Participação nos lucros e resultados e balanced scorecard
DIRETO DO CARF
Por Alexandre Evaristo Pinto
Nesta semana trataremos dos precedentes do Carf acerca da incidência ou não de contribuição previdenciária sobre montantes pagos a título de Participação nos Lucros e Resultados (PLR) e cujas metas tenham levado em consideração o modelo do “balanced scorecard”.
Nos termos do artigo 28, §9º, e), 9, “j”, da Lei nº 8.212/91, não incide contribuição previdenciária sobre a PLR, quando esta é paga ou creditada de acordo com lei específica.
A PLR é regulada pela Lei nº 10.101/2000, que estabelece que os instrumentos decorrentes de sua negociação contenham regras claras e objetivas quanto à fixação dos direitos substantivos da participação e das regras adjetivas, inclusive mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado, periodicidade da distribuição, período de vigência e prazos para revisão do acordo, podendo ser considerados, entre outros, os seguintes critérios e condições: 1) índices de produtividade, qualidade ou lucratividade da empresa; ou 2) programas de metas, resultados e prazos, pactuados previamente.
Dessa forma, a previsão de regras claras e objetivas é um dos requisitos para que não haja a incidência da contribuição previdenciária.
A avaliação do desempenho de uma empresa e dos seus trabalhadores não é tarefa fácil, de forma que são diversos os estudos em Contabilidade Gerencial que buscam enfrentar tal desafio.
Ao refletir sobre tal desafio, Reinaldo Guerreiro assinala que as mensurações são necessárias tanto para expressar os objetivos, evidenciando os alvos a serem buscados, quanto para controlar e avaliar os resultados das atividades que foram tomadas para se atingir os alvos [1].
Em complemento a tal raciocínio, Carlos Alberto Pereira pondera que o desempenho assume diversas dimensões no contexto empresarial, uma vez que pode se referir à empresa como um todo, a uma área, a uma função ou até a um indivíduo específico, assim como pode se referir a aspectos operacionais, econômicos ou financeiros [2].
Em 1990, houve a organização e o patrocínio pelo Instituto Nolan Norton de um grupo de estudos envolvendo diversas empresas denominado “Measuring Performance in the Organization of the Future” e cujo objetivo era desenvolver formas mais eficientes de mensuração de desempenho [3].
O referido grupo partia da premissa de que os métodos baseados nos indicadores contábeis e financeiros até então existentes se tornaram obsoletos, de modo que as empresas tinham dificuldades em criar valor econômico para o futuro [4].
Os líderes do referido estudos foram Robert Kaplan e David Norton, sendo que as reuniões do grupo ocorriam em bases bimestrais. Dentre os novos métodos de medição de performance, mereceu destaque uma abordagem de mensuração do índice de progresso em atividades de melhoria contínua desenvolvido pela empresa Analog, que utilizava um “scorecard” corporativo, que incluía as medidas financeiras tradicionais e também outras medidas de desempenho relativas a prazos de entrega ao cliente, qualidade e ciclos de processo de produção, bem como a eficácia no desenvolvimento de novos produtos [5].
O grupo concluiu que a ferramenta mais promissora consistiria em um “scorecard” multidimensional, que recebeu o nome de “balanced scorecard”, que seria organizado em quatro óticas distintas: 1) financeira; 2) do cliente; 3) de inovação; e 4) de inovação e aprendizado [6].
O “balanced scorecard” refletiria objetivos de curto e longo prazo, medidas financeiras e não financeiras, indicadores de tendências e de ocorrências, assim como permitiria perspectivas internas e externas de desempenho [7].
Em outras palavras, o “balanced scorecard” tem o mérito de traduzir a missão e a estratégia da empresa por meio de um conjunto de medidas de desempenho, sendo um sistema relevante de medição e gestão estratégica, sendo utilizado para diversas finalidades, dentre as quais: o estabelecimento de metas individuais e de equipe, remuneração, alocação de recursos, planejamento e orçamento, feedback e aprendizado [8].
Feitas as principais considerações sobre o “balanced scorecard” enquanto ferramenta de controle gerencial, passaremos a analisar os precedentes do Carf em que acordos coletivos prevendo a PLR se baseavam na referida ferramenta.
Nos Acórdãos nº 2202003.373, 2202003.374, 2202003.376 e 2202003.377 (todos de 10/05/16), a turma deu provimento por unanimidade aos recursos voluntários do contribuinte.
Nessa linha, constou expressamente nos votos da conselheira relatora [9] que diferentemente do que entedia a fiscalização, havia uma regra clara de estipulação das metas de desempenho dos beneficiários da PLR, que pressupunha cinco etapas: 1) “verificase o grupo de salários não qual está enquadrado o empregado. A partir dessa classificação, é definido o múltiplo de salário inicial que poderá ser pago a título de PLR (denominado ‘target’)”; 2) “o ‘target’ é multiplicado pelo fator extraído dos indicadores de desempenho;” 3) “o valor obtido é multiplicado pelo fator Lair”; 4) “o valor obtido pelo fator LAIR é, então, multiplicado pelo fator ‘market share'”; e 5) “e, por fim, os valores obtidos das multiplicações acima é multiplicado pelo fator ‘scorecard’ definindo, assim, o valor do PLR a pagar, respeitando o critério de proporcionalidade para os casos pertinentes”.
Como consequência, a conselheira relatora entendeu que os acordos firmados pelo recorrente estariam atrelados a critérios e parâmetros claros e objetivos.
No Acórdão nº 2401004.795 (de 10/05/17), a turma decidiu, por maioria de votos, por dar provimento ao recurso voluntário.
A autuação fiscal entendeu que não havia no instrumento de negociação a definição das diferentes áreas de negócios nas quais serão os diversos modelos trazidos no acordo de PLR, de forma que inexistiriam regras claras e objetivas pactuadas previamente.
Por sua vez, preponderou o voto do conselheiro relator [10] de que “a exigência de regras claras e objetivas não se destina, precipuamente, à compreensão do Fisco. Embora importante para garantia do interesse público, é nítido o papel secundário exercido pela fiscalização tributária neste processo, a qual não lhe foi concedia a função de avaliação do mérito das regras aprovadas na negociação entre as partes”.
Prossegue ainda o relator que “por essa razão, a interferência na autonomia privada é medida excepcional, exigindose a certeza da autoridade fiscal, apoiada em elementos objetivos, quanto à desconformidade do acordado frente aos preceitos legais da Participação nos Lucros ou Resultados. (…) O agente fiscal não participa do dia a dia da vida laboral da empresa e de seus empregados, de maneira que as questões que lhe configuram obscuras podem estar perfeitamente claras para o empresário e os trabalhadores. De maneira análoga, um critério e/ou informação que lhe pareça omisso no instrumento de negociação, podem estar univocamente delimitados pelos atores sociais principais, tendo em conta a proximidade com os fatos”.
Como decorrência, o relator aponta que “as dificuldades de compreensão do agente fiscal não significam, necessariamente, obstáculos à cognição dos segurados empregados e dos sindicatos que os representam, pois podem acompanhar, obter esclarecimentos e questionar as regras e os critérios vinculados à aquisição do direito ao pagamento da participação, bem como os mecanismos de aferição do pactuado”.
Por fim, o relator pondera ainda que o detalhamento pormenorizado das metas pode estar estipulado em documentos apartados ou, até mesmo, em outros canais de comunicação, desde que mantida a harmonia com as regras gerais e sempre com pleno acesso e conhecimento dos trabalhadores.
No mesmo sentido, a mesma turma julgou, por maioria de votos, dar provimento ao recurso voluntário no que tange a este ponto no Acórdão nº 2401004.987 (de 08/08/17).
A autuação fiscal destacou que o anexo do acordo da PLR não traz claramente as metas a serem alcançadas, mas somente os indicadores que serão utilizados na avaliação, sendo que não há evidenciação dos pesos que compõem o “Scorecard”, nem a determinação de como serão aferidos tais critérios.
O conselheiro relator [11] reafirmou grande parte dos argumentos trazidos no já mencionado Acórdão nº 2401004.795, no sentido de que não caberia à fiscalização uma análise meramente abstrata dos instrumentos de negociação sob pena “de cometimento de equívocos pelo agente fiscal”.
No Acórdão nº 2202005.193 (de 08/05/19), a turma decidiu, por maioria de votos, por dar provimento ao recurso voluntário.
A autuação fiscal tinha concluído que a previsão de que o desempenho dos beneficiários da PLR se daria por um “scorecard” seria obscura, uma vez que “em nenhum momento são definidos os scorecards de cada área de atuação dos beneficiários, suas regras, mecanismos de aferição ou critérios de avaliação”, havendo apenas um exemplo no qual se via “a utilização de critérios tais como: retenção de clientes, crescimento da receita de negócios, qualidade da carteira, rentabilidade das contas, custos dos serviços, qualidade dos serviços e incidência de problemas”. Ademais, entendeu a fiscalização que tais metas seriam fixadas fora dos acordos de PLR
Todavia, no julgamento do Carf, preponderou o entendimento do conselheiro relator [12] de que o fato dos detalhes relativos às metas se encontrem em documentos apartados não lhes afastaria a clareza e tampouco sinalizaria que não houve participação sindical nas negociações individuais.
No Acórdão nº 2202-009.717 (de 09/03/23), foi negado provimento ao recurso do contribuinte por maioria de votos.
No caso em tela, a avaliação do “balanced scorecard” do indivíduo levava em consideração: 1) o resultado geral da empresa no país (visto se tratar empresa que é parte de grupo multinacional); 2) o resultado da área na qual ele trabalhava; e 3) o resultado individual.
A autuação fiscal considerou que os critérios relativos às metas não eram cristalinos, bem como os indicadores de desempenho das áreas e seus pesos eram determinados em documentos em separado (cartilhas “scorecard” PPR).
Além disso, tais critérios poderiam ser alterados unilateralmente e “a posteriori” pela empresa, sem que houvesse a existência de uma negociação com os empregados com a participação de um representante sindical.
A recorrente afirma que o “balanced scorecard” não um método linear, mas sim matricial, que leva em conta simultaneamente diversos fatores do funcionário e da área ao qual pertence, sendo que os objetivos individuais são fixados “pelos empregados em conjunto com seus gestores”, de forma que não haveria que se falar em fixação unilateral das metas.
Em seu voto, a conselheira relatora [13] pontuou que não haveria imposição na lei de que a PLR seja integralmente disciplinada no instrumento de negociação coletiva, podendo o detalhamento constar em documentos apartados, mas tais documentos devem estar em harmonia com as regras gerais e serem acessíveis ao trabalhador no momento da celebração dos acordos e convenções.
Todavia, ao analisar a documentação trazida aos autos, a conselheira concluiu que nem os instrumentos de negociação e tampouco os anexos juntados dispuseram de forma objetiva sobre o direito substantivo ou adjetivo à concessão do PLR, de forma que não haveriam regras claras e objetivas que permitam verificação da harmonia com as regras gerais e que pudessem ser acessíveis aos trabalhadores no momento da celebração dos acordos e convenções.
A conselheira relatora refuta a documentação exemplificativa trazida pela recorrente com relação a um beneficiário da PLR, uma vez que tais informações não se revestem da condição de provas, na medida em que não estão datadas ou assinadas (parte da informação está em inglês).
A descrição do entendimento que não foi vitorioso no presente caso foi objeto de declaração de voto [14], no qual o conselheiro assinalou que, a seu ver, as regras do acordo de PLR seriam claras e objetivas, uma vez que estão desenhados no plano de PLR os objetivos, as premissas, as ideias, as linhas gerais e especiais da PLR, assim como seria possível que o plano caminhasse por um acompanhamento interno quanto ao detalhamento das metas para os diferentes empregados, setores, departamentos, gerências, áreas e cargos, ainda mais quando o modelo adotado envolve parâmetros e avaliações de desempenho individual.
Diante do exposto, nota-se que há tanto acórdãos que validaram o uso do “balanced scorecard” como método para mensuração de desempenho em acordos de PLR, ainda que o detalhamento dos critérios não constasse nos instrumentos de negociação do plano, mas em documentos apartados, quanto há acórdão em que preponderou o entendimento de que não havia uma regra clara e objetiva de metas em situação na qual a contribuinte se utilizava do “balanced scorecard”.
*Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.
[1] GUERREIRO, Reinaldo. Modelo Conceitual de sistema de informação de gestão econômica: uma contribuição à teoria da comunicação da contabilidade. Tese de doutorado. São Paulo: FEA/USP, 1989. p. 78.
[2] PEREIRA, Carlos Alberto. Avaliação de Resultados e Desempenhos. In: CATELLI, Armando (coord.). Controladoria – uma abordagem da gestão econômica GECON. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 197.
[3] KAPLAN, Robert S.; NORTON, David P. A Estratégia em Ação – Balanced Scorecard. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. VII-X.
[4] KAPLAN, Robert S.; NORTON, David P. Op. cit. p. VII-X.
[5] KAPLAN, Robert S.; NORTON, David P. Op. cit. p. VII-X.
[6] KAPLAN, Robert S.; NORTON, David P. Op. cit. p. VII-X.
[7] KAPLAN, Robert S.; NORTON, David P. Op. cit. p. VII-X.
[8] KAPLAN, Robert S.; NORTON, David P. Op. cit. p. 2-6.
[9] Conselheira Junia Roberta Gouveia Sampaio.
[10] Conselheiro Cleberson Alex Friess.
[11] Conselheiro Carlos Alexandre Tortato.
[12] Conselheiro Leonam Rocha de Medeiros.
[13] Conselheira Sonia de Queiroz Accioly.
[14] Conselheiro Leonam Rocha de Medeiros.
Alexandre Evaristo Pinto é conselheiro titular da Câmara Superior de Recursos Fiscais da 1ª Seção do Carf, ex-conselheiro titular da 2ª Seção do Carf, doutorando em controladoria e contabilidade pela Universidade de São Paulo (USP), doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP, mestre em Direito Comercial pela USP, professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Financeiras e Atuariais (Fipecafi), do Insper e do Ibmec, ex-presidente da Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes no Carf (Aconcarf), pesquisador concursado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas (NEF/FGV).
Revista Consultor Jurídico
https://www.conjur.com.br/2023-set-20/direto-carf-participacao-lucros-resultados-balanced-scorecard