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A submissão de trabalhadores a situações degradantes de trabalho é suficiente para configurar o delito previsto no artigo 149 do Código Penal, que pune por submeter alguém a condição análoga à de escravo.

MP do Trabalho identificou 21 pontos de precarização em usinas de cana-de-açúcar
Valter Campanato/Agência Brasil

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial do Ministério Público Federal para anular a absolvição de donos de usinas de cana-de-açucar processados pela maneira como tratavam seus funcionários.

O caso partiu de fiscalização do Ministério Público do Trabalho e Emprego em 2008, que identificou 21 pontos de precarização em duas usinas. Foi relatado que os trabalhadores tinham jornadas de trabalho exaustivas, sem pausa para descanso ou abrigo contra o sol. Eles não recebiam água e equipamento de proteção e não tinham acesso a instalações sanitárias.

A sentença condenou os réus à pena de seis anos, quatro meses e 15 dias de prisão em regime inicial semiaberto, mais pagamento de multa.

O Tribunal Regional Federal da 5ª Região deu provimento à apelação e absolveu-os, entendendo que “o descumprimento de normas laborais não é suficiente, por si só, a configurar a ação delitiva de sujeição de trabalhadores a condições degradantes de trabalho”.

A corte regional destacou ainda a ausência de termo de ajuste de conduta (TAC) ou outra autuação, preventiva ou repressiva. Essas medidas administrativas permitiriam aos acusados regularizar a situação dos trabalhadores e só em caso de descumprimento o Direito Penal, em seu caráter subsidiário, seria acionado.

Relatora no STJ, a ministra Laurita Vaz reformou o acórdão. Ela afirmou que a jurisprudência da corte é pacífica no sentido de que a mera submissão dos trabalhadores a situações degradantes é suficiente para configurar o delito previsto no artigo 149 do Código Penal. Não há sequer exigência de ofensa à liberdade dos mesmos.

Acrescentou que a ausência de TAC não impede a tipificação do delito. “As esferas administrativa, trabalhista e penal são independentes entre si, não constituindo a existência desse termo, ou o seu descumprimento, elementar do referido tipo penal”, explicou ela.

O provimento ao recurso especial não levou ao restabelecimento da sentença condenatória. A ministra Laurita determinou o retorno dos autos ao TRF-5 para que esta corte siga na análise da apelação, a partir da premissa de que está tipificada a conduta criminosa.

Caberia ao MP abrir inquérito para constatar imputações, segundo Olindo Menezes
Reprodução

O que é trabalho degradante
A votação na 6ª Turma foi por maioria. Acompanharam a ministra Laurita Vaz os ministros Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz e Antonio Saldanha Palheiro. Ficou vencido o desembargador convocado Olindo Menezes.

Para ele, caberia ao Ministério Público abrir um inquérito policial para constatar as imputações, ouvindo testemunhas fora das equipes fiscalizadoras do Ministério do Trabalho e, sobretudo, as supostas vitimas.

“Raramente se ouve as vítimas. As testemunhas são os próprios fiscais, que, obviamente — até mesmo pela função que exerceram —, são os interessados no resultado, no êxito penal da investigações”, disse ele.

Segundo o desembargador, ao depor, os fiscais dão enquadramento penal, em vez de descrever os fatos que encontraram e deixar que o juiz, no devido tempo, faça o enquadramento.

Além disso, o magistrado destacou que o trabalho rural é naturalmente duro e muitas vezes feito sob o sol, o que não se confunde com crime.  “A questão de falta de instalações sanitárias, ou de água potável, no meio rural, não equivale, sem a devida contextualização, a condições degradantes de trabalho”.

“O que é dito no caso, de que ‘não houve um intervalo, não se propiciou água potável’, na minha opinião, são infrações de normas trabalhistas administrativas. Não chega a ser um trabalho degradante”, defendeu ele no voto divergente.

“Trabalho degradante é aquele que avilta a dignidade da pessoa humana. Somente quem nunca pisou no meio rural desconhece que as pessoas, trabalhadores e patrões, não raro retiram a água de rios (comum no norte do país) e de cacimbas ou poços!”, afirmou o desembargador Olindo Menezes.

REsp 1.952.180

 

 é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2022-mar-14/situacao-degradante-caracteriza-trabalho-analogo-escravidao