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JUSTIÇA SOCIAL

TRT-4 nega subordinação de trabalho a sócia minoritária de clínica de fisioterapia

TRT-4 nega subordinação de trabalho a sócia minoritária de clínica de fisioterapia

Uma sociedade nada secreta

Uma sócia minoritária de uma clínica de fisioterapia teve negado o reconhecimento da condição de empregada, por não comprovar subordinação jurídica à sócia majoritária, além dos demais elementos do artigo 3º da CLT. A decisão da 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) manteve a sentença da 14ª Vara do Trabalho de Porto Alegre. Para os desembargadores, a ausência de poderes de administração por parte da sócia minoritária, por si só, não configura vínculo empregatício, já que não estavam presentes os demais requisitos legais.

No processo, a fisioterapeuta alegou que trabalhou como gerente da clínica entre outubro de 2011 e abril de 2021. Ela argumentou possuir apenas 2,5% do capital social e atuar de forma subordinada à sócia majoritária, responsável exclusiva pela administração.

A sentença de primeiro grau, proferida pela juíza Sheila Spode, julgou improcedente a ação. De acordo com a magistrada, a prova produzida no processo comprovou que a fisioterapeuta participava das tomadas de decisão juntamente com a outra sócia, inclusive tendo acesso às contas bancárias do empreendimento. Além disso, as duas sócias recebiam o mesmo valor a título de pró-labore.

A magistrada ainda destacou que, no processo cível de dissolução da sociedade, a fisioterapeuta informou que “esteve à frente da administração da clínica, tendo autorização para representá-la de forma ativa, passiva, judicial e extrajudicialmente, praticando, de forma isolada e indistinta, todos os atos de gestão”. Nesses termos, a julgadora concluiu que a relação havida entre as partes foi aquela estabelecida no contrato social, não tendo sido demonstrados os elementos caracterizadores da relação de emprego, nos termos dos artigos 2º e 3º da CLT.

A fisioterapeuta recorreu da decisão para o TRT-4. O relator do caso na 7ª Turma, juiz convocado Marcelo Papaléo de Souza, fundamentou que a sócia minoritária não detinha amplos poderes de gestão, mas isso não seria suficiente para caracterizar relação de emprego. Ele também destacou que a iniciativa da sócia majoritária em romper o vínculo societário não altera a natureza contratual previamente estabelecida. Nesses termos, a Turma negou provimento ao recurso.

A decisão foi unânime. Também participaram do julgamento os desembargadores Wilson Carvalho Dias e João Pedro Silvestrin. Com informações da assessoria de comunicação do TRT-4.

CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-jan-10/trt-4-nega-subordinacao-de-trabalho-a-socia-minoritaria-de-clinica-de-fisioterapia/

TRT-4 nega subordinação de trabalho a sócia minoritária de clínica de fisioterapia

Contratações temporárias na administração pública e direito ao FGTS: repercussões após os Temas 551 e 916 do STF

Opinião

Os entendimentos firmados pelo Supremo Tribunal Federal nos Temas 551 e 916 elucidam questões essenciais sobre as contratações temporárias, representando um divisor de águas ao consolidar precedentes que enfatizam a distinção entre contratações administrativas válidas e aquelas que se desvirtuam. Tais entendimentos reafirmaram a necessidade de excepcionalidade e transitoriedade, corrigindo interpretações anteriores que muitas vezes flexibilizavam os princípios constitucionais para justificar práticas irregulares.

Além disso, influenciaram diretamente decisões em tribunais inferiores, padronizando julgamentos e oferecendo maior segurança jurídica aos trabalhadores e à administração pública. No Tema 551, definiu-se que servidores temporários não possuem direito automático a benefícios trabalhistas como décimo terceiro salário e férias remuneradas, salvo se houver previsão legal ou contratual ou se for comprovado o desvirtuamento da relação contratual. Por sua vez, o Tema 916 estabelece que contratações temporárias realizadas em desconformidade com o artigo 37, IX, da Constituição não geram vínculos jurídicos válidos, exceto pelo direito ao salário e aos depósitos de FGTS.

Essas teses são cruciais para diferenciar relações administrativas válidas daquelas nulas, oferecendo um balizamento às decisões judiciais e à prática administrativa. Como destacado no voto do ministro Teori Zavascki no Tema 916, tais diretrizes reforçam a aplicação de princípios constitucionais e limitam desvirtuamentos contratuais. As decisões também colocam em perspectiva o papel da administração pública em garantir contratações pautadas pela excepcionalidade e transitoriedade.

Reflexo do desvirtuamento das contratações

Um exemplo emblemático é o caso do município de Camaragibe (PE), em que o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJ-PE), no processo nº 0003346-92.2012.8.17.0420, reconheceu o direito de uma servidora ao FGTS após a constatação de sucessivas prorrogações indevidas de um contrato temporário. A decisão, amparada nos Temas 551 e 916, destacou a ausência dos requisitos de excepcionalidade e transitoriedade que justificariam a contratação temporária.

Conforme apontado pelo Supremo Tribunal Federal nos casos RE 1.066.677/MG (relator ministro Marco Aurélio, julgado em 04/09/2014) e RE 765.320/MG (relator ministro Teori Zavascki, julgado em 23/09/2016), a jurisprudência consolidou a necessidade de que tais contratos sejam efetivamente temporários e em conformidade com o artigo 37, IX, da Constituição. Casos semelhantes foram decididos em tribunais superiores, reforçando a aplicação dos precedentes vinculantes.

Esses exemplos evidenciam o impacto das teses em proteger os direitos fundamentais do trabalhador, especialmente em cenários de contratações não regulamentadas. Também revelam como a administração pública frequentemente utiliza contratações temporárias como alternativa à realização de concursos públicos, contrariando a previsão constitucional de provimento por concurso.

Impactos financeiros e administrativos

As decisões judiciais que aplicam os Temas 551 e 916 impõem ônus significativos às finanças públicas. O reconhecimento do direito ao FGTS e a obrigação de reparar danos causados por contratações irregulares podem comprometer os orçamentos municipais e estaduais, resultando, em alguns casos, em despesas que chegam a centenas de milhares de reais por contrato, como apontado em levantamentos recentes de tribunais de contas estaduais. Por exemplo, em 2022, uma decisão envolvendo um município do Nordeste resultou na necessidade de desembolso de R$ 1,2 milhão apenas para regularizar depósitos de FGTS e indenizações trabalhistas. Além disso, a insegurança jurídica gerada por contratações não conformes prejudica a eficácia administrativa e expõe os gestores públicos a penalizações.

Por outro lado, as decisões também fortalecem a accountability na gestão pública, incentivando o cumprimento dos princípios da legalidade e da eficiência. Para os trabalhadores, representam uma garantia mínima de direitos, mesmo em situações de nulidade contratual.

Repercussões na seguridade social

Os reflexos das decisões não se restringem à esfera trabalhista, mas também afetam a segurança jurídica ao estabelecer precedentes claros e uniformes, reduzindo a incerteza sobre as responsabilidades da administração pública em contratações temporárias. Essas decisões incentivam uma postura mais cautelosa e alinhada aos princípios constitucionais por parte dos gestores públicos, promovendo maior eficiência administrativa e evitando práticas que desvirtuem o objetivo de excepcionalidade dessas contratações.

Ao garantir o FGTS mesmo em contratações consideradas nulas, os Temas 551 e 916 reforçam princípios de justiça social e dignidade no trabalho, ao assegurar proteção básica aos servidores temporários. O fundamento legal para essa proteção encontra-se no artigo 19-A da Lei 8.036/1990, cuja constitucionalidade foi ratificada em decisão de repercussão geral pelo STF no RE 596.478/RR (relator ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 13/11/2014). Ademais, a arrecadação de FGTS contribui para a sustentabilidade financeira do sistema de seguridade social, beneficiando não apenas os trabalhadores diretamente envolvidos, mas a sociedade como um todo.

Desafios e perspectivas

A aplicação dos Temas 551 e 916 traz desafios tanto para a administração pública quanto para os tribunais. Por um lado, é imprescindível que gestores públicos ajustem suas práticas de contratação para evitar irregularidades e consequentes ônus financeiros. Por outro, o Judiciário deve assegurar a uniformidade das decisões, evitando interpretações divergentes que possam comprometer a segurança jurídica.

A implantação de medidas preventivas, como auditorias periódicas e maior rigor nos processos de seleção de servidores temporários, pode reduzir significativamente a ocorrência de contratações desvirtuadas. Exemplos bem-sucedidos incluem a criação de comissões específicas para fiscalizar contratos temporários, como implementado em estados do Sudeste, e o uso de sistemas eletrônicos para acompanhar o cumprimento de prazos e requisitos contratuais, adotado em grandes municípios do Sul do país. Além disso, programas de capacitação para gestores públicos, voltados à conformidade legal em contratações, têm demonstrado impacto positivo na prevenção de irregularidades. Além disso, iniciativas legislativas que reforcem os critérios para contratações temporárias podem contribuir para a transparência e eficiência administrativa.

Os Temas 551 e 916 do STF representam um avanço significativo no tratamento jurídico das contratações temporárias pela administração pública. Ao garantir direitos mínimos aos trabalhadores temporários e impor limites às práticas irregulares, essas teses promovem um equilíbrio entre a necessidade de flexibilidade administrativa e o respeito aos princípios constitucionais de legalidade, eficiência e dignidade do trabalho. Contudo, é fundamental que os gestores públicos e o Judiciário mantenham-se atentos aos desdobramentos dessas decisões, assegurando uma administração pública mais justa, eficiente e responsável.


Referências bibliográficas

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 765.320/MG. Relator Ministro Teori Zavascki. Julgado em 23/09/2016. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4445850&numeroProcesso=765320&classeProcesso=RE&numeroTema=916. Acesso em: 3 jan. 2025.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 1.066.677/MG. Relator Ministro Marco Aurélio. Julgado em 04/09/2014. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=5240485&numeroProcesso=1066677&classeProcesso=RE&numeroTema=551. Acesso em: 3 jan. 2025.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 596.478/RR. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Julgado em 13/11/2014. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verPronunciamento.asp?pronunciamento=9701506. Acesso em: 3 jan. 2025.

TJPE. Tribunal de Justiça de Pernambuco. Processo nº 0003346-92.2012.8.17.0420. Disponível em: https://buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/185c29dc24325934ee377cfda20e414c. Acesso em: 3 jan. 2025.

TRT-4 nega subordinação de trabalho a sócia minoritária de clínica de fisioterapia

Motoristas e empresa são condenados por tombamento de ônibus durante fuga da PRF

NEGLIGÊNCIA VELOZ

A 4ª Vara Cível de Taguatinga (DF) condenou uma empresa de transporte e dois motoristas de ônibus a indenizar passageiros que tiveram sequelas por conta de tombamento de ônibus irregular na região de Ceilândia (DF) durante fuga da polícia rodoviária

Consta nos autos que, em outubro de 2023, as autoras viajavam no ônibus da empresa ré, quando foram parados por uma viatura da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Após os agentes verificarem que o veículo estava em situação irregular, solicitaram que os motoristas acompanhasse a viatura. Porém, sem atender ao comando dos policiais e às solicitações dos passageiros, um dos réus deu partida no ônibus em alta velocidade, o que ocasionou o tombamento do veículo.

Em razão do acidente, uma das autoras sofreu fratura no fêmur, traumatismo craniano e embolia pulmonar, além de não ter conseguido retornar às atividades habituais. Já a outra teria ficado com traumas psicológicos por ter apenas três anos de idade e ter vivenciado um desastre junto com sua mãe.

A defesa dos réus solicitou que os pedidos de indenização fossem negados. Ao julgar o caso, o Juiz Substituto explica que ficou demonstrada a falha na prestação dos serviços, especialmente por causa da situação que ocasionou a interrupção da viagem e resultou no acidentou que vitimou as autoras.

Indenização de R$ 100 mil

Para o magistrado, a versão das autoras se alinha à dinâmica dos fatos, principalmente ao informar que os motoristas não atenderam à solicitação da PRF e dos próprios passageiros.

O juiz destaca que ficou comprovado que os motoristas agiram com negligência, a ponto de o acidente resultar no falecimento de diversos passageiros. Assim, “o contexto probatório denota ter ocorrido falha na prestação do serviço de transporte ofertado pela parte ré e, especificamente em relação aos segundo e terceiro réus, infere-se que executaram manobra de deslocamento de forma abrupta e em alta velocidade, ocasionando danos e lesões aos passageiros, incluindo as requerentes”, finalizou o magistrado.

Dessa forma, a sentença determinou o pagamento de indenização no valor de R$ 100 mil para a primeira autora e de R$ 50 mil para a sua filha, a título de danos morais. Os réus foram responsabilizados solidariamente pelos danos. Com informações da assessoria de comunicação do TJ-DF.

Clique aqui para ler o acórdão

CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-jan-11/motoristas-e-empresa-sao-condenados-por-tombamento-de-onibus-durante-fuga-da-prf/

TRT-4 nega subordinação de trabalho a sócia minoritária de clínica de fisioterapia

Apenas sindicatos de trabalhadores podem mover ação sobre reajustes salariais

FORA DAS REGRAS

A Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou recurso do Sindicato das Indústrias de Cerâmica para Construção e de Olaria de Criciúma (Sindiceram) contra a extinção de ação apresentada para discutir reajustes salariais de seus empregados. A decisão segue o entendimento do TST de que somente os sindicatos de trabalhadores podem ajuizar esse tipo de ação, porque seu propósito é obter melhores condições de trabalho.

Em dezembro de 2021, o Sindiceram entrou na Justiça alegando que não tinha condições de atender à pauta de reivindicações dos trabalhadores, que estaria “divorciada da realidade econômica e social brasileira”, sobretudo na conjuntura da pandemia da Covid-19. Na falta de consenso, pediu que a Justiça do Trabalho validasse os aumentos e as condições propostas pelas empresas em uma lista de cláusulas.

O processo, porém, foi extinto pelo Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Para o TRT-12, a falta de consenso, por si só, não dá à classe patronal a prerrogativa de buscar uma solução unilateral por meio da Justiça. O fundamento é que as empresas, na prática, têm poder para fazer essas concessões aos seus empregados.

Empresas podem conceder reajustes

No recurso ao TST, o Sindiceram insistiu na tese de que, no caso dos sindicatos de empresas, o interesse no dissídio coletivo não se resumiria a conceder vantagens ou benefícios econômicos aos seus empregados, mas chegar a um aumento razoável e a algumas concessões que a legislação condiciona à concordância do sindicato de trabalhadores.

A relatora, ministra Kátia Arruda, citou diversos precedentes da SDC que tratam da ilegitimidade das entidades patronais nesses casos. Conforme a jurisprudência predominante no TST, a categoria econômica não tem interesse processual para ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, uma vez que, em tese, pode espontaneamente conceder a seus empregados qualquer vantagem. No caso de reduzirem direitos, cabe aos sindicatos de trabalhadores promover greves ou levar o conflito à Justiça. Com informações da assessoria de imprensa do TST.

Clique aqui para ler o acórdão
ROT 1037-72.2021.5.12.0000

 CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-jan-12/tst-arquiva-acao-de-sindicato-patronal-para-discutir-aumento/

TRT-4 nega subordinação de trabalho a sócia minoritária de clínica de fisioterapia

Precarização do trabalho e desumanização do trabalhador pela gamificação em plataformas digitais

Opinião

Não é difícil imaginar o quão árduo pode ser conseguir um motorista através do aplicativo de transporte em determinadas datas, horários do dia e localidades, onde a falta de motoristas e a demanda excessiva resultam em preços exorbitantes e longas esperas. Mas há algo além da necessidade financeira que faça com que esses trabalhadores tomem a decisão nada agradável de permanecer trabalhando, por exemplo, dirigindo na véspera do ano novo, ao invés de estarem com seus familiares e amigos?

Pesquisas sobre a sociologia do trabalho e a economia comportamental indicam que sim. Plataformas digitais de transporte investem em estratégias para induções psicológicas para influenciar quando, onde e por quanto tempo os motoristas devem trabalhar, utilizando-se de técnicas de videogame, gráficos e recompensas capazes de incitar os trabalhadores a permanecer trabalhando mais, como ocorre quando determinado motorista está prestes a fazer o logoff e recebe a mensagem “Chegue a X reais” ou “Você está a X reais de ganhar $Y” em ganhos líquidos. Tem certeza de que quer ficar offline” [1].

Nos últimos anos, a gamificação – termo utilizado para designar a aplicação de sistemas de jogo (competição, recompensas, quantificação do comportamento do jogador/usuário) – ganhou destaque em organizações com intuito de estimular a produtividade, em domínios não relacionados a jogos. Todavia, a maior expressividade da gamificação ocorre em trabalho por plataforma digitais, com oferta de prêmios, recordes pessoais e metas diárias apresentados aos trabalhadores de forma lúdica para mobilizar a produtividade ou evocar comportamentos específicos [2].

A estratégia de gamificação está inserida no contexto do chamado capitalismo de vigilância que, para Shoshana Zuboff [3] consiste em: a) uma nova ordem econômica que reivindica a experiência humana como matéria-prima gratuita para práticas comerciais dissimuladas de extração, previsão e vendas; b) uma lógica econômica parasítica na qual a produção de bens e serviços é subordinada a uma nova arquitetura global de modificação de comportamento; c) uma funesta mutação do capitalismo marcada por concentrações de riqueza, conhecimento e poder sem precedentes na história da humanidade; d) a estrutura que serve de base para a economia de vigilância; e) uma ameaça tão significativa para a natureza humana no século 21 quanto foi o capitalismo industrial para o mundo natural nos séculos 19 e 20; f) a origem de um novo poder instrumentário que reivindica domínio sobre a sociedade e apresenta desafios para a democracia de mercado; g)um movimento que visa impor uma nova ordem coletiva baseada em certeza total; h) uma expropriação de direitos humanos críticos que pode ser mais bem compreendida como um golpe vindo de cima: uma destituição da soberania dos indivíduos.

A perspectiva do capitalismo de vigilância aliado à modificação de comportamento, vale-se de jogos (que envolvem comportamento com regras), recompensando algumas formas de agir e punindo outras, as empresas empregam a estrutura de jogos como meio de gerar mudança de comportamento nos jogadores. A dinâmica dos jogos envolve a motivação, emoções despertadas por competitividade e sensação de frustração, a criação da experiência de progresso rumo a um objetivo maior, ou relações que provoquem sentimentos como espírito de equipe ou agressividade, seguido de procedimentos que guiam a ação e constituem o engajamento [4].

A referida dinâmica atraiu atenção dos agentes que atuam na gig economy, expressão que designa o macroambiente de negócios caracterizado pelo predomínio de contratos de curta duração com trabalhadores independentes. A gig economy se desenvolve, principalmente, através do crowdwork e o work on-demand, sendo o primeiro o “trabalho em multidão”, valendo-se de plataformas virtuais de trabalho coletivo destinadas à captação de prestações laborais, em um universo virtualmente global de potenciais prestadores, para o cumprimento de uma série de tarefas adredemente ordenadas, e, o segundo, corresponde ao trabalho sob demanda via aplicativos. É uma forma de trabalho na qual a execução de atividades tradicionais como transporte e limpeza, por exemplo, é canalizada por aplicativos gerenciados por empresas que também intervêm na definição de padrões mínimos de qualidade de serviço e na seleção e gestão da força de trabalho [5].

Potencializando as relações sociais e jurídicas na Gig economy, o Gig leisure se consolida como forma de exploração por meio do tempo de lazer produtivo, para que o máximo de tempo do trabalhador esteja disponível para a exploração capitalista.  Assim, os jogos, no modelo de produção pós-fordista, são incorporados tanto à ideologia da gig economy quanto às necessidades da produção. Por isso, empresas de mídia usam tecnologias móveis para monetizar momentos intermediários, convertendo o privado, o intermediário e o indivíduo em capital, diminuindo as barreiras que limitavam o tempo lucrativo para que os momentos privados sejam convertidos em trabalho lucrativo. Em outras palavras, assim como a produção econômica pós-fordista criou trabalho temporário, ela também criou o “lazer temporário” [6].

Não obstante algumas pesquisas científicas atestem possíveis benefícios da gamificação em algumas áreas, como na educação, gostaria de me concentrar nos efeitos do fenômeno nas relações de trabalho, especialmente como instrumento de controle, precarização do trabalho e desumanização do trabalhador, o que parece ser tanto mais nefasto quando se analisa através de lentes contendo marcadores sociais da diferença, sem esquecer, é claro, do contexto histórico e cultural de determinado território.

Por exemplo, na América Latina, a gig economy  e a gamificação nas plataformas digitais deve ser compreendida em um contexto em que formas históricas e estruturais de opressão, sendo o ambiente que fornece as condições ideais para que as empresas neoliberais floresçam através da maior exploração da forma de trabalho, já que em um mercado de trabalho enfraquecido, contratando recursos humanos baratos com promessas de falsas “empreendedorismo”, intensifica-se os métodos de exploração de pessoas mais necessitadas [8].

Alta satisfação

No tocante à forma, as empresas de plataformas digitais obtêm o comportamento desejado dos trabalhadores, direcionam tarefas de trabalho, supervisionam, avaliam o desempenho e organizam a disciplina e recompensas, cunhou-se a expressão gerenciamento algorítmico ou subordinação algorítmica para descrever a forma de controle do trabalho que funciona moldando um ambiente no qual há apenas alternativas programadas para a execução das tarefas de trabalho, onde o sistema pouca  transparência e os trabalhadores não têm conhecimento do conjunto de regras que governam os algoritmos [9].

E ao que parece, a dinâmica da gamificação na Gig Economy tem dado o resultado idealizado por esses grandes agentes econômicos: em estudo recente, Martin Krzywdzinsk e Christine Gerber [11] relatam que pessoas trabalhando sob automação gamificada têm 2,49 vezes mais chances de relatar alta satisfação no trabalho do que trabalhadores na categoria de controle direto pelo cliente. As chances de descrever o trabalho de plataforma como algo que as pessoas querem buscar a longo prazo são 3,77 vezes maiores sob automação gamificada do que na categoria de controle direto pelo cliente. Mas o mesmo estudo indica os trabalhadores na automação gamificada têm 1,49 vezes mais chances de se sentirem apressados e sob pressão de tempo do que os trabalhadores no regime de controle direto do cliente e têm 2,14 vezes mais chances de pressão devido o monitoramento permanente de desempenho.

Essas considerações revelam, pois, que com a ampliação do consumo e do trabalho mediados por plataformas digitais e o uso da lógica do jogo para o engajamento dos trabalhadores, agrava a precarização do trabalho, que pode  ser compreendida  como  a generalização e institucionalização da instabilidade e da insegurança psicossocial, decorrente  da transformação profunda nos modos de trabalhar, que atinge a classe trabalhadora em sua totalidade,  efetiva por meio da desregulação da legislação trabalhista e previdenciária [12].

Considerando que, especulativamente, mais de quatro milhões de trabalhadores do serviço de entrega utilizam plataformas digitais como Uber, Rappi, 99 e iFood e que a maioria desses trabalhadores são homens, jovens adultos, pardos e pretos em jornadas de trabalho que passam das dez horas diárias, em ao menos seis dias na semana, com rendimentos variáveis entre R$ 130,00 e R$ 520,00 por semana [13], tudo converge para afirmar que a precarização do trabalho em plataformas digitais e por gamificação é fortemente influenciada por marcadores sociais da diferença e forma uma população de trabalhadores cada vez mais precária, com baixa proteção justrabalhista.


REFERÊNCIAS

MOHLMANN, Mareike; ZALMANSON, Lior. Hands on the Wheel: Navigating Algorithmic Management and Uber Drivers Autonomy. ICIS, Proceedings, 2017.
https://aisel.aisnet.org/icis2017/DigitalPlatforms/Presentations/3

NICHOLS, Randall. This is Gig Leisure: Games, Gamification, and Gig Labor. In: The Gig Economy: Workers and Media in the Age of Convergence. Routledge, 2021.

OLIVEIRA, R. C. de. Gamification and uberized work in application companies. RAE – Revista de Administracao de Empresas , [S. l.], v. 61, n. 4, p. 1–10, 2021. DOI: 10.1590/S0034-759020210407. Disponível em: https://periodicos.fgv.br/rae/article/view/84313. Acesso em: 27 dez. 2024.

POPAN, Cosmin; ANAYA-BOIG, Esther. The intersectional precarity of platform cycle delivery workers, Center for Open Science, 2021.

SCHEIBER, Noam. How Uber uses psychological tricks to push its drivers’ buttons

The New York Times, April 3, 2017. Disponível em https://www.nytimes.com/interactive/2017/04/02/technology/uber-drivers-psychological-tricks.html

UCHÔA-DE-OLIVEIRA, Flávia Manuella; BASTOS, Juliano Almeida. Uberização: precarização do trabalho e ação política dos trabalhadores no Brasil de 2020. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, [S. l.], v. 25, p. e-180691, 2022. DOI: 10.11606/issn.1981-0490.cpst.2022.180691. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/cpst/article/view/180691.. Acesso em: 27 dez. 2024.

ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância: a luta por um futuro humano na nova fronteira do poder. Tradução de George Schlesinger. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020.

FELICIANO, Guilherme Guimarães e PASQUALETO, Olívia de Quintana Figueiredo. (Re)descobrindo o direito do trabalho: Gig economy, uberização do trabalho e outras flexões. Jota. São Paulo: Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2019. Disponível em: https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/juizo-de-valor/redescobrindo-o-direito-do-trabalho-06052019. Acesso em: 27 dez. 2024.

[1] SCHEIBER, Noam. How Uber uses psychological tricks to push its drivers’ buttons

The New York Times, April 3, 2017. Disponível em https://www.nytimes.com/interactive/2017/04/02/technology/uber-drivers-psychological-tricks.html. Acesso em: 27 dec. 2024.

[2] OLIVEIRA, R. C. de. Gamification and uberized work in application companies. RAE – Revista de Administracao de Empresas , [S. l.], v. 61, n. 4, p. 1–10, 2021, p. 3 DOI: 10.1590/S0034-759020210407. Disponível em: https://periodicos.fgv.br/rae/article/view/84313. Acesso em: 22 dec. 2024.

[3] ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância: a luta por um futuro humano na nova fronteira do poder. Tradução de George Schlesinger. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020. p. 15.

[4] Op. Cit, p. 373.

[5] FELICIANO, Guilherme Guimarães e PASQUALETO, Olívia de Quintana Figueiredo. (Re)descobrindo o direito do trabalho: Gig economy, uberização do trabalho e outras flexões. Jota. São Paulo: Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2019. Disponível em: https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/juizo-de-valor/redescobrindo-o-direito-do-trabalho-06052019. Acesso em: 27 dez. 2024.

[6] NICHOLS, Randall. This is Gig Leisure: Games, Gamification, and Gig Labor. In: The Gig Economy: Workers and Media in the Age of Convergence. Routledge, 2021, p. 179.

[7] OLIVEIRA, R. C. de. Gamification and uberized work in application companies. RAE – Revista de Administracao de Empresas , [S. l.], v. 61, n. 4, p. 1–10, 2021, p. 5 DOI: 10.1590/S0034-759020210407. Disponível em: https://periodicos.fgv.br/rae/article/view/84313. Acesso em: 22 dez 2024.

[8] POPAN, Cosmin; ANAYA-BOIG, Esther. The intersectional precarity of platform cycle delivery workers, Center for Open Science, 2021.

[9] MOHLMANN, Mareike; ZALMANSON, Lior. Hands on the Wheel: Navigating Algorithmic Management and Uber Drivers Autonomy. ICIS, Proceedings, 2017.

https://aisel.aisnet.org/icis2017/DigitalPlatforms/Presentations/3

[10] KRZYWDZINSKI, Martin; GERBER, Christine. Between automation and gamification: forms of labour control on crowdwork platforms.  Work in the Global Economy, 202i, p. 174. Disponível em https://doi.org/10.1332/273241721X16295434739161. Acesso em  21 Dez. 2024.

[11] Op. Cit, p. 176.

[12] UCHÔA-DE-OLIVEIRA, Flávia Manuella; BASTOS, Juliano Almeida. Uberização: precarização do trabalho e ação política dos trabalhadores no Brasil de 2020. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, [S. l.], v. 25, 2022, p. 4. DOI: 10.11606/issn.1981-0490.cpst.2022.180691. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/cpst/article/view/180691.. Acesso em: 26 dez. 2024.

[13] Op. Cit, p. 6.

TRT-4 nega subordinação de trabalho a sócia minoritária de clínica de fisioterapia

Empresa tem de indenizar empregada perseguida por denunciar assédio

VOZ ATIVA

Uma agente de tratamento de água deve ser indenizada por sofrer perseguições da empresa contra a qual ajuizou uma ação depois de episódios de assédio sexual praticados por um colega. A decisão unânime da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) confirmou a sentença da juíza Veridiana Ullmann de Campos, da Vara do Trabalho de Ijuí (RS). A reparação por danos morais foi fixada em R$ 35 mil.

Em ação anterior, a empresa foi condenada a pagar à trabalhadora R$ 50 mil por danos morais. Foram comprovadas a conduta abusiva do colega, que tentou agarrá-la em duas situações, e a omissão da companhia quanto aos fatos. Conforme testemunhas, o agressor não foi punido e não houve alterações na escala de trabalho. A empregadora sequer comprovou ter dado alguma resposta às reclamações formalizadas pela empregada.

De acordo com os princípios do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero (Portaria CNJ 27/2021), naquela ocasião, a mesma juíza reconheceu a gravidade dos fatos, enquadrando-os como violência de gênero.

Sem providências

A nova ação tratou de mais ameaças que a trabalhadora passou a enfrentar. Mais uma vez, depoimentos de testemunhas atestaram que a mulher sofreu perseguições e foi desencorajada a fazer as denúncias, sob pena de transferência a outra cidade. Além disso, ela ainda teve de fazer plantões junto com o assediador. A partir daí, a empregada passou a ser submetida a tratamentos psicológico e psiquiátrico.

“A forma como a ré conduziu a situação é reprovável e, portanto, não pode ser chancelada pelo Poder Judiciário. Entendo demonstrada a intenção da ré em transferir a autora de unidade e/ou determinar o seu retorno ao setor onde ocorreram os episódios de assédio sexual e onde trabalhava o colega abusador”, afirmou a juíza Veridiana Campos.

Ambas as partes recorreram ao TRT-4. O recurso da empresa, para afastar a condenação, foi negado e a trabalhadora obteve o aumento da indenização, que havia sido fixada em R$ 25 mil no primeiro grau. A desembargadora Rosane Serafini Casa Nova, relatora da matéria, entendeu que as retaliações e perseguições, inclusive com a tentativa de recolocação no mesmo ambiente do assediador, foram demonstradas.

“A conduta da reclamada violou princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana, a intimidade e a honra, impondo grave abalo psicológico à trabalhadora, que foi exposta a situação de violência de gênero no trabalho. Aplicável o Protocolo do CNJ para julgamento com perspectiva de gênero, que enfatiza a importância de considerar os impactos da violência e do assédio na vida das mulheres e na sociedade”, concluiu ela.

CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-jan-09/empresa-tem-de-indenizar-empregada-perseguida-por-denunciar-assedio/