NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

A economista Ticiana Alvares comenta a intenção de Dilma expandir sua rede de parcerias e reduzir a dependência dos países do Sul Global do dólar.

Divulgação/New Develop Bank

por Cezar Xavier

Na assembleia geral anual do NDB, o Novo Banco de Desenvolvimento, em Xangai, sua presidenta, Dilma Rousseff, apontou os objetivos estratégicos da instituição financeira, perto de completar dez anos, ao sinalizar para uma expansão como uma plataforma que pratica “verdadeiro multilateralismo”.

Com seu discurso, Dilma sinaliza com uma série de críticas  a instituições tradicionais, como o Fundo Monetário Internacional, alinhadas com políticas econômicas dos EUA ou do bloco europeu, utilizadas para controlar governos de países em desenvolvimento. Também acena para a possibilidade de reduzir a dependência do dólar e seus mecanismos de sanção econômica.

O Portal Vermelho consultou a especialista em Economia Política Internacional, Ticiana Alvares (UFRJ), para destacar o que considerou importante do discurso da ex-presidenta brasileira sobre os rumos que o banco deve tomar sob sua direção.

Dilma frisou que o objetivo estratégico é tornar o NDB o principal banco multilateral dos países em desenvolvimento. “O NDB tem como objetivo expandir seu alcance global como uma plataforma que pratica o verdadeiro multilateralismo, contribuindo para que os países do Sul Global tenham suas vozes ouvidas e mais acesso a recursos”, disse a gestora do banco. Para ela, o NDB deve ser capaz de difundir ideias dos países membros. A ideia de um Sul Global é um grupo heterogêneo de países emergentes, mas que se contrapõe ao Norte Global de países desenvolvidos, que veem sua influência sendo gradualmente contestada.

Ticiana concorda que o NDB se diferencia por ser um banco multilateral de financiamento do Sul Global para o Sul Global. “Diferente de instrumentos criados pelos países do Norte, o Banco dos Brics não impõe condicionalidades políticas, não interfere nos assuntos internos dos países que recebem o financiamento. Pelo contrário, como colocou a presidenta Dilma, trabalha a partir de uma visão de benefício-mútuo e para o desenvolvimento de infraestrutura e recursos energéticos sustentáveis nos países em desenvolvimento”, explicou.

Neste sentido, torna-se um contraponto ao multilateralismo de fachada que vigora em torno das instituições internacionais, em que a palavra final é sempre de um grupo específico de países ricos. A diplomacia chinesa, por sua vez, costuma definir multilateralismo como “governança conjunta, benefício mútuo e resultado vantajoso para ambas as partes através da discussão”. Dilma parece estar se apropriando desta conceituação.

Dilma Roussef apontou a primeira prioridade do banco como sendo a necessidade de expandir sua rede de parcerias. Ela quer que o NDB trabalhe mais próximo com outras organizações multilaterais e bancos nacionais de desenvolvimento, juntando esforços diante do déficit de mais de US$ 4 trilhões hoje para os países alcançarem os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU. Até agora, em oito anos, o banco emprestou US$ 33 bilhões para 96 projetos nos cinco países fundadores.

Em 2021, o NDB iniciou sua expansão com a entrada de três novos membros: Bangladesh, Emirados Árabes Unidos e Egito. Para Dilma, os novos países que se juntarão ao banco vão aportar recursos, apoiarão a diversificação de sua carteira e aumentarão sua capacidade de mobilizar fundos.

Ticiana considera importante esta ampliação apontada por Dilma, para ampliar a captação de recursos e possibilitar ter maior presença no Sul Global, para além dos Brics. “Através desse entendimento, é possível que o Banco dos Brics se torne um instrumento também para fortalecer as redes de integração regional que tem nos países Brics seus expoentes, fortalecendo a ideia do BRICS+ e promovendo uma maior coordenação do  Sul Global”, diz a economista.

Dilma Rousseff discursa durante abertura da 8a. Reunião Anual do NDB em Xangai, em 30 de maio

Guerra econômica e economia de guerra

Na abertura, Dilma Rousseff observou o cenário de desafios atuais, especialmente após a pandemia, e o acirramento geopolítico na esteira da eclosão do conflito entre Rússia e Ucrânia. “Os conflitos geopolíticos introduziram, com as sanções, a incerteza e a instabilidade ao não proteger os ativos financeiros, e intensificaram também a fragmentação das cadeias de suprimentos já enfraquecidas pela covid 19”.

A gestora do banco analisou que a economia mundial está enfrentando os efeitos da inflação alta e das políticas monetárias “que provocam aumento das taxas de juros, produzindo falências bancárias, alavancagem excessiva, aumentando o risco de recessão nos países desenvolvidos e nos países em desenvolvimento. O fim da flexibilização quantitativa e a adoção do aperto quantitativo estão gerando ondas de choque de instabilidade que atingem o conjunto da economia mundial como um todo”.

A crítica que Dilma faz às sanções não significam, no entanto, que o NDB vá ser um neutralizador desse mecanismo de guerra. Para Ticiana, Dilma se refere a uma nova arquitetura financeira internacional que tenha instrumentos do Sul Global.

“Por meio do mecanismo do dólar, as sanções atacam a economia dos países, as empresas, pessoas e negócios internacionais desses países. Com isso, elas têm um alvo difícil de contra-atacar, a não ser que houvesse um outro nível de comercialização em moeda local ou outras moedas”, explicou.

Para a especialista, Dilma se refere ao NDB como “um dos instrumentos” do Sul Global para diminuir a dependência do Ocidente, de maneira mais geral. Ela citou outros instrumentos que já existem como o Novo Banco de Investimento e Infraestrutura da Eurásia e as transações de Mercado Futuro de Petróleo em renmimbi/yuan, moedas locais chinesas.

Conforme explica Ticiana, as sanções nada mais são do que a utilização da economia como arma de guerra para impor a vontade de um país sobre outro. “Na verdade, quando os EUA impõem sanções contra a Rússia, a Venezuela, Cuba ou Irã, eles estão promovendo uma guerra, com outras armas”.

De acordo com a economista, a interdependência entre os países faz com que as sanções, especialmente dos EUA, tenham um “impacto gigante”. “É uma arma muito poderosa dos EUA que, quando diminui o peso do dólar e das instituições criadas pelos EUA no pós-guerra, como o Banco Mundial, vão se criando alternativas dentro de uma arquitetura mais ampla”, esclareceu.

Proteção cambial

É por isso que uma segunda prioridade do NDB será a captação de recursos em diversos mercados mundiais e em diferentes moedas, como renminbi, dólar, euro e moedas locais, trazendo recursos onde quer que eles estejam disponíveis. Para o futuro, Dilma acha que as moedas digitais vão se propagar.

Dilma disse que, ao mesmo tempo, o banco buscará financiar uma parcela maior de projetos em moedas locais com o duplo objetivo de fortalecer os mercados domésticos de capital e proteger os envolvidos dos riscos de flutuações bruscas em seu câmbio. “Muitos projetos de infraestrutura cruciais para o desenvolvimento sustentável geram receitas em moeda local e pretendemos oferecer alternativas mais compatíveis para financiá-los”.

O financiamento do NDB em moeda local representa hoje 22% da carteira do banco, basicamente denominada em renminbi, e o plano, que já vinha da gestão anterior, é de expandir para 30%. Antes da assembleia geral, o NDB anunciou que captou 8,5 bilhões de renminbi (US$ 1,23 bilhão) no mercado chinês.

Segundo relato do jornalista Assis Moreira, do Valor Econômico, após o discurso de Dilma, vários outros representantes de países membros reafirmaram os planos apresentados por Dilma. A China participou com o vice-primeiro-ministro Ding Xuexiang e o ministro de finanças Liu Kun, a Rússia com o ministro Anton Siluanov, Manisha Sinha, representou o Ministério de Finanças da India, e o ministro da Fazenda do Brasil, Fernando Haddad, foi o único que participou remotamente.

VERMELHO

https://vermelho.org.br/2023/06/01/dilma-sinaliza-prioridades-do-banco-do-brics-para-o-sul-global/