A importante derrota do governo nas votações dos vetos presidenciais no Senado e na Câmara dos Deputados dia 28 de maio mostra não só que a correlação de forças é adversa para a centro-esquerda — que reúne não mais que 130 deputados, o que é fato mais do que conhecido (no Senado o cenário não é muito diferente) — mas que a articulação política do governo com sua base ampliada falhou fragorosamente.
José Dirceu*
Como muitos apregoam e defendem, a tarefa urgente é arrumar a casa, se Lula não quiser enfrentar novas crises no Congresso.
Mas não basta, como muitos propõem, recompor a articulação política e ajustar o ministério, decisões exclusivas do presidente da República. O governo Lula precisa retomar a aliança com a frente de partidos que elegeu. E, para isso, tem de apresentar programa de desenvolvimento do País objetivo e factível, capaz de mobilizar em torno desse, os diferentes setores da sociedade: empresariado, trabalhadores, academia e classes médias. O governo tem instrumentos e competência para isso.
Já existem os instrumentos para construir este programa. O que falta ao governo é foco e interlocutores com os diferentes segmentos da sociedade para engajá-los nas iniciativas que compõem o programa. Considero que os 3 eixos fundamentais desse programa de desenvolvimento são o Nova Indústria Brasil, desenvolvido pelo vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin (PSB), e pelo presidente do BNDES, Aloizio Mercadante (PT), que precisa ter a prioridade que exige; o PAC, capitaneado pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), que concentra investimentos em energia, óleo e gás, Minha Casa, Minha Vida e obras de infraestrutura, prioritariamente; e o Plano de Transformação Ecológica, lançado pelo ministro Fernando Haddad (PT) durante a 28ª COP (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) realizada, em dezembro de 2023, em Dubai, nos Emirados Árabes. Cerca de 1 centena de iniciativas relacionadas ao Plano serão apresentadas até a COP 30, que acontecerá em Belém (PA).
Não há saída para o Brasil sem programa de desenvolvimento que impulsione o crescimento do País. E o Brasil tem tudo para crescer. A conjuntura internacional permite esse crescimento, o País atrai investimento externo, tem infraestrutura a ser construída, o turismo para expandir e indústria criativa pujante que demanda apoio para avançar, sem falar no tripé do programa de desenvolvimento.
Paralelamente, temos de concluir a Reforma Tributária e avançar em relação ao Imposto de Renda e à taxação do Lucro e Dividendo. São medidas fundamentais para a desconcentração da renda, vital para garantir a demanda interna. E temos que perseguir na queda dos juros. O pagamento do serviço da dívida é mortal para nós; no ano passado foram R$ 800 bilhões. Se os juros fossem menores e não estivessem alimentando a ciranda dos rentistas, o País teria mais recursos para investimento. Quando o País crescer mais que a inflação, a dívida pública vai estabilizar e vai cair.
O tripé do programa
Resposta a processo de desindustrialização do Brasil e ao baixo desenvolvimento e exportação de produtos com complexidade tecnológica, o NIB (Nova Indústria Brasil) estabelece metas específicas para 6 missões, abrangendo os setores de infraestrutura, moradia e mobilidade; agroindústria; complexo industrial de saúde; transformação digital; bioeconomia e transição energética; e tecnologia de defesa. Cada missão possui áreas prioritárias para investimentos visando atingir as metas estipuladas até 2033.
Para o período de 2024-2026, o NIB contará com R$ 300 bilhões, além de medidas de estímulo para setores estratégicos como prioridade para produtos nacionais em compras públicas e outras relacionadas à desburocratização para reduzir o chamado Custo Brasil.
Com o NIB, o objetivo do governo é fortalecer a indústria brasileira e estimular a inovação, para que essa se torne mais competitiva e gere empregos mais qualificados. Nos últimos anos, seguindo a agenda neoliberal, o Brasil, como outros países da América Latina, fez giro em direção à chamada especialização produtiva, ou ao aumento da capacidade exportadora de bens primários.
Dados do Relatório da Cepal de 2022, relativos à produção de manufaturados na América do Sul, mostram que, no início do século 21, Brasil e México respondiam por 3/4 partes do total de manufaturados exportados pela região. O Relatório chama a atenção especialmente para o caso do Brasil, segundo maior exportador regional de manufaturas: sua participação nos envios totais de bens caiu 27%, ao passar de 75% no triênio 2000-2002 para 48% em 2019-2021. Outros 4 países sul-americanos (Chile, Paraguai, Peru e Uruguai) também experimentaram quedas de 2 dígitos no mesmo período.
Para que o NIB avance, é fundamental que haja efetiva articulação de agentes do governo com a indústria brasileira e parte do agronegócio. Não pode se repetir situações como a que está ocorrendo com importante projeto de expansão do setor de energia eólica-solar em desenvolvimento no País em que todos os equipamentos são importados. O Brasil precisa retomar a tradição de casar seus grandes projetos com o desenvolvimento local, como ocorreu com as plataformas e sondas na indústria do petróleo, com a indústria naval e a construção civil. As grandes empreiteiras do País tinham know how para disputar licitações no exterior até serem destruídas pela Operação Lava Jato.
Já o PAC elegeu como prioridades, em volume de recursos, as cidades, onde está o Minha Casa, Minha Vida, com R$ 601 bilhões no período 2023-2026 (quase metade do investimento total, que é de R$ 1,3 trilhão, mais R$ 1,4 trilhão após 2026), o setor de transição e segurança energética (R$ 596,2 bilhões) e o de transporte (R$ 369,4 bilhões).
Ao apresentar o Plano de Transformação Ecológica, Haddad disse que os primeiros estudos da iniciativa privada indicam que esse poderia gerar de 7,5 a 10 milhões de empregos em todos os setores — com enfoque no segmento de bioeconomia, agricultura e infraestrutura —, e oportunidades de geração de renda.
No entanto, para concretizar esse cenário, os mesmos estudos estimam que o Brasil precisa de investimentos adicionais da ordem de US$ 130 a US$ 160 bilhões por ano ao longo da próxima década. Os aportes precisam ocorrer principalmente em infraestrutura para promover adaptações, produzir energia, aprimorar a industrialização e a mobilidade.
É desafio possível de ser superado, dada a capacidade de mobilização de investimento e de criação de infraestruturas sustentáveis do Brasil via investimentos públicos. Temos exemplos de sucesso como a rede de hidrelétricas, o sistema elétrico unificado, a produção de etanol e a atuação da Petrobras e outras empresas nacionais de ponta na pesquisa e desenvolvimento de biocombustíveis.
Articulação necessária
O governo Lula já tem todos os elementos para colocar em marcha o programa de desenvolvimento do País. O que precisa é de comando político subordinado diretamente ao presidente e com autoridade conferida por ele para levar à frente a missão de implementar as medidas contidas nos 3 eixos que compõem o programa, comando este que faça a interlocução com o empresariado, os trabalhadores, a sociedade civil e os demais segmentos sociais e que preste contas regularmente de sua missão.
Sem comando unificado e sem foco, como ocorre hoje, os programas anunciados e em andamento, por mais bem estruturados que tenham sido, acabam perdendo seu impacto e importância. E seus resultados ficam aquém do previsto, justamente por falta de integração entre as diversas áreas de governo e falta de priorização de iniciativas.
As recentes derrotas do governo no Congresso são fruto da correlação de forças, em função das emendas impositivas do Orçamento, sem nenhum compromisso dos partidos com o êxito das políticas públicas, e ao financiamento público de campanha. Como não tem maioria parlamentar, fica sujeito aos humores de Parlamento conservador na pauta de costumes, neoliberal nas questões econômicas e sem nenhum escrúpulo em trocar voto por interesse político.
A crise pode ser amenizada com articulação política melhor, que passa também por mudança de postura do PT de unificar a atuação de seus deputados e senadores em defesa dos interesses do governo. Mas só será superada com programa de desenvolvimento que coloque em campo, ao lado de Lula, todos os partidos e segmentos sociais que apoiaram sua candidatura no segundo turno. O programa de desenvolvimento tem de ser a base de compromisso político da frente democrática — da esquerda à direita liberal — para assegurar o crescimento do Brasil, com desconcentração da renda e a justiça social.
(*) Advogado e militante político. Foi presidente nacional do PT, deputado estadual por São Paulo de 1987 a 1991, deputado federal por São Paulo por 3 mandatos entre 1991 e 2005 e ministro-chefe da Casa Civil durante o primeiro governo Lula, em 2003. Publicado originalmente no portal Congresso em Foco.
O objetivo da série que iniciamos no último dia 3 de maio é levar ao conhecimento dos caros leitores a regulamentação legal que existe no Brasil sobre o meio ambiente do trabalho e a saúde do trabalhador, para que, com isso, se desperte consciência sobre a necessária adoção da prevenção dos riscos ambientais do trabalho para, assim, se proteger a saúde e vida dos trabalhadores.
Nas séries anteriores cuidamos de aspectos da Constituição Federal e das Constituições Estaduais e a partir de hoje vamos tratar sobre a esfera infraconstitucional, a começar pela Lei
nº 6.938/81 (Lei de Política Nacional do Meio Ambiente), de grande importância para o Direito do Trabalho.
Esta lei, entre outros aspectos importantes, define a poluição como sendo a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que, direta ou indiretamente, prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população (artigo 3º, inc. III). Esta lei também define o poluidor como pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental (artigo 3º, inciso IV).
O § 1º do artigo 14 da Lei nº 6.938/81 estabelece que, “sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.
Spacca
Embora a Lei de 1981 não mencione expressamente o meio ambiente do trabalho como protegido por suas normas, dúvida não pode existir no sentido de que a degradação do meio ambiente do trabalho que prejudique ou coloque em risco a saúde, a vida e a integridade física dos trabalhadores se insere no conceito acima mencionado de degradação do meio ambiente.
Isso decorre do quanto disposto no artigo 225, caput combinado com o artigo 200, inciso IV, ambos da Constituição de 1988, que representou grande avanço no tocante à proteção do meio ambiente em nosso país.
Nesse sentido, é a manifestação de Norma Sueli Padilha (“Do meio ambiente do trabalho equilibrado”, 65, São Paulo: LTr, 2002), quando afirma categoricamente que “as normas infraconstitucionais anteriores à Carta Magna não mencionavam expressamente o meio ambiente do trabalho como pertinente ao regime sistemático do Direito Ambiental”.
“Entretanto, com a Constituição de 1988, a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938, de 31.8.81) foi recepcionada pela ordem constitucional vigente. Dessa forma, quando a lei conceitua o meio ambiente (artigo 3º, I), deve ser compreendido, nessa definição legal, também o meio ambiente do trabalho.”
Responsabilidade objetiva
Quanto à responsabilidade pelo dano ambiental genericamente considerado, a responsabilidade existe e é de natureza objetiva, como corolário de uma tendência mundial nesse sentido. A base desta responsabilidade está assentada na Constituição (artigo 225, § 3º)
“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
Mas antes de 1988 o § 1º do artigo 14 da Lei nº 6.938/81 já assegurava a responsabilidade civil objetiva do poluidor.
É importante sublinhar neste particular o entendimento de que, em tendo sido recepcionada a referida Lei nº 6.938/81 pela Constituição de 1988, está também consagrada a responsabilidade objetiva do causador do dano ambiental no que diz respeito aos interesses individuais pelo dano ao meio ambiente, além dos metaindividuais.
Dessa forma, mostram-se irrelevantes no caso a prova da culpa do causador do dano, bem como a demonstração de ilegalidade do ato, pois a responsabilidade por danos ambientais deita-se na ideia de que a pessoa que cria risco em razão de uma determinada atividade deve reparar os danos advindos do seu empreendimento, bastando a prova da ação ou omissão do agente, o dano e a relação de causalidade entre o ato e o dano causado ao meio ambiente e a terceiros prejudicados.
A responsabilização objetivamente considerada se funda na ideia de se impor ao poluidor e causador de danos a responsabilidade decorrente, com despesas de restituição/recomposição dos danos, prevenção, reparação e repressão.
Não quer dizer que com tal responsabilização esteja o poluidor autorizado a agredir o meio ambiente, pois o objetivo primordial de toda política ambiental é a prevenção do dano, criando-se mecanismos, entre eles a ampla reparação, para desestimular práticas prejudiciais ao meio ambiente e ao ser humano, dado que aquele e a saúde do trabalhador assumem caráter de ordem pública.
A reparação do dano ambiental consiste na restauração do ambiente, com o retorno ao status quo ante, ou, quando isto não for possível, substitui-se a restauração por indenização dos prejuízos reais ou legalmente presumidos, a qual pode ser repressiva da lesão já consumada ou preventiva de uma consumação iminente.
é consultor jurídico, advogado, procurador Regional do Trabalho aposentado, doutor e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, professor titular do Centro Universitário UDF e membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho, autor do livro Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador, entre outros.
Para o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, a ameaça tecnológica à democracia é um dos questionamentos mais poderosos do nosso tempo. É preciso alguma regulação, sob pena de impactar gravemente as relações sociais.
Flávio Dino palestrou sobre O Judiciário e a Democracia: Ameaça ou Garantia?
“Esse é um questionamento jurídico fortíssimo, talvez o mais poderoso do nosso tempo, ao lado das mudanças climáticas. Se não houver algum tipo de regulação, os algoritmos serão os novos senhores da nossa escravização”, disse o magistrado.
A fala foi proferida na manhã desta sexta-feira (14/6), no IX Congresso de Brasileiro de Direito Eleitoral, realizado em Curitiba (PR). O ministro palestrou sobre o tema O Judiciário e a Democracia: Ameaça ou Garantia?.
A “escravização” é uma hipérbole usada por Dino para tratar do impacto da transformação digital nas relações sociais. “Éramos mais felizes quando a grama só do vizinho era mais verde. Hoje, é a grama do mundo todo que é mais verde que a sua”, disse.
Diante do avanço de atuação das empresas de tecnologia e de seu crescente impacto na sociedade, a pergunta levantada pelo ministro é: há fronteiras? Para ele, o Direito, que muitas vezes é a instância do “sim”, nesse caso precisa ser a instância do “não”.
“As empresas de tecnologia querem estar acima de qualquer regulação. Sobretudo em países periféricos. Agora o Congresso dos Estados Unidos aprovou uma lei sobre o Tiktok, dizendo que pode funcionar, desde que o controle acionário seja alienado. Alguém disse que isso é ditadura?”, relatou.
A fala do ministro mais recentemente empossado dialogam com o que disse o presidente do STF, Luis Roberto Barroso, em palestra no mesmo evento, na quinta-feira: é preciso regular as redes sociais; se isso não for feito no Congresso, caberá ao Supremo.
O Supremo tem em sua pauta o julgamento de um recurso que trata da responsabilização das plataformas digitais pelos conteúdos que abrigam. O RE 1.057.258 (Tema 933 da repercussão geral) diz respeito à constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet.
“Se não houver regulação legislativa, o Supremo vai julgar. E na hora que julgar, virão matérias e editoriais dizendo da judicialização da política. Mas a sociedade tem direito a uma resposta, qualquer que seja ela. E por isso mesmo acredito que, em algum momento, temos encontro marcado com essa ideia de uma internet e uma inteligência artificial que seja ética e legal.”
O Superior Tribunal de Justiça, em 22 de maio, reconheceu a eficácia dos pagamentos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço diretamente na conta bancária do empregado, em razão de acordos homologados na Justiça do Trabalho. A decisão afastou a previsão legal do artigo 18, caput e §1º e artigo 26, parágrafo único, da Lei 8.036/90, que obrigava o empregador, desde o advento da Lei 9.494/97, a depositar todo e qualquer valor fundiário na conta vinculada de seus trabalhadores, inclusive àqueles oriundos de obrigações de fazer em sede de reclamações trabalhistas.
Diversos acordos homologados na Justiça especializada, à época, autorizavam o pagamento de FGTS diretamente ao empregado, inobstante a previsão legal em sentido contrário, a fim de viabilizar a composição e o rápido acesso aos valores pelo trabalhador. Contudo, as transações destinadas às contas bancárias dos colaboradores não eram aproveitadas no âmbito de execuções fiscais promovidas pela Fazenda Nacional em desfavor dos empregadores.
Com isso, inúmeras ações ordinárias foram ajuizadas pelas empresas em face da União e Caixa Econômica Federal, a fim de ver reconhecida a regularidade dos pagamentos diretos de FGTS, efetuados após acordos trabalhistas, com o consequente abatimento do débito em execução, até que a matéria foi avaliada sob a sistemática dos recursos repetitivos, por meio do Tema 1.176.
Função social do Fundo
A Fazenda Nacional argumentou, na ação proposta pelo América Futebol Clube, a qual originou o julgamento do tema, que as transações fundiárias entre empregado e empregador inviabilizam o controle, pelo poder público, do cumprimento da função social do FGTS. Afirmou ainda que há quantias fiscais e previdenciárias incidentes sobre as parcelas de FGTS que não pertencem aos reclamantes das ações judiciais, pois são de titularidade da União, que não participou dos acordos na via laboral.
A sentença do caso, por sua vez, deferiu a compensação do débito com os pagamentos realizados diretamente na conta bancária dos empregados e foi mantida pelo Tribunal de Justiça, ressaltando a regularidade da quitação do pagamento de FGTS na seara trabalhista.
A Fazenda interpôs recurso especial (REsp 2.003.509), representativo de controvérsia de natureza repetitiva, que não foi provido por decisão unânime. Os ministros entenderam que o reconhecimento da eficácia dos pagamentos diretos de FGTS não prejudica terceiros, uma vez que os acordos são avaliados sob o crivo da Justiça especializada, e as demais parcelas incidentes podem ser cobradas por meios próprios, conforme tese fixada:
“São eficazes os pagamentos de FGTS realizados diretamente ao empregado após o advento da lei 9.491/97 em decorrência de acordo homologado na Justiça do Trabalho. Assegurando-se, no entanto, a cobrança de todas as parcelas incorporáveis ao fundo consistente em multas, correção monetárias, juros moratórios e contribuição social, visto que a União e a Caixa Econômica Federal não participaram da celebração do ajuste na via laboral, não sendo por eles prejudicadas.”
Assim, foi assegurada, por decisão unânime, a regularidade da quitação efetuada na seara trabalhista, de depósitos de FGTS realizados diretamente na conta bancária do empregado, em razão de acordos homologados na Justiça do Trabalho. Cabe ressaltar, porém, que o precedente não afasta a obrigatoriedade de pagamento de multas, correção monetária, juros e contribuições previdenciárias incorporadas ao FGTS, de modo que as parcelas poderão ser cobradas pela União e Caixa Econômica Federal, em sede de execução fiscal.
O Supremo Tribunal Federal tem enfrentado um aumento significativo de reclamações constitucionais desde 2023, visando a anular decisões da Justiça do Trabalho que reconheceram vínculos empregatícios. Essas reclamações garantem a aplicação das decisões prévias da Corte Suprema, especialmente nos chamados casos de “pejotização”, “uberização”, contratos de franquia e de profissionais liberais em geral.
O STF tem reiterado que há formas de trabalho que divergem das regulamentadas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), enfatizando a necessidade de respeitar a autonomia das partes envolvidas. Decisões importantes sustentando essa visão incluem a terceirização da atividade-fim (ADI 3.961), contratos de parceria em salões de beleza (ADI 5.625), terceirização ampla (ADPF 324 e ADC 48) e prestação de serviços intelectuais por pessoas jurídicas (ADC 66 e RE 958.252, tema 725 de repercussão geral).
A postura do STF em apoiar essas reclamações constitucionais tem levado à anulação de diversas condenações trabalhistas. Apesar de algumas decisões recentes terem favorecido os trabalhadores, especialmente aquelas proferidas monocraticamente pelos ministros Edson Fachin, da 1ª Turma, e Flavio Dino, da 2ª Turma, a orientação geral da Suprema Corte não sofreu alterações, com esses ministros sendo superados por seus colegas de Turma em decisões colegiadas.
Levantamento
Recente levantamento realizado pelo Núcleo de Pesquisas da USP, em parceria com a Anamatra, examinou decisões da Suprema Corte entre 1º de julho de 2023 e 16 de fevereiro de 2024, trabalho este que apontou que das 303 ações analisadas relativas à competência da Justiça do Trabalho no STF, 113 causas foram selecionadas para exame de conteúdo, sendo 88 reclamações constitucionais. Apenas 15% dessas ações (13) foram julgadas improcedentes. Todas as demais foram exitosas.
A maciça procedência destas reclamações constitucionais tem abalado significativamente a Justiça do Trabalho, cuja competência é estabelecida pela Constituição.
Adicionalmente, as discordâncias entre os ministros do STF e a complexidade das novas modalidades de trabalho criam um ambiente de insegurança que precisa ser enfrentado.
A relação entre a Justiça do Trabalho e o STF envolve um cenário intrincado e dinâmico, no qual as decisões tomadas têm impactos profundos na regulamentação e interpretação das relações de trabalho.
Diante do avanço constante da tecnologia e das transformações na estrutura das atividades econômicas, é crucial manter um diálogo contínuo entre os poderes judiciais para assegurar o equilíbrio entre a necessidade de compreender e aceitar todas as formas de contratação não previstas pela CLT e a atenção em identificar situações de evidente precarização das relações de trabalho, de forma a garantir a proteção aos direitos dos trabalhadores que realmente necessitam deste anteparo.
Em ano de eleição, as denúncias de assédio eleitoral explodem, o que levanta uma questão importante para reflexão: a fragilidade da democracia diante de práticas que violam a liberdade de pensamento e de voto, direitos fundamentais e irrenunciáveis. Esse cenário se torna ainda mais preocupante quando consideramos o assédio eleitoral no ambiente de trabalho, que não apenas compromete a integridade do processo democrático, mas também viola os direitos fundamentais dos trabalhadores.
Signatário de importantes instrumentos normativos internacionais sobre direitos humanos, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticas, o Brasil prevê em sua Constituição que ninguém será privado de direitos por motivo de convicção filosófica ou política. Prevê também que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos.
Apesar das garantias legais de liberdade de voto, o ambiente de trabalho muitas vezes se torna um espaço de pressão e coerção eleitoral. Sob ameaças de demissão ou retaliação, os funcionários são frequentemente forçados a votar em candidatos indicados pela direção da empresa, abusando do poder diretivo para manipular a escolha política dos trabalhadores. Essa prática não apenas viola o direito fundamental de cada cidadão de exercer seu voto de forma independente, mas também cria um ambiente de medo e submissão que compromete a integridade do processo democrático.
Para não dizer que não falei das flores, abro um parêntese sobre o serviço púbico. Além do ambiente laboral das empresas, de igual modo, há relatos no ambiente do serviço público, de servidores que ocupam funções de confiança, cargos comissionados e até pessoal terceirizado e estagiários que são obrigados, em época de campanha, a participar de carretas, trajados com cores de partidos e camisas com nomes e número de candidatos, correndo atrás de trio elétrico do candidato da situação, a fazer bandeiraços e planfletagens nas principais esquinas, sob pena de perder o cargo. Fecho parêntese.
A prática do assédio eleitoral, especialmente no ambiente de trabalho, se torna ainda mais repreensível ao considerar a vulnerabilidade do trabalhador diante do poder diretivo do empregador. Esse cenário coloca o indivíduo diante de uma escolha injusta entre o exercício pleno da sua cidadania, por meio do voto livre, e a manutenção do seu emprego, a fonte de sua subsistência e de sua família.
Relembrando o termo “voto de cabresto”, cunhado durante o período do coronelismo na República Velha, percebe-se uma intrínseca relação com o assédio eleitoral moderno. A antiga prática de submissão do eleitorado a interesses particulares de líderes políticos locais reflete-se hoje nas pressões e coações exercidas dentro das relações de trabalho, onde o empregador detém o poder de influenciar indevidamente as opções políticas de seus empregados.
Proteção contra discriminação
As normas de proteção contra qualquer forma de discriminação e as garantias de liberdade de pensamento e de voto não são apenas dispositivos legais, mas sim expressões de valores sociais fundamentais, que visam a preservar a dignidade humana e o direito à liberdade. Em outras palavras, o assédio moral eleitoral, caracterizado por condutas abusivas que visam à submissão do trabalhador a interesses políticos específicos, constitui uma violação grave desses princípios.
Ao abordar o tema do assédio eleitoral no ambiente de trabalho, não se pode negligenciar as consequências jurídicas e reputacionais para as empresas envolvidas nessas práticas. A atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT) no combate a esse tipo de violação é rigorosa, tendo como prerrogativa a defesa dos direitos coletivos, difusos e individuais indisponíveis dos trabalhadores. A postura da instituição frente ao assédio eleitoral se reflete na aplicação de penalidades severas às empresas que violam os preceitos de liberdade e dignidade dos trabalhadores.
Uma das consequências diretas para as empresas que praticam ou toleram o assédio eleitoral é a imposição de altas indenizações, seja através da assinatura de termos de ajuste de conduta, seja através de condenações judiciais em ação civil pública. Essas indenizações visam a reparar os danos morais coletivos causados aos trabalhadores e ao regime democrático, além de servirem como um mecanismo dissuasório contra a perpetuação de tais práticas. A magnitude dessas indenizações reflete a gravidade do ato e o compromisso do sistema de justiça em proteger os direitos fundamentais dos trabalhadores e a integridade do processo eleitoral.
Além do impacto financeiro, as empresas flagradas praticando assédio eleitoral enfrentam significativos prejuízos à sua reputação. Em uma era caracterizada pela rápida disseminação de informações e pelo aumento da consciência social e política dos consumidores, a imagem de uma empresa pode ser severamente afetada ao ser associada a práticas que violam direitos fundamentais e a ética empresarial. A reputação, uma vez manchada, demanda esforços consideráveis e tempo para ser restaurada, podendo, em casos extremos, resultar na perda de clientes, parceiros comerciais e oportunidades de negócios.
A atuação firme do MPT e as consequências para as empresas reforçam a necessidade de uma gestão empresarial ética e alinhada aos princípios democráticos e de respeito aos direitos fundamentais dos trabalhadores. A adoção de políticas internas claras, treinamentos e uma cultura organizacional que valorize a liberdade de expressão e a diversidade de opiniões políticas são essenciais para prevenir o assédio eleitoral e garantir um ambiente de trabalho saudável.
Portanto, além de representar uma violação aos direitos fundamentais dos trabalhadores, o assédio eleitoral traz consequências sérias e duradouras para as empresas, tanto em termos financeiros quanto reputacionais. Isso sublinha a importância de uma vigilância constante e de uma postura proativa por parte das organizações no combate a essas práticas, em prol da preservação dos valores democráticos no ambiente de trabalho, bem como de sua própria integridade e imagem no mercado.
Diante desse cenário, é imperativo reconhecer o assédio eleitoral como uma manifestação contemporânea do voto de cabresto, rejeitando-o veementemente. A efetivação dos direitos e liberdades fundamentais exige um compromisso coletivo de vigilância e resistência contra tais práticas, assegurando que a participação política ocorra em um ambiente livre de coações e discriminações, verdadeiro alicerce de uma sociedade democrática.