por NCSTPR | 14/11/24 | Ultimas Notícias, Uncategorized
Opinião
Cresce a 49,1% a proporção de lares sob liderança feminina. Faltam políticas públicas para mitigar a dupla jornada – e oferecer mais creches e escolas em tempo integral.
Erik Chiconelli Gomes
Fonte: Outras Palavras
Atransformação nas estruturas familiares brasileiras tem revelado uma mudança significativa nas relações de poder e na organização social do trabalho. Os dados recentemente divulgados pelo Censo de 2022 demonstram uma alteração substancial no perfil dos responsáveis pelos domicílios brasileiros, com as mulheres alcançando 49,1% da chefia dos lares[1]. Em 2010, 38,7% dos lares tinham liderança feminina.
Esta mudança estrutural não pode ser compreendida de maneira isolada, mas sim como parte de um processo histórico mais amplo que envolve a luta das mulheres por reconhecimento e autonomia econômica. O fenômeno se insere em um contexto de transformações sociais que remontam às últimas décadas do século XX.
A análise dos dados apresentados pelo IBGE revela que 35,6 milhões de brasileiras são reconhecidas como responsáveis pelos seus domicílios, um número que representa uma mudança significativa nas relações de gênero dentro do espaço doméstico[2].
O crescimento da participação feminina na chefia dos lares está intrinsecamente ligado à sua inserção no mercado de trabalho e à conquista gradual de independência econômica. Como observa Minamiguchi, gerente de Estimativas e Projeções de População do IBGE, este processo está diretamente relacionado à maior presença feminina no mercado laboral3.
A distribuição geográfica deste fenômeno apresenta particularidades interessantes, especialmente na região Nordeste. Oito estados nordestinos apresentam percentuais superiores a 50% de lares chefiados por mulheres, sugerindo uma transformação mais acentuada nas estruturas familiares tradicionais desta região4.
O estado de Pernambuco lidera este ranking com 53,9% dos lares chefiados por mulheres, seguido pelo Amapá com 52,9% e Sergipe com 53,1%. Estes números refletem uma mudança significativa nas relações de poder dentro das famílias brasileiras5.
A análise destes dados sob uma perspectiva historiográfica nos permite compreender como as práticas e experiências das classes trabalhadoras femininas têm moldado novos arranjos sociais e familiares, desafiando estruturas tradicionalmente patriarcais.
O aumento do número de pessoas que moram sozinhas, representando 18,9% do total de lares brasileiros, também indica uma transformação significativa nos padrões de organização familiar tradicional6.
As mulheres que assumem a responsabilidade pelo lar enfrentam desafios significativos relacionados à dupla jornada de trabalho. A necessidade de conciliar atividades profissionais com as demandas domésticas representa uma sobrecarga considerável.
Esta realidade evidencia a persistência de desigualdades de gênero no mercado de trabalho, onde mulheres frequentemente recebem salários menores que homens em posições similares, mesmo quando são as principais provedoras do lar.
O fenômeno da chefia feminina dos lares tem implicações diretas para o mercado de trabalho, demandando políticas públicas que considerem as especificidades desta realidade, como a necessidade de creches e escolas em tempo integral.
A análise histórica deste processo revela que a ascensão das mulheres à condição de chefes de família não representa apenas uma mudança estatística, mas uma transformação profunda nas relações sociais e de trabalho.
O mercado de trabalho precisa se adaptar a esta nova realidade, considerando as necessidades específicas das trabalhadoras que são responsáveis por seus lares, incluindo flexibilidade de horários e políticas de apoio à maternidade.
A dupla jornada enfrentada por estas mulheres representa um desafio significativo para a saúde física e mental, demandando atenção especial das políticas públicas de saúde e assistência social.
As mudanças nos arranjos familiares têm impacto direto nas relações de trabalho e nas demandas por serviços públicos, exigindo uma reformulação das políticas sociais e trabalhistas.
O aumento do número de lares chefiados por mulheres representa uma quebra significativa nos padrões patriarcais tradicionais, embora ainda persistam desafios importantes relacionados à igualdade de gênero.
A concentração de lares chefiados por mulheres na região Nordeste sugere a necessidade de estudos mais aprofundados sobre as especificidades regionais que contribuem para este fenômeno.
O mercado de trabalho precisa se adaptar a esta nova realidade, desenvolvendo políticas que reconheçam e valorizem o trabalho feminino, considerando as responsabilidades adicionais das chefes de família.
As mulheres que chefiam seus lares frequentemente enfrentam o desafio de serem as únicas provedoras, o que aumenta a pressão por estabilidade financeira e desenvolvimento profissional.
Esta transformação social demanda uma reformulação das políticas públicas de emprego e renda, considerando as necessidades específicas das mulheres chefes de família.
A análise deste fenômeno sob uma perspectiva historiográfica e sociológica nos permite compreender como as mudanças nas relações de trabalho e nas estruturas familiares estão intrinsecamente ligadas às lutas por reconhecimento e igualdade de gênero.
Os dados apresentados pelo Censo 2022 não apenas revelam uma mudança estatística, como já falado, mas evidenciam uma transformação profunda na sociedade brasileira, com implicações significativas para o futuro das relações de trabalho e familiares.
A compreensão desta nova realidade é fundamental para o desenvolvimento de políticas públicas que promovam a igualdade de gênero e o reconhecimento do papel fundamental das mulheres na sociedade brasileira.
Notas
1 IBGE. “Censo Demográfico 2022.” Rio de Janeiro: IBGE, 2024.
2 Folha de S.Paulo. “Mulheres são responsáveis por 49,1% dos lares brasileiros, aponta Censo 2022.” São Paulo, 2024.
3 G1. “Censo 2022: mulheres são responsáveis por mais da metade dos lares em 10 estados.” Rio de Janeiro, 2024.
4 IstoÉ. “Censo 2022 revela aumento significativo de lares chefiados por mulheres.” São Paulo, 2024.
5 Nexo Jornal. “Censo 2022: mulheres responsáveis pela casa.” São Paulo, 2024.
6 IBGE. “Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua.” Rio de Janeiro: IBGE, 2024.
DM TEM DEBATE
Mulheres: A revolução silenciosa no Trabalho
por NCSTPR | 14/11/24 | Ultimas Notícias, Uncategorized
Opinião
Cabe à esquerda vislumbrar os caminhos possíveis para as mudanças necessárias e defender os direitos dos trabalhadores frente à contradição entre o capital e o trabalho.
Carolina Maria Ruy
Fonte: Rádio Peão
Opovo quer um bom trabalho. Quer um trabalho realizador, com um salário que permita consumir além do básico, e seguro do ponto de vista financeiro e sanitário. Quer uma jornada razoável, menos tempo no trânsito e mais tempo livre. Quer descanso semanal remunerado. Tirar férias e voltar para o trabalho. Tirar licença médica e voltar para o trabalho. Ter filhos e receber apoio para isso. Quer proteção contra a violência. Quer comer bem, cuidar da saúde, ter educação, diversão e arte. E quer aposentadoria digna.
Em um país rico em recursos e que precisa crescer, como o Brasil, isso é o mínimo que todos os trabalhadores deveriam ter. A elite dominante, porém, age para que isso tudo seja um sonho distante.
Vivemos um tempo de negligenciamento dos direitos sociais e trabalhistas e de normalização do trabalho precário.
Podemos citar a reforma trabalhista de 2017 como uma referência neste processo. A reforma tem um grande peso neste negligenciamento. Mas os problemas são muito mais antigos. A desigualdade e a exploração do trabalho são próprias do capitalismo. E esses problemas se acentuaram depois da dissolução da União Soviética e do acirramento do neoliberalismo.
Neoliberalismo que impôs um processo de precarização das relações de trabalho e de diminuição da proteção do Estado, acelerando a desarticulação entre os trabalhadores.
Os ataques ao movimento sindical, um alvo preferencial da lógica capitalista, também se acirraram neste contexto. A elite dominante, com ajuda da sua imprensa privada, faz de tudo para desmoralizar os sindicatos, expressando seu desprezo ao povo trabalhador, e tramando leis que ferem a CLT e a Constituição de 1988.
Empreendedorismo
Eles tentam a todo custo nos convencer que “moderno” é o trabalho nos moldes da República Velha, com jornadas de até quatorze horas por dia sem férias, sem descanso semanal remunerado, sem 13º, sem segurança e sem previdência. É o que acontece com os entregadores intermediados por empresas bilionárias como o Ifood.
Para camuflar a sistemática retirada de direitos, a tradicional exploração ganha novos vernizes: falam em “transformações profundas no mundo no trabalho”, tratam de “novas tecnologias” como algo místico e criam nomes arrojados como “empreendedorismo”.
Chamam de empreendedorismo desde grandes indústrias, passando por produções caseiras, até autônomos que trabalham para empresas por meio da pejotização. E isso não é uma confusão, é fraude, como expôs o ministro do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino[1]:
“Nós temos um vendedor de sapato, pessoa física, no mês seguinte, ele virou pessoa jurídica. Isso é pejotização, não é terceirização. São coisas diferentes que estão caindo no mesmo balaio. E qual é o problema? Isso não é apenas uma fraude contra os direitos trabalhistas. Isso é uma fraude contra o erário. Porque a carga tributária e a carga previdenciária são menores na pejotização. (…) E o que vai acontecer? Esse pejotizado vai envelhecer e não terá aposentadoria, vai sofrer um acidente de trabalho, e não terá benefício previdenciário. Se for uma mulher, vai engravidar, eventualmente, e não terá licença gestante. Esse é o problema. Eu acho que nós tínhamos que revisitar o tema, não para rever a jurisprudência. Mas para delimitar até onde ela vai. Porque vamos virar uma nação de pejotizados. Isso tem a ver com fraudes que estão se generalizando”.
Luta de classes é isso
Enaltecida pela imprensa burguesa, a ideia de que o “novo” trabalhador é ou quer ser “empreendedor”, se espalhou como praga depois da reforma de 2017.
Por exemplo, em vídeo do site UOL, do dia 11/10, o jornalista Josias de Souza diz que o morador da periferia não pode mais “sonhar” com a CLT, porque: “a realidade não orna mais com a dos dois primeiros mandatos [de Lula] que aproximava a esquerda da década de 1980”.
Ele diz que eleitores da periferia “estão ‘se virando’ para conseguir fontes de renda alternativas depois que foram expurgados do mercado de trabalho” e não vê isso como um problema social, mas como algo que exige uma “atualização do discurso”.
Em suas palavras:
“Não adianta ficar imaginando que esse eleitor vai ganhar uma carteira assinada. Que eles vão se sindicalizar, e que vão ajudar a alimentar aquela estrutura sindical que empurrava o PT e outras legendas de esquerda, que se escoravam no velho sindicalismo da década de 1980. Então há muito por fazer para atualizar esse discurso de esquerda, para reconectar o Lula e os seus aliados com as novas necessidades do eleitorado pobre”.
Na mesma linha, o jornalista Fabiano Lana, em artigo com nome sugestivo “Para reconquistar mentes e corações, a esquerda terá de jogar seus dogmas no lixo”, publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 16/10, disse que é preciso “jogar no lixo a nostalgia de implantar algum tipo de socialismo no Brasil” e que esta “nostalgia” deve ser substituída por um “capitalismo popular inclusivo”.
Ele vai mais longe em seus devaneios:
“Em primeiro lugar, o conceito de luta de classes, tratado quase como se fosse um integrante da santíssima trindade para um militante esquerdista, não tem aderência entre os atuais emergentes brasileiros. Não se busca mais ser contra o rico, antes explorador e beneficiário da mais valia. O que se quer é entrar no clube dos mais prósperos também”, diz.
Claro, como colocado no início, o trabalhador quer prosperar. Fabiano Lana não entendeu que a luta de classes é sobre isso. Não se trata de uma caricatura marxista, mas sim de uma realidade que se materializa nas perdas de direitos e rendimentos por um lado, e na luta política, social e sindical, por outro. Perder direitos é deixar de prosperar.
No submundo da precarização, que engloba entregadores de Ifood e uberizados em geral, a contradição entre a força de trabalho e os donos do capital tem a mesma raiz da que havia nas fábricas insalubres do início da industrialização, lotadas de homens, mulheres, crianças e idosos condenados a uma vida miserável.
Por isso, ao contrário da pregação do mercado, o sindicalismo é uma das forças mais modernas e civilizatórias. Sua expressão está no dia a dia dos trabalhadores e suas famílias, e sua força deve ser medida pelo número de pessoas beneficiadas pelos acordos coletivos e salariais, e pelos serviços que os sindicatos oferecem.
Uma força raramente observada
Basta observar a realidade para constatar que empregos com direitos são muito mais prósperos e seguros, tanto para o empregado quanto para o país. Dados recentes (de outubro de 2024) do salariômetro, elaborado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), mostram que as negociações salariais têm sido amplamente favoráveis, superando o Índice Nacional de Preço ao Consumidor (INPC).
Matéria do Estado de São Paulo[2] mostra que em cenário de baixo desemprego (em 31/10 a taxa de desocupação divulgada pelo IBGE foi de 6,4%), muitos brasileiros veem “o seu poder de barganha aumentar no mercado de trabalho”.
Segundo a matéria:
“profissionais de diversas áreas estão trocando de empresas e conseguindo aumentos salariais acima da inflação. Essa combinação dá ao trabalhador uma força raramente observada e que tem levado empresas a adotarem diferentes estratégias para evitar a fuga da mão de obra”.
Será que, neste contexto, o morador da periferia não pode sonhar com a CLT?
A matéria menciona também uma pesquisa realizada pela empresa de recrutamento Robert Half, que aponta que “57% das pessoas entrevistadas disseram valorizar mais um bom pacote de benefício do que o salário em si”, destacando “plano de desenvolvimento profissional, ambiente de trabalho saudável, flexibilidade e melhores benefícios, sobretudo aqueles voltados para o bem-estar”.
São dados que revelam toda a incoerência do discurso do fim da CLT e da sua gradual e fatal substituição pelo empreendedorismo.
E hoje, com a maior industrialização, o governo tem condições de fomentar a geração de bons empregos, com direitos, construindo um desenvolvimento consistente e duradouro.
Fetichismo
Os jornalistas Josias de Souza e Fabiano Lana ofendem movimentos sociais, sindicatos e partidos de esquerda ao argumentarem que neste campo defendem-se ideias envelhecidas, envolvidas em ideologias que não correspondem ao mundo atual.
Mas os argumentos que eles utilizam, ao pressuporem que o mundo “é assim” e, por estar preso a alguma suposta lei da física, não pode mudar, não passam de fetiches, que é o pior tipo de doutrinação ideológica que o capitalismo usa para se perpetuar.
É um erro dizer que os brasileiros “querem” relações informais de trabalho e rejeitam direitos trabalhistas. Essa é uma falácia que nasceu do discurso, propagado pela elite dominante, de que o trabalho com carteira assinada se tornou um ideal inalcançável.
Um governo progressista deve romper com dogmas da economia de mercado que levam os trabalhadores a deduzirem que vale a pena abrir mão de direitos. Ao invés de normalizar a precariedade, deve mudar a forma como a situação está colocada. E, através do fomento à industrialização, ao setor de serviços, à pesquisa e tecnologia, mostrar para o povo que é possível avançar sem perder direitos. É possível que haja empregabilidade, boa remuneração e flexibilidade de horário dentro do mercado formal, para que o povo seja incluído neste avanço.
Cabe à esquerda atualizar permanentemente a luta de classes vislumbrando os caminhos possíveis para as mudanças necessárias. E defender os trabalhadores, cuja segurança frente à contradição entre o capital e o trabalho anda reside na legislação trabalhista, nas convenções coletivas e na organização sindical.
Notas
[1] Trecho da sessão da Primeira Turma do STF em 22/10/2024 – YouTube STF
[2] “Baixo desemprego dá poder ao trabalhador e empresas ampliam benefícios para ‘mimar’ funcionários”, Por Luiz Guilherme Gerbelli e Renée Pereira, 22/10/2024.
Carolina Maria Ruy é jornalista, coordenadora do Centro de Memória Sindical.
DM TEM DEBATE
Defender os direitos dos trabalhadores é papel da esquerda
por NCSTPR | 14/11/24 | Ultimas Notícias, Uncategorized
Proposta que reduz jornada máxima de trabalho, de 44 para 36 horas semanais, deve ser protocolada na Câmara nesta quarta. PEC ainda vai tramitar e deve sofrer oposição de setores.
Por Alexandro Martello, g1 — Brasília
Os brasileiros trabalham hoje, em média, 39 horas por semana, apontam números da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O número é significativamente inferior à jornada máxima de trabalho de 44 horas semanais que consta na Constituição Federal. O tema voltou à tona nas últimas semanas em razão da proposta de Emenda à Constituição (PEC) que quer reduzir esse máximo para 36 horas semanais.
Os números, que constam em ranking divulgado na página da OIT, não informam o ano da pesquisa em cada país. O ranking engloba 169 países, que, na média, contam com um carga horária semanal de 39,97 horas (40 horas arredondadas).
Ou seja: na prática, o ranking da OIT indica que a carga horária média de um trabalhador, no Brasil, é levemente inferior à média global.
Segundo os dados do levantamento, o Brasil tem uma jornada semanal média acima de países mais desenvolvidos, como Estados Unidos, Itália, França, Alemanha e Reino Unido.
Entretanto, tem uma jornada menor do que a maior parte das nações em desenvolvimento, tais como China, Chile, Colômbia, México e Índia.
Em um recorte regional, é possível ver que a carga no Brasil é maior, por exemplo, que a média de 37 horas semanais registrada pela Argentina.
Jornada longa
De acordo com o relatório da OIT intitulado “Tempo de trabalho e equilíbrio entre vida pessoal e profissional ao redor do mundo”, divulgado no começo do ano passado, “longas horas” de ocupação podem ser definidas como trabalhar regularmente mais de 48 horas por semana.
“Esta definição é consistente com as normas trabalhistas internacionais relevantes, a Convenção No. 1 e as Horas de Trabalho Convenção (Comércio e Escritórios), que limita o horário normal de trabalho a 48 horas por semana”, diz o documento.
Repercussões na saúde e na economia
No prefácio do documento, Philippe Marcadent, chefe do serviço INWORK da OIT, avaliou que o número de horas trabalhadas, a forma como estão organizadas e a disponibilidade de períodos de descanso podem afetar significativamente não só a qualidade do trabalho, mas também a vida fora do local de trabalho.
“Horas de trabalho, e a organização do trabalho e dos períodos de descanso, pode ter uma influência profunda no estado físico e mental saúde e bem-estar dos trabalhadores, na sua segurança no trabalho e durante o trânsito desde as suas casas, e em seus ganhos. O tempo de trabalho também tem implicações significativas para as empresas em termos do seu desempenho, produtividade e competitividade”, acrescenta Philippe Marcadent, da OIT, no documento.
Segundo ele, decisões sobre questões de tempo de trabalho também podem ter repercussões para a economia de uma forma geral, ou seja, na competitividade da indústria, nos níveis de emprego e o desemprego, e na necessidade de transportes, assim como na organização dos serviços públicos.
“Tempo de trabalho, através de medidas como trabalho de curta duração/medidas de partilha de trabalho e trabalho flexível horas são ferramentas essenciais que podem ser utilizadas para combater as ameaças colocadas pelas crises económicas, enquanto o teletrabalho pode reduzir o impacto social e económico de pandemias como a COVID-19”, acrescentou.
Portanto, concluiu ele, não é surpreendente que questões relativas ao tempo de trabalho, de uma forma ou de outra, estejam no centro da maioria das reformas do mercado de trabalho e das evoluções que ocorrem no mundo atualmente.
Fim da jornada 6×1
A proposta de emenda à Constituição (PEC) que reduz a jornada máxima de trabalho de 44 para 36 horas semanais recebeu nesta quarta o número necessário de assinaturas para ser protocolada na Câmara dos Deputados.
🔎Para se tornar uma matéria em tramitação na Câmara, a proposta precisava de, no mínimo, 171 assinaturas dos 513 deputados.
🔎O protocolo da proposta é apenas o início da discussão, que precisará passar por comissões especiais na Câmara e no Senado até a aprovação (leia mais abaixo).
O tema ganhou destaque nas redes sociais nos últimos dias e tem dois objetivos principais:
- acabar com a possibilidade de escalas de 6 dias de trabalho e 1 de descanso, chamada de 6×1;
- alterar a escala de trabalho para um modelo em que o trabalhador teria três dias de folga, incluindo o fim de semana.
Em nota (veja íntegra aqui), o Ministério do Trabalho afirmou que tem “acompanhado de perto o debate” e que a redução da jornada é “plenamente possível e saudável”, mas a questão deveria ser tratada em convenção e acordos coletivos entre empresas e empregados.
Atualmente, a Constituição estabelece que a jornada de trabalho normal:
✏️não pode ser superior a 8 horas diárias;
✏️não pode superar 44 horas semanais;
✏️poderá ser estendida por até 2 horas.
Caminho da PEC
O caminho para aprovar uma PEC na Câmara é longo. Depois de conquistar os apoios necessários e apresentar a proposta, a discussão na CCJ da Casa é a primeira etapa do caminho até a aprovação.
A Comissão de Constituição e Justiça analisa a admissibilidade da proposta — sem avaliar e fazer mudanças no mérito (texto) da proposição. Se aprovada, é enviada para uma comissão especial.
Cabe à comissão especial analisar o mérito e propor alterações à proposta. Regimentalmente, o colegiado tem até 40 sessões do plenário para concluir a votação do texto.
Se isso não ocorrer, o presidente da Câmara poderá avocar a PEC diretamente para o plenário — isto é, colocar em votação direta pelo conjunto dos deputados.
✏️Depois da passagem pela comissão especial, a PEC fica apta a ser votada pelo plenário. Lá, a proposta precisa reunir ao menos 308 votos favoráveis, em dois turnos de votação.
Concluída a análise na Câmara, o texto seguirá para o Senado. Por lá, a proposta também precisará ser votada e aprovada por, no mínimo, 49 senadores.
Com a aprovação nas duas Casas, a PEC poderá ser promulgada — ato que torna o texto parte da Constituição — pelo próprio Congresso.
G1
https://g1.globo.com/economia/noticia/2024/11/13/escala-6×1-com-39-horas-semanais-brasil-tem-carga-acima-dos-eua-e-reino-unido-mas-abaixo-de-india-e-mexico-diz-oit.ghtml}
por NCSTPR | 14/11/24 | Ultimas Notícias, Uncategorized
Priscila Santos Araújo saiu da informalidade em 2022, quando deixou de vender balas em semáforos de São Paulo.
Desde então, a paulistana de 30 anos conseguiu quatro empregos com carteira assinada — em todos, segundo ela, enfrentou condições precárias.
Com a retomada da economia no pós-pandemia, Priscila, que mora na Zona Norte da cidade, conseguiu trabalho em uma rede de fast food e em uma farmácia, antes de migrar para o telemarketing.
Mas a rotina de jornadas exaustivas e acúmulo de funções a levou a sair desses empregos e buscar alternativas que oferecessem melhores condições de trabalho.
“Não somos subumanos, não queremos subempregos. Queremos ter vida”, diz Priscila.
Fim do Matérias recomendadas
Priscila é uma das milhares de pessoas que têm dado voz a uma insatisfação de muitos brasileiros com as condições que encontram no mercado de trabalho.
Um mercado que tem exibido números impressionantes, que fizeram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) comemorar no último domingo.
“Estou convencido de que estamos vivendo hoje o melhor momento da geração de emprego nesse país. Estamos com 6,4% de desemprego, que é um padrão extraordinário”, disse em entrevista ao programa Podk Liberados, da RedeTV.
A taxa registrada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no terceiro trimestre deste ano é o menor patamar da série histórica, iniciada em 2012.
O setor de serviços, no qual Priscila trabalha, foi o principal responsável por isso.
Foi líder na geração de postos de trabalho e empregou mais de 1 milhão de pessoas nos últimos 12 meses, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Os setores de comércio (344 mil vagas), indústria (299 mil) e construção (145 mil) também tiveram saldos positivos.
Mas a geração de emprego recorde esconde, segundo especialistas, problemas como altos índices de informalidade e subutilização da força de trabalho, segundo economistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Ao mesmo tempo, trabalhadores como Priscila e tantos outros têm reclamado de condições que consideram abusivas, como salários baixos e jornadas exaustivas, e têm tentado mudar isso.
“Se estão celebrando termos tanto emprego no Brasil, precisamos nos perguntar, primeiro, o que estão chamando de emprego”, diz Priscila.
Ela é hoje uma das coordenadoras do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), que está à frente da mobilização que culminou na apresentação no Congresso de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para reduzir a jornada de trabalho para 36 horas semanais.
Priscila conheceu o grupo há um ano, quando uma amiga compartilhou com ela um vídeo do TikTok em que um trabalhador carioca desabafava sobre a escala 6×1 — a jornada de seis dias de trabalho para um de descanso.
Era Rick Azevedo, criador do VAT, ele próprio um ex-balconista de farmácia como Priscila.
“Eu estava em um momento de depressão com meu trabalho e achava que só eu me sentia assim. Parecia que ele estava falando comigo, me senti acolhida”, diz Priscila, que começou a participar dos grupos de WhatsApp e Telegram do movimento.
Nas últimas eleições, o fundador do VAT deu uma demonstração da força e do apoio ao se movimento ao se eleger como o vereador mais votado do PSOL no Rio com a pauta da redução da jornada de trabalho.
Outra demonstração veio com as mais de 2,5 milhões de assinaturas que um abaixo-assinado em apoio à redução da jornada de trabalho recebeu.
Não foi à toa, defende Priscila: “As pessoas estão exaustas”.
A mobilização também conseguiu o apoio da líder do PSOL na Câmara dos Deputados, Érika Hilton (SP), que enviou à Câmara dos Deputados a PEC para diminuir a jornada de trabalho.
Nesta semana, a proposta ganhou apoio popular nas redes sociais, com pressão para que parlamentares apoiassem o projeto.
Na manhã desta quarta-feira (14/11), texto conseguiu o apoio de 194 parlamentares, da esquerda à direita, do PT ao PL, divulgou Hilton. Para a PEC começar a tramitar, é necessário o apoio de ao menos 171 dos 513 deputados.
O governo federal tem demonstrado cautela em relação à proposta.
Na segunda-feira (11/11), o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho (PT), afirmou que o fim da escala de trabalho 6×1 deve ser negociado em “convenção e acordos coletivos entre empresas e empregados”.
O ministro defendeu, em nota, que assunto deve passar por “discussão aprofundada e detalhada”.
A reação foi criticada por defensores do fim da escala 6×1 — que pedem apoio direto do governo Lula à causa.
Com o crescimento do debate, o vice-presidente, Geraldo Alckmin, afirmou na terça-feira (12/11) que a redução da jornada é uma “tendência mundial”, mas que cabe à sociedade e ao Congresso fazer essa discussão.
A proposta enfrenta a resistência de associações de empresas, que defendem que as leis trabalhistas que existem hoje são suficientes para garantir condições de trabalho dignas.
Os representantes dos empresários também dizem que reduzir a jornada de trabalho é economicamente inviável para a maioria dos negócios, que são de pequeno porte.
“Muitas pessoas vão ter que deixar de contratar, desligar funcionários ou mesmo ir à falência, porque muitos pequenos empresários hoje vivem do crédito”, diz o empresário Luis Bigonha, presidente do Conselho de Serviços da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio) de São Paulo.
O real problema do mercado hoje, dizem empresários ouvidos pela reportagem, é achar trabalhadores qualificados para preencher as vagas disponíveis, porque muitos preferem trabalhar por conta própria.
Baixos salários e rotina de abusos
Um dos problemas que o menor desemprego em uma década ofusca é o baixo valor dos salários.
Em setembro passado, mês com o dado mais recente divulgado pelo Caged, o valor médio pago a trabalhadores admitidos em novos empregos no Brasil foi de R$ 2.158,96.
Isso representa uma redução de 4% em quatro anos, já descontada a inflação do período.
Ou seja, quem é contratado hoje ganha na média menos do que quem foi contratado em 2020.
Em seus últimos empregos, Priscila ganhou menos do que essa média.
Na rede de fast food, ela recebia um salário mínimo para trabalhar do turno da madrugada. Em contrapartida, relata uma rotina de humilhações e assédio moral.
“A gestora não permitia que a gente usasse roupas que não fosse uniforme. Muitas vezes fazia frio de madrugada, e os trabalhadores não podiam vestir um casaco. Só havia uma blusa de frio com a logo da empresa para todos os funcionários, que tinham que dividir a blusa”, relata.
“Se você ficava doente ou fora por algum motivo, havia castigos. Por exemplo, se você estivesse com atestado médico em um dia, no outro iriam te dar as piores tarefas, como lavar a calçada às 3h da manhã, em um frio de dez graus.”
Depois desta experiência, Priscila conta que foi contratada em uma rede de farmácias — onde ganhou o maior salário dos últimos anos, R$ 1,6 mil e R$ 100 de auxílio-refeição por mês.
Como atendente, trabalhava em jornada 6×1 e com acúmulo de funções.
“Na loja, o atendente tinha que orientar o cliente, mesmo sem treinamento ou formação na área, era o caixa, estocador. Até entregas em um raio de 2 km precisávamos fazer.”
A questão é que muitos trabalhadores não conseguem escapar de empregos ruins, explica o economista Marcelo Manzano, professor de Economia Social e do Trabalho do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
“Enquanto em países de economia avançada as pessoas podem escolher se vão trabalhar em um determinado lugar ou não, aqui, a situação é muito diferente”, diz Manzano.
“Muitos trabalhadores não têm o ‘luxo’ de escolher empregos que se adequem às suas qualificações e necessidades profissionais nem podem esperar por um emprego de qualidade, porque não temos um sistema de proteção social robusto como o da Alemanha ou França.”
O economista destaca a reforma trabalhista, que flexibilizou certas atividades como o trabalho intermitente, “plataformização” do trabalho e crises econômicas trouxeram impacto negativo sobre a qualidade das ocupações — em um mercado estruturalmente marcado pela informalidade.
“Há uma deterioração na qualidade dos postos de trabalho em comparação ao auge do mercado, que ocorreu em 2013 e 2014, durante o governo Dilma”, avalia Manzano.
Além da informalidade, a subutilização da força de trabalho é outro problema que os economistas apontam.
Esse índice abrange pessoas que, apesar de empregadas, gostariam de trabalhar mais horas ou em posições mais qualificadas.
Hoje, a taxa de subutilização está em 16,5%, percentual que já chegou a 30% durante a pandemia.
“Esse índice capta a realidade de trabalhadores subempregados e em empregos precários. Embora também tenha caído, com a taxa de desemprego, permanece alta”, pontua Manzano.
A boa notícia, segundo o economista, é que em 2024 o segmento da indústria também teve um saldo positivo na geração de empregos.
“Neste ano, a indústria de transformação gerou o maior número de postos adicionais de trabalho, um indicador muito positivo, especialmente porque essa indústria é crucial para impulsionar o PIB e criar empregos de qualidade”, afirma.
Manzano nota que, dentro deste setor, subgrupos como produção de bens de capital e bens duráveis — setores que incluem a fabricação de máquinas e veículos — também apresentaram crescimento expressivo de empregos.
Além da indústria, o setor de serviços qualificados, que abrange áreas de informação, comunicação e finanças, também registrou avanços.
“Esses setores, que geralmente oferecem empregos com melhores salários e condições”, observa o economista.
Ainda assim, Manzano é cauteloso em relação a essa melhora.
“Ainda há um enorme contingente de pessoas que se veem obrigadas a se virar em empregos precários, sem poder esperar por uma oportunidade de qualidade.”
O economista Antonio Lacerda, professor da pós-graduação em economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), afirma que o crescimento da economia brasileira acima das expectativas em 2023, com PIB aumentando em 2,9%, e boas projeções para 2024 impulsionaram a criação de empregos.
No entanto, ele destaca que, em momentos de recuperação econômica, é comum que os empregos de menor qualificação e renda sejam os primeiros a crescer.
“Ao sair de uma crise, é natural que os empregos que cresçam mais sejam os menos qualificados, de menor renda. Esse é um fenômeno que está se repetindo agora na saída da pós-pandemia”, afirma.
Segundo ele, o desafio agora é melhorar a qualidade desses empregos, o que dependeria, na sua visão, de políticas que incentivem setores como a indústria e a construção civil.
Para o economista, o mercado de trabalho está em transição, com o crescimento de empregos em plataformas digitais e do empreendedorismo.
Segundo o Sebrae, há 11,5 milhões de microempreendedores individuais (MEI) com registros ativos no Brasil, mais de 90% estão em atividade. Em 2022, esse percentual era de 77%.
“Agora, o empreendedorismo e a ‘plataformização’ influenciam muito mais do que o emprego tradicional com carteira assinada”, comenta.
Para Priscila Araújo, do VAT, o aumento de trabalhos informais, como microempreendedor ou via plataformas reflete o descontentamento com as condições de trabalho e a busca por maior qualidade de vida.
“Esse discurso de ‘seja seu próprio chefe, que você vai fazer o seu horário’ cresceu porque, na verdade, as pessoas querem trabalhar menos, viajar, ter qualidade de vida. E quem elas veem realizando isso hoje? O patrão”, reflete.
“Para isso, eles dão uma resposta simples: seja você o chefe. Mas, no fundo, o problema das pessoas é carga horária, o salário. As pessoas não querem só sobreviver, querem desfrutar, ter seu carro, andar bonitas. Elas querem viver.”
Para empresários, falta mão de obra qualificada
Se de um lado os trabalhadores questionam a qualidade dos trabalhos neste recorde de empregos, por outro o empresariado afirma encontrar dificuldade para contratar mão de obra qualificada e suprir a alta demanda.
Segundo uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre), 29,4% dos empresários da construção civil apontaram a escassez de mão de obra qualificada como fator que limita o desenvolvimento de negócios. Este é o patamar mais alto desde o fim de 2014.
Em 2024, o setor da construção civil foi o segmento da economia que teve o maior aumento de contratações, comparado ao ano anterior.
Foram mais de 231 mil novas oportunidades na área entre janeiro e setembro, crescimento de 8,4%.
Mas a falta de profissionais qualificados tem afetado o cronograma de obras, diz o empresário Yorki Estefan, diretor de engenharia na Conx Construtora e Incorporadora e presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP).
“Não chega a ter obras paradas, mas, às vezes, a execução de uma obra é dilatada pela falta de profissionais”, afirma Estefan.
“Até as empresas de elevadores, por exemplo, têm dificuldades para encontrar trabalhadores qualificados para instalação.”
Na construção civil, diz o empresário, isso levou a aumento de salários e iniciativas por qualificação de trabalhadores. “Estamos promovendo treinamentos para engenheiros e estagiários de obras para fortalecer a base do setor”, explica.
A escassez, diz ele, tem como causa principal a informalidade.
“Apenas 26% dos trabalhadores do setor têm carteira assinada; o restante atua de forma independente e informal”, pontua Estefan, que afirma muitos optam pela informalidade para evitar burocracia.
“Os mais jovens têm pouquíssimo interesse nessa configuração trabalhista, que vai fazendo uma poupança forçada para ele. Eles preferem receber como um micro empresário. Eles não têm essa preocupação com o futuro, mas sim em receber o máximo de valor possível no presente.”
O setor de serviços, que alavancou o crescimento, também sentiu esse impacto do aquecimento.
“Se não fosse o Senac, que forma 44 mil trabalhadores em São Paulo para o setor hoteleiro, bares, restaurantes para a beleza, esses setores já estariam em colapso”, afirma Bigonha, da Fecomércio-SP.
Com relação ao movimento pela redução da jornada 6×1, o empresário diz acreditar que a proposta seja inviável para todos os segmentos econômicos.
“Existem setores que, com a tecnologia, pode se dar ao luxo de desenvolver uma condição de horários diferenciados, mas para outros, vai ser impossível”, defende.
“Isso vai gerar, a princípio, um conflito grande com o empresariado.”
Na mesma linha, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) entende que PEC apresentada por Erika Hilton traria impactos negativos para consumidores e empreendedores do setor de alimentação.
Paulo Solmucci, presidente da entidade, chamou a proposta de “estapafúrdia” e disse que ela não reflete a realidade. A associação diz que cerca de 95% do setor é de microempresas e estima que a medida poderia encarecer em até 15% nos preços dos cardápios.
“As regulamentações estabelecidas pela Constituição e expressas na CLT são modernas e já trazem as ferramentas para garantir condições de trabalho dignas e justas aos colaboradores. A legislação atual permite que os trabalhadores escolham regimes de jornada adequados ao seu perfil”, afirmou Solmucci.
Sergio Mena Barreto, CEO da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), também se posiciona contra a proposta.
Ele afirma que, no varejo, o custo com pessoal representa um dos principais custos operacionais, especialmente em farmácias.
Com relação ao “acúmulo de função” no setor, Mena afirma que o varejo é a primeira porta de emprego para muitos jovens e que esta é uma característica global do setor.
“As farmácias, para muitos, representam o primeiro emprego e um ambiente de aprendizado. Como no conceito do McDonald’s, os funcionários começam nas posições iniciais, como atendimento e caixa, e, com o tempo, ganham especialização”, diz.
“Quando a pessoa é contratada, ela já sabe vai ser um profissional que cobre várias áreas, mas dentro de um limite físico.”
Sobre a PEC da redução da jornada que deve começar a tramitar no Congresso, ele afirma que a proposta é “populista” e espera que todos os setores da sociedade sejam ouvidos em audiências públicas.
“Temos que considerar os aspectos econômicos também. Podemos achar que temos uma grande solução do ponto de vista das pessoas, mas ela tem que ser boa para as empresas também.”
BBC
https://www.bbc.com/portuguese/articles/clyjzy54xy3o
por NCSTPR | 14/11/24 | Ultimas Notícias, Uncategorized
Notícias do TST
Resumo:
- Um conferente de materiais da Volkswagen desenvolveu hérnia de disco que resultou em incapacidade parcial e permanente para tarefas que exigiam esforço físico.
- A 7ª Turma do TST condenou a montadora a pagar indenização de R$ 80 mil por danos morais e pensão mensal equivalente a 50% do último salário até o trabalhador completar 78 anos de idade, aumentando os valores fixados no TRT.
- A fixação do montante se baseou em casos semelhantes e nas circunstâncias do caso concreto.
A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Volkswagen do Brasil Indústria de Veículos Automotores Ltda., de São Bernardo do Campo (SP), a pagar R$ 80 mil de indenização a um conferente de materiais, além de pensão mensal correspondente a 50% do seu último salário até que ele complete 78 anos de idade. Segundo o colegiado, as tarefas realizadas na montadora contribuíram para o desenvolvimento de hérnia discal na coluna lombar, o que gerou incapacidade parcial e permanente para a atividade.
Lesão na coluna exigiu remanejamento
Na reclamação trabalhista, o empregado disse que trabalhou para a Volkswagen de 1989 a 2013. Seu trabalho era conferir, revisar e transportar peças de uma caçamba para outra, o que exigia movimentos repetitivos como curvatura da coluna e flexão e extensão dos braços. Entre 2007 e 2009, teve de ficar afastado para se submeter a uma cirurgia de coluna. Depois disso, foi remanejado para outra área, em que fazia a conferência visual de peças, porque não tinha mais condição de fazer o trabalho anterior.
Trabalho não foi única causa da doença
O juízo de primeiro grau condenou a montadora a pagar R$ 200 mil de indenização e pensão mensal vitalícia de 100% do salário. Com o deságio em razão do pagamento em parcela única, o montante seria de R$ 884 mil. O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), porém, reduziu a indenização por danos morais para R$ 30 mil e a pensão para a metade, de 12,5% do salário do operador. O percentual corresponde à incapacidade do trabalhador para qualquer atividade, e o desconto se deu porque o trabalho foi apenas uma das causas da lesão. O resultado, com o deságio, daria R$ 25 mil.
No recurso de revista, o operário sustentou que os valores eram irrisórios e desproporcionais em relação à redução de sua capacidade de trabalho e incompatíveis com a capacidade econômica da Volkswagen.
Fixação da indenização leva em conta precedentes e caso concreto
O relator, ministro Agra Belmonte, explicou que a lei não estabelece parâmetros objetivos para quantificar a indenização por danos morais, cabendo ao juiz ficar atento à proporcionalidade e à razoabilidade, levando em conta aspectos como a intensidade da culpa e do dano e as condições econômicas e sociais da vítima e do ofensor. Após a fixação do valor, a intervenção do TST só se dá se a indenização for irrisória ou excessiva.
Segundo Belmonte, para definir o que é irrisório ou excessivo, o TST aplica o chamado método bifásico: na primeira fase, define-se o valor básico ou inicial da indenização, com base em precedentes em casos semelhantes. Na segunda, ajusta-se o montante às peculiaridades do caso com base nas suas circunstâncias.
O relator utilizou estes critérios para sugerir a elevação da indenização por danos morais para R$ 80 mil.
Pensão mensal corresponde à perda da capacidade para a atividade exercida
Em relação aos danos materiais, o ministro ressaltou que o percentual da indenização deve corresponder ao da diminuição da capacidade de trabalho em relação ao ofício anteriormente exercido, e não para qualquer atividade de trabalho. No caso, o conferente teve de ser realocado em posto compatível, concluindo-se que tinha incapacidade total e definitiva para sua atividade anterior.
Com isso, seria devida a pensão mensal integral, equivalente a 100% da última remuneração, independentemente da readaptação. “No entanto, como houve concausa, a empresa deverá arcar com a indenização na medida de sua responsabilidade, ou seja, 50% do último salário recebido pelo trabalhador”, concluiu.
(Guilherme Santos/CF)
Processo: RRAg-1002339-20.2014.5.02.0461
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por NCSTPR | 14/11/24 | Ultimas Notícias, Uncategorized
Opinião
Há muito a questão trabalhista deixou de ser um tema jurídico nas manifestações a respeito proferidas por ministros do STF.
Jorge Luiz Souto Maior
Fonte: A Terra é Redonda
Os posicionamentos adotados pela maioria dos ministros do STF, em matéria trabalhista, são orientados por uma compreensão de cunho econômico de índole neoliberal que é, como se sabe, arredia à efetividade dos direitos sociais e, também, uma afronta ao projeto de Estado Social fixado na Constituição Federal.
Não se encontra um fundamento jurídico sequer em tais decisões. São sempre argumentos fincados em um sentimento pessoal marcado pela aderência aos interesses do poder econômico e por ofensas aos trabalhadores e trabalhadoras, à Justiça do Trabalho e ao Ministério Público do Trabalho.
A fragilidade dos argumentos jurídicos das decisões proferidas pelo Supremo no campo trabalhista tem proporcionado a proliferação de muitas críticas e até preservado uma postura judiciária com reiterados posicionamentos em sentido contrário.
Talvez por isso, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, tentando conferir fundamento para as posições assumidas pelos ministros do STF, resolveram trazer novos elementos argumentativos ao “problema”, mas, com isto, só conseguiram piorar a situação.
Inauguraram a fase da incitação ao descumprimento dos Direitos Sociais.
Em 12 de outubro de 2024, durante o II Fórum Esfera Internacional, em Roma, na Itália, falando a representantes do setor econômico (Eugenio Mattar – Localiza); Daniel Vorcaro – Banco Master; Flavio Cattaneo – ENEL; Roberto Azevêdo – Ambipar; Lucas Kallas – Cedro Participações; Alberto de Paoli – “Diretor de Resto do Mundo na Enel”; José Antônio Batista – Picpay; Fábio Coelho – Google; João Adibe – Cimed; Carlos Sanchez – Grupo NC; Wesley Batista – Grupo J&F; Rubens Menin – MRV, CNN Brasil e BancoInter; o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luís Roberto Barroso, disse que as dificuldades que os empresários enfrentam no Brasil é resultado de uma “legislação trabalhista complexa e, muitas vezes, desatualizada”.
Sem demonstrar, de forma específica, o que seria a tal complexidade e, também, se esquecendo, sintomaticamente, que a legislação trabalhista sofreu recentemente enormes alterações, todas elas, inclusive, atendendo as demandas do setor empresarial, Luís Roberto Barroso foi além e praticamente justificou o cometimento das ilegalidades por parte dos empregadores, afirmando que a “estrutura legal dificulta o cumprimento das normas”.
Para o ministro, se o empregador não cumpre a lei a culpa é da lei. Então, estaria dado a cada cidadão, a cada cidadã e a cada empresa do país o “direito” de deixarem de cumprir a lei sob a consideração subjetiva de ser ela “complexa”. Mais ainda, estaria possibilitada aos julgadores e julgadoras a prerrogativa de não aplicar uma lei com o argumento da sua “complexidade” ou da sua “desatualização”, como, aliás, vêm fazendo os ministros do STF nas questões relativas aos direitos trabalhistas, cabendo lembrar que, no que se refere ao tema trabalhista, o que estão “afastando” não são apenas leis, mas, sobretudo, normas integradas à Constituição Federal no Título dos Direitos Fundamentais.
E o pior é que preconizam isto em nome da “segurança jurídica”!
Segundo Luís Roberto Barroso, a visão antiquada e atrasada que ainda persiste em relação aos empresários e à livre iniciativa no Brasil é o que prejudica o desenvolvimento econômico e a inovação, criando um ambiente de insegurança jurídica que afasta investimentos e limita o crescimento do país. Sendo assim, basta dizer que se tem em mente uma visão não antiquada e não atrasada para que o agente esteja livre para deixar de aplicar a lei e a Constituição.
Além disso, para atrair investimentos e “promover o desenvolvimento econômico e a inovação”, o ministro oferece, de forma explícita, uma “segurança jurídica” para a quebra do pacto constitucional firmado em torno da dignidade humana; dos valores sociais da livre iniciativa; da prevalência dos Direitos Humanos; da construção de uma sociedade livre, justa e solidária; da erradicação da pobreza e da marginalização; da redução das desigualdades sociais; da promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; da função social da propriedade; da ordem social baseada no primado do trabalho, tendo como objetivo o bem-estar e a justiça sociais; da ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
E nesta “missão” Luís Roberto Barroso não estava só. O acompanhavam, dentre outras, as seguintes autoridades: o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG); o presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas; o ministro do STF, Dias Toffoli; o procurador-geral da República, Paulo Gonet; o ministro da Justiça da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski; o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira; o senador Davi Alcolumbre (União-AP); o senador Ciro Nogueira (PP-PI); o deputado federal Dr. Luizinho (PP-RJ); a embaixadora Carla Barroso; o embaixador Renato Mosca; o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues; o diretor comercial da Infraero, Tiago Chagas Faierstein; e o diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestres, Lucas Lima.
Oportuno perceber o quanto este fato revela como o poder econômico internacional assume sua índole predatória e exploratória, notadamente, com relação aos países da periferia do capital.
No contexto desse estreitamento de laços entre o capital e as instituições públicas nacionais, o ministro Luís Roberto Barroso, em sua manifestação, mais do que justificar o descumprimento da lei, acabou por incitar o cometimento de ilegalidades no campo das relações de trabalho, atingindo, igualmente, a esfera dos crimes contra a ordem tributária, vez que as fraudes aos direitos sociais representam modalidade de sonegação fiscal, em termos de tributos e contribuições sociais, o que, de certo modo, nos remete ao conteúdo do art. 286 do Código Penal.
E o efeito tributário das ilegalidades trabalhistas é, por certo, de pleno conhecimento dos ministros do STF, como demonstrado, inclusive, na fala do ministro Alexandre de Moraes, expressa na sessão de julgamento do dia 22 de outubro.
Novamente instingando uma confusão entre terceirização e “pejotização”, Alexandre de Moraes, para o delírio da grande mídia ávida por fake news em matéria trabalhista, assim se expressou: “A terceirização: naquele momento todos concordam em assinar, até porque se paga muito menos imposto do que pessoa física. Depois que é rescindido o contrato aí vem a ação trabalhista. Só que, e talvez, se a jurisprudência começasse a exigir isso nós não teríamos tantas reclamações. Aquele que aceitou a terceirização e assinou contrato quando é rescindido o contrato e entra com a reclamação ele deveria também recolher todos os tributos como pessoa física. Aí talvez nós não tivéssemos mais ou o primeiro problema, aceitar a terceirização, ou o segundo, entrar com a reclamação. Porque é algo que não, eu diria, bate no final, porque, na Justiça do Trabalho acaba ganhando a reclamação, só que recolheu todos os tributos lá atrás como pessoa jurídica e depois ele ganha todas as verbas como pessoa física. Ou é pessoa jurídica ou pessoa física. Ou terceirizou, ou não terceirizou…”
Trocando em miúdos, o ministro sabe que a “pejotização”, mal referida por ele como “terceirização”, gera o pagamento de impostos a menor.
Só que isto, primeiro, não é um “benefício” que atinge apenas o trabalhador, como sugerido. A empresa que se vale dos serviços de uma pessoa natural por meio da formalização de um contrato com a pessoa jurídica criada por aquela mesma pessoa, é “beneficiada” de diversas formas, seja pelo não cumprimento das regras de proteção trabalhista, incluindo o FGTS, que possui uma relevante função social; seja pelo recolhimento a menor de vários tributos e contribuições sociais.
Em segundo lugar, não se trata, propriamente, de uma opção que as pessoas natural ou jurídica tenham, a de recolher, ou não, na integralidade, os tributos e as contribuições sociais. A incidência tributária decorre de lei e implica obrigações das quais os atingidos não podem simplesmente fugir, ainda mais buscando estratégias fraudulentas para tanto. De fato, constitui crime a prática de quaisquer formas de se tentar impedir a aplicação das obrigações tributárias.
Nos termos da Lei n. 8.137/90, que define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, os atos que visam suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, são definidos como crimes e são identificados, dentre outras, nas seguintes condutas: (i) omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; (ii) fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; (iii) falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo a operação tributável; e (iv) elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato (art. 1º).
Estabelece, ainda, que constitui crime da mesma natureza: (a) fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo; (b) deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos (art. 2º).
Além disso, como expresso por André Gustavo Souza Fróes de Aguilar, no texto “Pejotização: fraude, riscos tributários e criminais para empregados e empregadores”, vários outros são os tipos penais aplicáveis à situação em que se tenta, por meio da “pejotização”, evitar o integral pagamento de tributos e contribuições sociais.
Conforme elucida André Fróes Aguilar, “não cabe aos particulares decidirem quanto à existência ou não de relação empregatícia, assim como não lhes é possível afastar os efeitos tributários decorrentes das relações que estabelecem, conforme o disposto no artigo 123 do Código Tributário Nacional – CTN (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – publicada no DOU de 27 de outubro de 1966 e retificada no DOU de 31 de outubro de 1966)”, que assim dispõe: “Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.”
Na “pejotização”, que é, como se sabe, a transformação artificial de uma pessoa natural em uma pessoa jurídica, para gerar a impressão de que não há trabalho executado pelo(a) trabalhadora(a) e sim um serviço prestado por sua empresa individual, o que se promove é uma autêntica tentativa de burlar a incidência tributária, pois as notas fiscais emitidas pela pessoa jurídica constituem, na verdade, recibos remuneratórios.
Além disso, a transformação artificial de uma pessoa natural em pessoa jurídica se encaixa perfeitamente na hipótese fixada no inciso I do art. 1º da Lei n. 4.729/65, constitui crime de sonegação fiscal, “prestar declaração falsa ou omitir, total ou parcialmente, informação que deva ser produzida a agentes das pessoas jurídicas de direito público interno, com a intenção de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento de tributos, taxas e quaisquer adicionais devidos por lei”.
Da mesma forma, nos artigos 71, 72 e 73 da Lei n. 4.502/64: “Art. 71. Sonegação é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária: (1) da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais; (2) das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente”.
“Art. 72. Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do impôsto devido a evitar ou diferir o seu pagamento.”
“Art. 73. Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas, visando qualquer dos efeitos referidos nos artigos. 71 e 72.”
E vale insistir: o trabalhador não impõe à empresa contratante a condição de que só aceita o serviço se for perante o disfarce da pessoa jurídica. É a empresa contratante que, detendo o poder econômico e o império da lei da oferta e da procura, determina qual será a forma de contratação, sendo, portanto, responsabilidade integral sua o cometimento da prática ilícita.
No entanto, Alexandre de Moraes, desconsiderando a realidade; desprezando o conjunto de normas jurídicas aplicáveis à situação concreta em que a “pejotização” se apresenta comprovadamente como uma forma de burlar a aplicação da legislação trabalhista, previdenciária e tributária; e fazendo vistas grossas aos efeitos punitivos, inclusive de ordem criminal, ao ardil praticado, enxerga a situação apenas como uma oportunidade para expressar uma espécie de reprimenda moral pública à conduta do trabalhador, chamando-o, com outras palavras, de falso, desonesto ou hipócrita, para, com isto, tornar legitimas e justificadas todas as ilegalidades cometidas pela empresa contratante.
Na lógica do ministro, uma vez que o trabalhador auferiu o benefício indevido de pagar um imposto a menor, deve ser punido com o não recebimento de direitos trabalhistas. Uma lógica, portanto, que remete ao período da anomia jurídica do “olho por olho” e que implica no efetivo descumprimento do dever funcional de aplicar o direito aos fatos. Alexandre de Moraes afastou a aplicação das normas ao caso sob julgamento e, pior, manteve sem qualquer repercussão punitiva os diversos delitos cometidos pela empresa na fraude intentada contra os direitos trabalhistas, previdenciários e tributários.
A atitude, além disso, reflete um sentimento de punir o trabalhador pelo fato de ter acionado o Poder Judiciário, que, aliás, foi tratado pelo ministro como um “problema”, e isto é muito grave porque fere de morte o preceito básico da cidadania que é o direito constitucional de ação.
A campanha de Luís Roberto Barroso contra o que vem denominando de “conflitualidade excessiva” tem provocado uma autêntica ojeriza de ministros aos trabalhadores e trabalhadoras (reclamantes) em processos trabalhistas, como se fossem eles e elas, pelo simples fato de moverem a máquina judiciária do Estado, criminosos(as) ou, no mínimo, pressupostos(as) litigantes de má-fé, ao mesmo tempo em que se reserva às empresas a qualidade de vítimas inocentes, carregadas de todas as virtudes.
É importante perceber que esse modo de racionalizar as relações de trabalho está estritamente ligado aos argumentos que se utilizavam para justificar a escravização primeiro de indígenas, depois, em concomitantemente, de povo africanos traficados para o Brasil. O rebaixamento moral imposto aos trabalhadores e trabalhadoras está diretamente ligado ao sentimento de que pessoas negras e pobres podem ser exploradas sem qualquer limite e que sequer podem reclamar o respeito a seus Direitos enquanto seres humanos, ainda mais quando “aceitam” as condições que lhe são impostas pelo escravista, ou melhor, contratante.
O racismo, tragicamente, continua dominando as mentes da classe dominante no Brasil, em todas as esferas de atuação institucional e na vida privada em geral.
Para completar o quadro de atemorização relativo ao direito de ação, no dia 22 de outubro, o Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, por unanimidade, a proposta de recomendação apresentada pelo presidente Luís Roberto Barroso, que regula, segundo expresso no documento, a litigância abusiva ou predatória, trazendo, em anexo, uma “lista exemplificativa de condutas processuais potencialmente abusivas”, todas elas (vinte ao todo) relacionadas à petição inicial, ou seja, nada que cuide da postura do demandado.
O Conselho Nacional de Justiça assume que os problemas estruturais do Judiciário (porque esta é uma das preocupações) serão solucionados com a inibição do acesso à justiça, deixando sem qualquer avaliação os devedores contumazes e agressores reincidentes e assumidos da legislação, notadamente na esfera trabalhista, para com isto, aliás, atender outra preocupação, a de liberar o setor econômico para se guiar sem qualquer limitação trazida na legislação social.
Tudo isto serve ao propósito, não disfarçado, de disseminar entre trabalhadoras e trabalhadores as sensações de impotência e de conformismo, gerando uma espécie de submissão consentida provada pelo desânimo e pelo medo de sofrer consequências ainda maiores caso reclamem.
Ao mesmo tempo, esta situação estimulada e legitimada pela mais alta Corte do Poder Judiciário, que repercute, por certo, nas demais instâncias, promove, entre os empregadores, a certeza de que não precisam mais de “reformas” na legislação para a retirada de direitos trabalhistas e o enfraquecimento dos sindicatos, pois, na prática, a legislação social não mais os constrange.
A ordem jurídica aplicável às relações de trabalho está lá consignada em diversos diplomas e, sobretudo, na Constituição Federal, mas é como se, na prática, não existisse.
Essa nova escalada de agressões aos Direitos Sociais revela ainda mais o sentimento que a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal possui com relação à classe trabalhadora e, por certo, o quanto está aliada aos interesses exploratórios e predatórios do poder econômico.
Ocorre que a instituição, Supremo Tribunal Federal, que está acima de seus integrantes, é a guardiã da Constituição e a este preceito os próprios ministros devem estar submetidos.
O massacre cometido pela maioria dos ministros do STF contra a classe trabalhadora é uma afronta à ordem jurídica e democrática. E se expressando por meio de uma cada vez mais agressiva inversão de valores, já está virando um caso de violência verbal explícita, atingindo, inclusive, a integridade de outras instituições republicanas, constitucionalmente asseguradas.
Parafraseando o próprio Alexandre de Moraes, se os ministros do STF aplicassem as leis e a Constituição Federal talvez não tivéssemos tanta sonegação e tanto desrespeito aos direitos sociais e trabalhistas. E, como ele próprio sugere, não há meio termo: ou se aplica, ou não se aplica!
Jorge Luiz Souto Maior é professor de direito trabalhista na Faculdade de Direito da USP.
DM TEM DEBATE
STF: Incitação ao descumprimento dos direitos sociais