fernandes e Tadeu Alencar Arrais

IA: futuro das relações de trabalho e (des)proteção contra automação

Prática Trabalhista

Indubitavelmente, a cada dia que passa somos surpreendidos com alguma inovação tecnológica que continua crescendo e se desenvolvendo rapidamente. E não são raras as vezes em que nos deparamos com o atendimento feito por um robô. Aliás, em alguns casos, nem sequer é possível o contato direto com um ser humano, sendo todo o procedimento automatizado. Em razão deste novo cenário, surge a preocupação quanto ao impacto que a inteligência artificial poderá trazer para as relações de trabalho.

Nesse sentido, há certas dúvidas a serem enfrentadas e esclarecidas, a saber: a legislação vigente prevê alguma proteção contra a automação nas relações de trabalho? É possível que ocorra a própria redução de postos de trabalho por conta da inteligência artificial? Qual o posicionamento do Poder Judiciário e do Poder Legislativo sobre o assunto?

Por certo, considerando a preocupação que este assunto desperta não só no Brasil, mas em todo o mundo, a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, desta ConJur [1], razão pela qual agradecemos o contato.

Conceito de automação

Em poucas palavras, pode-se dizer que a automação industrial implica na otimização de processos industriais e produtivos com o auxílio da tecnologia em sentido amplo, ou seja, ela (tecnologia) pode se fazer presente por meio da utilização de máquinas automatizadas, softwares, dentre outros meios tecnológicos, de sorte que a partir dela é possível obter uma solução de forma mais rápida, sem que este trabalho seja necessariamente manual. Vale dizer, ele é executado por uma máquina/robô, e não por um humano [2].

Legislação

Do ponto de vista normativo no Brasil, a Constituição prevê, em seu artigo 7º, XXVII [3], como direito social a proteção contra a automação, na forma da lei. Hoje, porém, não há uma normatização em torno do assunto, apesar da existência de projetos de lei em tramite junto ao Poder Legislativo.

A título de exemplo, o Projeto de Lei nº 4.035/2019 [4] tem por objetivo estabelecer condições para a implementação de tecnologia que implique na supressão de postos de trabalho, para além de sua substituição por processo automatizado. Segundo a propositura legislativa, a dispensa de trabalhadores que for comprovada como decorrente da tecnologia dependerá de uma prévia negociação coletiva. Atualmente, o projeto legislativo encontra-se pronto para a pauta na Comissão de Assuntos Sociais desde o dia 23.5.2023.

Mais a mais, encontra-se hoje também em tramite perante a Câmara dos Deputados o PL 1.091/2019 [5], que trata igualmente do assunto, de modo que até o momento igualmente não houve uma deliberação definitiva. De acordo com o referido projeto, durante os dois primeiros anos de implantação da automação só poderia haver a dispensa de trabalhadores, sem justa causa, mediante prévia negociação coletiva e a adoção de medidas para reduzir os impactos negativos da automação, sendo vedada demissão em massa, como aquela que afeta no mínimo 10% da força de trabalho da empresa [6].

Dados estatísticos

Em 2023, segundo os economistas do Goldman Sachs, a inteligência artificial poderia automatizar até 300 milhões de empregos em tempo integral [7]. Já um outro levantamento realizado entre 13 de maio e 3 de junho de 2024, constatou que 61% das empresas norte americanas planeja utilizar a inteligência artificial no próximo ano para automatizar tarefas que são feitas por seres humanos [8].

O estudo revelou ainda que as empresas confirmam que estão usando a automação, fato esse que já aumentou a qualidade dos produtos (58% das empresas), incrementou também a produção (49%), reduziu os custos trabalhistas (47%) e substituiu trabalhadores (33%).

Já uma pesquisa feita aqui no Brasil apontou que preocupação dos trabalhadores não seria de perder o emprego para os robôs, mas sim para aqueles profissionais que dominem as novas ferramentas tecnológicas [9].

A propósito, pesquisadores do Fórum Econômico Mundial revelam que quase um quarto de todas as profissões hoje existentes irão sofrer algum tipo de mudança nos próximos cinco anos, sendo, portanto, inevitável o aprendizado e aprimoramento de novas habilidades [10].

Necessidade de regulamentação

À vista disso, a Justiça do Trabalho já demonstrou a sua preocupação com a temática, no sentido de que a precarização derivada da automação é um desafio do trabalho atual e que coloca a sociedade em risco. Por isso, a tecnologia necessita de regulamentação, haja vista que, em meio a esta modernização, a miséria continua em destaque [11].

Lição de especialista

Acerca desta importante discussão, oportunos são os ensinamentos de Guilherme Guimarães Feliciano e José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva [12]:

(…). Dessa vez, não é papo alarmista de humanistas, filósofos e sociólogos. Com efeito, uma das implicações mais acentuadas da utilização desregulamentada da IA é a que se relaciona à intensa perda de postos de trabalho, o que deixará milhares de trabalhadores à margem da sociedade, formando um inédito exército laboral de reserva. Não por outra razão, um dos maiores pensadores do mundo neste início de século tem profetizado em suas magníficas obras que estamos a criar uma geração de inúteis. Yuval Noah Harari bem explica as consequências da IA para o mundo do trabalho. Sem rodeios, tratando da possibilidade de os motoristas serem substituídos pelos veículos autônomos, ele sustenta que é “altamente provável que motoristas de táxi sigam o caminho dos cavalos”, que perderam totalmente sua utilidade quando a Revolução Industrial propiciou a substituição das carruagens e charretes pelos automóveis. Não apenas os motoristas estão com seus empregos ameaçados, mas também corretores da bolsa de valores, tendo em vista que grande parte “das transações na atualidade já é gerenciada por algoritmos de computador, que podem processar em um segundo mais dados que um humano em um ano”. Também parte considerável da classe dos advogados está com os dias contados”.

Conclusão

Portanto, é certo que a inteligência artificial e a automação já estão mudando o mercado de trabalho, e não obstante a Lei Maior assegure a proteção aos trabalhadores, ao que parece o Poder Legislativo ainda não assumiu o papel que é próprio do Parlamento no sentido de aprovar uma regulamentação que traga rápidas respostas para esta grave questão social, mesmo diante de uma revolução tecnológica sem precedentes.

Em arremate, se é verdade que os trabalhadores devem estar preparados para as futuras e novas realidades, de igual modo deve haver uma preocupação do Estado em garantir que esta revolução tecnológica não fomente ainda mais desigualdades sociais. Por isso, revela-se imprescindível o estudo e a adoção de medidas legais capazes de garantir um mínimo de efetividade aos direitos sociais, afinal, se as metamorfoses causadas pela tecnologia são por óbvio inevitáveis, devem ser criadas, doravante, respostas para se evitar uma maior precarização e um injustificado retrocesso social.

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[1] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[2] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/tecnologia/automacao-industrial/#goog_rewarded. Acesso em 21.10.2024.

[3] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…). XXVII – proteção em face da automação, na forma da lei;

[4] Disponível em https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/137793#:~:text=Projeto%20de%20Lei%20n%C2%B0%204035%2C%20de%202019&text=Regulamenta%20o%20inciso%20XXVII%20do,face%20de%20processo%20de%20automa%C3%A7%C3%A3o . Acesso em 22.10.2024.

[5] Disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2192959&fichaAmigavel=nao#:~:text=PL%201091%2F2019%20Inteiro%20teor,Projeto%20de%20Lei&text=7%C2%BA%2C%20da%20Constitui%C3%A7%C3%A3o%20Federal%2C%20que,%2C%20na%20forma%20da%20lei%22.&text=Constitui%C3%A7%C3%A3o%20Federal%20(1988)%2C%20regulamenta%C3%A7%C3%A3o,trabalhador%20rural%2C%20automa%C3%A7%C3%A3o%2C%20empregador. . Acesso em22.10.2024.

[6] Disponível em https://www.camara.leg.br/noticias/556468-PROJETO-REGULAMENTA-PROTECAO-DO-TRABALHO-AFETADO-PELA-AUTOMACAO . Acesso em 22.10.2024.

[7] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/inteligencia-artificial-pode-afetar-300-milhoes-de-empregos-no-mundo-diz-goldman-sachs/ . Acesso em 22.10.2024.

[8] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/economia/negocios/inteligencia-artificial-esta-substituindo-humanos-mais-rapido-do-que-voce-pensa-mostra-pesquisa/ . Acesso em 22.10.2024.

[9] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/brasileiros-nao-se-preocupam-em-perder-emprego-para-robos-diz-estudo/. Acesso em 22.10.2024.

[10] Disponível em https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2024/08/20/as-habilidades-necessarias-para-ter-sucesso-na-era-da-inteligencia-artificial.ghtml. Acesso em 22.10.2024.

[11] Disponível em https://www.trt7.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=14146:precarizacao-decorrente-da-automacao-desafia-mundo-do-trabalho-atual-diz-ministro-do-tst&catid=152&Itemid=886. Acesso em 22.10.2024.

[12]Disponível em https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/203676/2022_feliciano_guilherme_inteligencia_artificial.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 22.10.2024.

é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista, sócio fundador de Calcini Advogados, com atuação estratégica e especializada nos tribunais (TRTs, TST e STF), docente da pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do comitê técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

é advogado de Calcini Advogados. Graduação em Direito pela Universidade Braz Cubas. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito. Especialista em Direito Contratual pela PUC-SP. Especialista em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha (Espanha). Especialista em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC – IUS Gentium Coninbrigae), da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal). Pós-graduando em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Pesquisador do Núcleo de pesquisa e extensão: “O Trabalho Além do Direito do Trabalho” do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da USP, coordenado pelo professor Guilherme Guimarães Feliciano.

CONJUR

https://www.conjur.com.br/2024-out-24/inteligencia-artificial-o-futuro-das-relacoes-de-trabalho-e-a-desprotecao-contra-a-automacao/

Benefícios de Prestação Continuada e o duplo fardo feminino. Artigo de Amanda Fernandes e Tadeu Alencar Arrais

Ausência de isonomia salarial gera culpa do empregador em rescisão, diz TST

VIOLAÇÃO GRAVE

Alegando falta de isonomia, a 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a rescisão indireta de contrato de trabalho de uma técnica de farmácia que trabalha para uma operadora de saúde. Ela alegou que ganhava menos do que colegas com a mesma função.

Para o colegiado, a falta de igualdade salarial é grave o suficiente para levar ao rompimento do vínculo por culpa do empregador, que terá de pagar, além das diferenças salariais, as verbas rescisórias devidas na dispensa imotivada.

Dois pesos, duas medidas

Na ação, a trabalhadora afirmou que foi admitida em 2012 como auxiliar de farmácia, mas, ao ser promovida a técnica de farmácia em 2019, recebia salário menor que seus colegas que tinham a mesma função e a mesma qualificação técnica.

O juízo de primeiro grau constatou as diferenças salariais a partir da promoção e reconheceu o direito à equiparação, condenando a empresa a pagar as diferenças.

Quanto à rescisão indireta, diante da falta de isonomia salarial, concluiu que a operadora de saúde não cumpriu obrigações contratuais relevantes.

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), porém, afastou a rescisão indireta. Para o TRT-2, a diferença salarial não era grave o suficiente para justificar o rompimento do contrato, porque não impede a continuidade do vínculo.

Tratamento isonômico é dever

Para o relator do recurso da trabalhadora, ministro José Roberto Pimenta, “não há violação mais grave quanto às obrigações ou aos deveres essenciais do empregador no cumprimento do contrato de trabalho do que não pagar a integralidade do salário ou da remuneração devidos”.

Principalmente se esse descumprimento se dá em ofensa à isonomia salarial, assegurada não só pela CLT, mas também pela Constituição Federal.

O ministro explicou ainda que a impossibilidade de manutenção do vínculo como requisito para a rescisão indireta não consta da CLT, que estabelece apenas o descumprimento das obrigações do contrato. Ficou vencido o ministro Alberto Balazeiro. Com informações da assessoria de comunicação do TST.

Processo RRAg-1001379-63.2020.5.02.0070

CONJUR

Ausência de isonomia salarial gera culpa do empregador em rescisão, diz TST

Benefícios de Prestação Continuada e o duplo fardo feminino. Artigo de Amanda Fernandes e Tadeu Alencar Arrais

Empregada frequentemente humilhada por chefe de cozinha deve ser indenizada por danos morais

ncentivo’ degradante

Uma empregada de um restaurante localizado na cidade de São Paulo obteve o direito de ser indenizada por danos morais ao comprovar que era cobrada com rigor excessivo pelo sócio e chefe de cozinha do estabelecimento, além de ser xingada e submetida a situações humilhantes, que feriam sua imagem e honra. Ela disse que, em razão disso, passou a ter crises de ansiedade e precisou de tratamento psicológico.

As alegações da mulher de que era chamada de “terrorista”, “songa monga” e “desleixada” foram negadas pela empresa, porém confirmadas por meio dos depoimentos colhidos no processo. A testemunha do próprio empregador afirmou ser “normal” haver xingamentos na cozinha, como “burra”, “ineficiente”, “lerda” e “lesada”, mas que via isso como “incentivo, pra acordar, nada grave”.

A testemunha da autora contou que atuava como cozinheiro e que também era vítima de humilhações por parte do chefe de cozinha, mas afirmou que a situação era pior com a autora da ação, que era o braço direito do gerente da casa.

A juíza do Trabalho substituta Milena Barreto Pontes Sodré, da 52ª Vara do Trabalho de São Paulo, lembrou na sentença que o assédio moral é entendido pela doutrina como conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do indivíduo, de forma reiterada.

“É preciso acabar com a idiotização de comportamentos perpetrados por chefes de cozinha copiados de programas televisivos, cujo objetivo é, antes de mais nada, o entretenimento do telespectador. Fora dos holofotes, não se pode admitir que xingamentos e agressões sejam considerados incentivos, porque é ‘normal’ no ambiente de cozinha. O meio ambiente de trabalho sadio é mantido com respeito, tolerância, cordialidade e fidúcia.”

Assim, a julgadora atendeu ao pedido da trabalhadora e condenou a empresa ao pagamento de R$ 15 mil como indenização pelos danos morais configurados. E também concedeu a rescisão indireta pleiteada pela mulher, o que vai resultar em todos os pagamentos devidos no caso de dispensa imotivada. Com informações da assessoria de comunicação do TRT-2.

Processo 1000019-11.2024.5.02.0052

CONJUR

Empregada frequentemente humilhada por chefe de cozinha deve ser indenizada por danos morais

Benefícios de Prestação Continuada e o duplo fardo feminino. Artigo de Amanda Fernandes e Tadeu Alencar Arrais

STF fará audiência pública sobre vínculo entre motoristas e aplicativos

Direção geral

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, convocou para 9 de dezembro uma audiência pública para discutir a possibilidade de se reconhecer vínculo empregatício entre motoristas e aplicativos como o Uber.

A decisão se deu em um recurso que tem repercussão geral conhecida (Tema 1.291). O caso concreto é o de um motorista que teve o vínculo reconhecido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ). A decisão foi mantida pelo Tribunal Superior do Trabalho.

“A temática em análise reveste-se de magnitude inquestionável, dada sua proeminência jurídica, econômica e social, bem como sua conexão intrínseca com os debates globais que permeiam as dinâmicas laborais na era digital”, disse Fachin na decisão desta quinta-feira (24/10).

“Diante das múltiplas e distintas abordagens a respeito do tema, o diálogo, feito de forma ampla e democrática, emerge como um elemento vital na forja de uma decisão pertinente aos efeitos da questão. Por intermédio do debate, pode ser construída uma compreensão recíproca das perspectivas envolvidas”, prosseguiu o ministro.

Fachin determinou que os interessados em participar da audiência se manifestem até o dia 21 de novembro, às 11h59, em e-mail enviado para audienciapublicatema1291@stf.jus.br.

A solicitação deverá conter a qualificação do órgão, entidade ou especialista; a indicação do expositor, acompanhada de breve currículo de até duas páginas; e o sumário dos dados e fundamentos que serão apresentados na audiência.

Os participantes serão selecionados por critérios de representatividade, especialização técnica e expertise, garantia da pluralidade da composição da audiência e dos pontos a serem defendidos.

O Supremo reconheceu no começo do ano a repercussão geral do julgamento sobre vínculo de emprego entre motoristas de aplicativos e as plataformas que prestam serviço de transporte. Fachin destacou que há decisões divergentes proferidas pelo Judiciário sobre o tema, o que evidencia a necessidade de uma resposta definitiva do STF.

“Cabe a este Supremo Tribunal Federal conceder uma resposta uniformizadora e efetiva à sociedade brasileira acerca da compatibilidade do vínculo empregatício entre motoristas de aplicativo e a empresa criadora e administradora da plataforma digital, em face dos princípios da livre iniciativa e direitos sociais laborais encartados na Constituição da República.”

A divergência maior sobre o tema se dá entre o Supremo e a Justiça do Trabalho. Em diversas ocasiões, o STF entendeu que a proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer prestação remunerada configura relação de emprego. E também decidiu pela possibilidade da terceirização de qualquer atividade, seja ela meio ou fim, o que descaracteriza o vínculo.

Tais precedentes do Supremo foram firmados, por exemplo, na ADC 48, na ADPF 324 e no RE 958.252. O TST, por outro lado, tem reconhecido o vínculo em diversas decisões.

Isso levou o STF, em dezembro do ano passado, a oficiar o Conselho Nacional de Justiça para que fosse feito um levantamento das “reiteradas” decisões da Justiça do Trabalho que estão descumprindo precedentes da mais alta corte do país.

A decisão de oficiar o CNJ se deu em julgamento da 1ª Turma do STF, em caso envolvendo vínculo reconhecido pelo TST. A matéria acabou saindo da turma e indo ao Plenário.

No julgamento de dezembro, os ministros afirmaram que a corte está recebendo um número cada vez maior de reclamações porque a Justiça Trabalhista insiste em desrespeitar a jurisprudência do Supremo.

O ministro Luiz Fux disse na ocasião que se a Justiça do Trabalho continuar ignorando as decisões, será preciso que o STF tome alguma providência.

E o ministro Cristiano Zanin ressaltou que, para ele, a Justiça do Trabalho desconsiderou decisões do Supremo ao reconhecer o vínculo, em especial os precedentes “que consagram a atividade econômica e de organização de atividades produtivas”.

RE 1.446.336

é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

CONJUR

STF fará em dezembro audiência pública sobre vínculo entre motoristas e aplicativos