OPORTUNIDADE
No Paraná, 30% dos presos estudam e 25% trabalham. Meta é chegar a 100%. Na penitenciária feminina, metade das internas trabalham
Uma parceria entre a iniciativa privada e o governo estadual fez com que, nos últimos 15 anos, 250 mulheres pudessem trabalhar enquanto cumpriam a pena de privação de liberdade no estado. A ação da empresa Bematech na Penitenciária Feminina do Paraná, localizada em Piraquara, Região Metropolitana de Curitiba, começou há quase duas décadas por sugestão de um funcionário que desenvolvia uma ação de voluntariado.
Segunda chance
Esperança de uma nova vida fora da prisão
Para Maria (nome fictício), a oportunidade de emprego é a esperança para uma nova vida fora da prisão. Ela está encarcerada há quatro anos e três meses, e trabalha desde o inídio. A ocupação é uma forma de adiantar a pena, estipulada em 21 anos. O esforço da jovem de 22 anos já rendeu dois diplomas de costureira profissional, mais a experiência como soldadora na Bematech. “Trabalhar é importante para mostrar que, por mais que eu esteja presa, sou importante. Alguém precisa de mim”, diz. Os planos incluem voltar a estudar e torcer pela revisão da pena. “Mereço uma segunda chance e quero mostrar meu valor.”
Disparidade
Renda de ex-detentos é menor
Faltam pesquisas para avaliar o sistema carcerário brasileiro e a reincidência dos detentos. Alguns especialistas afirmam que, quando o preso trabalha ou estuda, a reincidência cai dos alarmantes 70% para 20%, mas os estudos não têm abrangência nacional. O governo de São Paulo, por exemplo, faz um acompanhamento mais intensivo dos egressos e o último censo penitenciário do estado, de 2002, mostra que 42% da população carcerária é composta de reincidentes.
Um estudo realizado em São Paulo pelo Ilanud, órgão das Nações Unidas para a prevenção de delitos, mostrou que metade dos 127 egressos entrevistados não trabalhou após deixar a prisão. Entre os que declararam trabalhar, apenas 6,3% eram registrados sob o regime da CLT. Enquanto a renda média dos demais trabalhadores da região Sudeste era de R$ 1.042, os ex-detentos recebiam apenas R$ 325.
Outro dado alarmante é que, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), 178,5 mil presos têm apenas o ensino fundamental incompleto e 27 mil são analfabetos.
Vantagens
Veja o que cada um ganha:
A empresa
– O trabalho do preso no regime fechado e semiaberto não está sujeito ao regime da CLT. O empresário fica isento de encargos como férias, 13º e FGTS. Dependendo do piso salarial, a redução nos custos da mão de obra pode chegar a 50%;
– A remuneração mínima corresponde a ¾ do salário mínimo;
– Só são encaminhados às vagas de trabalho externo candidatos selecionados pela Comissão Técnica de Classificação (CTC) de cada unidade penal;
– Nas licitações para obras de construção, reforma, ampliação e manutenção de unidade prisional, o aproveitamento de mão de obra de presos poderá ser considerada fator de pontuação, a critério da legislação estadual ou municipal;
O preso
– Para cada três dias de trabalho, um dia é reduzido da pena;
– Remuneração é dividida em três partes iguais, conforme a Lei de Execução Penal (LEP). Uma para o preso, outra para a família e parte fica retida em uma poupança, retirada pelo preso após a liberdade.
Os gestores da empresa, que trabalha com automação comercial, acataram a sugestão de montar um canteiro de produção dentro da penitenciária e oferecer uma oportunidade às presidiárias.
A iniciativa foi bem sucedida e hoje trabalhar na empresa é o desejo de quase todas as mulheres, que passam por um longo e concorrido processo de seleção, envolvendo desde bom comportamento até competências individuais.
Boa produtividade
Duas vezes por semana um funcionário da Bematech vai até a penitenciária para entregar materiais e realizar uma formação com as mulheres. “Elas trabalham como qualquer fornecedor e têm uma boa produtividade”, conta o presidente da empresa, Cleber Morais. Para ele, esta é uma forma de contribuir com a sociedade e fazer uma ação de responsabilidade social.
Das 421 mulheres que hoje estão presas na penitenciária feminina, 206 trabalham. Há no local, além da Bematech, uma empresa de costura. Vice-diretora da unidade, Daniela Fidalgo de Barros explica que parte da remuneração recebida é destinada aos familiares, que muitas vezes usam a verba para comprar itens de higiene pessoal e alimentação para as próprias detentas. Cerca de 20% do salário fica em uma poupança, entregue no dia da soltura. Daniela conta que o trabalho também proporciona uma rotina mais tranquila dentro da penitenciária.
ONGs e direitos
O trabalho de organizações não governamentais também é fundamental para a garantia dos direitos das pessoas privadas de liberdade e para a ressocialização dos presos. Instituições como a Pastoral Carcerária e Justiça Global foram as responsáveis por levar a público as graves violações que ocorrem nas penitenciárias brasileiras.
No Paraná, a ONG Iddeha (Instituto de Defesa dos Direitos Humanos) criou um centro de referência no complexo penal de Piraquara após uma rebelião em 2010.
A organização foi procurada por familiares dos presos e ajudou na mobilização por melhores condições, além de receber denúncias e realizar encaminhamentos jurídicos. A assistente social do Iddeha, Renaria Silva, conta que algumas mulheres chegaram a criar uma rede para acompanhar as reivindicações. Hoje o projeto está paralisado por falta de verbas.
Entrave nos governos deixa vagas em aberto
Em 2009, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou o programa Começar de Novo, com o objetivo de garantir aos ex-detentos uma oportunidade de trabalho, para que possam recomeçar a vida com alguma expectativa. Até agora, 2.211 presos já encontraram trabalho por meio da iniciativa, mas ainda há entraves nos governos estaduais e 2,8 mil vagas ainda não foram preenchidas.
Além de fazer campanhas para conscientizar a sociedade, o CNJ lançou o Portal de Oportunidades, onde empresas podem se cadastrar e disponibilizar vagas tanto para presos quanto para egressos do sistema carcerário. Outra ação do órgão foi o lançamento de duas cartilhas, para homens e mulheres, explicando os direitos e os deveres dos detentos.
Em setembro do ano passado, o ministro Cezar Peluso, atual presidente do CNJ, declarou que o Brasil tem uma das maiores taxas de reincidência do mundo, com 70%. Isso significa que, de cada 10 presos, sete voltam a cometer crimes após serem libertados. Segundo o órgão, hoje só 14% dos detentos trabalham e apenas 8% estudam.
No Paraná, a meta é de 100% de acesso à profissionalização e educação até o fim de 2014. Ou seja, o governo pretende que todos os presos em penitenciárias do estado estejam trabalhando ou estudando. No fim do ano passado, 30% dos apenados estavam estudando (contra 24% em 2010) e 25% trabalhavam (eram 22,5% no ano anterior).
O Começar de Novo teve início a partir da realização dos Mutirões Carcerários, explica o juiz auxiliar da presidência do CNJ Márcio Fraga. “A soltura sem possibilidade de a pessoa se restabelecer não adiantava”, explica. Para os empresários que aceitam o desafio de empregar detentos e ex-detentos, Fraga diz que os benefícios são grandes. “Eles são geralmente bastante dedicados ao trabalho e existem vantagens previdenciárias. Além disso, há a responsabilidade social.”