Em audiência pública realizada nesta quarta-feira (26) pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), dirigentes de centrais sindicais debateram proposta de emenda à Constituição que acaba com a unicidade sindical e flexibiliza direitos dos trabalhadores. A PEC 369/05 deve ser votada em breve na Câmara dos Deputados. As opiniões se dividiram entre a defesa da aprovação de pontos específicos e a rejeição completa da PEC.
O representante da Nova Central Sindical dos Trabalhadores, Moacyr Roberto, disse que o movimento sindical representa um desafio para qualquer governo e lembrou que uma das primeiras ações do então presidente Lula foi criar o Fórum Nacional do Trabalho, quando teria cometido um primeiro equívoco ao deixar de fora as confederações.
Segundo Moacyr, o governo chamou “os amigos do rei” para defender sua visão, e a proposta dos sindicatos foi derrotada. O representante da Nova Central lembrou que, em contraponto ao “fórum chapa branca”, foi criado o Fórum Sindical dos Trabalhadores.
Ele explicou que a entidade é favorável à contribuição compulsória e à unicidade sindical e contrária à pluralidade sindical. Segundo Moacyr, basta um determinado grupo perder a eleição numa entidade que, automaticamente, já “dá um jeito” de criar outra entidade sindical.
– Unicidade sindical é universal. Não interessa se o trabalhador gosta ou não gosta da direção do sindicato; se ele conhece ou não conhece a direção do sindicato; se é filiado ou não ao sindicato; as convenções coletivas são universais, abrangem todos os trabalhadores – afirmou o dirigente sindical, garantindo que nenhum país tem tantos sindicatos como o Brasil.
Conjunto de pautas
O secretário nacional de Organização Política da CUT, Jaci Afonso de Melo, disse que o movimento sindical tem um conjunto de pautas que precisa de atenção e para isso são necessários sindicatos fortes e com sustentação financeira para enfrentar as grandes empresas. Ele afirmou que a entidade é contra a unicidade sindical imposta por lei. Em sua opinião, essa mudança deve vir da vontade dos trabalhadores, e não ser imposta pelo Estado.
– Não é essa legislação que assegura a unicidade sindical. Nós temos que ter a vocação pela unidade e exercitar isso – afirmou.
O presidente da Central dos Trabalhadores do Brasil, Wagner Gomes, disse que o problema essencial não é a discussão da unicidade. Segundo ele, a PEC 369/05 traria graves consequências para os trabalhadores, pois permitiria que o patrão fizesse acordo com o trabalhador fora da lei.
– Todo mundo sabe que os patrões querem acabar com o movimento sindical, que, com todos os seus erros e acertos, é responsável pelo que o trabalhador tem de importante até hoje. A PEC 369/05 não discute só organização. Ela precisa ser retirada do Congresso Nacional para que seja discutida uma forma que possa unificar todo mundo. Essa PEC que está aí, não tem jeito; não tem condições de unificar o movimento sindical – opinou.
Wagner afirmou, ainda, que o Congresso brasileiro tem poucos parlamentares comprometidos com os interesses do trabalhador. Para ele, colocar o destino da organização dos trabalhadores nas mãos de uma maioria parlamentar que defenderia os interesses dos empresários, é “entregar o pouco que temos nas mãos do patrão”.
Nova realidade econômica
O representante da Central Sindical e Popular (Conlutas), José Maria, disse que, no discurso dos empresários, a nova realidade econômica mundial trouxe a necessidade de flexibilização e da desregulamentação. Nessa visão, assinalou, a flexibilização aumentaria a competitividade da empresa e os níveis de emprego. Ele observou, porém, que a experiência tem mostrado uma realidade diferente.
José Maria frisou que estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a partir de casos reais em países que optaram pela flexibilização, demonstram que houve aumento do desemprego, degradação das condições de trabalho e da renda. Ele também disse que a entidade é contra a unicidade sindical e o imposto sindical, pois, ao utilizar recursos do Estado, o movimento sindical perde autonomia.
– As centrais sindicais devem ser financiadas pelos sindicatos. No dia em que o governo começar a financiar, quem vai mandar é o governo. A natureza do direito do trabalho é equilibrar as forças do capital e do trabalho, protegendo o trabalho. Liberdade sindical significa aumentar o poder de escolha e decisão dos trabalhadores e não da direção, da cúpula – afirmou.
Projetos empilhados
O deputado federal Assis Melo (PCdoB-RS) disse que a legislação de flexibilização dos direitos do trabalhador está “empilhada na Câmara e de vez em quando salta uma da gaveta”. Segundo ele, em cada comissão há um projeto de lei sobre o assunto circulando e outros mais continuam surgindo. O deputado disse que muitas vezes o compromisso feito na base acaba se perdendo quando chega ao Congresso. Ele advertiu que a regressão dos direitos dos trabalhadores não está no Plenário, mas nas comissões,
– É onde deve se concentrar o trabalho e a luta. Aqui não dá para bobear. Cochilou o cachimbo cai. Aqui a luta é grande e complicada.
Favorável à retirada da PEC 369/2005, o presidente da União Geral dos Trabalhadores, Ricardo Patá, disse que a maioria dos novos juízes do trabalho não conhece e não gosta do movimento sindical. Para ele, “decisões absurdas” dos juízes têm permitido os desmembramentos que estão acabando com a unidade sindical.
– Grupos de pessoas que não têm nada a ver com o movimento sindical dão início a processos de abertura de novos sindicatos e os juízes autorizam desmembramento de sindicatos com 70 anos de história – lamentou.
O representante do Fórum Sindical do Trabalhador, Arthur Bueno de Camargo, disse que a liberdade sindical, na prática, está provocando a pulverização de entidades sindicais sem nenhuma discussão com os trabalhadores, que são os maiores interessados.
Ele disse acreditar que o objetivo da PEC 369/05 é precarizar ainda mais as condições de trabalho e os patrões querem que prevaleça o negociado em detrimento da lei.
A secretária nacional de Direitos Humanos e Cidadania da Força Sindical, Ruth Coelho Monteiro, disse que não existe país civilizado sem um movimento sindical forte. Ela observou que os inconformismos são canalizados através do movimento sindical ou das revoltas populares. Para ela, o problema não é a estrutura sindical ser antiga, mas como está sendo utilizada. Ruth sugeriu que as entidades reúnam esforços para definir o que é prioridade dentre as propostas que tramitam no Congresso e passem a trabalhar em conjunto para aprovar os projetos de lei de seu interesse.
Justiça do Trabalho
O representante da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Germano Cerqueira, disse que as redes sociais estão capitalizando os sentimentos das pessoas, que também estão se afastando dos sindicatos e da informação divulgada pela mídia formal. Para ele, o Brasil continua vivendo uma estrutura sindical dos anos 1930, verticalizada, que ainda não permitiu falar bem e fortemente de liberdade sindical.
Germano questionou se essa estrutura sindical é capaz de, no século 21, dar resposta ao “rompante voluntarista” dos movimentos sociais e sugeriu que seja repensada a estrutura “getuliana”, que já cumpriu o seu papel.
– As pessoas não estão mais dispostas a se amarrar nessa estrutura disposta. É a nossa experiência do movimento associativo – afirmou.
Cerqueira também assinalou que a PEC deveria estabelecer os limites da estrutura sindical.
– A estruturação em federações ou confederações não deveria ser autodeterminada pelas entidades sindicais? É necessária uma intervenção do Poder Legislativo para definir que toda estrutura sindical será confederativa? Não seria uma interferência do Estado brasileiro na autodeterminação sindical? – questionou.
O presidente da CDH, senador Paulo Paim (PT-RS), disse que é melhor ouvir o que vem de fora do que ficar apenas no embate interno.
– O que mais ouvi na série de audiências públicas da CDH foi que precisamos criar o escopo legal, um conforto jurídico que garanta tranquilidade para ambos os lados – afirmou.