NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

Diminuir empregado por conta de limitações configura assédio e gera indenização

Diminuir empregado por conta de limitações configura assédio e gera indenização

Diminuir um empregado por conta de limitações físicas configura assédio moral e gera dever de indenizar. Com esse entendimento, a juíza do trabalho substituta Paula Araújo Oliveira Levy, da Vara do Trabalho de Indaiatuba (SP), decidiu que uma auxiliar de limpeza seja readmitida ao sindicato em que trabalhava e que ela receba da instituição R$ 12 mil a título de danos morais.

Sindicato deve indenizar auxiliar de limpeza que foi demitida por condição de saúde

A mulher, admitida no sindicato em 2011, sofreu um acidente de percurso com fratura em seu ombro direito em 2012. Ela passou por uma cirurgia, na época. Ainda assim, ficaram algumas sequelas. Então, ela passou por outra operação em 2017. Desde o momento do acidente, o sindicato o reconheceu.

Entretanto, a auxiliar passou a ser perseguida por um novo coordenador. Ele e outros membros de sua equipe diziam a ela que as dependências da instituição não estavam limpas o suficiente e que ela não conseguia fazer seu serviço adequadamente. Outros colegas também eram assediados. Em 2023, ela foi demitida.

Ela recorreu, então, à Justiça e pediu sua readmissão, além da indenização pelo assédio moral que sofreu. A mulher também pleiteou o pagamento das verbas trabalhistas devidas pelo tempo em que esteve fora do trabalho.

Nas perícias e laudos juntados aos autos, comprovou-se que a lesão que a autora sofreu não impede que ela faça suas atividades, desde que não force o ombro lesionado. Ela pode, portanto, trabalhar normalmente desde que em um ritmo menos acelerado. Dessa forma, a juíza aceitou os pedidos da auxiliar.

“A conduta do reclamado foi discriminatória, já que desconsiderou as sequelas da obreira decorrentes de acidente de trajeto, que limitam sua capacidade laboral e a perseguiu justamente por sua dificuldade na execução de certas atividades de limpeza, conforme corrobora o laudo pericial e como relata a testemunha (…) Quanto ao pedido de indenização por danos morais, o dano moral é a lesão aos direitos da personalidade, gerando um prejuízo imaterial ao ofendido, previsto no artigo 5º, V e X da Constituição, artigos 223-A e seguintes da CLT e artigos 186, 187 e 927 do CC (…) O assédio moral é uma espécie de dano moral, caracterizando-se por uma reiteração de condutas do assediador visando a minar a autoestima do assediado ou a persegui-lo”, assinalou a julgadora.

O advogado William Ceschi atuou na defesa da trabalhadora.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 0013513-53.2023.5.15.0077

CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-abr-13/diminuir-empregado-por-conta-de-limitacoes-configura-assedio-e-gera-indenizacao/

Diminuir empregado por conta de limitações configura assédio e gera indenização

Precarização invisível: como a pejotização corrói os direitos trabalhistas

No último dia 18 de março, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) abriu um período de 15 dias para o recebimento de manifestações escritas sobre o fenômeno da “pejotização”, tema de um incidente de recurso repetitivo no processo E-RRAg-373-67.2017.5.17.0121. Esse movimento do tribunal evidencia a dimensão que o problema alcançou na sociedade brasileira contemporânea, tornando-se um ponto crítico para a compreensão das transformações nas relações de trabalho. Contudo, para além do debate jurídico pontual, é fundamental analisar como chegamos a este cenário de fragilização sistemática das relações laborais e qual o significado histórico da normalização de práticas como a pejotização no contexto do capitalismo brasileiro.

O fenômeno da pejotização representa uma das estratégias mais sofisticadas do capital para reduzir o campo de incidência da proteção jurídica trabalhista. Trata-se da contratação de serviços pessoais, exercidos por pessoa física, de forma subordinada, não-eventual e onerosa, formalizada mediante a constituição de pessoa jurídica, com o objetivo deliberado de mascarar a relação de emprego e, consequentemente, afastar a aplicação dos direitos trabalhistas. Essa prática, que se intensificou no Brasil a partir dos anos 1990 com o avanço das políticas neoliberais, não pode ser compreendida como mero detalhe técnico-jurídico, mas como expressão concreta das lutas de classes no campo normativo.

A análise do direito como campo de disputas onde se materializam os conflitos sociais nos permite compreender que fenômenos como a pejotização expressam não apenas uma estratégia patronal, mas também os limites e possibilidades da resistência dos trabalhadores. Esta perspectiva metodológica, que recusa o formalismo jurídico e busca na materialidade histórica as raízes das transformações normativas, é essencial para captar o significado profundo das mudanças em curso nas relações de trabalho no Brasil contemporâneo.

A análise desta questão exige, portanto, uma abordagem que considere a historicidade das relações de trabalho no Brasil. Como observa a historiadora Ângela de Castro Gomes, “os direitos do trabalho no Brasil foram instituídos como dádiva, e não como conquista, numa operação político-ideológica que teve profundas e duradouras consequências para a cultura política do país” (Gomes, 2005, p. 27). Esta característica fundacional criou um terreno fértil para que, em momentos de crise e reconfiguração do capitalismo global, os direitos trabalhistas fossem apresentados como “privilégios” ou “entraves” ao desenvolvimento econômico, facilitando sua desconstrução progressiva.

No caso específico da pejotização, estamos diante de um processo que se articula com outras formas de precarização do trabalho, como a terceirização e as diversas modalidades de contratação atípica. O sociólogo Ricardo Antunes identifica este fenômeno como parte do que denomina “nova morfologia do trabalho”, caracterizada pela “expansão do trabalho precarizado, parcial, temporário, terceirizado, informalizado etc., além dos elevados níveis de desemprego estrutural” (Antunes, 2018, p. 123). Segundo Antunes, estas formas de contratação não representam anomalias ou desvios, mas constituem características estruturais do capitalismo contemporâneo em sua fase de acumulação flexível.

Flexibilização do trabalho e sua legitimação

A jurista Gabriela Neves Delgado, ao analisar o fenômeno da pejotização, ressalta que “o que se observa é a tentativa de afastar, a qualquer custo, a aplicação de regras de proteção ao trabalho, como forma de reduzir os custos e potencializar os lucros das empresas, sem que haja uma efetiva transferência de parte dos ganhos econômicos aos trabalhadores” (Delgado, 2015, p. 189). Esta constatação demonstra como o direito pode servir para ocultar relações reais de exploração sob o manto de categorias formais pretensamente neutras, revelando a dimensão ideológica das construções jurídicas que legitimam práticas precarizantes.

O processo histórico que conduziu à normalização da pejotização no Brasil está intrinsecamente ligado às transformações do capitalismo global nas últimas décadas. A socióloga Graça Druck, ao estudar as diversas dimensões da precarização do trabalho, aponta que “a flexibilização é uma imposição da nova ordem mundial sob a mundialização do capital e da lógica financeira que impõe processos de trabalho e de mercado de trabalho ‘flexíveis’” (Druck, 2013, p. 59). Neste contexto, a pejotização emerge como uma das expressões jurídicas da flexibilização, apresentada ideologicamente como “modernização” das relações laborais.

Um aspecto crucial para compreender a persistência e expansão da pejotização é o papel do Estado e dos tribunais em sua legitimação. Como observa o jurista Mauricio Godinho Delgado, “o Direito do Trabalho vive uma crise de identidade e, mais do que isso, uma crise de legitimação e efetividade” (Delgado, 2018, p. 112). Esta crise se manifesta na hesitação dos tribunais em aplicar o princípio da primazia da realidade sobre a forma, base histórica do direito laboral, quando se trata de reconhecer vínculos de emprego em situações de pejotização fraudulenta.

A inércia institucional diante deste fenômeno não pode ser compreendida apenas como falha técnica, mas como expressão de escolhas políticas orientadas por concepções econômicas específicas. O economista Marcio Pochmann, ao analisar as transformações do trabalho no Brasil contemporâneo, destaca que “o abandono do projeto de industrialização nacional foi acompanhado pela desestruturação do mercado de trabalho organizado entre as décadas de 1930 e 1970” (Pochmann, 2012, p. 35). Este processo criou as condições para que práticas como a pejotização encontrassem justificativas no discurso da “competitividade global” e da “modernização econômica”.

Fenômeno ‘inevitável’ e até mesmo ‘desejável’

O recurso repetitivo em análise pelo TST revela, portanto, mais do que uma questão técnico-jurídica: expõe as contradições de um modelo econômico que, para sustentar-se, precisa constantemente reduzir o custo da força de trabalho e ampliar a disponibilidade de trabalhadores em condições cada vez mais precárias. Como afirma o jurista Jorge Luiz Souto Maior, “para reduzir o campo de incidência da rede de proteção jurídica de cunho social e minar a efetividade dos direitos trabalhistas que impõem limitações à exploração do trabalho, das mais diversas estratégias se vale o capital” (Souto Maior, 2011, p. 668). A pejotização representa, neste sentido, uma dessas estratégias.

A pesquisadora Magda Biavaschi, ao estudar as transformações recentes nas relações de trabalho no Brasil, identifica que “as reformas de cunho liberal no campo trabalhista têm como pressuposto a eliminação de barreiras legais supostamente impeditivas da ampliação da competitividade em um mundo globalizado” (Biavaschi, 2007, p. 310). Este discurso, que encontra ampla ressonância nos meios empresariais e em setores da mídia, cria as condições ideológicas para a aceitação de práticas como a pejotização como “inevitáveis” ou mesmo “desejáveis”.

Uma análise histórico-materialista da pejotização requer, portanto, que se reconheça este fenômeno não apenas como desvio da norma, mas como parte de um processo histórico em que as próprias normas jurídicas são campos de disputa. Nesta perspectiva metodológica, as regras e categorias jurídicas não são neutras, mas penetram em todos os níveis da sociedade, efetuando definições verticais e horizontais dos direitos e do status dos trabalhadores. Neste sentido, a pejotização deve ser compreendida como expressão das relações de força entre capital e trabalho em um momento histórico específico.

Primazia da realidade

O processo de normalização da pejotização no Brasil não ocorre, contudo, sem resistências. Trabalhadores, sindicatos, advogados progressistas e parte da magistratura trabalhista têm atuado no sentido de reafirmar o princípio da primazia da realidade sobre a forma, essencial para o reconhecimento do vínculo empregatício em situações de fraude. Esta resistência, muitas vezes fragmentada e insuficiente, demonstra que mesmo em condições adversas, os trabalhadores não são meros objetos passivos da dominação, mas sujeitos históricos que atuam dentro das possibilidades concretas de seu tempo.

A questão que se coloca, a partir da abertura do prazo para manifestações pelo TST, é qual o horizonte possível para o enfrentamento deste problema. A experiência histórica nos mostra que a efetividade dos direitos sociais nunca depende exclusivamente de sua consagração formal, mas da correlação de forças entre os atores sociais envolvidos. No caso da pejotização, estamos diante de um fenômeno que, para ser efetivamente combatido, exigiria não apenas decisões judiciais favoráveis, mas uma reconfiguração mais ampla das relações entre capital e trabalho.

Opção política e a necessidade de uma alternativa

O que está em jogo, portanto, transcende o debate técnico-jurídico sobre a caracterização do vínculo empregatício em situações específicas. Trata-se, na verdade, de definir qual modelo de sociedade e de desenvolvimento queremos construir. A normalização da pejotização expressa uma escolha política que privilegia a rentabilidade do capital em detrimento da dignidade do trabalho, escolha esta que se materializa não apenas nas decisões judiciais, mas nas políticas econômicas e na própria organização produtiva.

A análise histórica deste processo revela que a precarização do trabalho, da qual a pejotização é apenas uma expressão, não resulta de uma evolução natural ou inevitável das relações econômicas, mas de escolhas políticas específicas, amparadas por construções ideológicas que naturalizam a exploração e individualizam os riscos sociais. Reconhecer o caráter político destas escolhas é o primeiro passo para vislumbrar alternativas.

A superação da pejotização como estratégia de precarização exige, portanto, mais do que reformas pontuais na legislação ou decisões judiciais favoráveis aos trabalhadores. Requer um projeto alternativo de desenvolvimento que coloque o trabalho digno no centro de suas preocupações, reconhecendo que a valorização do trabalho não é apenas uma questão de justiça social, mas condição necessária para a construção de uma economia sustentável e de uma democracia efetiva.

Neste sentido, o debate sobre a pejotização transcende as fronteiras do direito trabalhista para se inserir em uma discussão mais ampla sobre o modelo de sociedade que desejamos construir. A proliferação de formas precárias de contratação, longe de representar uma “modernização” inevitável, expressa uma regressão social que compromete não apenas os direitos dos trabalhadores diretamente afetados, mas a própria coesão social e a sustentabilidade do desenvolvimento econômico.

O momento atual exige, portanto, não apenas respostas técnico-jurídicas ao problema específico da pejotização, mas uma reflexão mais profunda sobre os rumos do trabalho na sociedade brasileira. O reconhecimento da centralidade do trabalho como elemento estruturante da cidadania e da própria democracia é condição necessária para a superação de um modelo que, sob o discurso da “modernização”, reproduz e aprofunda formas arcaicas de exploração.

Diante deste cenário, a mobilização social em torno da defesa dos direitos trabalhistas assume um caráter estratégico que vai além da proteção de interesses corporativos para se configurar como luta pela preservação de um patrimônio civilizatório duramente conquistado. A história nos ensina que os direitos nunca são concedidos graciosamente, mas sempre resultam de processos complexos de luta e negociação social.


Referências

ANTUNES, Ricardo. O Privilégio da Servidão: O Novo Proletariado de Serviços na Era Digital. São Paulo: Boitempo, 2018.

BIAVASCHI, Magda Barros. O Direito do Trabalho no Brasil – 1930-1942: A Construção do Sujeito de Direitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2007.

DELGADO, Gabriela Neves. Direito Fundamental ao Trabalho Digno. São Paulo: LTr, 2015.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr, 2018.

DRUCK, Graça. A precarização social do trabalho no Brasil: alguns indicadores. In: ANTUNES, Ricardo (Org.). Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil II. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 55-73.

GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. 3. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2005.

KREIN, José Dari. As transformações no mundo do trabalho e as tendências das relações de trabalho na primeira década do século XXI no Brasil. Revista NECAT, v. 2, n. 3, p. 6-25, 2013.

POCHMANN, Marcio. Nova Classe Média? O Trabalho na Base da Pirâmide Social Brasileira. São Paulo: Boitempo, 2012.

SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Curso de Direito do Trabalho: Teoria Geral do Direito do Trabalho. Vol. 1. São Paulo: LTr, 2011.

THOMPSON, E. P. Senhores e Caçadores: A Origem da Lei Negra. Tradução Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

THOMPSON, E. P. Costumes em Comum: Estudos Sobre a Cultura Popular Tradicional. Tradução Rosaura Eichemberg. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

Diminuir empregado por conta de limitações configura assédio e gera indenização

Banco não é responsável por verbas trabalhistas de vigilante, decide TST

A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o recurso de um vigilante de São Paulo que pretendia responsabilizar dois bancos pelas verbas devidas por sua empregadora. Por maioria, o colegiado entendeu que a relação das instituições financeiras com a empregadora envolvia contrato comercial, e não de terceirização.

Vigilante prestava serviços para duas instituições bancárias em São Paulo

Na reclamação trabalhista, o vigilante disse que sempre trabalhou de forma concomitante para as duas empresas bancárias, recolhendo e entregando valores em agências e terminais de atendimento.

Por isso, a seu ver, os bancos deveriam responder de forma subsidiária por parcelas como horas extras e adicional de periculosidade, pois se beneficiaram diretamente do seu trabalho.

Natureza mercantil

A pretensão foi acolhida pelo juízo de primeiro grau, mas o Tribunal Regional do Trabalho afastou a condenação dos bancos, e a decisão foi mantida pela 5ª Turma do TST e, agora, pela SDI-1.

Prevaleceu no julgamento o voto do ministro Breno Medeiros, para quem o contrato de transporte de valores não se equipara à terceirização de serviços. Segundo ele, existem particularidades nesse tipo de prestação que não permitem a caracterização da responsabilidade subsidiária.

Segundo o magistrado, os bancos contratam apenas o transporte de valores, e a prestação de serviços do vigilante decorreu de contrato com essa finalidade firmado entre a empregadora e os bancos, de natureza eminentemente comercial.  “Nesse tipo de contrato, o foco é o resultado, é o transporte.”

Medeiros lembrou que, em contratos do gênero, não há qualquer imposição de prestação pessoal do empregado nas dependências da tomadora de serviços — ao contrário da terceirização, em que uma empresa contrata outra, de finalidade social distinta, para fornecer mão de obra para executar serviços em suas próprias instalações.

Ficaram vencidos os ministros Augusto César (relator), José Roberto Pimenta, Cláudio Brandão, Renato de Lacerda Paiva (aposentado), Lelio Bentes Corrêa e Mauricio Godinho Delgado. Com informações da assessoria de imprensa do TST.

Clique aqui para ver o acórdão
E-Ag-RR 1122-19.2015.5.02.0074

CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-abr-11/banco-nao-e-responsavel-por-verbas-trabalhistas-de-vigilante-decide-tst/

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Empresa de call center é condenada por punir e ameaçar operadora por apresentar atestados

Resumo:

  • Uma empresa de call center foi condenada a indenizar uma operadora de telemarketing em razão de punições relacionadas à apresentação de atestados médicos e ameaças de demissão.
  • A empresa havia sido inicialmente condenada a pagar R$ 5 mil, valor considerado insuficiente pela 2ª Turma do TST diante da conduta abusiva e desrespeitosa.
  • Segundo o colegiado, a prática empresarial colocou a saúde da trabalhadora em risco, violando princípios de dignidade e segurança.

A TEL Centro de Contatos Ltda., de Palmas (TO), foi condenada pela Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho a pagar indenização de R$ 15 mil a uma operadora de telemarketing por puni-la e ameaçá-la de demissão por apresentar atestados médicos. O colegiado considerou irrisório o valor de R$ 5 mil fixado nas instâncias anteriores.

Operadora perdia folgas aos sábados

A operadora foi contratada em agosto de 2019 para prestar serviços para o INSS e dispensada em maio do ano seguinte. Na reclamação trabalhista, ela relatou que, quando adoecia e apresentado atestado médico, perdia a folga aos sábados e tinha queda nos indicadores de desempenho, tanto individual como da equipe. Além disso, era ameaçada de ser demitida caso continuasse a apresentar atestados.

Na contestação, a empresa negou a perseguição a quem apresentasse atestados médicos e disse que as folgas aos sábados eram prêmios decorrentes de campanhas motivacionais.

Testemunha confirmou ameaças e pressão

A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO), por considerar evidente a conduta abusiva da empresa.

A decisão destacou depoimento de uma testemunha que confirmou que o supervisor aplicava advertência a quem entregava atestado médico e que o viu ameaçar um colega caso voltasse a apresentar atestado. A testemunha também informou que havia rotatividade de funcionários e uma lista das pessoas passíveis de demissão porque apresentavam atestado e faltavam. Disse ainda que já havia trabalhado doente para não perder a folga nem prejudicar a equipe.

Conduta da empresa colocava em risco a saúde da empregada

No recurso ao TST, a trabalhadora defendeu que o valor de R$ 5 mil era irrisório e pediu sua majoração.

A relatora do recurso de revista, ministra Delaíde Miranda Arantes, destacou que o suposto incentivo da folga aos sábados acabava se convertendo em coação dos empregados para não usufruir o direito à licença, colocando em risco a sua própria saúde.

Segundo a ministra, a busca pela produtividade deve se conjugar com o princípio da dignidade, “que enxerga o ser humano como fim em si mesmo, e não como instrumento para a maximização dos lucros de seu empregador”. Para ela, a prática adotada pela empresa subverte a lógica da gestão sustentável, baseada na prevenção de danos.

Indenização foi maior em outros casos da mesma empresa

Por fim, levando em consideração a gravidade da conduta da empresa e a finalidade pedagógica da indenização, a relatora concluiu que o valor estabelecido pelo TRT foi insuficiente. Delaíde lembrou que, em situações similares, envolvendo a mesma empresa, a Segunda Turma arbitrou a reparação em R$ 15 mil, valor que propôs também para o caso.

A decisão foi unânime.

(Lourdes Tavares/CF)

Processo: RRAg-277-02.2021.5.10.0802

TST JUS

https://tst.jus.br/en/web/guest/-/empresa-de-call-center-%C3%A9-condenada-por-punir-e-amea%C3%A7ar-operadora-por-apresentar-atestados

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1º de maio e a Pauta da Classe Trabalhadora

“O 1º de Maio é um dia de luta, memória e esperança, para nos lembrar que os direitos trabalhistas foram conquistados com mobilização, sangue e organização, e que a união da classe trabalhadora é essencial para avançar na construção de um mundo justo”, escreve Clemente Ganz Lúcio.

Clemente Ganz Lúcio é sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável (CDESS) da Presidência da República, membro do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, consultor e ex-diretor técnico do DIEESE (2004/2020).

Eis o artigo.

Dia Internacional dos Trabalhadores tem uma enorme importância histórica, simbólica e política para a classe trabalhadora em todo o mundo. O 1º de maio representa lutas, conquistas e a resistência dos trabalhadores por melhores condições de vida, trabalho digno e justiça social.

A data homenageia os trabalhadores que participaram da greve geral de 1886 em Chicago (EUA), lutando para reduzir a jornada para 8 horas diárias, entre tantas outras lutas e repressões. A repressão foi brutal, e alguns líderes foram condenados à morte e ficaram conhecidos como os “Mártires de Chicago”. Em 1889, o Congresso Socialista (Segunda Internacional), realizado em Paris, instituiu o 1º de maio como dia de luta internacional da classe trabalhadora.​

No Brasil, o 1º de Maio foi instituído como feriado nacional pelo Presidente Artur Bernardes (Decreto 4.859 de 26/09/1924). Foi nesta data que em 1943 Getúlio Vargas anunciou a criação da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho. O Centro de Memória Sindical [1] indica que as primeiras comemorações operárias ocorreram em Porto Alegre (1892) e em Santos (1895).

São mais de dois séculos de lutas por direitos em um processo de longa transformação industrial capitalista. Conquistas como a redução e regulação da jornada de trabalho, as férias remuneradas, o 13º salário, a previdência social e aposentadoria, os direitos trabalhistas, direito à sindicalização, à greve, à negociação e contratação coletiva, foram conquistados com muito investimento coletivo na organização, na mobilização e nas lutas.

No Brasil as Centrais Sindicais e suas entidades de base apresentam nesta data a pauta unitária de atuação para o próximo período de um ano. Neste ano as Centrais Sindicais realizarão do dia 29 de abril a Plenária Nacional da Classe Trabalhadora, reunindo em Brasília lideranças e ativistas sindicais de todo o país. Nessa Plenária será lançado documento Prioridades da pauta da classe trabalhadora 2025, contendo as propostas que orientarão a atuação unitária do movimento sindical brasileiro no próximo período de um ano. Este 1º de maio terá como lema: “Por um Brasil mais justo: Solidário, Democrático, Soberano e Sustentável”.

A Pauta trará a “redução da jornada de trabalho sem diminuição salarial”, avançando na mobilização e na atuação institucional junto ao Congresso Nacional para aprovar uma legislação que implemente a jornada semanal de 40 horas. Atuar nas negociações coletivas para reorganizar as escalas de trabalho (fim da escala 6X1), tratadas segundo a demanda e o contexto de cada setor econômico e categoria profissional.

Outra prioridade será o apoio à aprovação do Projeto encaminhando pelo governo do Presidente Lula de isenção do imposto de renda até R$ 5 mil e a taxação dos ricos que não pagam imposto.

As Centrais Sindicais demandam iniciativas para a redução estrutural da taxa básica de juros e dos spreads bancários. Consideram fundamental aumentar os investimentos para ampliar a inovação e a capacidade produtiva da economia, para gerar bons empregos, com direitos e crescimento dos salários.

No ano em que o Brasil preside e recepciona a COP 30, além de criar o Fórum Trabalho e Meio Ambiente das Centrais Sindicais, a Pauta indica a prioridade o tratamento das questões relacionadas à mudança climática e a emergência ambiental e seus impactos sobre o mundo do trabalho, propondo e qualificando o que se entende por transição justa.

A Pauta priorizará o fortalecimento da negociação coletiva e da atualização sindical para conquistar direitos frente a mundo do trabalho em profundas mudanças.

O incremento da produtividade será determinante para alçar o país à condição de nação desenvolvida. Para isso, investimento em inovação e formação profissional contínua, um sistema de inserção e intermediação de mão-de-obra ágil e moderno são desafios prioritários.

Abril será um mês de debates nacionais, coordenados pelo DIEESE, para apresentar as propostas de Prioridades para 2025 e preparar a Plenária Nacional de 29 de abril, na qual também será lançada a Agenda Legislativa e a Agenda Jurídica das Centrais Sindicais para 2025. No dia 1º de maio serão realizados atos, manifestações e atividades culturais em todo o país.

Essas iniciativas refletem o esforço conjunto do movimento sindical brasileiro para mobilizar a classe trabalhadora, suas entidades sindicais e a sociedade em torno de pautas fundamentais para os trabalhadores, visando promover um país mais justo e igualitário. O 1º de Maio é um dia de luta, memória e esperança, para nos lembrar que os direitos trabalhistas foram conquistados com mobilização, sangue e organização, e que a união da classe trabalhadora é essencial para avançar na construção de um mundo justo.

Notas

[1] Centro de Memória Sindical. Disponível aqui.

IHU UNISINOS

https://www.ihu.unisinos.br/650685-1-de-maio-e-a-pauta-da-classe-trabalhadora-artigo-de-clemente-ganz-lucio

Diminuir empregado por conta de limitações configura assédio e gera indenização

​Plataformas digitais são ​uma velha exploração do trabalho com linguagem e discurso do século XXI

Para as corporações operarem livremente e obterem vantagens políticas e econômicas nos diferentes cantos do planeta, as barreiras de proteção social erguidas pela classe trabalhadora precisam ser derrubadas. Um exemplo é a reforma na legislação trabalhista brasileira pelo então presidente Michel Temer em 2017. O cerne da reforma “sempre foi a garantia de segurança jurídica para o empresariado em detrimento à segurança dos trabalhadores. Instituiu-se a prevalência do negociado sobre o legislado, ampliou-se a flexibilização contratual, avançou-se, entre outras deformidades, na instituição do trabalho intermitente”.

Quem avalia é professora da Universidade Federal do Acre (UFAC) e integrante do grupo de Pesquisa Mundo do Trabalho e suas Metamorfoses da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Nesta entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU por e-mail, a pesquisadora perpassa o trabalho plataformizado, o “pleno emprego” no Brasil, o fim da jornada 6×1, a organização e o movimentos dos trabalhadores de aplicativo nos dias 30 de março e 1º de abril e, especialmente, como a atual digitalização do trabalho está transformando a subjetividade do trabalhador.

“Alterações na dinâmica de acumulação de capital ensejam mudanças nas formas prevalentes de sociabilidade”, constata. Segunda a analista, os processos de reestruturação produtiva, as mudanças em curso no mundo do trabalho, desde as últimas décadas do século passado, visam incidir de forma objetiva e subjetiva nas relações laborais. “A título de exemplo, podemos observar como a disseminação das bonificações por alcance de metas e resultados, além da flexibilização de parte dos salários. Tudo deslocou as atenções para a parcela flexibilizada, abriu caminho para que se instituíssem formas de competição entre equipes de trabalho e entre trabalhadores/as para o alcance das metas”, explica.

Ela também ressalta que a expressão “pleno emprego” gera uma “noção equivocada da realidade, já que, além de remeter à noção de emprego (…), não revela as diversas formas precarizadas de inserção laboral”. Além disso, em meio à intensificação e ampliação do controle sobre o trabalho, ambiente que fortalece o discurso do mérito individual, “minou o senso de coletividade presente nas décadas anteriores, naturalizando sutilmente o pagamento por produção”, afirma a entrevistada.

Luci Praun é professora da Universidade Federal do Acre (Ufac), com atuação nos cursos de graduação em Ciências Sociais e História. Integra o corpo de docentes permanentes do PPG em Economia Política Mundial da Universidade Federal do ABC (Ufabc). Na Unicamp integra o Grupo de Pesquisa Mundo do Trabalho e suas Metamorfoses, vinculado ao IFCH. Ela compõe a coordenação do Núcleo Semente  Saúde Mental e Direitos Humanos Relacionados ao Trabalho, vinculado ao Instituto Sedes Sapientiae, de São Paulo. Pesquisadora de temáticas relacionadas ao mundo do trabalho, entre elas, trabalho e saúde.

Confira a entrevista.

IHU – Como enxerga e avalia o atual mundo do trabalho? Quais as principais metamorfoses?

Luci Praun  O atual mundo do trabalho é mais complexo, multifacetado, disperso e global que aquele que conhecemos há algumas décadas. No início do século XXI, essas mudanças significativas, que já vinham se desenvolvendo desde as décadas de 1980-1990 com o avanço do neoliberalismo e dos processos de flexibilização da produção e do trabalho, aprofundaram-se.

Um dos traços marcantes dessa trajetória de longo prazo pôde ser observado na crescente flexibilização das relações de trabalho, auxiliada pelo desenvolvimento tecnológico. Com jornadas flexibilizadas, por exemplo, o tempo diretamente dedicado à atividade laboral condensou-se, o trabalho foi intensificado. A essas medidas articularam-se outras, a exemplo da adoção de sistemas de metas e avaliações de desempenho que, além de operarem no mesmo sentido, de ampliar a produtividade e intensificar o trabalho, também trouxeram para o cotidiano de diferentes categorias e profissões mais controle, maior competição entre trabalhadores e maior individuação, além do fechamento de postos de trabalho.

Com atuação em escala global, as grandes corporações, apoiadas na expansão do capital financeiro e no avanço das diretrizes neoliberais incorporadas às políticas de Estado, ampliaram o poder de descentralização de suas atividades em busca de menores custos, especialmente com a força de trabalho. Assim, um outro traço marcante das últimas décadas tem sido a crescente perda de direitos sociais e do trabalho. Para que as corporações operem livremente e obtenham vantagens políticas e econômicas nos diferentes cantos do planeta, as barreiras de proteção social erguidas pela classe trabalhadora no período anterior têm sido constantemente derrubadas. No Brasil, esse movimento encontrou seu ponto alto em 2017, com “reforma trabalhista”, mas mantém-se ativo.

É neste cenário, em meio a um novo salto no desenvolvimento tecnológico, que corporações como a UberAmazonGoogleIFood, entre outras, expandiram-se e passaram a arregimentar um contingente crescente de trabalhadores. Valeram-se do ambiente de desregulamentação de direitos, da disponibilidade de força de trabalho desocupada, mas também daquela que compõe o contingente subocupado, submetido aos baixos salários, à perda crescente de direitos, aos ambientes de trabalho adoecedores. Distorcidamente, essas empresas-plataforma, apresentam-se como alternativa às vivências do avanço da precarização das relações de trabalho.

IHU – O Brasil vive quase o pleno emprego, mas os trabalhadores parecem não estar satisfeitos nem realizados. O que está acontecendo, como compreender este cenário?

Luci Praun  Certamente a classe trabalhadora não tem com o que estar satisfeita. Apesar da taxa de desocupação no Brasil, conforme o IBGE, se encontrar um pouco abaixo dos 7%, esse indicador por si só não é capaz de dar conta da complexidade das relações de trabalho locais.

É sempre bom lembrar que o grupo de ocupados é constituído por todos aqueles que realizaram, na semana de aplicação da pesquisa, ao menos uma hora de trabalho remunerado. Essa remuneração, por sua vez, não precisa ser necessariamente em dinheiro, o que significa que também se considera o pagamento em forma mercadorias ou algum outro tipo de benefício.

Ou seja, a expressão “pleno emprego” gera uma noção equivocada da realidade, já que, além de remeter à noção de emprego (e não de ocupação), não revela as diversas formas precarizadas de inserção laboral. Por isso, para a maioria da classe trabalhadora ocupada, submetida ao baixo ou nenhum acesso a direitos, aos salários que não chegam ao fim do mês, à pressão constante das avaliações de desempenho e das metas a serem alcançadas, às jornadas exaustivas à céu aberto e em espaços fechados de trabalho, às vivências de desgaste e adoecimentos relacionados ao trabalho, as coisas não têm como estar bem. Não há como estar satisfeito ou realizado em um cenário como este.

Não à toa a defesa do fim da escala 6×1 tem conquistado adesão. O mesmo se pode dizer da capacidade de organização demonstrada pelos trabalhadores de entrega por aplicativos na greve que realizaram nos dias 31/03 e 01/04.

IHU – O mercado informal está migrando para as redes sociais e precarizando o trabalho com ar de “modernidade”?

Luci Praun  Não diria que está migrando, mas que as empresas-plataforma ampliaram e imprimiram um novo perfil à informalização. Destaco dois aspectos que têm sido objeto de diferentes pesquisas em curso.

O primeiro diz respeito à associação que parte das pesquisas no Brasil sempre estabeleceu entre a maior incidência de parte importante do trabalho informalizado e segmentos empresariais com menor capacidade de investimento. No geral, micro e pequenos negócios. Empresas como a UberIFood99AmazonMercado LivreMeta certamente não se enquadram nessa categorização. No entanto, estão diretamente implicadas na expansão do trabalho informalizado no Brasil e em diversos cantos do mundo. Isso alterou significativamente a análise sobre os processos que estão na base da informalização do trabalho.

O segundo, que também tem relação direta com o avanço da precarização do trabalho, refere-se ao uso de redes sociais para o desenvolvimento de diversos tipos de atividades laborais. Entre essas atividades, pode-se considerar os canais de interação para tratar de demandas de trabalho, individualmente ou em grupo, a exemplo do uso que se faz do WhatsApp. Esse tipo de prática, bastante conhecida, mas difícil de ser mensurada, espalhou-se entre trabalhadores com vínculo formal, mas também entre os informalizados. A rede tem inclusive uma ferramenta de transferência de valores e tem sido utilizada para divulgação de serviços, comercialização de produtos, entre outras atividades.

Observa-se também, já há algum tempo, o uso de perfis públicos em redes como Facebook e Instagram para desenvolvimento de atividades laborais de diversos tipos. Recentemente foram divulgados os primeiros resultados de pesquisa sobre o uso do Instagram para atividades remuneradas, coordenada pela antropóloga Rosana Pinheiro-Machado.

A pesquisa destaca, entre outros aspectos, a atividade de um amplo segmento da população de comunidades pobres nesta rede social em busca de formas de remuneração. Mas ainda há muito o que se pesquisar sobre esse universo e sobre o perfil diversificado das atividades nele desenvolvidas, os trabalhadores envolvidos, as relações de trabalho ensejadas, os vínculos diretos e indiretos entre essas atividades e corporações de diferentes segmentos.

IHU – As plataformas digitais estão produzindo uma nova subjetividade do trabalho? Em que sentido?

Luci Praun  Sem dúvida. Mas essa história não começa com a expansão empresas-plataforma, mas nas mudanças no padrão de acumulação de capital que observamos a partir da década de 1970-1980. Alterações na dinâmica de acumulação de capital ensejam mudanças nas formas prevalentes de sociabilidade. É o que temos vivenciado nas últimas décadas.

No início de nossa conversa, mencionei os processos de reestruturação produtiva, as mudanças em curso no mundo do trabalho desde as últimas décadas do século passado. Essas alterações visaram incidir objetiva e subjetivamente nas relações de trabalho. A título de exemplo, podemos observar como a disseminação das bonificações por alcance de metas e resultados, além de flexibilizar parte dos salários, deslocou as atenções para a parcela flexibilizada, abriu caminho para que se instituíssem formas de competição entre equipes de trabalho e entre os/as trabalhadores/as de uma mesma equipe com vistas ao alcance das metas.

Em meio à intensificação e ampliação do controle sobre o trabalho, esse ambiente fortaleceu o discurso do mérito individual, minou o senso de coletividade presente nas décadas anteriores, naturalizou sutilmente o pagamento por produção.

Esses e outros recursos da gestão flexível foram atualizados e exacerbados no contexto do que temos denominado de uberização do trabalho. Trata-se agora da flexibilização levada ao limite, do trabalho sem a parcela de remuneração fixa, sem nenhum direito, sem garantia de descanso, mas com as chefias e o patrão invisibilizados, o que fornece a falsa impressão de autonomia do trabalhador frente à organização e gestão de seu próprio trabalho.

Plataformização

Essa dinâmica, que visa garantir o engajamento no trabalho, e que encontra na gestão algorítmica seu ponto de apoio fundamental, extrapola o universo do trabalho. Almeja organizar a vida social como um todo, incidir na forma como as pessoas se relacionam cotidianamente como trabalhadoras e consumidoras, no tempo de trabalho e de não trabalho. Tenho insistido na ideia de que em parte o engajamento obtido por essas empresas ancora-se nos sistemas de avaliação e metas, no medo do desemprego, nas pressões e assédios vivenciados nos locais tradicionais de trabalho, mas se sustenta também na manipulação, por parte dessas corporações, da experiência pregressa desses trabalhadores com o trabalho.

Entre os mais os jovens, essa experiência pregressa remete à vivência do desemprego de longa duração e da inserção, quando alcançada, em postos de trabalho com baixíssimas remunerações, exigência de jornadas longas, fixas e extenuantes.

Sobre os mais velhos, pesam a idade, o fim do posto de trabalho, a impossibilidade de recolocar-se em empregos com a remuneração e direitos que um dia acessaram. Entram em jogo também as experiências com os processos de reestruturação das empresas em que trabalhavam, quando o tempo e a produtividade do trabalho se tornaram ainda mais controlados e adoecedores, quando a pressão das avaliações de desempenho e o medo do desemprego tornaram-se parte da rotina.

É nessa vivência e memória recentes da classe trabalhadora, constituidoras de percepções negativas da inserção laboral formalizada, que se apoia a manipulação. É nelas que se apoiam os apelos ideológicos e as estratégias de envolvimento utilizadas por empresas como Uber99IFood. Almejam associar a dificuldade de acesso ao emprego, a repulsa ao trabalho explorado e precarizado, à suposta experiência de conquista e realização pessoal por elas oferecida, fundada em uma suposta liberdade de escolha e no mérito individual. Há, nesse sentido, uma manipulação da experiência laboral na busca por convertê-la em suporte para adesão a formas de trabalho que prometem estar no mérito individual a fórmula para se dar bem.

IHU – Como avalia a pauta pela mudança na jornada de trabalho, o fim da escala 6×1? Quais as possibilidades de avançarmos neste debate no país?

Luci Praun  A redução da jornada de trabalho e o fim da escala 6×1 são reivindicações justas e necessárias. Uma não pode caminhar sem a outra. Não se trata de estabelecer uma escala 5×2, por exemplo, mantendo jornadas que facilmente superam as já extensas 44 horas semanais previstas na legislação. O fim da escala 6×1 é parte, portanto, da luta pela redução da jornada de trabalho. E a redução da jornada não pode ser acompanhada de redução do salário.

É sempre bom lembrar que a inserção de tecnologias digitais e o avanço da organização e gestão flexível do trabalho, que observamos nas últimas décadas, cortaram postos de trabalho ao mesmo tempo em que intensificaram a atividade laboral, ampliando também sua produtividade. Essas transformações se fizeram acompanhadas do amplo uso da terceirização e de um ambiente de crescente insegurança e instabilidade para a classe trabalhadora.

A luta pelo fim da jornada 6×1 e pela redução da jornada é, portanto, também parte da luta contra o avanço da precarização do trabalho. O que falta para essa pauta ser incorporada pelo conjunto das representações políticas e sindicais dos trabalhadores? Por um lado, chama a atenção que parte importante dessa luta esteja sendo organizada para além das estruturas sindicais, o que sugere certo distanciamento das representações sindicais de questões cruciais das categorias que representam.

Por outro, indica que uma ampla campanha em torno dessas reivindicações tem um enorme potencial de mobilização, pois dialogam diretamente com as vivências daqueles/as que acordam todos os dias para trabalhar duro e já não suportam mais ver a vida reduzida ao trabalho.

IHU – Qual o impacto da atual jornada na saúde do trabalhador e no sistema de saúde?

Luci Praun  A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Mundial do Trabalho (OIT), analisando dados de diferentes países, de 2016, constataram a relação entre longas jornadas laborais e maior incidência de mortes por acidente vascular cerebral (AVC) e doenças cardíacas. O estudo identificou que as longas jornadas contribuem para “um terço da carga total estimada de doenças relacionadas ao trabalho”.
Pesquisas realizadas no Brasil também constataram que jornadas longas potencializam acidentes de trabalho. Queixas de esgotamento físico e mental têm sido cada vez mais comuns e estão presentes em qualquer roda de conversa de trabalhadores.

Com o avanço da precarização do trabalho, as horas dedicadas ao descanso e ao lazer têm diminuído. O avanço do trabalho plataformizado, por exemplo, tem contribuído para que o ambiente doméstico esteja sendo cada vez mais tomado pelas atividades remuneradas, ampliando, no caso das mulheres, a sobreposição entre atividades remuneradas e não remuneradas de cuidado dos filhos, de idosos, da manutenção da casa.

Ilusão digital

No caso do trabalho plataformizado e por aplicativo, com remuneração por demanda atendida, as jornadas tendem a se estender sem limites, o que está longe de ser uma opção.

Apesar disso, os números oficiais sobre acidentes e adoecimentos relacionados ao trabalho captam apenas uma pequena parcela dessas ocorrências, resultante de parte das ocorrências envolvendo o segmento formalizado da classe trabalhadora. Do ponto de vista das empresas, reina tanto a ocultação de acidentes como o não reconhecimento dos adoecimentos relacionados ao trabalho, o que as isenta das responsabilidades com a saúde do/a trabalhador/a e com os custos de seu tratamento, transferido para o Sistema Único de Saúde.

A precarização do trabalho caminha no sentido oposto ao da garantia do direito à saúde. Garantir remuneração adequada e limitar as horas de dedicação ao trabalho é parte de um conjunto de medidas capazes de proteger a saúde dos/as trabalhadores/as.

IHU – Como analisa a luta dos movimentos dos trabalhadores de aplicativo, qual o centro da reivindicação?

Luci Praun  Considero, por razões diversas, um movimento desde já vitorioso, mesmo que ainda não tenha resultado no atendimento das reivindicações.

Uma razão diz respeito à capacidade das lideranças da categoria de articularem uma greve nacional, mais expressiva que o breque de 2020 e com uma pauta cuidadosamente construída a partir do diálogo com a categoria.

Reivindica-se a taxa mínima de entrega, proposta em R$10,00, o adicional de R$2,50 por quilômetro rodado, o limite de quilômetros para entrega por bicicletas, além do pagamento integral nas entregas agrupadas em uma mesma rota. Mas as reivindicações extrapolam a dimensão salarial, pois repercutem no número de entregas que os entregadores precisam fazer por dia para garantir a sobrevivência, no ritmo alucinante das entregas. E, em decorrência, o altíssimo número de acidentes de trabalho no trânsito que tem gerado um contingente crescente de trabalhadores mutilados e mortos.

A greve é também vitoriosa porque resulta da experiência cotidiana com o trabalho uberizado. Dá visibilidade à exploração praticada por essas plataformas de trabalho. Coloca em xeque a falsa promessa de “equilíbrio entre trabalho e vida pessoal”, sempre presente nas propagandas de empresas como a Uber. Resgata o sentido e força da organização coletiva, apontando o caminho da luta para outras categorias.

IHU – Trabalhadores que atuam em outras áreas que envolvem o uso de tecnologias têm aderido às mobilizações? 

Luci Praun – Temos acompanhado um crescente descontentamento entre diferentes segmentos da classe trabalhadora. A luta desencadeada pelos entregadores de aplicativos e as mobilizações contra a escala 6×1 são as expressões mais visíveis dessa onda de mobilizações que têm à sua frente um segmento da classe trabalhadora que Ricardo Antunes tem denominado como “novo proletariado de serviços”, fortemente atingido pelo avanço da precarização do trabalho.

IHU – Como avalia a reforma trabalhista de 2017 quanto à expectativa e à realidade agora?

Luci Praun  Os argumentos favoráveis às alterações realizadas na legislação trabalhista brasileira, em 2017, nunca tiveram compromisso com a verdade. O cerne da “reforma” sempre foi a garantia de segurança jurídica para o empresariado em detrimento da segurança jurídica para os/as trabalhadores/as. O objetivo, conhecido dos defensores das medidas, sempre foi o de abrir o caminho para o avanço da precarização do trabalho. Assim, instituiu-se a prevalência do negociado sobre o legislado, ampliou-se a flexibilização contratual, avançou-se, entre outras deformidades, na instituição do trabalho intermitente.

Essas alterações foram realizadas em convergência com movimentos similares em outros países. Mas é interessante notar que a pretensão nunca foi a de criar condições de trabalho homogêneas em escala global. Ao contrário. Com a acentuação flexibilização do trabalho pela via da legislação, a garantia de segurança jurídica para os setores corporativos fez-se acompanhada da possibilidade de conjugar o recrutamento de um pequeno núcleo de trabalhadores/as formais precarizados, com contratos por tempo indeterminado, com o de uma franja crescente de trabalhadores terceirizados, temporários, intermitentes. E estes últimos, por sua vez, a tantos outros que compõem o heterogêneo contingente informalizado.

IHU UNISINOS

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