Priscila Santos Araújo saiu da informalidade em 2022, quando deixou de vender balas em semáforos de São Paulo.
Desde então, a paulistana de 30 anos conseguiu quatro empregos com carteira assinada — em todos, segundo ela, enfrentou condições precárias.
Com a retomada da economia no pós-pandemia, Priscila, que mora na Zona Norte da cidade, conseguiu trabalho em uma rede de fast food e em uma farmácia, antes de migrar para o telemarketing.
“Não somos subumanos, não queremos subempregos. Queremos ter vida”, diz Priscila.
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Priscila é uma das milhares de pessoas que têm dado voz a uma insatisfação de muitos brasileiros com as condições que encontram no mercado de trabalho.
Um mercado que tem exibido números impressionantes, que fizeram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) comemorar no último domingo.
“Estou convencido de que estamos vivendo hoje o melhor momento da geração de emprego nesse país. Estamos com 6,4% de desemprego, que é um padrão extraordinário”, disse em entrevista ao programa Podk Liberados, da RedeTV.
A taxa registrada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no terceiro trimestre deste ano é o menor patamar da série histórica, iniciada em 2012.
O setor de serviços, no qual Priscila trabalha, foi o principal responsável por isso.
Foi líder na geração de postos de trabalho e empregou mais de 1 milhão de pessoas nos últimos 12 meses, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Os setores de comércio (344 mil vagas), indústria (299 mil) e construção (145 mil) também tiveram saldos positivos.
Mas a geração de emprego recorde esconde, segundo especialistas, problemas como altos índices de informalidade e subutilização da força de trabalho, segundo economistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Ao mesmo tempo, trabalhadores como Priscila e tantos outros têm reclamado de condições que consideram abusivas, como salários baixos e jornadas exaustivas, e têm tentado mudar isso.
“Se estão celebrando termos tanto emprego no Brasil, precisamos nos perguntar, primeiro, o que estão chamando de emprego”, diz Priscila.
Priscila conheceu o grupo há um ano, quando uma amiga compartilhou com ela um vídeo do TikTok em que um trabalhador carioca desabafava sobre a escala 6×1 — a jornada de seis dias de trabalho para um de descanso.
Era Rick Azevedo, criador do VAT, ele próprio um ex-balconista de farmácia como Priscila.
“Eu estava em um momento de depressão com meu trabalho e achava que só eu me sentia assim. Parecia que ele estava falando comigo, me senti acolhida”, diz Priscila, que começou a participar dos grupos de WhatsApp e Telegram do movimento.
Nas últimas eleições, o fundador do VAT deu uma demonstração da força e do apoio ao se movimento ao se eleger como o vereador mais votado do PSOL no Rio com a pauta da redução da jornada de trabalho.
Outra demonstração veio com as mais de 2,5 milhões de assinaturas que um abaixo-assinado em apoio à redução da jornada de trabalho recebeu.
Não foi à toa, defende Priscila: “As pessoas estão exaustas”.
A mobilização também conseguiu o apoio da líder do PSOL na Câmara dos Deputados, Érika Hilton (SP), que enviou à Câmara dos Deputados a PEC para diminuir a jornada de trabalho.
Nesta semana, a proposta ganhou apoio popular nas redes sociais, com pressão para que parlamentares apoiassem o projeto.
Na manhã desta quarta-feira (14/11), texto conseguiu o apoio de 194 parlamentares, da esquerda à direita, do PT ao PL, divulgou Hilton. Para a PEC começar a tramitar, é necessário o apoio de ao menos 171 dos 513 deputados.
O governo federal tem demonstrado cautela em relação à proposta.
Na segunda-feira (11/11), o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho (PT), afirmou que o fim da escala de trabalho 6×1 deve ser negociado em “convenção e acordos coletivos entre empresas e empregados”.
O ministro defendeu, em nota, que assunto deve passar por “discussão aprofundada e detalhada”.
A reação foi criticada por defensores do fim da escala 6×1 — que pedem apoio direto do governo Lula à causa.
Com o crescimento do debate, o vice-presidente, Geraldo Alckmin, afirmou na terça-feira (12/11) que a redução da jornada é uma “tendência mundial”, mas que cabe à sociedade e ao Congresso fazer essa discussão.
A proposta enfrenta a resistência de associações de empresas, que defendem que as leis trabalhistas que existem hoje são suficientes para garantir condições de trabalho dignas.
Os representantes dos empresários também dizem que reduzir a jornada de trabalho é economicamente inviável para a maioria dos negócios, que são de pequeno porte.
“Muitas pessoas vão ter que deixar de contratar, desligar funcionários ou mesmo ir à falência, porque muitos pequenos empresários hoje vivem do crédito”, diz o empresário Luis Bigonha, presidente do Conselho de Serviços da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio) de São Paulo.
O real problema do mercado hoje, dizem empresários ouvidos pela reportagem, é achar trabalhadores qualificados para preencher as vagas disponíveis, porque muitos preferem trabalhar por conta própria.
Baixos salários e rotina de abusos
Um dos problemas que o menor desemprego em uma década ofusca é o baixo valor dos salários.
Em setembro passado, mês com o dado mais recente divulgado pelo Caged, o valor médio pago a trabalhadores admitidos em novos empregos no Brasil foi de R$ 2.158,96.
Isso representa uma redução de 4% em quatro anos, já descontada a inflação do período.
Ou seja, quem é contratado hoje ganha na média menos do que quem foi contratado em 2020.
Em seus últimos empregos, Priscila ganhou menos do que essa média.
Na rede de fast food, ela recebia um salário mínimo para trabalhar do turno da madrugada. Em contrapartida, relata uma rotina de humilhações e assédio moral.
“A gestora não permitia que a gente usasse roupas que não fosse uniforme. Muitas vezes fazia frio de madrugada, e os trabalhadores não podiam vestir um casaco. Só havia uma blusa de frio com a logo da empresa para todos os funcionários, que tinham que dividir a blusa”, relata.
“Se você ficava doente ou fora por algum motivo, havia castigos. Por exemplo, se você estivesse com atestado médico em um dia, no outro iriam te dar as piores tarefas, como lavar a calçada às 3h da manhã, em um frio de dez graus.”
Depois desta experiência, Priscila conta que foi contratada em uma rede de farmácias — onde ganhou o maior salário dos últimos anos, R$ 1,6 mil e R$ 100 de auxílio-refeição por mês.
Como atendente, trabalhava em jornada 6×1 e com acúmulo de funções.
“Na loja, o atendente tinha que orientar o cliente, mesmo sem treinamento ou formação na área, era o caixa, estocador. Até entregas em um raio de 2 km precisávamos fazer.”
A questão é que muitos trabalhadores não conseguem escapar de empregos ruins, explica o economista Marcelo Manzano, professor de Economia Social e do Trabalho do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
“Enquanto em países de economia avançada as pessoas podem escolher se vão trabalhar em um determinado lugar ou não, aqui, a situação é muito diferente”, diz Manzano.
“Muitos trabalhadores não têm o ‘luxo’ de escolher empregos que se adequem às suas qualificações e necessidades profissionais nem podem esperar por um emprego de qualidade, porque não temos um sistema de proteção social robusto como o da Alemanha ou França.”
O economista destaca a reforma trabalhista, que flexibilizou certas atividades como o trabalho intermitente, “plataformização” do trabalho e crises econômicas trouxeram impacto negativo sobre a qualidade das ocupações — em um mercado estruturalmente marcado pela informalidade.
“Há uma deterioração na qualidade dos postos de trabalho em comparação ao auge do mercado, que ocorreu em 2013 e 2014, durante o governo Dilma”, avalia Manzano.
Além da informalidade, a subutilização da força de trabalho é outro problema que os economistas apontam.
Esse índice abrange pessoas que, apesar de empregadas, gostariam de trabalhar mais horas ou em posições mais qualificadas.
Hoje, a taxa de subutilização está em 16,5%, percentual que já chegou a 30% durante a pandemia.
“Esse índice capta a realidade de trabalhadores subempregados e em empregos precários. Embora também tenha caído, com a taxa de desemprego, permanece alta”, pontua Manzano.
A boa notícia, segundo o economista, é que em 2024 o segmento da indústria também teve um saldo positivo na geração de empregos.
“Neste ano, a indústria de transformação gerou o maior número de postos adicionais de trabalho, um indicador muito positivo, especialmente porque essa indústria é crucial para impulsionar o PIB e criar empregos de qualidade”, afirma.
Manzano nota que, dentro deste setor, subgrupos como produção de bens de capital e bens duráveis — setores que incluem a fabricação de máquinas e veículos — também apresentaram crescimento expressivo de empregos.
Além da indústria, o setor de serviços qualificados, que abrange áreas de informação, comunicação e finanças, também registrou avanços.
“Esses setores, que geralmente oferecem empregos com melhores salários e condições”, observa o economista.
Ainda assim, Manzano é cauteloso em relação a essa melhora.
“Ainda há um enorme contingente de pessoas que se veem obrigadas a se virar em empregos precários, sem poder esperar por uma oportunidade de qualidade.”
O economista Antonio Lacerda, professor da pós-graduação em economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), afirma que o crescimento da economia brasileira acima das expectativas em 2023, com PIB aumentando em 2,9%, e boas projeções para 2024 impulsionaram a criação de empregos.
No entanto, ele destaca que, em momentos de recuperação econômica, é comum que os empregos de menor qualificação e renda sejam os primeiros a crescer.
“Ao sair de uma crise, é natural que os empregos que cresçam mais sejam os menos qualificados, de menor renda. Esse é um fenômeno que está se repetindo agora na saída da pós-pandemia”, afirma.
Segundo ele, o desafio agora é melhorar a qualidade desses empregos, o que dependeria, na sua visão, de políticas que incentivem setores como a indústria e a construção civil.
Para o economista, o mercado de trabalho está em transição, com o crescimento de empregos em plataformas digitais e do empreendedorismo.
Segundo o Sebrae, há 11,5 milhões de microempreendedores individuais (MEI) com registros ativos no Brasil, mais de 90% estão em atividade. Em 2022, esse percentual era de 77%.
“Agora, o empreendedorismo e a ‘plataformização’ influenciam muito mais do que o emprego tradicional com carteira assinada”, comenta.
Para Priscila Araújo, do VAT, o aumento de trabalhos informais, como microempreendedor ou via plataformas reflete o descontentamento com as condições de trabalho e a busca por maior qualidade de vida.
“Esse discurso de ‘seja seu próprio chefe, que você vai fazer o seu horário’ cresceu porque, na verdade, as pessoas querem trabalhar menos, viajar, ter qualidade de vida. E quem elas veem realizando isso hoje? O patrão”, reflete.
“Para isso, eles dão uma resposta simples: seja você o chefe. Mas, no fundo, o problema das pessoas é carga horária, o salário. As pessoas não querem só sobreviver, querem desfrutar, ter seu carro, andar bonitas. Elas querem viver.”
Para empresários, falta mão de obra qualificada
Se de um lado os trabalhadores questionam a qualidade dos trabalhos neste recorde de empregos, por outro o empresariado afirma encontrar dificuldade para contratar mão de obra qualificada e suprir a alta demanda.
Em 2024, o setor da construção civil foi o segmento da economia que teve o maior aumento de contratações, comparado ao ano anterior.
Foram mais de 231 mil novas oportunidades na área entre janeiro e setembro, crescimento de 8,4%.
Mas a falta de profissionais qualificados tem afetado o cronograma de obras, diz o empresário Yorki Estefan, diretor de engenharia na Conx Construtora e Incorporadora e presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP).
“Não chega a ter obras paradas, mas, às vezes, a execução de uma obra é dilatada pela falta de profissionais”, afirma Estefan.
“Até as empresas de elevadores, por exemplo, têm dificuldades para encontrar trabalhadores qualificados para instalação.”
Na construção civil, diz o empresário, isso levou a aumento de salários e iniciativas por qualificação de trabalhadores. “Estamos promovendo treinamentos para engenheiros e estagiários de obras para fortalecer a base do setor”, explica.
A escassez, diz ele, tem como causa principal a informalidade.
“Apenas 26% dos trabalhadores do setor têm carteira assinada; o restante atua de forma independente e informal”, pontua Estefan, que afirma muitos optam pela informalidade para evitar burocracia.
“Os mais jovens têm pouquíssimo interesse nessa configuração trabalhista, que vai fazendo uma poupança forçada para ele. Eles preferem receber como um micro empresário. Eles não têm essa preocupação com o futuro, mas sim em receber o máximo de valor possível no presente.”
O setor de serviços, que alavancou o crescimento, também sentiu esse impacto do aquecimento.
“Se não fosse o Senac, que forma 44 mil trabalhadores em São Paulo para o setor hoteleiro, bares, restaurantes para a beleza, esses setores já estariam em colapso”, afirma Bigonha, da Fecomércio-SP.
Com relação ao movimento pela redução da jornada 6×1, o empresário diz acreditar que a proposta seja inviável para todos os segmentos econômicos.
“Existem setores que, com a tecnologia, pode se dar ao luxo de desenvolver uma condição de horários diferenciados, mas para outros, vai ser impossível”, defende.
“Isso vai gerar, a princípio, um conflito grande com o empresariado.”
Na mesma linha, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) entende que PEC apresentada por Erika Hilton traria impactos negativos para consumidores e empreendedores do setor de alimentação.
Paulo Solmucci, presidente da entidade, chamou a proposta de “estapafúrdia” e disse que ela não reflete a realidade. A associação diz que cerca de 95% do setor é de microempresas e estima que a medida poderia encarecer em até 15% nos preços dos cardápios.
“As regulamentações estabelecidas pela Constituição e expressas na CLT são modernas e já trazem as ferramentas para garantir condições de trabalho dignas e justas aos colaboradores. A legislação atual permite que os trabalhadores escolham regimes de jornada adequados ao seu perfil”, afirmou Solmucci.
Sergio Mena Barreto, CEO da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), também se posiciona contra a proposta.
Ele afirma que, no varejo, o custo com pessoal representa um dos principais custos operacionais, especialmente em farmácias.
Com relação ao “acúmulo de função” no setor, Mena afirma que o varejo é a primeira porta de emprego para muitos jovens e que esta é uma característica global do setor.
“As farmácias, para muitos, representam o primeiro emprego e um ambiente de aprendizado. Como no conceito do McDonald’s, os funcionários começam nas posições iniciais, como atendimento e caixa, e, com o tempo, ganham especialização”, diz.
“Quando a pessoa é contratada, ela já sabe vai ser um profissional que cobre várias áreas, mas dentro de um limite físico.”
Sobre a PEC da redução da jornada que deve começar a tramitar no Congresso, ele afirma que a proposta é “populista” e espera que todos os setores da sociedade sejam ouvidos em audiências públicas.
“Temos que considerar os aspectos econômicos também. Podemos achar que temos uma grande solução do ponto de vista das pessoas, mas ela tem que ser boa para as empresas também.”
Um conferente de materiais da Volkswagen desenvolveu hérnia de disco que resultou em incapacidade parcial e permanente para tarefas que exigiam esforço físico.
A 7ª Turma do TST condenou a montadora a pagar indenização de R$ 80 mil por danos morais e pensão mensal equivalente a 50% do último salário até o trabalhador completar 78 anos de idade, aumentando os valores fixados no TRT.
A fixação do montante se baseou em casos semelhantes e nas circunstâncias do caso concreto.
A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Volkswagen do Brasil Indústria de Veículos Automotores Ltda., de São Bernardo do Campo (SP), a pagar R$ 80 mil de indenização a um conferente de materiais, além de pensão mensal correspondente a 50% do seu último salário até que ele complete 78 anos de idade. Segundo o colegiado, as tarefas realizadas na montadora contribuíram para o desenvolvimento de hérnia discal na coluna lombar, o que gerou incapacidade parcial e permanente para a atividade.
Lesão na coluna exigiu remanejamento
Na reclamação trabalhista, o empregado disse que trabalhou para a Volkswagen de 1989 a 2013. Seu trabalho era conferir, revisar e transportar peças de uma caçamba para outra, o que exigia movimentos repetitivos como curvatura da coluna e flexão e extensão dos braços. Entre 2007 e 2009, teve de ficar afastado para se submeter a uma cirurgia de coluna. Depois disso, foi remanejado para outra área, em que fazia a conferência visual de peças, porque não tinha mais condição de fazer o trabalho anterior.
Trabalho não foi única causa da doença
O juízo de primeiro grau condenou a montadora a pagar R$ 200 mil de indenização e pensão mensal vitalícia de 100% do salário. Com o deságio em razão do pagamento em parcela única, o montante seria de R$ 884 mil. O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), porém, reduziu a indenização por danos morais para R$ 30 mil e a pensão para a metade, de 12,5% do salário do operador. O percentual corresponde à incapacidade do trabalhador para qualquer atividade, e o desconto se deu porque o trabalho foi apenas uma das causas da lesão. O resultado, com o deságio, daria R$ 25 mil.
No recurso de revista, o operário sustentou que os valores eram irrisórios e desproporcionais em relação à redução de sua capacidade de trabalho e incompatíveis com a capacidade econômica da Volkswagen.
Fixação da indenização leva em conta precedentes e caso concreto
O relator, ministro Agra Belmonte, explicou que a lei não estabelece parâmetros objetivos para quantificar a indenização por danos morais, cabendo ao juiz ficar atento à proporcionalidade e à razoabilidade, levando em conta aspectos como a intensidade da culpa e do dano e as condições econômicas e sociais da vítima e do ofensor. Após a fixação do valor, a intervenção do TST só se dá se a indenização for irrisória ou excessiva.
Segundo Belmonte, para definir o que é irrisório ou excessivo, o TST aplica o chamado método bifásico: na primeira fase, define-se o valor básico ou inicial da indenização, com base em precedentes em casos semelhantes. Na segunda, ajusta-se o montante às peculiaridades do caso com base nas suas circunstâncias.
O relator utilizou estes critérios para sugerir a elevação da indenização por danos morais para R$ 80 mil.
Pensão mensal corresponde à perda da capacidade para a atividade exercida
Em relação aos danos materiais, o ministro ressaltou que o percentual da indenização deve corresponder ao da diminuição da capacidade de trabalho em relação ao ofício anteriormente exercido, e não para qualquer atividade de trabalho. No caso, o conferente teve de ser realocado em posto compatível, concluindo-se que tinha incapacidade total e definitiva para sua atividade anterior.
Com isso, seria devida a pensão mensal integral, equivalente a 100% da última remuneração, independentemente da readaptação. “No entanto, como houve concausa, a empresa deverá arcar com a indenização na medida de sua responsabilidade, ou seja, 50% do último salário recebido pelo trabalhador”, concluiu.
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Os posicionamentos adotados pela maioria dos ministros do STF, em matéria trabalhista, são orientados por uma compreensão de cunho econômico de índole neoliberal que é, como se sabe, arredia à efetividade dos direitos sociais e, também, uma afronta ao projeto de Estado Social fixado na Constituição Federal.
Não se encontra um fundamento jurídico sequer em tais decisões. São sempre argumentos fincados em um sentimento pessoal marcado pela aderência aos interesses do poder econômico e por ofensas aos trabalhadores e trabalhadoras, à Justiça do Trabalho e ao Ministério Público do Trabalho.
A fragilidade dos argumentos jurídicos das decisões proferidas pelo Supremo no campo trabalhista tem proporcionado a proliferação de muitas críticas e até preservado uma postura judiciária com reiterados posicionamentos em sentido contrário.
Talvez por isso, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, tentando conferir fundamento para as posições assumidas pelos ministros do STF, resolveram trazer novos elementos argumentativos ao “problema”, mas, com isto, só conseguiram piorar a situação.
Inauguraram a fase da incitação ao descumprimento dos Direitos Sociais.
Em 12 de outubro de 2024, durante o II Fórum Esfera Internacional, em Roma, na Itália, falando a representantes do setor econômico (Eugenio Mattar – Localiza); Daniel Vorcaro – Banco Master; Flavio Cattaneo – ENEL; Roberto Azevêdo – Ambipar; Lucas Kallas – Cedro Participações; Alberto de Paoli – “Diretor de Resto do Mundo na Enel”; José Antônio Batista – Picpay; Fábio Coelho – Google; João Adibe – Cimed; Carlos Sanchez – Grupo NC; Wesley Batista – Grupo J&F; Rubens Menin – MRV, CNN Brasil e BancoInter; o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luís Roberto Barroso, disse que as dificuldades que os empresários enfrentam no Brasil é resultado de uma “legislação trabalhista complexa e, muitas vezes, desatualizada”.
Sem demonstrar, de forma específica, o que seria a tal complexidade e, também, se esquecendo, sintomaticamente, que a legislação trabalhista sofreu recentemente enormes alterações, todas elas, inclusive, atendendo as demandas do setor empresarial, Luís Roberto Barroso foi além e praticamente justificou o cometimento das ilegalidades por parte dos empregadores, afirmando que a “estrutura legal dificulta o cumprimento das normas”.
Para o ministro, se o empregador não cumpre a lei a culpa é da lei. Então, estaria dado a cada cidadão, a cada cidadã e a cada empresa do país o “direito” de deixarem de cumprir a lei sob a consideração subjetiva de ser ela “complexa”. Mais ainda, estaria possibilitada aos julgadores e julgadoras a prerrogativa de não aplicar uma lei com o argumento da sua “complexidade” ou da sua “desatualização”, como, aliás, vêm fazendo os ministros do STF nas questões relativas aos direitos trabalhistas, cabendo lembrar que, no que se refere ao tema trabalhista, o que estão “afastando” não são apenas leis, mas, sobretudo, normas integradas à Constituição Federal no Título dos Direitos Fundamentais.
E o pior é que preconizam isto em nome da “segurança jurídica”!
Segundo Luís Roberto Barroso, a visão antiquada e atrasada que ainda persiste em relação aos empresários e à livre iniciativa no Brasil é o que prejudica o desenvolvimento econômico e a inovação, criando um ambiente de insegurança jurídica que afasta investimentos e limita o crescimento do país. Sendo assim, basta dizer que se tem em mente uma visão não antiquada e não atrasada para que o agente esteja livre para deixar de aplicar a lei e a Constituição.
Além disso, para atrair investimentos e “promover o desenvolvimento econômico e a inovação”, o ministro oferece, de forma explícita, uma “segurança jurídica” para a quebra do pacto constitucional firmado em torno da dignidade humana; dos valores sociais da livre iniciativa; da prevalência dos Direitos Humanos; da construção de uma sociedade livre, justa e solidária; da erradicação da pobreza e da marginalização; da redução das desigualdades sociais; da promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; da função social da propriedade; da ordem social baseada no primado do trabalho, tendo como objetivo o bem-estar e a justiça sociais; da ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
E nesta “missão” Luís Roberto Barroso não estava só. O acompanhavam, dentre outras, as seguintes autoridades: o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG); o presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas; o ministro do STF, Dias Toffoli; o procurador-geral da República, Paulo Gonet; o ministro da Justiça da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski; o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira; o senador Davi Alcolumbre (União-AP); o senador Ciro Nogueira (PP-PI); o deputado federal Dr. Luizinho (PP-RJ); a embaixadora Carla Barroso; o embaixador Renato Mosca; o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues; o diretor comercial da Infraero, Tiago Chagas Faierstein; e o diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestres, Lucas Lima.
Oportuno perceber o quanto este fato revela como o poder econômico internacional assume sua índole predatória e exploratória, notadamente, com relação aos países da periferia do capital.
No contexto desse estreitamento de laços entre o capital e as instituições públicas nacionais, o ministro Luís Roberto Barroso, em sua manifestação, mais do que justificar o descumprimento da lei, acabou por incitar o cometimento de ilegalidades no campo das relações de trabalho, atingindo, igualmente, a esfera dos crimes contra a ordem tributária, vez que as fraudes aos direitos sociais representam modalidade de sonegação fiscal, em termos de tributos e contribuições sociais, o que, de certo modo, nos remete ao conteúdo do art. 286 do Código Penal.
E o efeito tributário das ilegalidades trabalhistas é, por certo, de pleno conhecimento dos ministros do STF, como demonstrado, inclusive, na fala do ministro Alexandre de Moraes, expressa na sessão de julgamento do dia 22 de outubro.
Novamente instingando uma confusão entre terceirização e “pejotização”, Alexandre de Moraes, para o delírio da grande mídia ávida por fake news em matéria trabalhista, assim se expressou: “A terceirização: naquele momento todos concordam em assinar, até porque se paga muito menos imposto do que pessoa física. Depois que é rescindido o contrato aí vem a ação trabalhista. Só que, e talvez, se a jurisprudência começasse a exigir isso nós não teríamos tantas reclamações. Aquele que aceitou a terceirização e assinou contrato quando é rescindido o contrato e entra com a reclamação ele deveria também recolher todos os tributos como pessoa física. Aí talvez nós não tivéssemos mais ou o primeiro problema, aceitar a terceirização, ou o segundo, entrar com a reclamação. Porque é algo que não, eu diria, bate no final, porque, na Justiça do Trabalho acaba ganhando a reclamação, só que recolheu todos os tributos lá atrás como pessoa jurídica e depois ele ganha todas as verbas como pessoa física. Ou é pessoa jurídica ou pessoa física. Ou terceirizou, ou não terceirizou…”
Trocando em miúdos, o ministro sabe que a “pejotização”, mal referida por ele como “terceirização”, gera o pagamento de impostos a menor.
Só que isto, primeiro, não é um “benefício” que atinge apenas o trabalhador, como sugerido. A empresa que se vale dos serviços de uma pessoa natural por meio da formalização de um contrato com a pessoa jurídica criada por aquela mesma pessoa, é “beneficiada” de diversas formas, seja pelo não cumprimento das regras de proteção trabalhista, incluindo o FGTS, que possui uma relevante função social; seja pelo recolhimento a menor de vários tributos e contribuições sociais.
Em segundo lugar, não se trata, propriamente, de uma opção que as pessoas natural ou jurídica tenham, a de recolher, ou não, na integralidade, os tributos e as contribuições sociais. A incidência tributária decorre de lei e implica obrigações das quais os atingidos não podem simplesmente fugir, ainda mais buscando estratégias fraudulentas para tanto. De fato, constitui crime a prática de quaisquer formas de se tentar impedir a aplicação das obrigações tributárias.
Nos termos da Lei n. 8.137/90, que define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, os atos que visam suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, são definidos como crimes e são identificados, dentre outras, nas seguintes condutas: (i) omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; (ii) fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; (iii) falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo a operação tributável; e (iv) elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato (art. 1º).
Estabelece, ainda, que constitui crime da mesma natureza: (a) fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo; (b) deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos (art. 2º).
Conforme elucida André Fróes Aguilar, “não cabe aos particulares decidirem quanto à existência ou não de relação empregatícia, assim como não lhes é possível afastar os efeitos tributários decorrentes das relações que estabelecem, conforme o disposto no artigo 123 do Código Tributário Nacional – CTN (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – publicada no DOU de 27 de outubro de 1966 e retificada no DOU de 31 de outubro de 1966)”, que assim dispõe: “Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.”
Na “pejotização”, que é, como se sabe, a transformação artificial de uma pessoa natural em uma pessoa jurídica, para gerar a impressão de que não há trabalho executado pelo(a) trabalhadora(a) e sim um serviço prestado por sua empresa individual, o que se promove é uma autêntica tentativa de burlar a incidência tributária, pois as notas fiscais emitidas pela pessoa jurídica constituem, na verdade, recibos remuneratórios.
Além disso, a transformação artificial de uma pessoa natural em pessoa jurídica se encaixa perfeitamente na hipótese fixada no inciso I do art. 1º da Lei n. 4.729/65, constitui crime de sonegação fiscal, “prestar declaração falsa ou omitir, total ou parcialmente, informação que deva ser produzida a agentes das pessoas jurídicas de direito público interno, com a intenção de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento de tributos, taxas e quaisquer adicionais devidos por lei”.
Da mesma forma, nos artigos 71, 72 e 73 da Lei n. 4.502/64: “Art. 71. Sonegação é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária: (1) da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais; (2) das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente”.
“Art. 72. Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do impôsto devido a evitar ou diferir o seu pagamento.”
“Art. 73. Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas, visando qualquer dos efeitos referidos nos artigos. 71 e 72.”
E vale insistir: o trabalhador não impõe à empresa contratante a condição de que só aceita o serviço se for perante o disfarce da pessoa jurídica. É a empresa contratante que, detendo o poder econômico e o império da lei da oferta e da procura, determina qual será a forma de contratação, sendo, portanto, responsabilidade integral sua o cometimento da prática ilícita.
No entanto, Alexandre de Moraes, desconsiderando a realidade; desprezando o conjunto de normas jurídicas aplicáveis à situação concreta em que a “pejotização” se apresenta comprovadamente como uma forma de burlar a aplicação da legislação trabalhista, previdenciária e tributária; e fazendo vistas grossas aos efeitos punitivos, inclusive de ordem criminal, ao ardil praticado, enxerga a situação apenas como uma oportunidade para expressar uma espécie de reprimenda moral pública à conduta do trabalhador, chamando-o, com outras palavras, de falso, desonesto ou hipócrita, para, com isto, tornar legitimas e justificadas todas as ilegalidades cometidas pela empresa contratante.
Na lógica do ministro, uma vez que o trabalhador auferiu o benefício indevido de pagar um imposto a menor, deve ser punido com o não recebimento de direitos trabalhistas. Uma lógica, portanto, que remete ao período da anomia jurídica do “olho por olho” e que implica no efetivo descumprimento do dever funcional de aplicar o direito aos fatos. Alexandre de Moraes afastou a aplicação das normas ao caso sob julgamento e, pior, manteve sem qualquer repercussão punitiva os diversos delitos cometidos pela empresa na fraude intentada contra os direitos trabalhistas, previdenciários e tributários.
A atitude, além disso, reflete um sentimento de punir o trabalhador pelo fato de ter acionado o Poder Judiciário, que, aliás, foi tratado pelo ministro como um “problema”, e isto é muito grave porque fere de morte o preceito básico da cidadania que é o direito constitucional de ação.
A campanha de Luís Roberto Barroso contra o que vem denominando de “conflitualidade excessiva” tem provocado uma autêntica ojeriza de ministros aos trabalhadores e trabalhadoras (reclamantes) em processos trabalhistas, como se fossem eles e elas, pelo simples fato de moverem a máquina judiciária do Estado, criminosos(as) ou, no mínimo, pressupostos(as) litigantes de má-fé, ao mesmo tempo em que se reserva às empresas a qualidade de vítimas inocentes, carregadas de todas as virtudes.
É importante perceber que esse modo de racionalizar as relações de trabalho está estritamente ligado aos argumentos que se utilizavam para justificar a escravização primeiro de indígenas, depois, em concomitantemente, de povo africanos traficados para o Brasil. O rebaixamento moral imposto aos trabalhadores e trabalhadoras está diretamente ligado ao sentimento de que pessoas negras e pobres podem ser exploradas sem qualquer limite e que sequer podem reclamar o respeito a seus Direitos enquanto seres humanos, ainda mais quando “aceitam” as condições que lhe são impostas pelo escravista, ou melhor, contratante.
O racismo, tragicamente, continua dominando as mentes da classe dominante no Brasil, em todas as esferas de atuação institucional e na vida privada em geral.
Para completar o quadro de atemorização relativo ao direito de ação, no dia 22 de outubro, o Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, por unanimidade, a proposta de recomendação apresentada pelo presidente Luís Roberto Barroso, que regula, segundo expresso no documento, a litigância abusiva ou predatória, trazendo, em anexo, uma “lista exemplificativa de condutas processuais potencialmente abusivas”, todas elas (vinte ao todo) relacionadas à petição inicial, ou seja, nada que cuide da postura do demandado.
O Conselho Nacional de Justiça assume que os problemas estruturais do Judiciário (porque esta é uma das preocupações) serão solucionados com a inibição do acesso à justiça, deixando sem qualquer avaliação os devedores contumazes e agressores reincidentes e assumidos da legislação, notadamente na esfera trabalhista, para com isto, aliás, atender outra preocupação, a de liberar o setor econômico para se guiar sem qualquer limitação trazida na legislação social.
Tudo isto serve ao propósito, não disfarçado, de disseminar entre trabalhadoras e trabalhadores as sensações de impotência e de conformismo, gerando uma espécie de submissão consentida provada pelo desânimo e pelo medo de sofrer consequências ainda maiores caso reclamem.
Ao mesmo tempo, esta situação estimulada e legitimada pela mais alta Corte do Poder Judiciário, que repercute, por certo, nas demais instâncias, promove, entre os empregadores, a certeza de que não precisam mais de “reformas” na legislação para a retirada de direitos trabalhistas e o enfraquecimento dos sindicatos, pois, na prática, a legislação social não mais os constrange.
A ordem jurídica aplicável às relações de trabalho está lá consignada em diversos diplomas e, sobretudo, na Constituição Federal, mas é como se, na prática, não existisse.
Essa nova escalada de agressões aos Direitos Sociais revela ainda mais o sentimento que a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal possui com relação à classe trabalhadora e, por certo, o quanto está aliada aos interesses exploratórios e predatórios do poder econômico.
Ocorre que a instituição, Supremo Tribunal Federal, que está acima de seus integrantes, é a guardiã da Constituição e a este preceito os próprios ministros devem estar submetidos.
O massacre cometido pela maioria dos ministros do STF contra a classe trabalhadora é uma afronta à ordem jurídica e democrática. E se expressando por meio de uma cada vez mais agressiva inversão de valores, já está virando um caso de violência verbal explícita, atingindo, inclusive, a integridade de outras instituições republicanas, constitucionalmente asseguradas.
Parafraseando o próprio Alexandre de Moraes, se os ministros do STF aplicassem as leis e a Constituição Federal talvez não tivéssemos tanta sonegação e tanto desrespeito aos direitos sociais e trabalhistas. E, como ele próprio sugere, não há meio termo: ou se aplica, ou não se aplica!
Jorge Luiz Souto Maioré professor de direito trabalhista na Faculdade de Direito da USP.
O Supremo Tribunal Federal entendeu que a terceirização da atividade-fim não impede que seja reconhecida a relação de emprego, quando no caso a prática serviu à dissimulação de quem seria o verdadeiro empregador.
No caso julgado, o STF negou seguimento à reclamação 60.454, movida por uma rede de varejo contra decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) que reconheceu a relação de emprego entre a companhia e funcionários de uma oficina de costura contratada por uma empresa terceirizada.
O ministro Flávio Dino, relator da ação, afirmou em seu voto que a jurisprudência do STF que permite a terceirização não impede que seja reconhecida a relação de emprego nos casos em que esse tipo de contratação foi utilizado de forma fraudulenta.
“O que houve foi a conclusão de que, no caso concreto, estão presentes a dissimulação de quem seria o verdadeiro empregador e a verificação dos atributos específicos caracterizadores da relação de emprego”, afirmou o ministro em seu voto.
“Pontuo que nenhum dos precedentes vinculantes invocados impede o reconhecimento de relação de emprego em cada caso concreto. O vínculo empregatício não é compulsório, tampouco foi banido da ordem jurídica. Trata-se de análise específica, de lide com contornos próprios, e não de debate abstrato sobre tese jurídica”, sustenta o voto do ministro.
O julgamento na 1ª Turma do STF foi decidido por unanimidade, com os demais quatro ministros da Turma acompanhando o voto do relator.
AGU aponta fraude
A Advocacia-Geral da União atuou no processo e sustentou que houve fraude na terceirização das atividades de costura, o que levou à descaracterização desse tipo de contrato.
Dessa forma, a reclamação da empresa não poderia ser aceita pelo Supremo pois, no caso, não houve afronta à jurisprudência da Corte sobre a possibilidade de terceirização da atividade-fim, segundo defendeu a AGU em manifestação no processo. A reclamação é um tipo de ação apresentada quando decisões de outros tribunais contrariam o entendimento do STF.
Fiscalização do Grupo de Combate ao Trabalho Escravo Urbano da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo constatou que a empresa terceirizada não possuía capacidade produtiva, como maquinário, capital social e funcionários, e passou a subcontratar oficinas de costura irregulares para confeccionar peças de roupa de linhas próprias da companhia varejista.
Além disso, os fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego averiguaram que as oficinais não estavam registradas em órgãos públicos e utilizavam mão de obra em condição análoga à escravidão, com trabalhadores estrangeiros sem documentação, aliciados em seu país de origem, mantidos em situação de servidão por dívidas e submetidos a condições degradantes de trabalho.
Relação de emprego
A decisão do TRT-2 que reconheceu a relação de emprego relata que a companhia possuía o controle sobre todas as etapas de produção da empresa terceirizada e que, de acordo com relatório de fiscalização, 90% da produção da empresa terceirizada era destinada à rede de varejo.
Com isso a Justiça do Trabalho reconheceu a presença de subordinação e dependência econômica, critérios necessários ao reconhecimento da relação de emprego.
A AGU atuou no processo representando a União na defesa dos atos praticados pelos auditores do trabalho que lavraram auto de infração contra a empresa varejista.
A advogada da União Priscila Piau, coordenadora-geral do Departamento de Controle Difuso da Secretaria-Geral de Contencioso (SGCT), ressalta a importância da decisão.
“Essa decisão representa uma vitória para a União ao garantir os direitos dos trabalhadores, especialmente se considerarmos o cenário jurisprudencial desfavorável que parecia estar se desenhando no âmbito do STF para casos envolvendo reclamações sobre terceirização”, afirma a advogada.
“Conseguimos demonstrar falta de estrita correlação entre a decisão reclamada e a apontada como paradigma nos casos em que caracterizada abuso no uso da terceirização.” Com informações da assessoria de imprensa do Advocacia Geral da União.
A “lava-jato” morreu, mas o lavajatismo, não. Esse é um alerta feito pelo jurista Lenio Streck durante evento na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo que abordou perspectivas sobre o impacto da força-tarefa de Curitiba na história recente do país, dos pontos de vista jurídico, geopolítico e midiático.
O lavajatismo, ressalta Streck, é uma ideologia. Durante a palestra, ele citou a aliança com a mídia, a colaboração do Judiciário e o papel do Ministério Público como fatores determinantes para o sucesso dessas ideias, além do modo de fazer Direito no Brasil. Juntando tudo isso novamente, há risco de retorno de práticas questionáveis de quem tem o poder de acusar.
Streck foi um dos primeiros a denunciar os abusos e as consequências da “lava-jato”, enfrentando Sergio Moro. O jurista rememorou alguns temas do debate, como o aviso de que o ex-juiz federal, agindo de forma parcial, causaria enormes estragos na democracia brasileira.
O jurista associou a dificuldade de criticar a “lava-jato” à Alegoria da Caverna de Platão. “As sombras são sombras. Tu dizia que ‘lava-jato’ era uma fraude. As famílias brigavam com você porque a ‘lava-jato’ era um modo de ser. Como você vai batalhar quando você tem uma foto com Caetano Veloso, Marcelo Freixo e Randolfe Rodrigues juntos com o Bretas? A gente está fadado a perder. Como a gente vai ganhar no discurso?”
Ele ainda comparou a “lava-jato” ao filme “Os Deuses Devem Estar Loucos”, comédia lançada em 1980 e dirigida por Jamie Uys. Trata-se da história de uma tribo que se envolve em confusões por causa de uma garrafa de refrigerante jogada de um avião. Para controlar a situação, o chefe do grupo determina que o objeto seja “jogado fora do mundo”. O objeto estranho à “lava-jato” foi a Constituição.
“Sergio Moro pegou a Constituição — que é um objeto absolutamente estranho na vida dele —, pegou um moleque, que era o Deltan Dallagnol [ex-coordenador da força-tarefa no Paraná], e disse assim: ‘O mundo é quadrado. Você vai atirar a Constituição para fora’. Ele (Dallagnol) está correndo até hoje.”
Para o jurista, evitar protagonismos é essencial para que ideologias como o lavajatismo não voltem a ter força. “Não podemos ter protagonistas e apostar nisso. A democracia vai mal quando alguém é protagonista. É que nem árbitro de futebol. Se ele apita bem ninguém dá bola. Agora, se ele é o cara, vai dar confusão. Hoje, nós dependemos do protagonismo do Judiciário, do Alexandre de Moraes — que virou um popstar nesse sentido.”
Os prejuízos resultantes da “lava-jato” surpreenderam muita gente, lembrou o jurista. “A mim, não. Fiquemos atentos e aprendamos com a história, que é a melhor professora. Não podemos ser a turma do ‘fundão’ na aula de história recente do Brasil.”
Também participaram do painel os professores Pierpaolo Bottini, da USP, e Jacinto Coutinho, da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Clique aqui para assistir a íntegra do debate ou veja abaixo:
O Tribunal Superior do Trabalho não vive seus melhores dias. Há um conflito interno porque parte dos ministros da corte está cada vez mais incomodado com colegas que usam de artifícios para fazer valer sua vontade, ignorando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para proteger o trabalhador a qualquer custo.
Um exemplo disso, segundo um ministro do TST, aconteceu em agosto, durante a sessão da SDC, onde se enfrenta dificuldade para fazer valer a jurisprudência definida pelo Supremo sobre “comum acordo” para propor dissídios coletivos. “Placar seria de 5 a 4 na linha do STF, se fosse votado, mas não deixam julgar”, lamentou um ministro do tribunal.
De acordo com outro ministro do TST, há uma espécie de “insubordinação” na cúpula da Justiça do Trabalho. Um dos exemplos é o da terceirização. O STF validou esse tipo de contratação nas atividades meio e fim. Mesmo assim, no TST, não há uniformidade. Quatro turmas do tribunal (1ª, 4ª, 5ª, 8ª) respeitam o precedente; outras quatro dizem que o STF limitou a aplicação da decisão apenas às situações sem subordinação direta.
Há também o caso do RMNR da Petrobras, considerado o maior da história da estatal. Se perdesse a ação, como aconteceu no TST, a empresa energética teria que desembolsar (em valores atualizados) por volta de R$ 46 bilhões em diferenças salariais a 51 mil funcionários, inclusive inativos.
A discussão sobre a Remuneração Mínima por Nível e Região começou com empregados da companhia passando a exigir supostas diferenças salarias sobre o cálculo que quantificava a remuneração extra que cada trabalhador receberia. O TST julgou o caso em junho de 2018, decidindo, por 13 a 12, que os adicionais previstos na Constituição e na legislação trabalhista não podem constar na base de cálculo da RMNR, apenas aqueles previstos em normas coletivas ou contratos individuais de trabalho.
Um ano depois, o ministro Alexandre de Moraes atendeu recurso da Petrobras e barrou o pagamento das supostas diferenças salariais. Moraes concordou que o pagamento do adicional foi feito de boa-fé pela Petrobras. Em fevereiro de 2022, no plenário virtual do STF, defendeu a anulação do acórdão do TST por entender que não houve inconstitucionalidade no pacto entre empresa e empregados pelo RMNR. Após pedido de vista da ministra Rosa Weber, presidente do Supremo, o caso foi retomado este ano, com vitória da companhia, por 3 a 1.
Reversões preocupam
Reversões de decisões como no caso da Petrobras, onde havia um entendimento do pleno do Tribunal Superior do Trabalho, são usadas como exemplos por integrantes da corte sobre os perigos de proteger demais o trabalhador. Mas há outros, como o da qualificação da relação envolvendo representantes comerciais e caminhoneiros autônomos.
O Supremo decidiu que a terceirização é lícita quando não subordinação direta, devendo prevalecer a negociação coletiva. “Antes da Reforma Trabalhista havia grande insegurança. Com a reforma, decidiu-se que o conteúdo é imune (Tema 1.046). Tem que se respeitar o negociado. Mas até hoje ainda vigora o protecionismo no TST”, lamenta outro ministro do tribunal.
O mal estar da desautorização ficou marcado para muitos ministros. “O esvaziamento da competência da Justiça do Trabalho é a reação do Supremo Tribunal Federal a esse cenário de distorção”, disse um deles.
Problema que se alastra
Essas resistências da cúpula têm lastro, podendo ser vistas em diversos casos e instâncias da Justiça trabalhista. No último dia 14, por exemplo, a Uber foi obrigada a registrar todos os seus motoristas ativos, sob pena de multa de R$ 10 mil para cada descumprimento, e a pagar R$ 1 bilhão em danos morais coletivos por não ter adotado o modelo de relação trabalhista desde que chegou ao Brasil.
A decisão foi tomada pela 4ª Vara da Justiça do Trabalho de São Paulo numa ação proposta pelo Ministério Público do Trabalho. Vale lembrar que Alexandre de Moraes já determinou ser competência da Justiça Comum, não da Trabalhista, o examine dessas relações de prestação de serviço. “Mas a Justiça do Trabalho que fazer vigorar sempre o vínculo. O pior é que a própria justiça comum já começou também a impor o vínculo”, lamentou um ministro do TST, sob a condição de anonimato.
Noutra ação proposta pelo MPT, a 3ª Câmara da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em julho deste ano, obrigou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica a considerar efeitos trabalhistas em suas decisões. Justificou a medida, que havia sido negada em primeira instância, alegando caber ao Cade considerar em suas análises as “funções sociais da propriedade, da livre iniciativa e do valor social do trabalho, nos termos da Constituição Federal”.
A decisão tratou da fusão das empresas Citrosuco e Citrovita. Diz o Ministério Público do Trabalho que, durante o processo de união das empresas, funcionários dessas companhias estavam sendo demitidos para posterior recontratação com salários menores.
Com esse exemplo como base, a Justiça do Trabalho também determinou que Cade, além da avaliação dos riscos ao mercado de trabalho, informe aos sindicatos o potencial de redução de empregos ou a possibilidade de demissões em massa nos processos sob sua análise. Segundo outro ministro do TST, que também falou sob a condição de anonimato, a decisão do TRT-15 assusta, mas não surpreende, porque o tribunal “é conhecido por ‘exponenciar’ esse viés protetivo sem limites”.