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JUSTIÇA SOCIAL

Alojamento para trabalhadores: solução que exige atenção das empresas

Alojamento para trabalhadores: solução que exige atenção das empresas

Opinião

Em um país com dimensões continentais, não é incomum que o trabalho ocorra em locais afastados da residência habitual, especialmente na construção civil e agricultura.

Muitos empregadores, em razão de seu ramo de negócios e localização, não conseguem mão de obra necessária para suprir suas demandas, tendo que buscar trabalhadores em regiões distantes, ofertando moradia.

O alojamento para trabalhadores não trata apenas de um lugar para dormir, mas de uma estrutura que garante as condições mínimas de habitabilidade, respeitando a integridade física e mental do trabalhador. Além de proporcionar abrigo, essas moradias devem permitir que os profissionais descansem adequadamente, evitando deslocamentos longos e exaustivos.

No entanto, para que essa solução funcione de maneira eficaz e dentro da legalidade, é essencial que as empresas sigam a Norma Regulamentadora 24 (NR 24). Essa norma estabelece os requisitos mínimos que devem ser cumpridos, como a oferta de dormitórios, instalações sanitárias, refeitórios, áreas de convivência, e locais para lavar e secar roupas.

Os dormitórios devem estar sempre em boas condições de higiene e conservação. É fundamental que eles sejam divididos por gênero e que ofereçam banheiros suficientes para atender a todos, numa proporção de um banheiro para cada dez trabalhadores. Se os banheiros estiverem fora dos dormitórios, é importante que fiquem a uma distância máxima de 50 metros e que o caminho seja coberto, com piso que possa ser facilmente limpo.

Ainda, os dormitórios devem ser projetados visando a garantir espaço e segurança adequados para acomodar, no máximo, oito trabalhadores, de forma que cada um deles tenha uma cama, com colchões certificados, lençóis e outros itens limpos e apropriados para as condições climáticas. Os armários, além de serem espaçosos, devem ter chave para garantir a segurança dos pertences pessoais. Outro ponto importante é garantir que o alojamento seja bem ventilado e iluminado, já que isso afeta diretamente o conforto e a saúde dos trabalhadores.

Descanso, segurança e higiene

Para evitar ruídos e garantir o descanso, é recomendável que os trabalhadores que compartilham o mesmo dormitório tenham jornadas de trabalho semelhantes. Já o refeitório, seja ele dentro ou fora do alojamento, deve seguir rígidos padrões de higiene e segurança. Se o refeitório for externo, a empresa deve garantir transporte adequado para os trabalhadores. Vale ressaltar que cozinhar nos dormitórios é proibido. Quanto às roupas, o alojamento deve oferecer locais adequados para lavar e secar ou disponibilizar um serviço de lavanderia.

A manutenção do alojamento também é fundamental. O local deve contar com pisos impermeáveis e fáceis de limpar, e a coleta de lixo deve ser feita diariamente. A roupa de cama precisa ser lavada com frequência, e as instalações, como um todo, devem passar por manutenção regular para garantir as condições de higiene e funcionalidade.

Além das exigências estruturais, as empresas também possuem responsabilidade importantes e que devem ser rigorosamente cumpridas, tais como: assegurar a disponibilização de acomodações em conformidade com as exigências legais e normativas pertinentes; realizar manutenção periódica das instalações para garantir condições adequadas de higiene e funcionalidade; manter os trabalhadores informados acerca das condições do alojamento disponibilizado; evitar superlotação; incentivar práticas de promoção de saúde e convivência harmoniosa entre os trabalhadores; oferecer treinamentos de segurança e saúde ocupacional.

A fiscalização dos alojamentos é realizada por auditores fiscais do trabalho, que podem fazer inspeções a qualquer momento, com ou sem aviso prévio. O objetivo dessas visitas é verificar se as empresas estão cumprindo as exigências da NR 24. Mais do que apenas punir, o foco é conscientizar os empregadores sobre a importância de oferecer condições dignas de moradia para seus funcionários.

Caso a norma não seja cumprida, as empresas podem ser multadas, e o valor da multa varia de acordo com a reincidência e o tamanho da empresa.

Ações trabalhistas

Os próprios trabalhadores também podem mover ações trabalhistas, exigindo indenizações por danos materiais ou morais, especialmente quando há desrespeito aos direitos fundamentais, como a dignidade, a saúde e a segurança no trabalho.

Em situações mais graves, pode ocorrer a interdição de setores ou da própria empresa, se houver risco iminente à saúde dos trabalhadores. E, em casos extremos, o Ministério do Trabalho pode ordenar o embargo imediato do alojamento. Dependendo da gravidade, o empregador ainda pode enfrentar processos civis e criminais, com a obrigação de indenizar os trabalhadores ou seus familiares.

Oferecer alojamento, portanto, vai além de uma solução logística. É uma estratégia que pode ser decisiva em locais onde há escassez de mão de obra, possibilitando a atração de profissionais qualificados de outras regiões.

Contudo, é crucial que os empregadores compreendam a importância de cumprir rigorosamente a NR 24, tanto para preservar o bem-estar dos trabalhadores quanto para evitar problemas legais e financeiros.

Em resumo, o alojamento pode ser uma opção eficaz e vantajosa para as empresas, desde que seja oferecido com responsabilidade e dentro dos parâmetros estabelecidos pela legislação. Garantir moradia adequada não só favorece a atração de trabalhadores de qualidade, mas também assegura a continuidade das atividades da empresa sem interrupções.

Alojamento para trabalhadores: solução que exige atenção das empresas

Interpretação do STF no Tema 725 e ADPF 324 e inconstitucionalidade do art. 2 e 3 da CLT

Opinião

Há pelo menos dois anos vem sendo travada uma verdadeira guerra fria entre o Supremo Tribunal Federal e a Justiça do Trabalho em relação ao entendimento consolidado no Tema 725 e na ADPF 324, especialmente, no que se refere à contratação de pessoas jurídicas ou à existência de contrato de prestação de serviços entre pessoas jurídicas.

Uma breve leitura dos acórdãos que concluíram o julgamento do Tema 725 e da ADPF 324, inclusive na discussão travada entre os ministros, não se constata, de maneira alguma, análise do tema “contratação de pessoa jurídica e contratação entre pessoas jurídicas”, a conhecida “pejotização”. A questão central objeto da ação e recursos direcionados ao STF consistiu na possibilidade da terceirização da atividade-fim e da responsabilidade solidária/subsidiária do tomador de serviços (Súmula 331 do TST).

O equívoco da situação já se inicia quando se denomina contratação de pessoas jurídicas pelo termo “pejotização”, o qual, na verdade, em sua real acepção, consiste na contratação de profissionais por meio de pessoas jurídicas com o único subterfúgio: a fraude para mascarar relação de emprego.

São verdadeiros empregados que, na aparência, e no início da relação ostentam a figura de um PJ, de um empresário, mas que na realidade, ao contrário, são obrigados a exercer todas as funções de um empregado, nos moldes dos artigos 2º e 3º da CLT. E a diferença primordial que norteia um verdadeiro “profissional PJ” de um empregado é a forma como a subordinação jurídica se dá na relação e a autonomia.

Em segundo lugar, admitir o tratamento igualitário dessas situações jurídicas significa contrariar o que o legislador optou por definir: a criação da figura do empregado e empregador dos artigos 2º e 3º da CLT.

Oportuno salientar desde já que a Justiça do Trabalho, e a boa e abalizada doutrina jamais proibiu a contratação de profissionais por meio de pessoa jurídica. A questão da proibição e quanto a isso ousamos concordar consiste na existência de contratações que visam a burlar a legislação vigente. Não se pode negar que a contratação de profissionais por meio de pessoa jurídica possa parecer sob o ponto de vista do empregador mais viável, mais econômico. Essa modalidade de contratação, contudo, deve obedecer, em primeiro lugar, a autonomia que a permeia.

Mercado dita as regras de contratação

Na maioria dos casos, o mercado dita as regras de como se dará contratação, e o profissional não tem outra opção senão aderir à forma imposta, sob pena de ficar à mercê de trabalho. Essa situação é muitas vezes confundida com “opção” do trabalhador pelo regime de contratação via pessoa jurídica, o que não é o caso.

E ainda que fosse opção de ambas as partes a contratação por essa modalidade, grande parte dos profissionais assina documentos prontos por quem detém maior poder de barganha (contratos de adesão) e, acreditando que a relação de trabalho será permeada pela autonomia, no curso da relação verifica que a situação não é a que se apresentava no momento da contratação, pois o tratamento dado é como o de um empregado celetista, nos moldes dos artigos 2º e 3º da CLT, porém, sem receber o que lhe é de direito.

Essas são as situações de fraude, que não podem ser ignoradas pelo Judiciário, mormente em um país como o Brasil, onde os direitos trabalhistas foram obtidos com tanto sacrifício e, infelizmente, até hoje há notícias de trabalho escravo.

Contudo, na contramão dos direitos dos trabalhadores, o STF vem proferindo decisões contrárias ao que os artigos 2º e 3º da CLT dispõem, o que preocupa a todos os operadores do Direito do Trabalho, incluindo, o Ministério Público do Trabalho.

Embora louvável o entendimento assentado pela Suprema Corte acerca da licitude da “terceirização de atividade-fim e meio” e da denominada terceirização por “pejotização”, uma espécie de presunção lógica e absoluta sobre a legalidade de “qualquer divisão do trabalho entre pessoas jurídicas” tem sido disseminada no STF, o que, de certa forma, esvazia a competência da Justiça Laboral.

STF tem anulado decisões de vínculo trabalhista

O STF tem revisado e anulado decisões proferidas pela Justiça do Trabalho, em sede de reclamação constitucional, que reconhecem o vínculo de emprego entre trabalhadores e empresas, cuja relação inicial aparente seria de terceirização ou terceirização por “pejotização”.

Como se não bastasse, e essas decisões vêm sendo adotadas, mesmo havendo nos processos um vasto acervo probatório da subordinação jurídica e demais requisitos do vínculo de emprego, tais como (existência de controle de ponto, impossibilidade de substituição, existência de poder punitivo — advertência ou demissão etc.).

Acirra-se ainda mais esta crise institucional, pois vem se instrumentalizando a reclamação constitucional — não obstante se tratar de uma via estreita processual — para desconstituir estas decisões colegiadas da Justiça do Trabalho, sob a justificativa falha de violação à competência do STF.

Reitera-se. São decisões trabalhistas, proferidas pela primeira instância e confirmadas pelos tribunais regionais, que, ao contrário do aduzido nas decisões monocráticas proferidas pelo STF, não discutem a legalidade da “terceirização” ou “pejotização”, e sim, amparada em robusta matéria probatória, atestam a existência de fraude trabalhista.

A realização deste “distinguishing” em relação aos precedentes vinculantes fora, inclusive, aconselhada nos votos condutores dos julgamentos do Tema 725 e ADPF 324.

ADPF 324:
Nota-se, portanto, com base nas considerações acima, que o que precariza a relação de emprego não é a terceirização, mas seu exercício abusivo. (…) Afirmar a licitude da terceirização como estratégia negocial, tanto no que respeita à atividade-meio, quanto no que respeita à atividade-fim, não implica, contudo, afirmar que a terceirização pode ser praticada sem quaisquer limites. A prática tem demonstrado – e a situação está muito bem retratada nos arrazoados dos amici curiae que se opõem à procedência desta ação – que algumas empresas contratadas deixam efetivamente de cumprir obrigações trabalhistas e previdenciárias e que, quando acionadas, constata-se que tais empresas não dispõem de patrimônio para honrar as obrigações descumpridas. (…). Como já observado, a atuação desvirtuada de algumas terceirizadas não deve ensejar o banimento do instituto da terceirização. Entretanto, a tentativa de utilizá-lo abusivamente, como mecanismo de burla de direitos assegurados aos trabalhadores, tem de ser coibida. Essa é a condição e o limite para que se possa efetivar qualquer contratação terceirizada. Os ganhos de eficiência proporcionados pela terceirização não podem decorrer do descumprimento de direitos ou da violação à dignidade do trabalhador.”

Tema 725:
“Em segundo lugar, porque a denominada “intermediação de mão de obra” ilícita, como salientado pelo Ministério Público do Trabalho e no próprio parecer da Procuradoria-Geral da República, consiste em mecanismo fraudulento que visa burlar a efetividade dos direitos sociais e previdenciários dos trabalhadores; desvalorizar o primado do trabalho, por meio de abuso e exploração do trabalhador e ocultar os verdadeiros responsáveis pelas contratações, para impedir sua plena responsabilidade; o que, não raras vezes, acaba tipificando hipóteses de trabalho escravo.”

Competência da Justiça do Trabalho afastada

Tamanha a dimensão alcançada por esta problemática que a Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), lançou um estudo no dia 2 de maio de 2024, o qual, por meio da análise de 1.039 decisões desta Suprema Corte, entre monocráticas e colegiadas, no período de 1º de julho de 2023 e 16 de fevereiro de 2024, destacou que, embora a jurisprudência do STF exija a existência de aderência estrita entre a decisão reclamada e o paradigma indicado, em muitas das reclamações analisadas o requisito foi flexibilizado para afastar a competência da Justiça do Trabalho.

Tratando-se de uma via processual estreita, destaca-se que não apenas a aderência estrita está sendo ignorada, como também a verificação da utilização deste instrumento como sucedâneo recursal e até mesmo o trânsito em julgado da lide na seara trabalhista, em clara afronta à Súmula nº 734/STF.

Contudo, o que mais chama a atenção é a naturalidade que os ministros, em notória afronta à Súmula nº 279/STF, vêm adentrando — e desprezando — a instrução probatória analisada pela Justiça do Trabalho e rechaçando, monocraticamente, a existência de relação empregatícia sem sequer requisitar informações à autoridade prolatora da decisão ou ouvir a parte beneficiária (empregado).

Ressalta-se que a requisição de informações e citação da parte beneficiária são obrigações processuais — e não faculdades — estabelecidas pelo artigo 989, II e III, CPC, as quais, no entanto, têm sido descumpridas pelo Supremo Tribunal Federal, sob a justificativa da celeridade processual.

Sobre este ponto, reproduz-se trecho de voto proferido pela ministra Carmen Lúcia, na RCL nº 71.162/SP, que defende o retorno dos autos para rejulgamento da reclamação trabalhista à luz dos precedentes vinculantes:

“Não se pode, a pretexto de obter-se celeridade processual, confundir o instituto jurídico reclamação constitucional com a reclamação trabalhista em tramitação na origem. A causa de pedir e o pedido deduzido nessas ações não se confundem. Na reclamação constitucional, busca-se resguardar a competência deste Supremo Tribunal ou restabelecer a autoridade de seus pronunciamentos dotados de efeito vinculante e eficácia erga omnes.

Ao se permitir o julgamento imediato da causa no Supremo Tribunal Federal, seriam indevidamente suprimidas as instâncias judiciais previstas no ordenamento jurídico vigente, transformando-se este Supremo Tribunal em instância única de jurisdição, o que não se pode admitir. Essa medida debilitaria o processo de construção do debate e o amadurecimento de teses jurídicas, além de frustrar o caráter corretivo e pedagógico que a cassação da decisão reclamada é capaz de promover nas instâncias ordinárias, a partir da determinação de que se julgue novamente a matéria, dessa vez tomando como parâmetro inafastável o paradigma cujo descumprimento se indicou.”

O próprio RISTF, em seus artigos 157, 159 e 160, também contempla esse diálogo contínuo, tanto com a autoridade prolatora, como com a própria Procuradoria-Geral da República, antes do proferimento da decisão.

Inclusive, esta última, em 22 de setembro de 2023, nos autos da RCL 60.620/SP, diante deste cenário que pouco contribui com o fortalecimento dos precedentes, requereu, nos termos do artigo 947, CPC/15, a instauração de Incidente de Assunção de Competência para que fosse afetada aquela reclamação ao Plenário do STF e fosse formado entendimento sobre o tema “limites das teses fixadas na ADPF 324/DF, no RE 958.252/MG (Tema 725 da Repercussão Geral), nas ADIs 5.625/DF e 3.961/DF e na ADC 48/DF para fins de cabimento da reclamação junto ao STF nas hipóteses da declaração de existência de fraude à caracterização do vínculo de emprego”.

Procuradoria à favor da Justiça do Trabalho

Para a Procuradoria-Geral, à época capitaneada por Augusto Aras, a análise sobre a existência do vínculo empregatício é tida como uma das mais importantes funções desempenhadas pela Justiça do Trabalho e um dos principais temas de litígio em matéria trabalhista, ressaltando uma infinidade de decisões contraditórias em casos idênticos, destacando o entendimento pela inviabilidade de reclamações como, por exemplo, na Rcl 55.806-AgR (relator ministro Nunes Marques), na Rcl 55.164-AgR (relator ministro Ricardo Lewandowski) e na Rcl 56.098-AgR (relator ministro Luiz Fux).

Ocorre que, como aquela reclamação teve seu seguimento negado pelo ministro Edson Fachin, o pedido perdeu seu objeto e nunca mais foi suscitada esta tentativa de uniformização do posicionamento.

É necessário se atentar que não se trata de uma decisão monocrática isolada; a pejotização, atualmente, é a realidade.

Logo, um instituto que poderia ser benéfico e adequado ao mercado de trabalho moderno, se utilizado da forma abusiva que está sendo feita, sem qualquer contrapeso, além de incompatível com o Estado democrático de direito, também será bastante prejudicial para as gerações futuras.

Neste sentido, importante citar o voto do ministro Flávio Dino na RCL nº 68.787/MG e RCL nº 66.155/ES:

“Realço que, no sistema constitucional pátrio, a relação de emprego é a regra, conforme deflui do artigo 7º da Constituição, e as demais formas de trabalho são válidas apenas quando efetivamente se diferenciam daquela.

(…)

A pejotização desenfreada é incompatível com a proteção e promoção do regime constitucional dos direitos sociais, inclusive quanto ao financiamento da seguridade social. Se não houver obediência das novas formas de trabalho a um regime de direito e deveres que preserve a seguridade social irá se constituir uma autêntica “bomba fiscal” para as atuais e futuras gerações. Como explicam os professores Nelson Marconi e Marco Capraro Bancher, da Fundação Getúlio Vargas:

“(…) ressaltamos que a perda de receita decorrente da pejotização causa impacto relevante nas contas públicas. É um importante aspecto a considerar quando são analisados os efeitos da flexibilização ampla pretendida para o mercado de trabalho na direção de possibilitar situações de violação à legislação trabalhista. Nesse cenário, a própria discussão sobre desoneração da folha de pagamento, cujo alcance a União vem tentando restringir, se torna inócua, pois tanto o conjunto de impostos, como a base de tributação que incidiria sobre o trabalho se reduziria consideravelmente. Destaque-se que a eliminação de direitos trabalhistas decorrentes da pejotização, como décimo terceiro, horas extras, adicionais de insalubridade ou periculosidade, também diminuirá a base de cálculo dos impostos. Adicionalmente, é importante ressaltar que o poder de fiscalização e controle por parte da Receita Federal também seria enfraquecido, pois é mais difícil fiscalizar muitas empresas com somente um funcionário que poucas empresas com muitos funcionários, cujo recolhimento se dá diretamente na fonte e de forma concentrada. Com este estudo, buscamos demonstrar que a eventual substituição do regime celetista, de forma fraudulenta, através da aqui intitulada ‘pejotização’, ao longo do tempo, provocará efeitos deletérios sobre a receita fiscal, prejudicando tanto o financiamento do regime previdenciário como a própria capacidade do Estado para realizar políticas públicas”.

Acrescento que ocorrerão também efeitos deletérios com a sobrecarga do SUS, por exemplo nos casos de acidente de trabalho, bem como do Sistema de Assistência Social – com a ampliação dos benefícios assistenciais da LOAS, nos casos de perda total de renda na idade avançada sem a cobertura previdenciária.”

Como já dito, não se trata de uma mera conformação do Supremo Tribunal Federal em relação à utilização desregrada da reclamação constitucional para esvaziar a competência da Justiça do Trabalho.

O buraco vem se mostrando muito mais embaixo, no entanto, tanto o Supremo Tribunal Federal, como a própria Justiça do Trabalho, como instituição, omitem-se em sua resolução e, com isso, por meio de uma interpretação distorcida do Tema 725 e ADPF 324, extirpa-se do ordenamento jurídico o artigo 2º e 3º da CLT e quem sofre é o trabalhador.

Alojamento para trabalhadores: solução que exige atenção das empresas

Argumento da hipersuficiência do trabalhador para admitir pejotização

Opinião

Temos assistido, reiteradamente, a manifestações de divergência e uma consequente resistência do Judiciário trabalhista à nova realidade imposta pelo Supremo Tribunal Federal no tocante às decisões que vêm ampliando a terceirização e sua licitude em toda atividade, meio ou fim.

Com critérios distantes da tradicional essência protecionista utilizada pela Justiça do Trabalho, o STF vem autorizando, progressivamente, a pejotização e as “outras formas de trabalho fora da CLT”, afastando o vínculo de emprego declarado pela Justiça do Trabalho.

Destaque-se que a hipersuficiência do trabalhador — pessoas com alto nível de formação e remuneração —, entendida pelo STF como liberdade de negociação, tem sido a base da validação das diversas modalidades alternativas de contrato de prestação de serviços.

A tese de que a hipersuficiência pode ser aplicada a todo tipo de trabalhador, contudo, ainda tem se mostrado controversa. Há que se reconhecer que falta clareza nos critérios utilizados pelo STF para conceituar o hipersuficiente. Ora o STF aponta os profissionais liberais como tais (advogados, médicos, engenheiros etc.), ora representantes comerciais e corretores, sem formação superior e com baixos salários.

Resta que, nesses casos, não estão sendo aplicados ou observados os artigos 2º, 3º e 9º da CLT pela Suprema Corte, os quais definem o empregador, o empregado e os atos nulos que visam fraudar ou impedir a aplicação dos preceitos da CLT. Aparentemente, o STF tem dado mais valia à forma e à autonomia da vontade do que à realidade dos fatos, mitigando e até afastando os princípios trabalhistas e as regras da CLT, as quais passaram a ser facultativas.

ADPF 324 e Tema 725

É bom lembrar que, em agosto de 2018, o STF julgou a ADPF nº 324 – que questionou a constitucionalidade e os limites da terceirização de atividades no Brasil – e o RE nº 958.252, no qual também se discutiu a constitucionalidade da proibição de terceirização de atividades-fim de uma empresa, fixando a seguinte tese:

“1) É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. 2) Na terceirização, compete à contratante verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada e responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias” (ADPF nº 324). O entendimento se aplica às terceirizações ocorridas antes mesmo da Lei nº 13.429/2017.

Relator da ADPF nº 324, o ministro Barroso entendeu que “a terceirização não enseja, por si só, precarização do trabalho, violação da dignidade do trabalhador ou desrespeito a direitos previdenciários. É o exercício abusivo da sua contratação que pode produzir tais violações”, deixando claro que o STF admitiu que a realidade dos fatos pode demonstrar o exercício abusivo e a existência de fraude na contratação.

Igualmente importante é a tese vinculante no julgamento de Repercussão Geral, Tema nº 725, acerca da constitucionalidade da terceirização de mão de obra, proposta pelo relator ministro Luiz Fux, que, de maneira mais abrangente, firma a tese de que “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.

Portanto, a Súmula nº 331 do TST, que proibia a terceirização de atividade-fim nas empresas – e até então adotada de forma pacificada pelos tribunais trabalhistas –, passou a ser considerada pelo STF como inconstitucional por violar os princípios da legalidade, da livre-iniciativa, da livre concorrência e dos valores sociais do trabalho.

Transporte rodoviário de cargas e parceria entre salões de beleza e profissionais do setor

Outro relevante precedente diz respeito ao julgamento conjunto da ADC nº 48 e da ADI nº 3.961, que versa sobre o transporte rodoviário de cargas, em que o STF reconheceu que a atividade de transportador autônomo de cargas configura relação comercial de natureza civil, sem vínculo de trabalho celetista. Na mesma direção, o julgamento da ADI nº 5.625 a respeito dos Contratos de Parceria com o Profissional de Salão de Beleza, reconheceu ser constitucional a celebração de contrato civil de parceria entre salões de beleza e profissionais do setor, negando haver relação de emprego dissimulada.

Trata-se de precedentes vinculantes inovadores a respeito da terceirização irrestrita ou ampla prestação de serviços a terceiros, entendendo também pela compatibilidade da pejotização com a Constituição Federal, e que serviram de base para uma série de reclamaçõesconstitucionais a respeito de profissionais de outras categorias.

Cite-se ainda o exemplo emblemático do caso da RCL nº 47.843, quando o STF anulou a decisão da Justiça do Trabalho para reconhecer a licitude na contratação de médicos pelo Instituto Fernando Filgueiras, na Bahia, por meio de pessoa jurídica, validando a adoção de formas alternativas de contratação de mão de obra, sem prevalência ou preferência do vínculo de emprego celetista, principalmente para os profissionais hipersuficientes. Em seu voto, o ministro Barroso ressaltou que “se estivéssemos diante de trabalhadores hipossuficientes, em que a contratação como pessoa jurídica fosse uma forma, por exemplo, de frustrar o recebimento de fundo de garantia por tempo de serviço ou alguma outra verba, (…) uma tutela protetiva do Estado poderia justificar-se. (…) Não só médicos, hoje em dia – que não são hipossuficientes –, fazem uma escolha esclarecida por esse modelo de contratação. Professores, artistas, locutores, são frequentemente contratados assim, e não são hipossuficientes. São opções permitidas pela legislação”.

Visão liberal

A atual posição do Supremo, em um movimento reformista, reflete o reconhecimento dessa nova dinâmica mundial e a necessidade de se viabilizar as demandas de maior eficiência da economia, por meio de uma interpretação mais ampla e flexível em relação ao polêmico tema da terceirização da mão de obra, pejotização, entre outras modalidades de contrato de prestação de serviços.

Reconhecendo mudanças no mecanismo das relações de trabalho e buscando alternativas de contratação, o STF caminha validando em uma série de decisões vinculantes o sentido de constitucionalidade à terceirização irrestrita e todas as outras formas de trabalho fora da CLT. Trazendo uma visão mais liberal e progressista ao instituto, o ministro Luís Roberto Barroso, em junho de 2023, considerou que:

“(…) o contrato de emprego não é a única forma de se estabelecerem relações de trabalho. Um mesmo mercado pode comportar alguns profissionais que sejam contratados pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho e outros profissionais cuja atuação tenha um caráter de eventualidade ou maior autonomia. Desse modo, são lícitos, ainda que para execução de atividade-fim da empresa, os contratos de terceirização de mão de obra, parceria, sociedade e de prestação de serviços por pessoa jurídica (pejotização), desde que o contrato seja real, isto é, de que não haja relação de emprego com a empresa tomadora do serviço, com subordinação, horário para cumprir e outras obrigações típicas do contrato trabalhista, hipótese em que se estaria fraudando a contratação.” (RCL nº 60.436)

Com base nessa visão, o STF se posicionou a respeito de uma série de matérias, flexibilizando e redefinindo conceitos, dando novos contornos a temas caros à área trabalhista, em decisões  orientadas, segundo o ministro Barroso, na garantia dos direitos fundamentais previstos na Constituição para as relações de trabalho, na  preservação do emprego e da empregabilidade, na formalização do trabalho (removendo os obstáculos que levam a informalidade), na melhoria da qualidade geral e na representatividade dos sindicatos, na valorização da negociação coletiva, na desoneração da folha de salários, para incentivar a empregabilidade e no fim da imprevisibilidade dos custos das relações de trabalho em uma cultura em que a regra seja propor reclamações trabalhistas ao final da relação de emprego.

Cabe observar, assim, das decisões do Supremo que, apesar de supostamente poderem estar presentes todos os requisitos materiais para reconhecimento do vínculo de emprego da CLT, o fato do trabalhador ser hipersuficiente e de se tratar de pessoa esclarecida, relativiza e até exclui as regras de direito do trabalho e prioriza a autonomia da vontade, pois parte da premissa de que o trabalhador pode escolher, de forma esclarecida, o tipo de contratação (animus contrahendi), como também aponta a igualdade entre as partes para negociar diretamente.

  • é sócia do escritório GM Advogados e Vólia Bomfim, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, desembargadora do TRT da 1ª Região aposentada, professora e autora de obras jurídicas diversas, doutora em Direito e Economia pela Universidade Gama Filho (UGF), mestre em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá (UNESA), pós graduada em Direito do Trabalho pela UGF e pós graduada em Processo Civil e Processo do Trabalho pela UGF

     

    CONJUR

    https://www.conjur.com.br/2024-out-23/o-argumento-da-hipersuficiencia-para-admitir-a-pejotizacao/

Alojamento para trabalhadores: solução que exige atenção das empresas

Novo capítulo na questão sobre o terço constitucional de férias

Opinião

A questão acerca da incidência das contribuições previdenciárias sobre o terço de férias recebe novo capítulo diante do recurso interposto pela União em face da decisão que, acolhendo o pleito dos contribuintes, modulou os efeitos da decisão que havia revertido o então consolidado entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema.

Explica-se. Em 2014, analisando o tema sob o aspecto infraconstitucional, o STJ afastou a incidência das contribuições previdenciárias sobre o terço constitucional de férias.

Como a questão foi julgada sob o regime de recurso repetitivo, diversas empresas passaram a adotar o entendimento do STJ, deixando, assim, de calcular as contribuições previdenciárias sobre a referida rubrica, havendo casos, inclusive, de reversão de valores nos respectivos balanços.

Porém, em 2018, o Supremo Tribunal Federal reputou o tema como de natureza constitucional e, em agosto de 2020, concluiu pela legalidade da exigência das contribuições previdenciárias sobre o terço constitucional de férias, o que motivou a oposição de embargos de declaração por parte dos contribuintes visando a modulação dos efeitos da decisão diante da abrupta mudança jurisprudencial.

Em julho de 2024, após aproximadamente quatro anos da decisão que reverteu o então entendimento consolidado do STJ, o STF finalmente concluiu o julgamento dos embargos de declaração para a modular os efeitos da decisão, atribuindo efeitos “ex nunc” ao acórdão de mérito, ou seja, a impossibilidade de retroação dos efeitos, a contar da publicação de sua ata de julgamento.

Ordens de restituição e  recurso da Fazenda Nacional

Antes mesmo da publicação do acórdão, ocorrida em 20 de setembro, os tribunais regionais passaram a aplicar o entendimento do STF manifestado quando da modulação dos efeitos, para assim reconhecer a não incidência das contribuições previdenciárias e, consequentemente, o direito à restituição dos valores pagos até a data do julgamento ocorrido em agosto de 2000.

Ocorre que a Fazenda Nacional opôs novos embargos de declaração visando a rediscussão dos critérios da modulação. De acordo com o referido recurso, não seria a hipótese de modulação dos efeitos, na medida em que não havia jurisprudência consolidada — o que, evidentemente, é um manifesto equívoco, considerando que o tema havia sido julgado em recurso repetitivo pelo STJ.

Ademais, a Fazenda busca alterar o marco temporal da modulação alegando que seria aplicável à data em que o tema foi reconhecido como repercussão geral, no caso, 23/2/2018, o que, segundo dados da própria União, eliminaria 64% das ações ajuizadas, pois, segundo critérios apresentados nos próprios embargos de declaração, este percentual corresponde às ações ajuizadas sobre o tema após o reconhecimento da repercussão geral.

Mais uma vez, o critério adotado pela Fazenda padece de manifesta ilegalidade, na medida em que os contribuintes não ajuizarão as ações antes da referida data justamente pelo fato de existir a jurisprudência dominante no âmbito do STJ acerca da não incidência das contribuições previdenciárias sobre o 1/3 de férias.

Fica evidente, portanto, que a Fazenda Nacional busca, na verdade, postergar o trânsito em julgado da decisão do STF que aplicou a modulação, de forma a evitar a tendência já evidenciada nos Tribunais Regionais, que já estão adotado o critério da modulação na forma estabelecida pelo Supremo, e, ao final, evitar o aproveitamento dos créditos pelos contribuintes.

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Processo eleitoral, Inquérito 4.435/DF e a subversão do sistema de garantias

Senso Incomum

1. Introduzindo o tema:

Há certas coisas que são difíceis de compreender.

O Código Eleitoral, em seu artigo 362, estabelece que caberá recurso das decisões proferidas em processos que apuram infrações no prazo de dez dias. O artigo 266 da mesma lei aduz, no capítulo relativo aos recursos contra despachos de juízes ou juntas eleitorais, que este independerá de termo.

Já o artigo 364, ainda, aponta que as disposições do Código de Processo Penal deverão ser aplicadas de forma subsidiária. Isso importa dizer, para os tribunais (como veremos logo adiante), que as razões recursais em face de sentenças do juiz eleitoral, em matéria penal, independerão de termo, impedindo, dessa forma, a aplicação analógica do artigo 600, parágrafo 4º, do Código de Processo Penal que possibilita que a parte apresente as razões diretamente no tribunal.

Sendo mais claro: no rito processual penal previsto no CPP, quando é prolatada uma sentença pelo juiz de primeiro grau, é facultada às partes a apresentação de razões de apelação diretamente no tribunal.

Dessa forma, apresenta-se o termo de apelação no prazo de cinco dias, momento em que a parte poderá optar por lançar as razões do apelo ao juiz de primeiro grau ou, após intimação do desembargador relator, apresentá-las em segundo grau. Mesmo prazo de oito dias.

Porém, no processo eleitoral essa regra, nem mesmo pelo filtro do artigo 364 do CE, poderá ser aplicada, uma vez que as razões devem vir acompanhadas do recurso, ainda em primeiro grau de jurisdição.

Sobre essa temática, o então ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio, em decisão monocrática no HC nº 128.873/SP, considerou passível de conhecimento a apresentação “bipartida” das razões, não vislumbrando qualquer prejuízo ao andamento processual e reconhecendo a necessidade de a corte tomar uma decisão sobre a aplicabilidade do artigo 600, parágrafo 4º, aos processos eleitorais.

No entanto, anos depois, quando do julgamento do mérito, alterou seu posicionamento e filiou-se no sentido de que, em virtude da incidência do princípio da especialidade, o recurso de apelação – mesmo na seara penal eleitoral – não poderia ser conhecido, operando-se, dessa forma, a preclusão consumativa. A 1ª Turma, assim, denegou a ordem, ainda contando com as notas do ministro Alexandre de Moraes, alegando inexistir, em seu ver, lacuna.

A partir da fixação desse entendimento, pacificou-se no Tribunal Superior Eleitoral a compreensão de que não se conhece de recurso eleitoral cujas razões são interpostas diretamente no tribunal, mesmo quando o juízo eleitoral originário adotar o rito previsto no Código de Processo Penal, deferindo o processamento “bipartido”.

2. Algumas notas sobre o HC 128.873/SP e como o STF deve lidar com as garantias processuais penais em processos eleitorais após a decisão proferida no Inquérito 4.435/DF – o papel da hermenêutica

Desse preâmbulo, a primeira constatação que fazemos diz respeito à decisão da 1ª Turma do STF: o artigo 364 do Código Eleitoral permite a aplicação analógica da legislação processual penal. Nesse norte, o artigo 362 não diz que o recurso independerá de termo. Estamos falando de processo penal eleitoral, cujas penas conduzem indivíduos ao cárcere, notadamente a partir do decidido no Inquérito 4.435/DF, que determinou a prevalência da Justiça Especializada em relação às demais, fazendo com que esta ficasse incumbida de julgar casos complexos envolvendo crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, organização criminosa e afins. No mínimo deveria ocorrer uma atualização hermenêutica.

A bem da verdade, o dispositivo do Código Eleitoral que refere ser desnecessário o termo está contido no artigo 266 que diz o seguinte: “o recurso independerá de termo e será interposto por petição devidamente fundamentada, dirigida ao juiz eleitoral e acompanhada, se o entender o recorrente, de novos documentos”. Ok. A própria redação do artigo já demonstra que nada tem a ver com processo criminal. Isso deveria importar. Por vezes, a uma certa literalidade ajuda, ao menos para espantar os fantasmas das ficções jurídicas contra o réu. Juntada de novos documentos? Como assim?

O MPE pode anexar novas provas em sede de recurso ou mesmo a defesa? E a supressão de instância? Logo, em termos hermenêuticos, há uma segura pista que aponta para a não incidência em processo penal. Aqui deveria haver uma parada, para expungir as interpretações antitéticas ao devido processo legal.

Esses questionamentos acabam por ser explicados por um singelo motivo: o recurso mencionado está previsto no capítulo II do Código Eleitoral que disciplina os “recursos perante as juntas e juízos eleitorais”. O dispositivo antecessor, o 265, diz o seguinte: “dos atos, resoluções ou despachos dos juízes ou juntas eleitorais caberá recurso para o Tribunal Regional”. Tal capítulo diz respeito às decisões que se forjam em meio ao período eleitoral.

Ou seja, o 362 não tem nada, mas nada mesmo, a ver com isso. Cuida-se de um dispositivo que, sim, pode ter a sua aplicação analógica condicionada ao Código de Processo Penal, máxime porque prejuízo algum será derivado deste ato que, em verdade, expande o direito de defesa.

Quer dizer, uma revisão do entendimento do Supremo Tribunal Federal, nos dias de hoje, deve dialogar com a decisão que o próprio tribunal lançou no Inquérito 4.435/DF cerca de dois anos depois de firmar o entendimento sobre a apresentação “bipartida” de recurso em processos criminais eleitorais.

Fato relevante e que contingencia a história: a Justiça Eleitoral mudou! Ela não está mais restrita ao julgamento de meras falsidades ideológicas eleitorais, compra de votos e outras infrações menos graves. É preciso ter isso em mente.

A segunda constatação se refere ao próprio direito de defesa, tão massacrado nos dias de hoje pela jurisprudência defensiva. Uma leitura constitucional do Código Eleitoral conduziria, primeiro, à seguinte afirmação:

“Na medida em que o capítulo – relativo às infrações de ordem penal – em que consta o processamento dos recursos criminais eleitorais não é preciso quanto ao termo, logo admitir-se-á a interposição das razões diretamente no tribunal, desde que tal termo seja apresentado tempestivamente após a intimação pessoal do sentenciado (essa última parte é uma outra discussão pertinente, talvez para um momento futuro);

segundo, garantias constitucionais, como a ampla defesa e o duplo grau de jurisdição, devem sempre ser lidos contra o Estado e em favor do réu. A nossa arqueologia constitucional não nos deixa mentir. Quanto mais grave o delito, mais garantias. Essa deve ser a lógica, justamente porque quanto mais grave, mais pesada será a punição (se houver).”

A terceira, e última, constatação é atinente à subversão da lógica do sistema constitucional de direitos e garantias fundamentais que em vez de pro reo, inadvertidamente, tem se transformado em pro societate (como se fosse possível, mesmo com muita caridade hermenêutica, extrair esse conceito da constituição). E isso podemos afirmar a partir de outras observações: o artigo 10 do Código de Processo Penal estabelece um prazo máximo de 30 dias para término das investigações policiais. Já o 46 estabelece um prazo máximo de 15 dias, contados da conclusão do inquérito, para oferecimento de denúncia. O Código Eleitoral, que é o que estamos a analisar, dispõe um prazo de dez dias para o juiz sentenciar o caso após o protocolo dos últimos memoriais. Honestamente, esses prazos são considerados por esses atores? O que a sua não observância acarreta? Absolutamente nada.

Vamos além: os tribunais – e aqui nem é preciso citar leading cases porque em seis ou sete segundos de Google será possível localizar alguns – afirmam que não há nulidade sem prejuízo. Cuida-se de afirmação derivada de princípio não institucionalizado que se convencionou chamar de pás de nulitte sans grief. Mesmo casos de nulidade absoluta – por exemplo, ausência de defesa técnica, violação ao artigo 212 do CPP, etc. – dependem de demonstração de prejuízo. Mas, como assim? Não há como se presumir tal prejuízo, dizem eles.

Ora – e aqui a pergunta de um milhão de Códigos – será que nem mesmo a condenação à margem da lei é suficiente para que o prejuízo seja presumido? Alguém já se perguntou qual seria o prejuízo de apresentar razões de apelação em segundo grau de jurisdição nos casos de crimes eleitorais? De novo, o atual entendimento do STF, encampado no Inquérito 4.435/DF, intensificou o uso da Justiça Eleitoral para crimes reflexamente relacionados à Justiça Especializada (que de sua própria competência originária ficam normalmente adstritos a crimes menos graves, como o artigo 350 do CE, cuja pena não ultrapassa cinco anos de reclusão) que, hodiernamente, é responsável por casos que podem, inclusive, conduzir alguém ao cárcere pelo máximo de pena privativa de liberdade prevista em lei.

3. Afinal, a quem se destinam as garantias processuais penais?

Voltando à questão dos prazos, veja-se que, no processo eleitoral, o acusado tem a disposição o prazo de dez dias para responder à acusação (artigo 359, parágrafo único, CE). Isso a partir do momento em que toma ciência daquilo que foi produzido pela autoridade policial e pelo Ministério Público Eleitoral que, sendo muito caridoso, não é menor do que o respectivo a um ano de investigação.

Depois que se conclui toda a instrução processual, a defesa tem o prazo de míseros cinco dias para apresentar as suas alegações finais (artigo 360, CE). Finalmente, depois que o juiz eleitoral, muitas vezes morosamente, sentencia o caso (claro que não observando o seu prazo de dez dias), a defesa terá os mesmos dez dias para apresentar recurso com as razões inclusas, por vezes em face de decisões com cinquenta ou cem laudas que o juízo eleitoral tomou meses para fazer.

Eis que a defesa, para ganhar um fôlego, requisita a apresentação das razões em segunda instância, e padece com o risco quase que fatal de ver o seu recurso não ser conhecido.

Não há, nisso, uma subversão da lógica do sistema constitucional de direitos e garantias fundamentais?

Veja-se que em uma perspectiva hermenêutico-constitucional é altamente descabido conferir mais direitos e garantias à acusação em detrimento do acusado. O artigo 600, parágrafo 4º, do Código de Processo Penal, para além da questão formal, é uma garantia do acusado em processo penal que, certamente, transcende a mera instrumentalidade e não enseja, sob nenhum ângulo, qualquer prejuízo às partes. É também uma questão de paridade de armas. Enquanto o Ministério Público Eleitoral, a Polícia Federal (que investiga o caso) e o juízo eleitoral não são minimamente sancionados por descumprir prazos fixados em lei, à defesa é impossibilitado o mínimo de apresentar razões em segunda instância, tal como a lei prevê.

Dito isto, analisando todo esse cenário processual, o que aparenta é que a parte hipossuficiente – aquela que fica sujeito ao Leviatã do Estado – é a acusação. É o juízo eleitoral. É a Polícia Federal. Claro que essa leitura não passa por um filtro hermenêutico-constitucional que assegura ao acusado em processo penal (inclusive na Justiça Eleitoral) a proteção contra o Estado-Acusador, conferindo-lhe diversos direitos e garantias fundamentais. Justamente por ser a parte hipossuficiente em relação ao poder estatal. Isso porque a essência de uma democracia constitucional é a de servir como um remédio contramajoritário que, no campo do processo penal – seja em qual juízo for –, deve ser vista como uma leitura da constituição sempre em favor do cidadão e contra o Estado.

E, inversamente do que ecoa da chamada “voz das ruas”, não há direitos em demasia ao réu. Ao contrário, como aqui demonstramos, a autoridade policial, o Ministério Público e o Poder Judiciário diuturnamente não observam prazos que lhe são atribuídos por lei, violando, também, o princípio da razoável duração do processo, que também serve ao acusado.

Ao fim e ao cabo, existem, de fato, certas coisas que são difíceis de compreender.

Alojamento para trabalhadores: solução que exige atenção das empresas

Retratação da testemunha não basta para anulação de demissão por justa causa, decide TST

Atestados adulterados

A demissão por justa causa é válida mesmo em caso de retratação da testemunha, de acordo com o entendimento da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho.

O colegiado rejeitou o recurso de um vigilante que pretendia anular a justa causa com a alegação de que ela se baseou no depoimento de uma dentista que, depois, fez uma retratação. No entanto, os ministros entenderam que essa não foi a única prova do ato de improbidade do empregado e, por isso, a justa causa deve ser mantida.

O vigilante fazia tratamento odontológico com uma cirurgiã-dentista e apresentou vários atestados de comparecimento às consultas. Em março de 2016, ele foi dispensado por justa causa. Segundo a empresa, ele apresentou atestados adulterados para justificar a ausência ao serviço.

Na audiência da reclamação trabalhista, a dentista declarou que nem todas as assinaturas nos atestados eram dela, ou seja, parte delas era falsa. Seu depoimento foi uma das provas que basearam as decisões da 21ª Vara do Trabalho de Brasília e do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO) de manter a dispensa motivada.

Em 2019, após a decisão se tornar definitiva, o vigilante ajuizou ação rescisória para anulá-la. Ele apresentou uma declaração em que a dentista afirmou que seu depoimento na ação trabalhista não era inteiramente condizente com a verdade. Segundo ela, os atestados apresentados pelo trabalhador eram “absolutamente verdadeiros”, pois as consultas foram pagas e ele efetivamente foi consultado nos dias informados.

O TRT, porém, rejeitou a pretensão e ressaltou que as demais provas eram suficientes para legitimar a justa causa.

Arrependimento não é suficiente

Na tentativa de reformar esse entendimento, o vigilante recorreu ao TST. Contudo, a relatora do recurso, ministra Morgana Richa, salientou que a falsidade da prova testemunhal da dentista não foi comprovada em processo criminal, nem no trabalhista. Segundo ela, a simples retratação judicial da testemunha não é suficiente para a ação rescisória.

Para a ministra, as declarações prestadas em juízo na época dos fatos são verossímeis, e o arrependimento da testemunha que resolve mudar a versão então apresentada, à revelia de elementos probatórios robustos, não tem força para desconstituir uma decisão definitiva.

Ainda segundo a relatora, o arquivamento do inquérito policial sobre a falsidade dos atestados não significa que foi comprovada a veracidade das assinaturas, nem a falsidade da prova testemunhal, mesmo porque esse não era o objeto de investigação.

Ela destacou também que a manutenção da justa causa não se baseou apenas no depoimento da dentista, mas também no de outra testemunha, que disse que o prontuário médico do vigilante não registra atendimento nos dias dos atestados. A decisão foi unânime. Com informações da assessoria de imprensa do TST.

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ROT 689-79.2019.5.10.0000

CONJUR

https://www.conjur.com.br/2024-out-24/retratacao-da-testemunha-nao-basta-para-anulacao-de-demissao-por-justa-causa/