NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

O eleitor deixou a renovação de lado e apostou na ordem. A concentração de votos nos 2 principais candidato à Presidência foi a maior desde a volta da democracia. Juntos Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) levaram 91,6% dos votos, na eleição que teve menos votos brancos e nulos e mais abstenção da história da Nova República.

Alexandre Sampaio Ferraz*

“O escrutínio majoritário de um só turno tende ao dualismo dos partidos (…) verdadeira lei sociológica (…) o escrutínio majoritário de dois turnos ou a representação proporcional tendem ao multipartidarismo” (Lei de Duverger, 1951)

Os números do primeiro turno se assemelham aos do pleito de 2006, quando Lula disputou a reeleição pressionado pelo escanda-lo do mensalão, contra o atual vice dele na chama, Geraldo Alckmin (PSB). A maior disparidade talvez venha da mancha de soja que tomou o cerrado no centro do Brasil de lá para cá. Na eleição para a Câmara Federal, a taxa de renovação foi de 39%, a menor desde 1989.

A disputa presidencial sempre foi polarizada, com exceção da primeira eleição presidencial em 1989, nos aos seguintes, a disputa se concentrou em 2 grandes competidores pelo cargo máximo, tendo sempre o PT num desses, estruturando a disputa no campo social democrático. Na eleição de 2002, a mais disputada desde então, os 2 primeiros colocados concentraram apenas 69,6% dos votos. E a disputa para saber qual seria o desafiante de Lula, no segundo turno, embolou com Serra, Garotinho e Ciro com votações muito próximas.

A grande mudança no Câmara que assume em 2023, não está na ideologia mais à esquerda ou mais à direita, mas na redução do número de partidos e na concentração partidária promovida pela aprovação da Emenda Constitucional 97/17, no apagar das luzes do impeachment, em 2016. A mudança na Constituição proibiu as coligações nas eleições proporcionais e restringiu o acesso ao fundo partidário e a propaganda gratuita em rádio e televisão aos partidos que atingirem a cláusula de desempenho progressiva.

mapa eleicao 06
Mapa da eleição presidencial (2º turno 2006, 1º turno 2022)

Analisei os impactos desta mudança em artigo publicado no jornal online Nexo1, em setembro e as eleições confirmaram a influência das regras sobre as estratégias e os resultados eleitorais. Nas eleições de 2018, passamos para 30 partidos, com deputado federais eleitos, sendo que 31 elegeram deputados estaduais em alguma das mais de 1 mil vagas nos estados. Após o fechamento da janela partidária, em abril de 2022, sobraram 23 partidos na Câmara. A concentração das cadeiras nos 10 maiores partidos passou de 71%, na eleição de 2018, para 85%. Encerrado o primeiro turno, teremos os mesmos 23 partidos na Câmara, mas se considerarmos que cada federação representa apenas 1 partido, o número cai para 19.

partidos efetivos

Resultados das Eleições para Presidente no Primeiro Turno – Brasil. Fonte: TSE. Elaboração: Alexandre Ferraz

O efeito das mudanças nas regras tem incentivado a reorganização partidária, e já puderam ser sentidos nas eleições de 2020, com a redução do número de partidos que não puderam mais “aproveitar” os votos da coligação para eleger representantes. Após a eleição, os partidos que não atingiram a cláusula de desempenho correram atrás da sobrevivência política para manter o acesso ao financiamento público, o que levou a incorporação do PRP pelo Patriota; do PPL pelo PCdoB; e do PHS pelo Podemos, todas em 2019. Após a janela partidária e a criação do União Brasil, com a fusão do PSL e do DEM, ficamos com 11,7 partidos efetivos antes do pleito de 2 de outubro de 2022.

eleicoes 22 resultados

Número de partidos efetivos. Fonte: TSE. Elaboração: Alexandre Ferraz

Não tivemos, provavelmente, nenhuma eleição com a mesma regra desde a redemocratização. Na eleição deste ano não será diferente, o Poder Legislativo aprovou a possibilidade da criação de “federações partidárias”, contornando a proibição das coligações em eleições proporcionais (Lei 14.208/21). A aprovação das federações partidárias deu sobrevida às siglas menores e a possibilidade de não ser excluídas do Fundo Partidário, neste ano, o PCdoB e o PV que se federaram ao PT, o Cidadania ao PSDB, e a Rede ao PSol.

A estratégia deu resultado para esquerda, apesar da perda de cadeiras do PCdoB, que passou de 9 para 6, da eleição de 2018 para esta. Já o Cidadania e o PSDB parecem ter caminhado abraçados para derrota, perdendo juntos cerca de 50% da bancada anterior. Mas a pior situação parece ter sido a do DEM e do PFL, que optaram pela fusão criando o maior partido na Câmara, com 81 deputados. O gigante com os pés de barro formado na virada de 2021 elegeu “apenas” 59 deputados, ainda assim formará a terceira maior bancada em 2023.

O pleito disputado no último 2 de outubro de 2022, reduziu a fragmentação levando o número de partidos efetivos para 9,3, considerando cada federação como partido, ou 9,9, se considerarmos cada partido de forma isolada. Voltamos a realidade observada no segundo governo Lula. Mas a manutenção da regra deve concentrar ainda mais o sistema partidário. Após a eleição, o sarrafo para acessar o fundo partidário e a propaganda gratuita em rádio e TV aumenta, junto com a pressão por mais fusões e concentração. Os 2 critérios alternativos passam de 1,5% dos votos validos para 2% em 1/3 dos estados, ou de 9 para 12 deputados eleitos no mínimo, em 1/3 dos estados.2

A concentração deve dar novo tom à relação entre o Poder Executivo e Legislativo, uma vez que reduz o “tamanho do balcão”, podendo facilitar a coordenação, e ao mesmo tempo concentrar mais poder nas mãos das elites partidárias. Os líderes partidários que têm no “Colégio de Líderes” seu fórum mais importante, controlam os principais cargos a serem distribuídos ao longo da legislatura, bem como a distribuições de projetos de lei e o andamento do processo legislativo. O efeito mecânico das regras deve ser contrabalançado pelas forças políticas reais e a movimentação das elites e correntes políticas.

A polarização natural do cargo majoritário, que antes se organizava no eixo PT x PSDB, nunca foi tão ideologicamente demarcada como esta que emerge das urnas. O novo eixo da disputa se consolida entre a social-democracia, representada pela chapa Lula/Alckmin, e a direita conservadora, espelhada na dobradinha Bolsonaro/General Braga Neto.

Neste contexto de disputa e ânimos acirrados, em que as feridas da passagem do autoritarismo para democracia permanecem abertas, não custa lembrar do alerta do cientista político italiano Giovanni Sartori (1976): “A fragmentação do sistema partidário obstrui o funcionamento da democracia se, e apenas se, expressar polarização”.

(*) Economista e doutor em Ciência Política pela USP (Universidade de São Paulo)

___________________

https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2022/Reorganiza%C3%A7%C3%A3o-partid%C3%A1ria-os-efeitos-das-mudan%C3%A7as

2 Neste ano, o Fundo Partidário foi de R$ 440 milhões distribuídos entre 24 partidos, e o Fundo Eleitoral de R$ 4,96 bilhões. Diferente do primeiro, restrito aos partidos que superam a cláusula de desempenho, 2% do fundo eleitoral é dividido de forma igualitária entre os partidos com registro no TSE.

DIAP

https://diap.org.br/index.php/noticias/artigos/91178-entre-estabilidade-e-mudanca-os-rumos-da-eleicao-de-2022