por NCSTPR | 11/04/25 | Ultimas Notícias
Para as corporações operarem livremente e obterem vantagens políticas e econômicas nos diferentes cantos do planeta, as barreiras de proteção social erguidas pela classe trabalhadora precisam ser derrubadas. Um exemplo é a reforma na legislação trabalhista brasileira pelo então presidente Michel Temer em 2017. O cerne da reforma “sempre foi a garantia de segurança jurídica para o empresariado em detrimento à segurança dos trabalhadores. Instituiu-se a prevalência do negociado sobre o legislado, ampliou-se a flexibilização contratual, avançou-se, entre outras deformidades, na instituição do trabalho intermitente”.
Quem avalia é professora da Universidade Federal do Acre (UFAC) e integrante do grupo de Pesquisa Mundo do Trabalho e suas Metamorfoses da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Nesta entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU por e-mail, a pesquisadora perpassa o trabalho plataformizado, o “pleno emprego” no Brasil, o fim da jornada 6×1, a organização e o movimentos dos trabalhadores de aplicativo nos dias 30 de março e 1º de abril e, especialmente, como a atual digitalização do trabalho está transformando a subjetividade do trabalhador.
“Alterações na dinâmica de acumulação de capital ensejam mudanças nas formas prevalentes de sociabilidade”, constata. Segunda a analista, os processos de reestruturação produtiva, as mudanças em curso no mundo do trabalho, desde as últimas décadas do século passado, visam incidir de forma objetiva e subjetiva nas relações laborais. “A título de exemplo, podemos observar como a disseminação das bonificações por alcance de metas e resultados, além da flexibilização de parte dos salários. Tudo deslocou as atenções para a parcela flexibilizada, abriu caminho para que se instituíssem formas de competição entre equipes de trabalho e entre trabalhadores/as para o alcance das metas”, explica.
Ela também ressalta que a expressão “pleno emprego” gera uma “noção equivocada da realidade, já que, além de remeter à noção de emprego (…), não revela as diversas formas precarizadas de inserção laboral”. Além disso, em meio à intensificação e ampliação do controle sobre o trabalho, ambiente que fortalece o discurso do mérito individual, “minou o senso de coletividade presente nas décadas anteriores, naturalizando sutilmente o pagamento por produção”, afirma a entrevistada.
Luci Praun é professora da Universidade Federal do Acre (Ufac), com atuação nos cursos de graduação em Ciências Sociais e História. Integra o corpo de docentes permanentes do PPG em Economia Política Mundial da Universidade Federal do ABC (Ufabc). Na Unicamp integra o Grupo de Pesquisa Mundo do Trabalho e suas Metamorfoses, vinculado ao IFCH. Ela compõe a coordenação do Núcleo Semente – Saúde Mental e Direitos Humanos Relacionados ao Trabalho, vinculado ao Instituto Sedes Sapientiae, de São Paulo. Pesquisadora de temáticas relacionadas ao mundo do trabalho, entre elas, trabalho e saúde.
Confira a entrevista.
IHU – Como enxerga e avalia o atual mundo do trabalho? Quais as principais metamorfoses?
Luci Praun – O atual mundo do trabalho é mais complexo, multifacetado, disperso e global que aquele que conhecemos há algumas décadas. No início do século XXI, essas mudanças significativas, que já vinham se desenvolvendo desde as décadas de 1980-1990 com o avanço do neoliberalismo e dos processos de flexibilização da produção e do trabalho, aprofundaram-se.
Um dos traços marcantes dessa trajetória de longo prazo pôde ser observado na crescente flexibilização das relações de trabalho, auxiliada pelo desenvolvimento tecnológico. Com jornadas flexibilizadas, por exemplo, o tempo diretamente dedicado à atividade laboral condensou-se, o trabalho foi intensificado. A essas medidas articularam-se outras, a exemplo da adoção de sistemas de metas e avaliações de desempenho que, além de operarem no mesmo sentido, de ampliar a produtividade e intensificar o trabalho, também trouxeram para o cotidiano de diferentes categorias e profissões mais controle, maior competição entre trabalhadores e maior individuação, além do fechamento de postos de trabalho.
Com atuação em escala global, as grandes corporações, apoiadas na expansão do capital financeiro e no avanço das diretrizes neoliberais incorporadas às políticas de Estado, ampliaram o poder de descentralização de suas atividades em busca de menores custos, especialmente com a força de trabalho. Assim, um outro traço marcante das últimas décadas tem sido a crescente perda de direitos sociais e do trabalho. Para que as corporações operem livremente e obtenham vantagens políticas e econômicas nos diferentes cantos do planeta, as barreiras de proteção social erguidas pela classe trabalhadora no período anterior têm sido constantemente derrubadas. No Brasil, esse movimento encontrou seu ponto alto em 2017, com “reforma trabalhista”, mas mantém-se ativo.
É neste cenário, em meio a um novo salto no desenvolvimento tecnológico, que corporações como a Uber, Amazon, Google, IFood, entre outras, expandiram-se e passaram a arregimentar um contingente crescente de trabalhadores. Valeram-se do ambiente de desregulamentação de direitos, da disponibilidade de força de trabalho desocupada, mas também daquela que compõe o contingente subocupado, submetido aos baixos salários, à perda crescente de direitos, aos ambientes de trabalho adoecedores. Distorcidamente, essas empresas-plataforma, apresentam-se como alternativa às vivências do avanço da precarização das relações de trabalho.
IHU – O Brasil vive quase o pleno emprego, mas os trabalhadores parecem não estar satisfeitos nem realizados. O que está acontecendo, como compreender este cenário?
Luci Praun – Certamente a classe trabalhadora não tem com o que estar satisfeita. Apesar da taxa de desocupação no Brasil, conforme o IBGE, se encontrar um pouco abaixo dos 7%, esse indicador por si só não é capaz de dar conta da complexidade das relações de trabalho locais.
É sempre bom lembrar que o grupo de ocupados é constituído por todos aqueles que realizaram, na semana de aplicação da pesquisa, ao menos uma hora de trabalho remunerado. Essa remuneração, por sua vez, não precisa ser necessariamente em dinheiro, o que significa que também se considera o pagamento em forma mercadorias ou algum outro tipo de benefício.
Ou seja, a expressão “pleno emprego” gera uma noção equivocada da realidade, já que, além de remeter à noção de emprego (e não de ocupação), não revela as diversas formas precarizadas de inserção laboral. Por isso, para a maioria da classe trabalhadora ocupada, submetida ao baixo ou nenhum acesso a direitos, aos salários que não chegam ao fim do mês, à pressão constante das avaliações de desempenho e das metas a serem alcançadas, às jornadas exaustivas à céu aberto e em espaços fechados de trabalho, às vivências de desgaste e adoecimentos relacionados ao trabalho, as coisas não têm como estar bem. Não há como estar satisfeito ou realizado em um cenário como este.
Não à toa a defesa do fim da escala 6×1 tem conquistado adesão. O mesmo se pode dizer da capacidade de organização demonstrada pelos trabalhadores de entrega por aplicativos na greve que realizaram nos dias 31/03 e 01/04.
IHU – O mercado informal está migrando para as redes sociais e precarizando o trabalho com ar de “modernidade”?
Luci Praun – Não diria que está migrando, mas que as empresas-plataforma ampliaram e imprimiram um novo perfil à informalização. Destaco dois aspectos que têm sido objeto de diferentes pesquisas em curso.
O primeiro diz respeito à associação que parte das pesquisas no Brasil sempre estabeleceu entre a maior incidência de parte importante do trabalho informalizado e segmentos empresariais com menor capacidade de investimento. No geral, micro e pequenos negócios. Empresas como a Uber, IFood, 99, Amazon, Mercado Livre, Meta certamente não se enquadram nessa categorização. No entanto, estão diretamente implicadas na expansão do trabalho informalizado no Brasil e em diversos cantos do mundo. Isso alterou significativamente a análise sobre os processos que estão na base da informalização do trabalho.
O segundo, que também tem relação direta com o avanço da precarização do trabalho, refere-se ao uso de redes sociais para o desenvolvimento de diversos tipos de atividades laborais. Entre essas atividades, pode-se considerar os canais de interação para tratar de demandas de trabalho, individualmente ou em grupo, a exemplo do uso que se faz do WhatsApp. Esse tipo de prática, bastante conhecida, mas difícil de ser mensurada, espalhou-se entre trabalhadores com vínculo formal, mas também entre os informalizados. A rede tem inclusive uma ferramenta de transferência de valores e tem sido utilizada para divulgação de serviços, comercialização de produtos, entre outras atividades.
Observa-se também, já há algum tempo, o uso de perfis públicos em redes como Facebook e Instagram para desenvolvimento de atividades laborais de diversos tipos. Recentemente foram divulgados os primeiros resultados de pesquisa sobre o uso do Instagram para atividades remuneradas, coordenada pela antropóloga Rosana Pinheiro-Machado.
A pesquisa destaca, entre outros aspectos, a atividade de um amplo segmento da população de comunidades pobres nesta rede social em busca de formas de remuneração. Mas ainda há muito o que se pesquisar sobre esse universo e sobre o perfil diversificado das atividades nele desenvolvidas, os trabalhadores envolvidos, as relações de trabalho ensejadas, os vínculos diretos e indiretos entre essas atividades e corporações de diferentes segmentos.
IHU – As plataformas digitais estão produzindo uma nova subjetividade do trabalho? Em que sentido?
Luci Praun – Sem dúvida. Mas essa história não começa com a expansão empresas-plataforma, mas nas mudanças no padrão de acumulação de capital que observamos a partir da década de 1970-1980. Alterações na dinâmica de acumulação de capital ensejam mudanças nas formas prevalentes de sociabilidade. É o que temos vivenciado nas últimas décadas.
No início de nossa conversa, mencionei os processos de reestruturação produtiva, as mudanças em curso no mundo do trabalho desde as últimas décadas do século passado. Essas alterações visaram incidir objetiva e subjetivamente nas relações de trabalho. A título de exemplo, podemos observar como a disseminação das bonificações por alcance de metas e resultados, além de flexibilizar parte dos salários, deslocou as atenções para a parcela flexibilizada, abriu caminho para que se instituíssem formas de competição entre equipes de trabalho e entre os/as trabalhadores/as de uma mesma equipe com vistas ao alcance das metas.
Em meio à intensificação e ampliação do controle sobre o trabalho, esse ambiente fortaleceu o discurso do mérito individual, minou o senso de coletividade presente nas décadas anteriores, naturalizou sutilmente o pagamento por produção.
Esses e outros recursos da gestão flexível foram atualizados e exacerbados no contexto do que temos denominado de uberização do trabalho. Trata-se agora da flexibilização levada ao limite, do trabalho sem a parcela de remuneração fixa, sem nenhum direito, sem garantia de descanso, mas com as chefias e o patrão invisibilizados, o que fornece a falsa impressão de autonomia do trabalhador frente à organização e gestão de seu próprio trabalho.
Plataformização
Essa dinâmica, que visa garantir o engajamento no trabalho, e que encontra na gestão algorítmica seu ponto de apoio fundamental, extrapola o universo do trabalho. Almeja organizar a vida social como um todo, incidir na forma como as pessoas se relacionam cotidianamente como trabalhadoras e consumidoras, no tempo de trabalho e de não trabalho. Tenho insistido na ideia de que em parte o engajamento obtido por essas empresas ancora-se nos sistemas de avaliação e metas, no medo do desemprego, nas pressões e assédios vivenciados nos locais tradicionais de trabalho, mas se sustenta também na manipulação, por parte dessas corporações, da experiência pregressa desses trabalhadores com o trabalho.
Entre os mais os jovens, essa experiência pregressa remete à vivência do desemprego de longa duração e da inserção, quando alcançada, em postos de trabalho com baixíssimas remunerações, exigência de jornadas longas, fixas e extenuantes.
Sobre os mais velhos, pesam a idade, o fim do posto de trabalho, a impossibilidade de recolocar-se em empregos com a remuneração e direitos que um dia acessaram. Entram em jogo também as experiências com os processos de reestruturação das empresas em que trabalhavam, quando o tempo e a produtividade do trabalho se tornaram ainda mais controlados e adoecedores, quando a pressão das avaliações de desempenho e o medo do desemprego tornaram-se parte da rotina.
É nessa vivência e memória recentes da classe trabalhadora, constituidoras de percepções negativas da inserção laboral formalizada, que se apoia a manipulação. É nelas que se apoiam os apelos ideológicos e as estratégias de envolvimento utilizadas por empresas como Uber, 99, IFood. Almejam associar a dificuldade de acesso ao emprego, a repulsa ao trabalho explorado e precarizado, à suposta experiência de conquista e realização pessoal por elas oferecida, fundada em uma suposta liberdade de escolha e no mérito individual. Há, nesse sentido, uma manipulação da experiência laboral na busca por convertê-la em suporte para adesão a formas de trabalho que prometem estar no mérito individual a fórmula para se dar bem.
IHU – Como avalia a pauta pela mudança na jornada de trabalho, o fim da escala 6×1? Quais as possibilidades de avançarmos neste debate no país?
Luci Praun – A redução da jornada de trabalho e o fim da escala 6×1 são reivindicações justas e necessárias. Uma não pode caminhar sem a outra. Não se trata de estabelecer uma escala 5×2, por exemplo, mantendo jornadas que facilmente superam as já extensas 44 horas semanais previstas na legislação. O fim da escala 6×1 é parte, portanto, da luta pela redução da jornada de trabalho. E a redução da jornada não pode ser acompanhada de redução do salário.
É sempre bom lembrar que a inserção de tecnologias digitais e o avanço da organização e gestão flexível do trabalho, que observamos nas últimas décadas, cortaram postos de trabalho ao mesmo tempo em que intensificaram a atividade laboral, ampliando também sua produtividade. Essas transformações se fizeram acompanhadas do amplo uso da terceirização e de um ambiente de crescente insegurança e instabilidade para a classe trabalhadora.
A luta pelo fim da jornada 6×1 e pela redução da jornada é, portanto, também parte da luta contra o avanço da precarização do trabalho. O que falta para essa pauta ser incorporada pelo conjunto das representações políticas e sindicais dos trabalhadores? Por um lado, chama a atenção que parte importante dessa luta esteja sendo organizada para além das estruturas sindicais, o que sugere certo distanciamento das representações sindicais de questões cruciais das categorias que representam.
Por outro, indica que uma ampla campanha em torno dessas reivindicações tem um enorme potencial de mobilização, pois dialogam diretamente com as vivências daqueles/as que acordam todos os dias para trabalhar duro e já não suportam mais ver a vida reduzida ao trabalho.
IHU – Qual o impacto da atual jornada na saúde do trabalhador e no sistema de saúde?
Luci Praun – A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Mundial do Trabalho (OIT), analisando dados de diferentes países, de 2016, constataram a relação entre longas jornadas laborais e maior incidência de mortes por acidente vascular cerebral (AVC) e doenças cardíacas. O estudo identificou que as longas jornadas contribuem para “um terço da carga total estimada de doenças relacionadas ao trabalho”.
Pesquisas realizadas no Brasil também constataram que jornadas longas potencializam acidentes de trabalho. Queixas de esgotamento físico e mental têm sido cada vez mais comuns e estão presentes em qualquer roda de conversa de trabalhadores.
Com o avanço da precarização do trabalho, as horas dedicadas ao descanso e ao lazer têm diminuído. O avanço do trabalho plataformizado, por exemplo, tem contribuído para que o ambiente doméstico esteja sendo cada vez mais tomado pelas atividades remuneradas, ampliando, no caso das mulheres, a sobreposição entre atividades remuneradas e não remuneradas de cuidado dos filhos, de idosos, da manutenção da casa.
Ilusão digital
No caso do trabalho plataformizado e por aplicativo, com remuneração por demanda atendida, as jornadas tendem a se estender sem limites, o que está longe de ser uma opção.
Apesar disso, os números oficiais sobre acidentes e adoecimentos relacionados ao trabalho captam apenas uma pequena parcela dessas ocorrências, resultante de parte das ocorrências envolvendo o segmento formalizado da classe trabalhadora. Do ponto de vista das empresas, reina tanto a ocultação de acidentes como o não reconhecimento dos adoecimentos relacionados ao trabalho, o que as isenta das responsabilidades com a saúde do/a trabalhador/a e com os custos de seu tratamento, transferido para o Sistema Único de Saúde.
A precarização do trabalho caminha no sentido oposto ao da garantia do direito à saúde. Garantir remuneração adequada e limitar as horas de dedicação ao trabalho é parte de um conjunto de medidas capazes de proteger a saúde dos/as trabalhadores/as.
IHU – Como analisa a luta dos movimentos dos trabalhadores de aplicativo, qual o centro da reivindicação?
Luci Praun – Considero, por razões diversas, um movimento desde já vitorioso, mesmo que ainda não tenha resultado no atendimento das reivindicações.
Uma razão diz respeito à capacidade das lideranças da categoria de articularem uma greve nacional, mais expressiva que o breque de 2020 e com uma pauta cuidadosamente construída a partir do diálogo com a categoria.
Reivindica-se a taxa mínima de entrega, proposta em R$10,00, o adicional de R$2,50 por quilômetro rodado, o limite de quilômetros para entrega por bicicletas, além do pagamento integral nas entregas agrupadas em uma mesma rota. Mas as reivindicações extrapolam a dimensão salarial, pois repercutem no número de entregas que os entregadores precisam fazer por dia para garantir a sobrevivência, no ritmo alucinante das entregas. E, em decorrência, o altíssimo número de acidentes de trabalho no trânsito que tem gerado um contingente crescente de trabalhadores mutilados e mortos.
A greve é também vitoriosa porque resulta da experiência cotidiana com o trabalho uberizado. Dá visibilidade à exploração praticada por essas plataformas de trabalho. Coloca em xeque a falsa promessa de “equilíbrio entre trabalho e vida pessoal”, sempre presente nas propagandas de empresas como a Uber. Resgata o sentido e força da organização coletiva, apontando o caminho da luta para outras categorias.
IHU – Trabalhadores que atuam em outras áreas que envolvem o uso de tecnologias têm aderido às mobilizações?
Luci Praun – Temos acompanhado um crescente descontentamento entre diferentes segmentos da classe trabalhadora. A luta desencadeada pelos entregadores de aplicativos e as mobilizações contra a escala 6×1 são as expressões mais visíveis dessa onda de mobilizações que têm à sua frente um segmento da classe trabalhadora que Ricardo Antunes tem denominado como “novo proletariado de serviços”, fortemente atingido pelo avanço da precarização do trabalho.
IHU – Como avalia a reforma trabalhista de 2017 quanto à expectativa e à realidade agora?
Luci Praun – Os argumentos favoráveis às alterações realizadas na legislação trabalhista brasileira, em 2017, nunca tiveram compromisso com a verdade. O cerne da “reforma” sempre foi a garantia de segurança jurídica para o empresariado em detrimento da segurança jurídica para os/as trabalhadores/as. O objetivo, conhecido dos defensores das medidas, sempre foi o de abrir o caminho para o avanço da precarização do trabalho. Assim, instituiu-se a prevalência do negociado sobre o legislado, ampliou-se a flexibilização contratual, avançou-se, entre outras deformidades, na instituição do trabalho intermitente.
Essas alterações foram realizadas em convergência com movimentos similares em outros países. Mas é interessante notar que a pretensão nunca foi a de criar condições de trabalho homogêneas em escala global. Ao contrário. Com a acentuação flexibilização do trabalho pela via da legislação, a garantia de segurança jurídica para os setores corporativos fez-se acompanhada da possibilidade de conjugar o recrutamento de um pequeno núcleo de trabalhadores/as formais precarizados, com contratos por tempo indeterminado, com o de uma franja crescente de trabalhadores terceirizados, temporários, intermitentes. E estes últimos, por sua vez, a tantos outros que compõem o heterogêneo contingente informalizado.
IHU UNISINOS
https://www.ihu.unisinos.br/650584-plataformas-digitais-sao-uma-velha-exploracao-do-trabalho-com-linguagem-e-discurso-do-seculo-xxi-entrevista-especial-com-luci-praun
por NCSTPR | 11/04/25 | Ultimas Notícias
Ariadne Lopes
A partir de 2025, empresas deverão incluir saúde mental no GRO, promovendo ambientes mais seguros, humanos e produtivos.
A partir de 25 de maio de 2025, todas as empresas brasileiras terão um novo e importante desafio pela frente: incluir a gestão de riscos psicossociais como parte do GRO – Gerenciamento de Riscos Ocupacionais. A mudança, estabelecida pela atualização da NR-1 – Norma regulamentadora 1 do MTE – Ministério do Trabalho e Emprego, amplia a responsabilidade das organizações para além da segurança física dos trabalhadores, exigindo ações concretas para a preservação da saúde mental no ambiente corporativo.
Mas será que as empresas estão preparadas para operacionalizar essa mudança?
Com a nova exigência, as organizações deverão identificar fatores de risco psicossociais, desenvolver planos de mitigação e realizar avaliações periódicas para medir a eficácia das medidas adotadas. Isso significa um avanço significativo na proteção dos trabalhadores contra transtornos como depressão, ansiedade e síndrome de burnout, recentemente incluídos na LDRT – Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho. Em um mercado cada vez mais competitivo e acelerado, essas condições têm se tornado alarmantemente comuns, muitas vezes ignoradas até atingirem níveis críticos.
O grande diferencial da atualização da NR-1 é a exigência de uma abordagem ativa e contínua. As empresas não apenas precisarão mapear os riscos psicossociais, mas também envolver os colaboradores no processo de identificação e acompanhamento das medidas preventivas. Além disso, serão necessárias iniciativas concretas, como treinamentos para gestores, palestras sobre saúde mental, revisão de políticas internas e até a criação de espaços de apoio psicológico dentro das organizações.
A adaptação a essas novas regras representa um grande desafio para as empresas, principalmente para aquelas que ainda encaram o bem-estar mental dos funcionários como um tema secundário. No entanto, é essencial compreender que a conformidade com a NR-1 deve ir além do medo de penalizações ou multas – que, aliás, podem ser severas e até levar ao fechamento da empresa em casos extremos. O verdadeiro objetivo da norma é transformar os ambientes de trabalho em espaços saudáveis, seguros e motivadores, reduzindo os impactos negativos que a toxicidade organizacional pode ter na vida dos trabalhadores.
Os benefícios de um ambiente de trabalho que prioriza a saúde mental são inúmeros: aumento da produtividade, redução do absenteísmo, melhora no clima organizacional e fortalecimento da reputação da empresa no mercado. Empresas que investem no bem-estar psicológico de seus funcionários colhem, a longo prazo, resultados expressivos tanto em termos humanos quanto financeiros.
Portanto, a pergunta que deve ser feita não é apenas se a sua empresa está preparada para essa mudança, mas sim se está disposta a ir além do mínimo exigido pela legislação e, de fato, construir um ambiente de trabalho onde a saúde mental seja uma prioridade real e não apenas uma obrigação burocrática.
Ariadne Lopes
Especialista em relações de trabalho do Massicano Advogados & Associados.
MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/depeso/428162/regra-de-riscos-psicossociais-desafia-empresas-a-analisar-saude-mental
por NCSTPR | 11/04/25 | Ultimas Notícias
Decisão considerou a gravidade da falta e a observância das normas internas da empresa.
Da Redação
O Juiz Paulo Emílio Vilhena da Silva, da vara do Trabalho de Lavras/MG confirmou a demissão por justa causa de funcionário de construtora que foi flagrado sob o efeito de cocaína durante o horário de trabalho.
O magistrado fundamentou a decisão na gravidade da falta cometida pelo trabalhador, a qual comprometeu a confiança necessária para a manutenção do vínculo empregatício. A empresa possuía um programa interno de prevenção ao uso de álcool e drogas, o qual foi observado no caso.
O magistrado ressaltou que a dispensa por justa causa, conforme previsto no art. 482 da CLT, requer provas robustas que justifiquem a medida, considerando suas implicações na vida do trabalhador.
No caso em questão, o ex-empregado foi submetido a um teste de saliva durante o expediente, que indicou a presença de cocaína. Um exame laboratorial de urina posterior confirmou o resultado.
A empresa formalizou a demissão cerca de dez dias depois, alegando risco à segurança do trabalho. Tanto a testemunha quanto o próprio reclamante reconheceram a situação que motivou a justa causa.
Na ação trabalhista, o profissional alegou ter sofrido dupla punição, argumentando que foi suspenso antes da dispensa e questionando a demora na aplicação da penalidade, alegando desrespeito ao princípio da imediatidade.
Ex-empregado foi submetido a um exame toxicológico de saliva durante o expediente.
O juiz, contudo, rejeitou esses argumentos. Esclareceu que a ausência do trabalhador após o exame foi considerada como folga pela empresa, enquanto aguardava a confirmação do exame, e não como uma punição.
Ademais, considerou que a empresa agiu prontamente após a confirmação do resultado laboratorial. A dispensa por justa causa foi considerada proporcional à falta.
O fato de o reclamante não ter informado a empresa sobre um possível vício em cocaína também contribuiu para a validade da justa causa. Segundo o juiz, essa informação poderia ter ensejado a adoção de medidas de tratamento.
Dessa forma, não houve ofensa ao caráter pedagógico da pena. O juiz destacou que o uso de substâncias ilícitas no ambiente de trabalho constitui falta grave, justificando a dispensa por justa causa, conforme o art. 482 da CLT.
A aplicação da penalidade foi respaldada pelo programa interno de prevenção ao uso de drogas e álcool, formalizado e aceito pelo funcionário, que concordou com as regras e com a realização dos exames.
A empresa agiu em conformidade com seu dever de garantir um ambiente de trabalho seguro e saudável, conforme o art. 7º, XXII, da CF, e o art. 157 da CLT. O programa de prevenção ao uso de drogas e álcool, com a previsão de testes, foi considerado válido e importante para assegurar a saúde e a segurança de todos os trabalhadores.
O juiz enfatizou que o reclamante estava trabalhando sob os efeitos da cocaína, “substância ilícita que, sabidamente, possui forte efeito psicotrópico e que compromete sobremaneira a saúde do trabalhador e a segurança no ambiente de trabalho”.
Além disso, entendeu que a conduta do empregado configurou ato de indisciplina e mau procedimento, previstos nas alíneas “b” e “h” do art. 482 da CLT.
Assim, os pedidos do homem para reversão da justa causa e pagamento das verbas rescisórias devidas em caso de demissão sem justa causa foram julgados improcedentes.
MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/quentes/428170/mantida-justa-causa-de-homem-por-teste-positivo-de-cocaina-no-trabalho
por NCSTPR | 11/04/25 | Ultimas Notícias
Decisão reconheceu que negar a prova violou o direito de defesa do vendedor.
Da Redação
A 6ª turma do TST determinou que a Justiça do Trabalho da Bahia autorize a realização de perícia para verificar a autenticidade de conversas via WhatsApp entre um vendedor e sua gerente, nas quais seriam tratados pagamentos de comissões “por fora”.
Para o colegiado, o indeferimento da medida violou o direito de defesa do trabalhador.
Comissões por fora
O vendedor ajuizou ação contra uma distribuidora de peças para motos e bicicletas, de Feira de Santana/BA, requerendo, entre outros pontos, a integração aos salários de valores que teriam sido pagos sem registro em folha.
Segundo ele, além do valor formalizado no contracheque, a empresa remetia mensalmente, via correios, a diferença das comissões em dinheiro vivo.
Como prova, apresentou prints de conversas com a gerente administrativa, nas quais ela autoriza a retirada dos valores diretamente no setor de cobrança, em razão de uma greve nos serviços postais.
A empresa negou a existência dos pagamentos por fora e contestou a veracidade das conversas. Diante disso, o trabalhador pediu que a gerente fosse ouvida em juízo ou, caso não comparecesse, que fosse realizada perícia no telefone dela.
Também solicitou que os exames alcançassem os computadores e o e-mail que usava para armazenar as mensagens.
Vendedor consegue perícia em conversa de WhatsApp para provar pagamentos por fora.
O juiz de 1ª instância indeferiu o pedido de perícia, alegando que a quebra de sigilo de comunicações não se aplicaria ao processo trabalhista. Segundo ele, a ata notarial com o conteúdo das mensagens seria suficiente.
Os prints, no entanto, foram desconsiderados como prova, com o argumento de que poderiam ter sido manipulados. O TRT da 5ª região manteve a sentença, afirmando que os arquivos de imagem poderiam ser facilmente adulterados, inclusive para omitir mensagens, “sem deixar qualquer vestígio”.
Defesa cerceada
No recurso ao TST, o trabalhador sustentou que teve seu direito de defesa cerceado, além de destacar o custo elevado da ata notarial em sua cidade.
A ministra Kátia Arruda, relatora do recurso, apontou que a Constituição Federal e o CPC garantem o contraditório e a ampla defesa, bem como o direito de utilizar todos os meios legais disponíveis para provar os fatos alegados.
“Evidentemente, não é inútil ou protelatória prova pericial que objetiva verificar a veracidade de conversa de WhatsApp não reconhecida pela parte contrária e que, em tese, poderia confirmar as alegações do interessado.”
Com base nesse entendimento, a 6ª turma anulou a decisão e determinou a produção da prova pericial.
Processo: 90-32.2021.5.05.0511
Leia a decisão:chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.migalhas.com.br/arquivos/2025/4/FF0EBFEF823548_TSTpermitepericianoWhatsApppar.pdf
MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/quentes/428187/tst-permite-pericia-no-whatsapp-para-provar-valores-pagos-por-fora
por NCSTPR | 11/04/25 | Ultimas Notícias
Jorge Luis Borges, em seu conto O Jardim de Caminhos que se Bifurcam, imagina um universo em que todos os tempos possíveis coexistem, criando infinitas realidades paralelas que se desdobram conforme diferentes escolhas são feitas. No conto, cada decisão não apenas determina um futuro, mas também reescreve o passado, tornando a realidade algo fluido e incerto. Ainda que Borges tenha concebido essa ideia como um exercício literário, a Justiça do Trabalho, em certas decisões, parece adotá-la como método de julgamento. A diferença, porém, é que, no mundo jurídico, a realidade não pode ser reescrita a posteriori sem que isso viole princípios fundamentais como previsibilidade e segurança jurídica.
Ocorre que, em alguns casos, juízes impõem aos empregadores uma lógica borgeana e contraditória: exigem que tenham cumprido, no passado, obrigações que apenas se tornaram juridicamente relevantes no futuro. Decisões que invalidam pedidos de demissão de gestantes pela ausência de assistência sindical, mesmo quando a gravidez era desconhecida, ou que anulam acordos de compensação de jornada a partir do reconhecimento tardio da insalubridade, seguem essa linha de pensamento. Elas criam um cenário em que a Justiça não apenas julga fatos, mas os reinventa à luz de elementos que não existiam no momento da conduta questionada.
Se o Direito for conduzido dessa maneira, os empregadores não estarão mais sujeitos a regras jurídicas claras, mas sim a uma forma de arbitrariedade em que suas ações passadas serão interpretadas com base em realidades futuras que sequer poderiam ser antecipadas. Isso não é apenas irracional; é profundamente injusto.
A Justiça do Trabalho, em sua missão de equilibrar as relações entre empregadores e empregados, muitas vezes envereda por caminhos que desafiam não apenas a lógica jurídica, mas também a noção básica de previsibilidade e segurança nas relações laborais.
Dois exemplos ilustram de forma emblemática essa tendência preocupante: (1) a anulação retroativa de pedidos de demissão de gestantes sob a justificativa da ausência de assistência sindical e (2) a invalidação de acordos de compensação ou prorrogação de jornada a partir do reconhecimento tardio da insalubridade da atividade.
Ambas as situações demonstram um fenômeno cada vez mais comum nas decisões trabalhistas: a aplicação de uma espécie de futurologia judicial, em que o empregador é cobrado por não ter agido com base em fatos que sequer eram conhecidos no momento da decisão empresarial.
Paradoxo do pedido de demissão da gestante
O artigo 500 da CLT exige que um pedido de demissão seja assistido pelo sindicato quando o contrato tiver mais de um ano de duração. O propósito dessa exigência é claro: garantir que o trabalhador não seja coagido a pedir demissão em prejuízo de seus direitos. No entanto, algumas decisões judiciais têm levado essa norma a uma aplicação absurda quando se trata de gestantes.
Não é raro encontrar julgados que invalidam pedidos de demissão de empregadas gestantes simplesmente porque não houve assistência sindical, mesmo quando:
– O pedido de demissão foi voluntário e legítimo.
– Nem a empregada nem a empresa tinham conhecimento da gravidez no momento da rescisão.
Essa interpretação leva à seguinte contradição lógica: a empresa deveria ter providenciado a assistência sindical para validar um pedido de demissão sem sequer saber que a empregada estava grávida. Em outras palavras, exige-se que o empregador tenha adotado uma conduta no passado com base em um fato que apenas se tornaria conhecido no futuro.
Essa postura decisória lembra o enredo de Minority Report de Spielberg. No clássico do cinema, policiais previam crimes antes mesmo de serem cometidos e puniam seus autores antes que tivessem qualquer intenção de agir.
No mundo jurídico, esse tipo de ficção não pode ter lugar: o Direito não pode impor ao empregador a obrigação de agir com base em uma realidade desconhecida à época da tomada de decisão. Isso viola frontalmente o princípio da segurança jurídica e gera um cenário em que o passado é reinterpretado à luz de fatos supervenientes, sem qualquer razoabilidade.
Retroatividade indevida na compensação de jornada e efeito ‘prediletivo’
O segundo ponto de crítica refere-se à invalidade de acordos de prorrogação ou compensação de jornada quando, posteriormente, em uma reclamação trabalhista, se reconhece que a atividade era insalubre e, por isso, a empresa deveria ter solicitado autorização prévia do Ministério do Trabalho, conforme o artigo 60 da CLT.
Esse tipo de decisão padece do mesmo vício da anterior: retroativamente, impõe ao empregador a obrigação de ter cumprido um requisito formal que, no momento da pactuação do acordo, não se aplicava à sua realidade. Se o próprio empregador não entendia que a atividade era insalubre – e, de fato, continua não entendendo, tanto contestando, impugnando laudos e recorrendo de decisões –, como poderia ter solicitado uma autorização para algo que sequer era considerado necessário à época?
A legislação é expressa ao afirmar que a ausência de requisitos formais para a compensação de jornada não implica a repetição do pagamento das horas extras, salvo se ultrapassada a jornada semanal máxima. No entanto, decisões têm imposto um pagamento integral, desconsiderando a previsão expressa da CLT.
A lógica aplicada nesse tipo de julgamento é similar à da reversão de justa causa com imposição da multa do artigo 477 da CLT. Se a empresa dispensou um empregado por justa causa e pagou todas as verbas rescisórias cabíveis, não pode ser condenada a pagar uma multa simplesmente porque, anos depois, uma decisão judicial alterou o enquadramento da dispensa.
O que se exige nesses casos é que os empregadores tivessem sido “prediletivos”, antecipando decisões futuras da Justiça do Trabalho e tomando medidas que, na época, não tinham qualquer respaldo jurídico.
Conclusão: Minority Report e o futuro que condena o passado
A lógica da Justiça do Trabalho, em muitas decisões, tem caminhado na contramão do próprio Direito. O que se observa é uma insistência em impor aos empregadores uma responsabilidade retroativa, baseada em fatos que, à época da tomada de decisão, eram desconhecidos ou sequer se configuravam juridicamente.
A previsibilidade é um elemento essencial para a segurança das relações jurídicas.
Assim, quando decisões judiciais impõem obrigações retroativas, sem que houvesse qualquer possibilidade razoável de o empregador conhecê-las ou antevê-las, rompe-se com um dos pilares fundamentais do Estado de Direito: a vedação da responsabilização por fatos imprevisíveis.
Se essa lógica for levada às últimas consequências, a Justiça do Trabalho se tornará um tribunal da ficção, em que empregadores serão punidos não por suas condutas reais, mas por sua incapacidade de prever o futuro.
Esse caminho não apenas é injusto, mas também gera um ambiente de total insegurança para aqueles que empregam e sustentam a economia. É hora de abandonar a futurologia judicial e retomar o compromisso com a racionalidade das decisões.
Decidir com base no passado é Direito. Decidir o passado com base no futuro é ficção. A Justiça do Trabalho tem imposto condenações que exigem dos empregadores algo impossível: prever fatos desconhecidos e agir como se já soubessem o desfecho de eventos futuros. Da invalidade retroativa do pedido de demissão de gestantes ao reconhecimento tardio de insalubridade para anular acordos de jornada, essa lógica absurda compromete a segurança jurídica e transforma o Direito em um exercício de adivinhação.
por NCSTPR | 11/04/25 | Ultimas Notícias
Quando o assunto se refere aos direitos trabalhistas de empregados falecidos muitas são as dúvidas que acometem os familiares e as empresas. Isso porque nem sempre fica claro quais são os direitos que devem ser quitados, bem como para quem esse pagamento deve ser feito.
Nesse sentido, questiona-se: em caso de falecimento do trabalhador, quais direitos trabalhistas decorrentes do extinto contrato de trabalho devem ser pagos? Para quem esse pagamento deve ser feito em observância à legislação vigente? E, ainda, caso exista alguma dúvida sobre para quem pagar, existe algum mecanismo do qual o empregador poderá se valer para evitar a sua responsabilidade pelo não pagamento em tempo e modo?
Por certo, em razão das polêmicas envolvendo esse assunto sensível, principalmente em um momento em que ocorre a perda de um familiar, a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista eletrônica Consultor Jurídico [1], razão pela qual agradecemos o contato.
Legislação
Do ponto de vista normativo no Brasil, de um lado, a Lei nº 6.858, de 24 de novembro de 1980 [2], que dispõe sobre o pagamento aos dependentes ou sucessores, de valores não recebidos em vida pelos respectivos titulares, prevê em seu artigo 1º que:
“Os valores devidos pelos empregadores aos empregados e os montantes das contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de Participação PIS-Pasep, não recebidos em vida pelos respectivos titulares, serão pagos, em quotas iguais, aos dependentes habilitados perante a Previdência Social ou na forma da legislação específica dos servidores civis e militares, e, na sua falta, aos sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial, independentemente de inventário ou arrolamento.”
Lado outro, o Decreto 85.845/1981 [3], que regulamenta a referida lei, traz em seu artigo 2º [4] os requisitos para que seja declarada a condição de dependente junto a Previdência Social. Já o Código Civil [5], em seu artigo 1.784 e seguintes, trata do direito das sucessões.
À vista disso, verifica-se que, em caso de falecimento do trabalhador, o pagamento das suas verbas rescisórias deverá ser realizado aos seus dependentes, devidamente habilitados perante o INSS, e, na falta deles, aos seus sucessores na forma da lei civil.
Ação de consignação em pagamento
Entrementes, é cediço que nem sempre é possível sanar imediatamente a identificação do dependente e/ou sucessor, seja em razão da dificuldade de contactar um familiar, seja até mesmo por existir dúvidas de quem realmente é a pessoa correta que deverá receber tais valores. Além disso, pode ocorrer de o credor criar embaraços para o recebimento do crédito.
Nesse sentido, um dos caminhos que comumente é seguido pelas empresas para a satisfação do crédito do trabalhador falecido é a propositura da ação de consignação em pagamento, sendo aqui oportunos os ensinamentos de Henrique Correa e Elisson Miessa [6]:
“Ao devedor é conferido o direito de quitar sua obrigação. Desse modo, quando o pagamento não puder ser efetuado em razão de resistência do credor ou obstáculo alheio à vontade do devedor, o ordenamento admite a consignação em pagamento para que sejam evitadas as consequências prejudiciais de mora. Trata-se, portanto, de forma de extinção da obrigação.
A CLT não prevê a ação de consignação em pagamento, razão pela qual aplicamos as diretrizes dos arts. 539 e seguintes do CPC, por força do artigo 769 da CLT. A consignação de pagamento pode ser: extrajudicial e judicial. (…). Quanto a consignação em pagamento judicial , trata-se de rito especial, sendo cabível nas hipóteses do artigo 335 do CC, a saber: 1) se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na forma devida; 2) se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos; 3) se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil; 4) se ocorrer dúvida sobre quem deva a legitimamente receber o objeto de pagamento; 5) se pender litigio sobre o objeto de pagamento”.
Multa por atraso no pagamento das verbas rescisórias e o posicionamento do Poder Judiciário
Para além da própria dúvida quanto ao procedimento a ser adotado para evitar o pagamento equivocado, por certo há controvérsias acerca do prazo para o respectivo pagamento, nos termos do artigo 477, § 6º da CLT [7].
Segundo a legislação celetária, é de 10 dias corridos o interregno para o adimplemento das verbas rescisórias, a contar do término do contrato, sob pena de pagamento de multa equivalente a último salário do trabalhador [8].
Recentemente, esta questão foi levada ao Poder Judiciário, de modo que os julgadores do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais da 3ª Região [9] reformaram uma sentença que havia condenado determinada empresa ao pagamento da multa prevista no §8º do artigo 477 da CLT, justamente por não ter conseguido identificar corretamente os herdeiros.
Em sentido oposto, o Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul da 4ª Região [10] entendeu ser devida a aplicação da multa pelo atraso no pagamento das verbas rescisórias a dependentes do empregado falecido, reformando a decisão que havia julgado improcedente o pedido por inexistir previsão de aplicação de multa nesta hipótese. Para o desembargador relator, a lei não discrimina nenhuma forma de extinção do contrato de trabalho, de modo que o prazo ali estabelecido, de 10 dias corridos, deveria ser observado, independentemente da modalidade da dissolução contratual.
Noutro giro, o Tribunal Superior do Trabalho também foi provocado a emitir juízo de valor sobre a temática, cujo entendimento majoritário, exarado pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais [11] da corte, é no sentido de que o prazo para o pagamento das verbas rescisórias não se aplica em caso de falecimento do empregado, notadamente por constituir uma forma abrupta e imprevisível de dissolução do contrato de trabalho [12].
Conclusão
Portanto, na ocorrência do evento morte do trabalhador, que acarretará a extinção do contrato individual de trabalho, os seus dependentes ou sucessores irão receber, via de regra, as seguintes verbas rescisórias: 1) saldo de salário; 2) férias proporcionais e vencidas; 3) 13º salário proporcional; e 4) FGTS. Vale dizer, as verbas rescisórias se equiparam aqui àquelas devidas em caso de pedido de demissão do trabalhador [13].
Em arremate, dada a natureza personalíssima do vínculo de emprego, a rescisão contratual deve coincidir com a data do óbito, mesmo que o empregador tome conhecimento da morte em momento posterior [14], a fim de evitar futuros prejuízos e atrasos no recebimento de benefícios junto ao INSS, se houver. A propósito, é imprescindível que a empresa possua sempre os dados atualizados de seus empregados, inclusive quanto aos seus herdeiros e dependentes, evitando quaisquer problemas futuros, em especial quanto ao pagamento equivocado àqueles que não são legitimados para o recebimento, afinal, como diz o ditado popular, “quem paga mal, paga duas vezes”.
[1] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.
[2] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6858.htm. Acesso em 8.4.2025.
[3] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D85845.htm. Acesso em 8.4.2025.
[4] Art. 2º A condição de dependente habilitado será declarada em documento fornecido pela instituição de Previdência ou se for o caso, pelo órgão encarregado, na forma da legislação própria, do processamento do benefício por morte.
Parágrafo Único. Da declaração constarão, obrigatoriamente, o nome completo, a filiação, a data de nascimento de cada um dos interessados e o respectivo grau de parentesco ou relação de dependência com o falecido.
[5] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em 8.4.2025.
[6] Direito e Processo do Trabalho. 3ª edição. São Paulo. Editora Juspodivum. Página 1.560/1.561.
[7] CLT, Art. 477. Na extinção do contrato de trabalho, o empregador deverá proceder à anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, comunicar a dispensa aos órgãos competentes e realizar o pagamento das verbas rescisórias no prazo e na forma estabelecidos neste artigo. (…). § 6o A entrega ao empregado de documentos que comprovem a comunicação da extinção contratual aos órgãos competentes bem como o pagamento dos valores constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação deverão ser efetuados até dez dias contados a partir do término do contrato.
[8] CLT, Art. 477, § 8º – A inobservância do disposto no § 6º deste artigo sujeitará o infrator à multa de 160 BTN, por trabalhador, bem assim ao pagamento da multa a favor do empregado, em valor equivalente ao seu salário, devidamente corrigido pelo índice de variação do BTN, salvo quando, comprovadamente, o trabalhador der causa à mora.
[9] Disponível em https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/trt-mg-afasta-multa-do-artigo-477-da-clt-em-caso-de-falecimento-de-empregado. Acesso em 8.4.2025.
[10] Disponível em https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/577094. Acesso em 8.4.2025.
[11] E-RR-241-79.2019.5.10.0009, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 12/05/2023.
[12] E-RR-152000-72.2005.5.01.0481, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Joao Oreste Dalazen, DEJT 20/11/2015.
[13] Disponível em https://www.conjur.com.br/2025-jan-30/verbas-rescisorias-quais-sao-as-parcelas-e-as-formas-de-extincao-do-contrato-de-trabalho/. Acesso em .8.4.2025.
[14] Disponível em https://www.gov.br/esocial/pt-br/noticias/desligamento-em-caso-de-falecimento-de-empregado. Acesso em 8.4.2025.
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é advogado de Calcini Advogados. Graduação em Direito pela Universidade Braz Cubas. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito. Especialista em Direito Contratual pela PUC-SP. Especialista em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha (Espanha). Especialista em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC – IUS Gentium Coninbrigae), da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal). Pós-graduando em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Pesquisador do Núcleo de pesquisa e extensão: “O Trabalho Além do Direito do Trabalho” do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da USP, coordenado pelo professor Guilherme Guimarães Feliciano.
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é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista, sócio fundador de Calcini Advogados, com atuação estratégica e especializada nos tribunais (TRTs, TST e STF), docente da pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do comitê técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.
CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-abr-10/verbas-rescisorias-em-caso-de-falecimento-do-trabalhador/